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Instabilidade de categorias sociais imaginárias : o que pode dizer-nos sobre a instabilidade de estereótipos sociais?

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE PSICOLOGIA

INSTABILIDADE DE CATEGORIAS SOCIAIS IMAGINÁRIAS: O

QUE PODE DIZER-NOS SOBRE A INSTABILIDADE DE

ESTEREÓTIPOS SOCIAIS?

André Ribeiro Vaz

MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA

(Secção de Cognição Social Aplicada)

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UNIVERSIDADE DE LISBOA

FACULDADE DE PSICOLOGIA

INSTABILIDADE DE CATEGORIAS SOCIAIS IMAGINÁRIAS: O

QUE PODE DIZER-NOS SOBRE A INSTABILIDADE DE

ESTEREÓTIPOS SOCIAIS?

André Ribeiro Vaz

Dissertação orientada pela Professora Doutora Ana Sofia Santos e coorientada pelo Pro-fessor Doutor Tomás Palma

MESTRADO INTEGRADO EM PSICOLOGIA

(Secção de Cognição Social Aplicada)

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Resumo

Um estudo de Garcia-Marques, Santos e Mackie (2006) reporta que uma instabi-lidade intra-participante de estereótipos sociais coexiste com um alto nível de acordo in-tra-item inter-participantes. Payne, Vuletich e Lundberg (2017) explicam estes padrões como o resultado de um efeito semelhante ao Wisdom of Crowds (Surowiecki, 2004), com a instabilidade individual resultante da acessibilidade, e a estabilidade a nível grupal a originar da agregação de participantes. O presente trabalho usa a mesma metodologia teste-reteste (Katz & Braly, 1933) para estudar se os mesmos resultados são replicados sob condições de independência dos participantes (assumida pelo Wisdom of Crowds). O estudo 1 dividiu participantes entre 2 condições, categorias sociais e categorias sociais imaginárias (das quais os participantes não possuíam qualquer conhecimento partilhado prévio), e pediu-lhes que selecionassem atributos, de uma lista, que melhor descrevessem cada grupo social. A tarefa foi repetida 2 semanas mais tarde, e as respostas foram com-paradas. Os resultados replicaram os de Garcia-Marques e colaboradores (2006), com níveis altos de estabilidade intra-item (amostra agregada) contrastantes com moderada instabilidade intra-participante, mesmo para as categorias sociais imaginárias. O estudo 2 procurou aumentar ainda mais a independência dos participantes manipulando a tipici-dade das listas, sob a assunção de que traços típicos e familiares fornecem estruturas de conhecimento culturalmente partilhadas, que guiam as escolhas dos participantes, redu-zindo variabilidade. Uma vez mais, o mesmo padrão de resultados foi observado, mas, surpreendentemente, a condição da lista atípica mostrou níveis de estabilidade mais altos. Possíveis explicações dos resultados e limitações à ideia de independência dos partici-pantes são discutidas.

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Abstract

Studies by Garcia-Marques, Santos and Mackie (2006), have directly reported that a within-participant instability of social stereotypes coexists with a very high degree of across-participants within-item agreement. Payne, Vuletich and Lundberg (2017) explain such pattern as the result of a Wisdom of Crowds (Surowiecki, 2004)-like effect, with individual instability as the result of accessibility, and group-level stability stemming from the aggregation of participants. The present studies use the same test-retest method-ology (Katz & Braly, 1933) to address if the same results replicate under conditions of participant independence (assumed by Wisdom of Crowds). Study 1 divided participants between 2 conditions, social categories and imaginary social categories (of which partic-ipants had no previous shared knowledge), and asked them to select attributes from a list to best describe each social group. The task was repeated 2 weeks later, and answers were compared. Results replicated those of Garcia-Marques and colleagues (2006), with high levels of within-item (aggregated sample) stability contrasting with moderate withpar-ticipant instability, even for imaginary social categories. Study 2 sought to further in-crease participant independence by manipulating list typicality, under the assumption that typical and familiar traits provide culturally shared structures of knowledge that guide participants’ choices, reducing variability. Once again, the same pattern of results was observed but, unexpectedly, the atypical list condition showed greater stability levels. Possible explanations for these results and limitations on the prospect of participant inde-pendence are discussed.

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Agradecimentos

Aos meus orientadores, Professora Doutora Ana Sofia Santos, e Professor Doutor Tomás Palma.

Ao Professor Doutor Leonel Garcia-Marques.

À Ana Lapa.

À Carolina Barros.

À Beatriz.

Ao Gonçalo e à Jéssica.

Aos meus pais e às minhas irmãs.

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Índice Introdução ... 1 1. Paradoxo ... 2 2. Coexistência ... 3 a. Estabilidade ... 3 b. Instabilidade ... 5 c. Estabilidade e Instabilidade ... 8 3. Explicação do Paradoxo ... 10 a. Instabilidade ... 10 b. Estabilidade ... 12 Estudo 1 ... 15 Método ... 15 Participantes e Design ... 15 Material ... 15 Procedimento ... 15 Resultados e Discussão ... 16

Tarefa de Seleção de Traços ... 16

Estabilidade da Amostra Agregada (Intra-item) vs. Intra-Participante ... 16

Centralidade e Estabilidade ... 17 Centralidade e Acessibilidade ... 18 Acessibilidade e Estabilidade... 19 Rating Scales ... 20 Estudo 2 ... 22 Método ... 24 Participantes e Design ... 24 Material ... 24 Procedimento ... 24 Resultados e Discussão ... 25

Estabilidade da Amostra Agregada (Intra-item) vs. Intra-Participante ... 25

Centralidade e Estabilidade ... 26

Centralidade e Acessibilidade ... 27

Acessibilidade e Estabilidade... 27

Discussão Geral ... 28

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Sugestão 1 ... 33 Método ... 35 Participantes e Design ... 35 Material ... 35 Procedimento ... 35 Resultados Previstos ... 36 Sugestão 2 ... 36 Método ... 38 Participantes e Design ... 38 Material ... 38 Procedimento ... 38 Resultados Previstos ... 39 Referências Bibliográficas ... 40 ANEXOS ... 45

Anexo A. Lista de traços de personalidade (Garcia-Marques et al., 2006). ... 45

Anexo B. Instruções iniciais para as Categorias Sociais. ... 46

Anexo C. Instruções iniciais para as Categorias Sociais Imaginárias. ... 47

Anexo D. Instruções para a tarefa de selecção de traços. ... 48

Anexo E. Instruções para a tarefa de avaliação de centralidade. ... 49

Anexo F. Instruções para a tarefa de rating scales. ... 50

Anexo G. Instruções específicas (Estudo 2). ... 51

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Introdução

Sobre o tema dos estereótipos, e mais concretamente a sua estabilidade, um con-junto de literatura recente tem demonstrado que preconceitos e estereótipos podem mos-trar-se estáveis, perpetuando-se ao longo de anos, e, no entanto, ser altamente instáveis em poucas semanas (e.g., Garcia-Marques, Santos, & Mackie, 2006; Payne, Vuletich, & Lundberg, 2017). Garcia-Marques, Santos e Mackie (2006) observaram directamente o paradoxo com uma série de estudos longitudinais, revelando uma enorme estabilidade ao nível da amostra agregada que coexistia com uma considerável instabilidade ao nível in-tra-individual. Com efeito, a questão da estabilidade dos estereótipos mostra-se bastante paradoxal, tornando necessária uma explicação para o facto de que um estereótipo ou preconceito sobre um grupo social pode manter-se estável ao longo de décadas ou mesmo séculos, quando se afere a nível grupal, e, no entanto, ser experimentalmente demonstrá-vel que a probabilidade média de uma mesma pessoa escolher os mesmos 5 traços de uma lista para descrever esse grupo em dois momentos com duas semanas de intervalo é ape-nas cerca de .50 (e.g., Garcia-Marques et al., 2006).

Vários autores têm observado este paradoxo, a aparente coexistência de estabili-dade ao nível da amostra agregada com instabiliestabili-dade ao nível individual, não só em ter-mos explícitos, como implícitos (e.g., Gawronski & Bodenhausen, 2006; Gawronski, Morrison, Phills, & Galdi, 2017) e mesmo noutros tipos de literatura, como é exemplo Barsalou (e.g., Barsalou, 1984) e Bellezza (e.g., 1984a, 1984b, 1984c) com categorias não sociais. Mesmo não observando o paradoxo directamente, estudos como Linville e Fischer (1993) e Garcia-Marques e Mackie (1999), entre muitos outros, ao procurar com-preender os processos cognitivos explicativos dos estereótipos, revelam um nível de fle-xibilidade e variabilidade contrastante com a estabilidade observada, por exemplo, com a “Trilogia de Princeton” (e.g., Devine & Elliot, 1995).

Recentemente, uma proposta explicativa desta instabilidade foi adiantada por San-tos e colaboradores (2012), propondo um Working Stereotype, derivado de modelos cons-truccionistas. Segundo eles, ao invés de recuperar a totalidade do conteúdo estereotípico armazenado em memória, este é reconstruído online em função da acessibilidade desse conteúdo, influenciada pelos objectivos de cada indivíduo e pelo contexto, resultando num estereótipo diferente para cada situação. Payne, Vuletich e Lundberg (2017) forne-cem uma explicação semelhante, baseada também na acessibilidade dos conteúdos e no papel do contexto sobre essa acessibilidade. Segundo esta hipótese, a instabilidade

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temporal individual desapareceria se o contexto se mantivesse constante, uma conclusão que pode ser estendida, para lá da categorização, a todos os processos cognitivos.

No entanto, o mesmo consenso não tem sido observado quando se trata de explicar a estabilidade da amostra agregada. Enquanto a explicação tradicional (e.g., Katz & Braly, 1933) se baseia na assimilação de valores culturais, resultante em conhecimentos cultu-ralmente partilhados por todos os indivíduos da amostra, Payne e colaboradores (2017) propõem o Bias of Crowds, que, baseado no efeito Wisdom of Crowds, sugere que a esta-bilidade resulta apenas da agregação das respostas, que cancela todo o “erro” individual (as diferenças individuais), exacerbando nestas medidas os efeitos do contexto, constan-tes em todos os indivíduos avaliados.

Este trabalho procura testar as limitações desta explicação, pelo que, nas próximas páginas, serão revistas algumas evidências relevantes deste paradoxo, e serão abordadas mais exaustivamente as possíveis explicações e as suas limitações, lançando-se algumas hipóteses pertinentes às mesmas.

1. Paradoxo

Nas últimas décadas, várias linhas de investigação têm observado um paradoxo empírico ao nível dos estereótipos e preconceitos, reportando a coexistência de uma enorme estabilidade a nível grupal com um alto nível de instabilidade individual. Em termos de medidas explícitas de estereótipos, Garcia-Marques e colaboradores (2006) fo-ram os primeiros a observar, no mesmo estudo, a coocorrência destes resultados tão dís-pares, em função do modo como a estabilidade é, efectivamente, medida. Num conjunto de experimentos longitudinais em que pretenderam aferir o conteúdo estereotípico pro-duzido pelos participantes pertinente a três grupos étnicos/sociais, Garcia-Marques e co-laboradores observaram uma imensa estabilidade ao nível da amostra agregada (i.e., quando considerando o estereótipo “médio” produzido pelo grupo), mas uma considera-velmente inferior estabilidade nas respostas de cada participante individualmente, com apenas cerca de metade do conteúdo produzido na primeira sessão a ser reproduzido tam-bém na segunda. Estes resultados são tamtam-bém consistentes com o que tem sido observado ao nível de medidas implícitas de preconceito (e.g., Gawronski et al., 2017).

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2. Coexistência

Apesar das recentes evidências a esta disparidade da estabilidade dos estereótipos, muita investigação foi já feita no passado, procurando não apenas avaliar o conteúdo es-tereotípico de uma miríade de categorias sociais e profissionais, mas a sua validade, a sua formação e manutenção, todos os processos cognitivos responsáveis por este processo de categorização e recategorização de grupos sociais e, na verdade, até de categorias não sociais. Não é de estranhar, portanto, que, mesmo sem estudar directamente este para-doxo, muitos investigadores se pronunciaram, e obtiveram realmente resultados nesse sentido, sobre exactamente quão estáveis são os estereótipos.

a. Estabilidade

Talvez um dos maiores argumentos à estabilidade parte dos primeiros estudos conduzidos sobre o conteúdo estereotípico de vários grupos étnicos, poucos anos depois do termo estereótipo ser pela primeira vez cunhado por Lippmann (1922; citado por Brigham, 1971). Procurando avaliar a natureza das atitudes da população quanto a vários grupos étnicos e nacionais, Katz e Braly (1933) efetivamente operacionalizaram um es-tereótipo como o conteúdo estereotípico mais frequentemente atribuído a cada grupo, pe-las pessoas. No caso do seu estudo, este conteúdo tomou a forma de uma lista de adjetivos.

Cem alunos da Universidade de Princeton responderam a um questionário onde lhes foi pedido que selecionassem os traços que consideravam mais característicos de 10 grupos étnicos (e.g., “Negros”) e nacionais (e.g., “Alemães”), de uma lista previamente preparada de 84 adjetivos. O consenso foi avaliado através de um índice que considerava qual o número mínimo de adjetivos cuja frequência acumulada atingisse 50% de todas as escolhas. Os seus resultados mostraram um extraordinário grau de consenso, e os adjeti-vos escolhidos com mais frequência, para cada grupo, foram considerados como corres-pondendo ao estereótipo desse grupo.

O estudo de Katz e Braly (1933) foi importante, primeiramente, na medida em que estabeleceu o procedimento mais comum para a avaliação do conteúdo estereotípico de categorias sociais, em estudos subsequentes. Mas é de relevo, também, pelos dois estudos que se lhe seguiram e que, juntamente com Katz e Braly (1933), compõem o que ficou conhecido como a Trilogia de Princeton (Katz e Braly, 1933; Gilbert, 1951; Karlins, Co-ffman, & Walters, 1969).

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Cerca de 18 anos após o estudo de Katz e Braly (1933), Gilbert (1951) replicou o estudo, novamente com alunos da Universidade de Princeton. Com um procedimento idêntico, e ainda que algumas diferenças tenham sido observadas (resultantes de mudan-ças nas convenções sociais, segundo Gilbert), reduzindo ligeiramente o nível de consenso, o conteúdo estereotípico da maioria dos grupos pareceu ter-se mantido estável. De igual forma, outros 18 anos mais tarde, Karlins, Coffman e Walters (1969) voltaram a replicar o estudo (também com uma nova geração de alunos de Princeton).

Embora à primeira vista algumas diferenças se possam observar, tanto na seleção dos atributos mais típicos, como no nível de consenso, é preciso considerar que estes três estudos (em certos aspectos, quase um único estudo longitudinal) abrangeram três gera-ções diferentes e quase quatro décadas. Karlins e colaboradores (1969) sugerem que estas alterações refletem considerações mais cuidadosas, por parte dos jovens participantes, acerca das generalizações étnicas necessárias na manutenção de um estereótipo, levando a uma evolução gradual de vários dos estereótipos considerados, no sentido de uma va-lência cada vez mais positiva, um estereótipo cada vez mais benevolente.

Não obstante, Devine e Elliot (1995) puseram à prova estas conclusões, obser-vando esta diminuição de negatividade como fictícia. Os investigadores diferenciaram estereótipo de crença pessoal, na perspectiva de que os resultados de Karlins e colegas (1969) refletissem apenas uma maior relutância, da parte dos participantes, em revelar abertamente as suas próprias crenças. Quando os participantes tiveram apenas de repro-duzir o que as pessoas em geral pensam do grupo, os resultados mostraram-se novamente tão negativos como os de Katz e Braly (1933).

Em conjunto, estes resultados sugerem um nível considerável de estabilidade, que, de resto, parece surgir de forma intuitiva quando pensamos em estereótipos. De facto, a rigidez é um dos critérios identificados por Lippmann (1922; citado por Brigham, 1971) que definem um estereótipo, o que vai em linha com as perspectivas abstracionistas da categorização.

De acordo com as perspectivas abstracionistas, e seguindo um princípio de eco-nomia cognitiva (e.g., Fiske, 1980), seria ineficiente e cognitivamente exigente considerar cada pessoa (ou, saindo das categorias puramente sociais, qualquer “objecto”) individu-almente. Por falta de recursos, torna-se necessário negligenciar muitas das características de cada indivíduo com quem nos cruzamos, focando-nos apenas nos detalhes mais

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relevantes, e inferindo informação para além daquela prontamente disponível. Este pro-cesso será, então, alcançado através de tendências abstracionistas. Segundo estas pers-pectivas, os processos de categorização poupam recursos cognitivos no momento de con-tacto com cada novo objecto ao extrair e desenvolver abstrações que listam as caracterís-ticas mais relevantes e típicas de cada categoria. No caso das categorias sociais, estas abstrações tomam a forma dos estereótipos. Quando conhecemos alguém novo, os este-reótipos associados à categoria a que a pessoa pertence permitem-nos inferir rapidamente muita informação sobre ela (independentemente da validade dessa informação). A esta luz, torna-se então necessário aceitar que os estereótipos sejam estáveis e constantes ao longo do tempo.

b. Instabilidade

Recentemente, resultados aparentemente discordantes com estas perspectivas abs-tracionistas e resultante estabilidade têm surgido em várias vertentes. Garcia-Marques e Mackie (1999), por exemplo, num estudo sobre variabilidade percebida e mudança nos estereótipos, manipularam a informação que os participantes recebiam acerca de mem-bros de um determinado grupo. Quando os participantes foram expostos a informação incongruente com o estereótipo do grupo, geraram distribuições mais “achatadas”, quando comparados com participantes que receberam informação “supercongruente” (in-formação que divergia tanto da tendência central como a incongruente, mas na direção oposta). Isto é, ao serem expostos a exemplares incongruentes, os participantes percebe-ram o grupo como mais heterogéneo, como possuindo maior variabilidade.

Num outro estudo (Santos et al., 2012), estes autores mostraram uma vez mais a maleabilidade dos estereótipos, demonstrando a sua susceptibilidade a intrusões contex-tuais. Quando primados com informação irrelevante para o estereótipo, os participantes mostraram uma maior probabilidade de inclusão desse conteúdo no estereótipo activado. Ainda que o mesmo não se tenha verificado com informação contra-estereotípica, os re-sultados mostraram-se semelhantes a Garcia-Marques e Mackie (1999), com o grupo alvo a ser percebido como possuindo maior variabilidade. Um estudo posterior (Santos et al., 2017) testou os limites deste efeito, mostrando o papel da monitorização das próprias crenças sobre esta susceptibilidade ao contexto.

Fora das medidas explícitas de estereótipos, vários estudos com medidas de pre-conceito e atitudes implícitas (e.g., Gawronski et al., 2017) observam instabilidade tem-poral e situacional.

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Mas, na verdade, a ideia da maleabilidade das categorias não é assim tão recente. Haslam, Turner, Oakes, McGarty e Hayes (1992), por exemplo, realizaram um estudo longitudinal que aproveitou mudanças naturais no contexto social, derivadas de eventos correntes de relevância nacional para as amostras, para demonstrar como o conteúdo es-tereotípico gerado pelos participantes é mediado pelo contexto.

Fora das categorias sociais, McCloskey e Glucksberg (1978), por exemplo, mos-traram, em categorias naturais, como os julgamentos de pertença para itens de tipicidade média eram temporalmente inconsistentes e de reduzido consenso, por oposição a itens altamente típicos e itens atípicos.

Barsalou e Sewell (1984), noutro estudo, pediram aos participantes que assumis-sem vários pontos de vista: internacionais (africano, americano, chinês ou francês), do-mésticos (homem de negócios, hippie, dona de casa, ou redneck), ou do próprio, quando gerassem exemplares de várias categorias. Os autores verificaram que estes diferentes pontos de vista resultaram em estruturas gradativas diferentes para cada categoria, quer para categorias taxionómicas (e.g., roupa, pássaros, cores), quer para categorias derivadas por objectivos (e.g., prendas de anos, coisas que preocupam as pessoas). Mais ainda, ob-servaram que sujeitos que tomaram o mesmo ponto de vista mostraram um grau de con-senso significativo.

Por sua vez, Bellezza (1984a, 1984b, 1984c) realizou uma série de estudos longi-tudinais também com categorias não-sociais. Num primeiro estudo, os participantes rea-lizaram uma simples tarefa de geração de exemplares de categorias comuns (e.g., animais, pássaros, flores) em duas sessões, com um intervalo de uma semana entre elas. As corre-lações intra-participante rondaram os .69. Num segundo estudo, os participantes tiveram de gerar definições para nomes abstractos, nomes concretos, e nomes de categorias, mais uma vez com um intervalo de uma semana entre sessões, obtendo Bellezza (1984b) cor-relações de .43 a .55. Finalmente, Bellezza (1984c) realizou um estudo cujos participantes tiveram de descrever, com atributos, amigos, bem como pessoas famosas. As correlações intra-participante médias entre as descrições das duas sessões foram de .55 para as pes-soas famosas e de apenas .38 para os amigos.

Mais recentemente, Palma, Santos e Garcia-Marques (2018) estudaram o efeito da fluência perceptual sobre a maleabilidade das categorias naturais, demonstrando como

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exemplares não-típicos eram mais frequentemente julgados como típicos quando a sua fluência aumentava.

Como a literatura tem mostrado, esta maleabilidade e instabilidade parecem não ser específicas dos estereótipos, mas sim transversais aos processos de categorização em geral. Yeh e Barsalou (2006) reveem vários estudos, mostrando, precisamente, a natureza flexível dos conceitos. Estes resultados colocam em causa os pressupostos abstracionis-tas, indicando que os processos cognitivos responsáveis pelos estereótipos (e pela cate-gorização em geral) parecem não obedecer às previsões de estabilidade lançadas pelas visões mais tradicionais. Esta maior instabilidade é mais bem explicada por outros mode-los que assumem maior flexibilidade e dinamismo nas representações mentais de catego-rias, como os modelos mistos e os modelos conexionistas.

Os modelos mistos surgem como uma conciliação entre os modelos abstracionis-tas e modelos exemplarisabstracionis-tas. Os modelos exemplarisabstracionis-tas baseiam-se na premissa de que, para cada estereótipo, armazenamos em memória vários exemplares. Sempre que há ne-cessidade do uso de estereótipos, “um novo ‘estereótipo’ deve ser recriado ativando exemplares específicos do grupo” (Sherman, 1996, p. 1127). Os exemplares ativados para cada contexto dependerão sempre do alvo em particular, pelo que cada situação ou mo-mento levará a um novo e diferente estereótipo, por mais ínfima que seja a diferença. Não obstante, vários estudos (e.g., Park & Hastie, 1987; Linville & Fischer, 1993; Sherman, 1996) demonstraram que, ainda que os modelos abstracionistas, por si mesmos, não ex-pliquem todos os resultados – e, de facto, os estudos recentes sobre a instabilidade con-trariam estas visões –, em determinadas condições as pessoas parecem, efetivamente, fa-zer uso de abstrações.

Face a estas evidências, estes autores (e.g., Park & Hastie, 1987; Linville & Fis-cher, 1993; Sherman, 1996) propõem um modelo misto de representação dos estereótipos, baseado tanto em abstrações como em exemplares. Sherman (1996) sugere que, no pro-cesso de desenvolvimento de um estereótipo, quando as pessoas têm ainda pouca experi-ência com o grupo, o seu conhecimento acerca da estrutura gradativa do estereótipo (i.e., quais as características mais típicas) baseia-se em exemplares. “À medida que a sua ex-periência aumenta, uma representação abstracta das características típicas do grupo é for-mada”, tornando-se a “base para julgamentos subsequentes acerca do grupo” (Sherman, 1993, p. 1139). Cada encontro, cada instância, irá ativar a abstração ativada em memória,

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mas fará uso também de exemplares específicos, adequando a abstração usada a cada situação individualmente.

Mais recentemente, outro tipo de modelos tem sido proposto, os modelos conexi-onistas (e.g., Smith & Decoster, 1998; Queller & Smith, 2002; Van Rooy, Van Overwalle, Vanhoomissen, Labiouse, & French, 2003). De forma semelhante a uma rede neuronal, os modelos conexionistas preveem uma rede associativa de nódulos ou unidades, ligados entre eles através de conexões com “pesos” variados. Estes nódulos recebem inputs acti-vadores ou inibitórios, e, por sua vez, a sua activação é transmitida a outros nódulos con-soante a força da sua ligação a cada um deles. Nestes modelos, um construto não é repre-sentado por uma unidade única, mas sim por um dado padrão de activação entre vários nódulos. A aprendizagem de conceitos, neste caso de estereótipos, dá-se pelas alterações dos pesos das conexões entre cada nódulo. À medida que os padrões de activação são experienciados, as conexões vão-se ajustando de forma a optimizar futuras activações, facilitando certas ligações ou inibindo outras.

Como vários estudos têm indicado (e.g., Smith & Decoster, 1998; Queller & Smith, 2002), através de simulações de computador, estes modelos conseguem explicar quer a flexibilidade e variabilidade observada no uso de estereótipos, como a extração de “abstrações” através da aprendizagem, e a subsequente capacidade para inferir atributos não observados em função da categoria do objecto/membro. Em cada momento, a activa-ção de determinado conteúdo estereotípico vai depender do padrão de activaactiva-ção imposto pelas conexões (que apenas mudam gradualmente), mas também do input específico re-cebido do exterior, pelo que variações no contexto devem afectar o conteúdo estereotípico ativado.

c. Estabilidade e Instabilidade

Procurando perceber melhor este aparente paradoxo, e derivado das medidas de estabilidade intra-individual usadas por Bellezza (1984a, 1984b, 1984c), Garcia-Marques e colaboradores (2006) realizaram uma série de estudos longitudinais. Num primeiro es-tudo, e seguindo o procedimento usado pela primeira vez por Katz e Braly (1933), os participantes tiveram que escolher, de uma lista de 43 adjetivos, os 5 que melhor descre-viam o grupo alvo, tomando a posição do próprio, ou da que achavam ser a opinião cul-tural (das pessoas em geral). Duas semanas mais tarde, o procedimento foi repetido. Com-parando os atributos mais escolhidos entre as duas sessões, Garcia-Marques e

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colaboradores obtiveram correlações intra-item bastante elevadas (.91 a .97) para ambas as condições (individual ou cultural).

Embora os estereótipos pareçam ter-se mantido estáveis ao longo do tempo, à luz destes valores, há que notar que estes resultados consideram a amostra de participantes agregada, ignorando o nível individual. Garcia-Marques e colaboradores, calcularam, en-tão, uma correlação de elemento-comum (Bellezza, 1984a, 1984b, 1984c), dada pela di-visão do número de atributos comuns gerados em ambas as sessões, pela raiz quadrada do produto do número total de atributos gerados na primeira sessão com o número total de atributos gerados na segunda sessão (média geométrica). Esta correlação pretende ob-ter a proporção de itens comuns para totais gerados, para cada participante. Se o conteúdo estereotípico de cada categoria social se mantivesse estável de uma sessão para a outra, esperar-se-iam valores próximos de 1. Pelo contrário, se não houvesse qualquer corres-pondência entre a primeira e a segunda sessão, a correlação de elemento-comum seria 0. Para o primeiro estudo, e em oposição às correlações intra-item obtidas acima de .90, as correlações de elemento-comum mostraram valores apenas entre os .48 e os .60.

Um segundo estudo focou-se na estrutura gradativa dos estereótipos. Estrutura gradativa (tipicidade) é uma característica das categorias que reflete quão representativo da categoria cada exemplar é. Estudos com categorias taxionómicas e categorias deriva-das por objectivos (e.g., Barsalou & Sewell, 1984) tinham já mostrado como a estrutura gradativa de categorias não-sociais era instável e dependente do contexto. Garcia-Mar-ques e colaboradores procuraram, então, testar a estabilidade da estrutura gradativa dos estereótipos, através de uma tarefa de julgamento de tipicidade de 24 exemplares, uma vez mais longitudinal, com quatro semanas entre as duas sessões. Contrariamente ao que as perspectivas abstracionistas esperariam, uma vez mais, a correlação média intra-parti-cipantes foi apenas cerca de .67, com exemplares julgados como mais típicos a apresentar apenas ligeiramente maior estabilidade.

O terceiro estudo foi constituído por uma tarefa de geração de exemplares, seguida por uma avaliação de tipicidade dos exemplares gerados, com um intervalo de duas se-manas entre sessões. Na segunda sessão, à tarefa de geração de exemplares seguiu-se uma tarefa de decisão quanto a que descrições, entre sessões, correspondiam ao mesmo exem-plar. À semelhança dos dois estudos anteriores, as correlações intra-participante manti-veram-se entre os .55 e os .62.

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Prevendo que estes resultados pudessem ser explicados por erros na medida, Gar-cia-Marques e colaboradores manipularam o contexto em que os participantes realizaram a tarefa de seleção de atributos através de uma tarefa de julgamento de tipicidade de exemplares imediatamente antes da tarefa de seleção de traços. Na segunda sessão, o exemplar podia ser equivalente em tipicidade, ou não. Participantes que avaliaram exem-plares equivalentes em tipicidade entre sessões mostraram maior estabilidade na tarefa de seleção de atributos. Se as diferenças nos atributos escolhidos entre sessões refletissem apenas flutuações aleatórias, não se esperariam efeitos desta manipulação. Por outro lado, as diferenças nas respostas podiam dever-se a tentativas deliberadas dos participantes em responder de maneira diferente à primeira sessão. Com isso em mente, os investigadores manipularam a tarefa na segunda sessão: metade dos participantes realizou a tarefa de seleção de atributos, e metade realizou uma tarefa de memória, tentando recordar-se das suas respostas na primeira sessão. Os participantes que realizaram a tarefa de memória foram significativamente menos consistentes, apresentando maior instabilidade que os participantes que simplesmente selecionaram atributos pela segunda vez. Se os resultados anteriores fossem fruto de tentativas deliberadas de alterar as suas respostas, esperar-se-ia que os participantes fossem capazes de reproduzir com precisão as suas respostas na primeira sessão. No seu todo, Garcia-Marques e colaboradores (2006) fornecem argu-mentos robustos a favor da instabilidade individual das categorias sociais.

3. Explicação do Paradoxo

Como explicar, então, este paradoxo? Porque é que algo aparentemente tão per-sistente ao longo de décadas e séculos, algo tão culturalmente partilhado, se mostra tão instável ao nível do indivíduo, tão variável entre contextos e momentos? Ou, por outro lado, como é que algo tão individualmente instável, apresenta tanto consenso e estabili-dade ao nível do grupo?

a. Instabilidade

A fim de explicar a instabilidade e flexibilidade dos processos cognitivos respon-sáveis pelo uso de estereótipos, e numa resposta a Payne e colaboradores (2017), Garcia-Marques, Santos, Mackie, Hagá e Palma (2017) salientam a flexibilidade e dependência ao contexto das categorias, e o modo como a instabilidade temporal desaparece quando o contexto é mantido estável, como aliás demonstraram num estudo anterior (Garcia-Mar-ques et al., 2006). Estes autores explicam a instabilidade dos estereótipos segundo

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modelos construccionistas. Segundo eles, a informação codificada em estruturas de co-nhecimento, como os estereótipos, não é completamente activada no momento de uso de um estereótipo. Em vez disso, tem de ser reconstruída online sob a forma de um “working stereotype” (Santos et al., 2012), sempre que é necessária. Ainda que a informação mais fortemente associada ao estereótipo tenda a estar mais acessível e, por isso, tenha maior probabilidade de activação, este processo é vulnerável ao contexto e aos objectivos do sujeito. Assim, não só nem toda a informação em memória para aquele estereótipo é ac-tivada, mas outro conteúdo contextual irrelevante pode ser incorporado no working ste-reotype, especialmente se os indivíduos não tiverem acesso introspectivo à fonte destes conceitos (Santos et al., 2012; Santos et al., 2017).

Segundo esta perspectiva, a instabilidade intra-individual observada em categorias sociais (e.g., Garcia-Marques et al., 2006) e não-sociais (e.g., Bellezza, 1984a, 1984b, 1984c) deve-se ao efeito da instabilidade contextual entre os dois momentos de observa-ção sobre a acessibilidade dos conceitos, resultando numa interaobserva-ção entre o conteúdo es-tereotípico mais prototípico partilhado culturalmente, mais estável, e flutuações individu-ais, mais responsivas ao contexto. Esta instabilidade temporal individual desapareceria, então, se o contexto se mantivesse constante.

Em geral, parece existir um certo consenso nas propostas explicativas desta insta-bilidade intra-participante, baseadas na variainsta-bilidade individual e na sensiinsta-bilidade ao con-texto. Mas estes efeitos não se limitam aos estereótipos de forma explícita, caracterizam o conhecimento conceptual humano em geral. Sugerem, dessa forma, que os nossos pro-cessos cognitivos são permeáveis ao contexto e que, se existe estabilidade cognitiva, ela terá mais a ver com o facto de o contexto em que vivermos se manter tremendamente estável e vivermos e procurarmos ambientes altamente previsíveis, do que com alguma estabilidade propriamente dita dos processos cognitivos. Os estudos da Trilogia de Prin-ceton (Katz & Braly, 1933; Gilbert, 1951; Karlins et al., 1969), por exemplo, ainda que observando três gerações diferentes, focaram-se todos em estudantes de idades semelhan-tes, num contexto semelhante. As pequenas mudanças que ocorreram, deveram-se, como esperado à luz desta perspectiva, a uma mudança no contexto alargado, resultante de al-terações a nível cultural.

Saindo dos estereótipos e das medidas explícitas, Barsalou (1987) já argumentava que as representações de conceitos eram construídas online em função do contexto, ao invés de armazenadas na memória a longo prazo.

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Payne e colaboradores (2017), oferecem uma explicação semelhante para a insta-bilidade ao nível das medidas implícitas, baseada na acessiinsta-bilidade dos conceitos. Dife-renças individuais em termos implícitos (e eventualmente explícitos) reflectem difeDife-renças ao nível da acessibilidade dos vários conteúdos. No entanto, realçam que a acessibilidade não varia apenas entre indivíduos, mas também flutua idiossincraticamente de uma situ-ação para outra. Segundo eles, a maior parte da variância sistemática nas atitudes implí-citas parece operar ao nível das situações, que podem ser coisas tão amplas como o con-texto alargado onde vivemos, ou tão específicas como uma interação com alguém, ou contacto com algum conteúdo específico pontual. Nesse sentido, as respostas de cada participante reflectem alguns elementos culturalmente partilhados, alguns resultantes dos pensamentos e acções momentâneos dos participantes, e ainda outros fruto do contexto. A soma total destes factores determina uma resposta situacionalmente dependente e vari-ável.

Ainda outros autores, por exemplo Gawronski & Bodenhausen (2006), propõem um modelo explicativo que atribui atitudes implícitas a processos associativos, automáti-cos, e atitudes explícitas a processos proposicionais, mais deliberados, explicando a ins-tabilidade das atitudes implícitas através da sensibilidade ao contexto, devido a flutuações na activação momentânea das associações na memória (Associative-Propositional Evaluation, APE).

Não obstante a convergência de explicações sobre a instabilidade individual, e por mais contraintuitivo que tal possa parecer, dadas todas as assunções prévias sobre estabi-lidade dos estereótipos, não parece ser esse o caso quando se trata de explicar a estabili-dade ao nível da amostra agregada.

b. Estabilidade

Se os indivíduos variam tanto, se mostram tanta sensibilidade ao contexto, de onde vem a estabilidade entre eles, como se explica o consenso? Pois, não apenas a estabilidade temporal observada ao nível da amostra agregada, mas até o alto nível de consenso entre os indivíduos, parece desafiar as conclusões sobre a variabilidade idiossincrática de cada sujeito.

Desde sempre esta estabilidade (e.g., Trilogia de Princeton) tem sido encarada como o resultado da assimilação de valores culturais (Katz & Braly, 1933). Payne e co-laboradores (2017), por outro lado, enfatizam a estabilidade e constância do contexto

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sobre a estabilidade do conhecimento culturalmente partilhado propriamente dito. Suge-rem que, ainda que as crenças individuais sobre grupos sociais sejam idiossincraticamente variáveis e dependentes do contexto, os estereótipos, e o conhecimento para os mesmos, deriva de desigualdades sistémicas e culturais. Decorrente disso, as situações em que as associações daí resultantes são activadas tendem a ser situações comuns e estáveis ao longo do tempo.

De forma a explicar a estabilidade da amostra agregada, Payne e colaboradores (2017) abordam, então, o efeito “Wisdom of Crowds” (Surowiecki, 2004), que observa que, em determinadas condições, julgamentos “médios” são bastante mais precisos do que a maioria dos julgamentos individuais que os compõem. Isto é possível, os autores explicam, pois cada indivíduo possui conhecimento verdadeiro parcial, bem como envi-esamentos erróneos aleatórios. A agregação de todas as respostas independentes permite cancelar o erro individual, todas as variações aleatórias, deixando apenas o conhecimento verdadeiro, que emerge como uma tendência central. No caso dos enviesamentos implí-citos, estes dizem respeito a avaliações e estereótipos subjectivos, ao invés de um facto objectivo, no entanto o fenómeno é semelhante. Ainda que haja conhecimento cultural sobre as categorias sociais, a acessibilidade desse conhecimento flutua de uma situação para a outra, de um indivíduo para o outro. Quando as respostas de cada indivíduo são agregadas, as variações individuais são canceladas, à semelhança do Wisdom of Crowds, ficando apenas o que é partilhado por todos os participantes. Payne e colaboradores cha-mam a este efeito “Bias of Crowds”.

Ainda assim, e como os autores propõem, o conteúdo activado/acessível é não só composto por flutuações individuais, mas também pelo efeito do contexto, que, numa dada recolha, será estável entre participantes. Como já referido acima, o conteúdo acti-vado ao longo de todas essas situações semelhantes é, então, altamente semelhante ele próprio. Quando agregado, e a variabilidade individual é cancelada, o que resta é o teúdo comum entre todos os indivíduos e, dessa forma, altamente diagnóstico do con-texto. Segundo os autores, as medidas agregadas usadas para estudar atitudes implícitas (bem como explícitas) são altamente sensíveis a este fenómeno, pelo que estas medidas devem ser tomadas não como uma medida de enviesamento individual, mas sim como um reflexo apenas de factores situacionais.

Em resposta a Payne e colaboradores (2017), vários autores divergem desta pro-posta, defendendo o peso dos factores individuais. Gawronski e Bodenhausen (2017), por

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exemplo, mencionam o seu modelo APE, e argumentam a favor de uma interação mais dinâmica entre factores situacionais e factores individuais, em vez de uma mera adição. Segundo eles, os efeitos situacionais envolvem sempre uma componente pessoal, sendo que o mesmo input situacional pode activar diferentes conceitos para diferentes indiví-duos, pelo que esta componente não deve ser ignorada. Kurdi e Banaji (2017) vão mais longe, argumentando que, o mesmo fenómeno de agregação da amostra que permite o estudo de factores contextuais, permite também o estudo das diferenças individuais, ao usar, agregando, várias medidas do mesmo indivíduo.

Relativamente às medidas explícitas de estereótipos, como os estudos de Garcia-Marques e colaboradores (2006), a mesma explicação dada por Payne e colaboradores (2017) pode ser derivada. De facto, a ideia de que as medidas individuais são altamente falíveis e que a maleabilidade individual é apenas a expressão de tal, pode facilmente ser observada manipulando-se o contexto. Garcia-Marques e colaboradores (2006) observa-ram isso mesmo, ao manipular a equivalência do contexto entre duas sessões, num dos seus experimentos, e mostrando que essa variabilidade individual não se trata de flutua-ções aleatórias. No entanto, Payne e colaboradores (2017) argumentam que os resultados obtidos nos testes implícitos não são medidas válidas das representações individuais, sendo apenas medidas das situações. Pelo contrário, Garcia-Marques e colaboradores (2017) vêm a imprecisão temporal das medidas implícitas (e explícitas) como o resultado de processos cognitivos flexíveis e adaptáveis. Afirmam que as medidas implícitas aferem conhecimento culturalmente partilhado entre os indivíduos, mas, em consequência, não permitem discriminar entre indivíduos.

Porém, a explicação de Payne e colaboradores (2017) apresenta algumas limita-ções, como, aliás, Garcia-Marques e colaboradores (2017) fazem notar. Especificamente, o efeito Wisdom of Crowds – e, por extensão, o Bias of Crowds – prevê independência entre os seus indivíduos: apenas com agentes independentes é o erro realmente aleatório, e, portanto, apenas nessas circunstâncias pode realmente ser cancelado. Assim sendo, apenas com categorias imaginárias para as quais não há partilha de valores sociais cultu-ralmente partilhados (tornando os participantes independentes) se pode testar esta hipó-tese de que a estabilidade da amostra agregada reflete um mero artefacto estatístico que exacerba a estabilidade de julgamentos médios por cancelamento da variabilidade da res-posta individual, independentemente da existência de valores sociais partilhados.

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O primeiro estudo procurou dar respostas a essa questão. De modo a testar esta explicação sob condições de independência entre os participantes, usámos um paradigma teste-reteste com categorias sociais imaginárias, a fim de explorar a estabilidade intra- e inter-sujeito das mesmas ao longo do tempo. Em tal situação, se o consenso e estabilidade encontrados em estudos anteriores se deverem à informação estereotípica partilhada que os participantes têm dos grupos, por mais susceptível ao contexto que esta possa ser, então esperar-se-ia um baixo nível de consenso, e uma estabilidade inter-participante reduzida ou nula, com os traços a serem escolhidos de forma largamente aleatória e idiossincrática. Se, pelo contrário, se deverem a um artefacto estatístico que, por cancelar o conteúdo idiossincrático individual, exacerba os efeitos da estabilidade dos julgamentos médios da amostra agregada (mesmo não havendo conhecimento partilhado pelos indivíduos), po-der-se-iam esperar níveis mais significativos de consenso e, quiçá, um padrão semelhante ao observado até ao momento: estabilidade considerável na amostra agregada por item (intra-item/inter-sujeito) e instabilidade quando agregada por sujeito (intra-sujeito).

Estudo 1 Método

Participantes e Design

Os participantes eram constituídos por 78 alunos de 2.º ano da Faculdade de Psi-cologia da Universidade de Lisboa (FPUL) (62 mulheres e 16 homens, com idades com-preendidas entre os 18 e os 45 anos; M= 20.79). O design do estudo foi 2 (tipo de cate-goria: social (ciganos, homossexuais, emigrantes africanos) ou social imaginária (pireni-anos, wallonianos e dainerianos)), inter-sujeito x 2 (sessão: teste e reteste), intra-sujeito

Material

Os nomes das categorias sociais imaginárias foram retirados do estudo de Hartley (1946).

A lista de 43 traços (Anexo A) foi a mesma usada por Garcia-Marques e colegas (2006).

Procedimento

Uma vez que os participantes eram alunos de psicologia de segundo ano, foram atribuídos a cada condição (Categorias Sociais ou Categorias Sociais Imaginárias) em

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função da sua turma (39 participantes para a condição Categorias Sociais, e 37 para a condição Categorias Sociais Imaginárias), realizando as tarefas individualmente em for-mato de papel e lápis, no início de uma aula.

À semelhança do procedimento utilizado por Garcia-Marques e colegas (2006), os participantes foram testados em duas sessões separadas por cerca de um mês, pelo que lhes foi primeiramente pedido que escrevessem um código pessoal composto pelas datas de aniversário da mãe e do pai, de modo a corresponder as suas respostas nas duas sessões, seguindo-se uma introdução inicial ao estudo (ver Anexos B e C). Era-lhes, então, instru-ído (ver Anexo D) que realizassem uma tarefa de seleção de traços, escolhendo os 5 traços (da lista de 43) que consideravam melhor descrever a categoria em causa, realizando esta tarefa para as 3 categorias correspondentes à sua condição. De seguida, os participantes tinham de, para cada traço selecionado, avaliar numa escala de 9 pontos quão central o traço era para a impressão que as pessoas em geral têm do grupo, com 1 a significar “Nada Central” e 9 “Muito Central” (Anexo E).

Após as avaliações de centralidade, era pedido aos participantes que avaliassem cada categoria em 12 escalas bipolares (Anexo F) de traços de personalidade, de acordo com as impressões que acreditam que as pessoas em geral têm de cada categoria.

Aproximadamente um mês mais tarde, os participantes realizaram novamente as mesmas tarefas, sendo-lhes pedido que não procurassem responder da mesma forma que responderam na 1.ª sessão, nem, pelo contrário, de forma deliberadamente diferente (Anexo G).

Resultados e Discussão

Tarefa de Seleção de Traços

Estabilidade da Amostra Agregada (Intra-item) vs. Intra-Participante

À semelhança de Garcia-Marques e colaboradores (2006), a medida de estabili-dade intra-item foi obtida pela comparação dos traços escolhidos entre as duas sessões. A medida de estabilidade intra-participante usada foi a correlação de elemento-comum (Bellezza, 1984a) média, dada, para cada participante, pela divisão do número de itens comuns entre sessões pela raiz quadrada do produto dos números totais de itens produzi-dos na primeira e na segunda sessão (média geométrica). A correlação de elemento-co-mum produz a proporção de itens comuns por total de itens gerados, por participante.

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Como pode ser observado na Figura 1, as correlações obtidas para as categorias sociais são consistentes com os resultados de Garcia-Marques e colaboradores (2006), contrastando-se uma elevada correlação para a amostra agregada (entre .95 a .97) com valores relativamente inferiores para as correlações individuais (.49 a .63). Estas correla-ções intra-participante revelam que, quando se olha para a estabilidade intra-individual (e.g., Bellezza 1984a, 1984b, 1984c), o conteúdo estereotípico produzido é, na verdade, consideravelmente mais instável do que se poderia supor olhando apenas para os valores mais elevados observados nas correlações intra-item, que sugeririam, como em estudos anteriores (e.g., Devine & Elliot, 1995), um elevado grau de estabilidade nos estereótipos.

Como esperado, no entanto, para as categorias sociais imaginárias o padrão man-tém-se. De facto, e ainda que a estabilidade intra-item pareça ser um pouco mais reduzida quando comparada com a das categorias sociais (.74 a .88), esta diferença é pequena, sendo clara, uma vez mais, a coocorrência desta estabilidade com a moderada instabili-dade individual dos participantes (.40 a .46).

Centralidade e Estabilidade

De modo a perceber se a centralidade dos traços escolhidos influencia a sua esta-bilidade, foi comparada a centralidade média dos traços comuns entre sessões com a cen-tralidade dos traços únicos, para cada categoria (ver Tabela 1). Em geral, observou-se

0,96** 0,97** 0,95** 0,88** 0,78** 0,74** 0,63* 0,59* 0,49* 0,46* 0,40* 0,44* 0 0,1 0,2 0,3 0,4 0,5 0,6 0,7 0,8 0,9 1

Ciganos Homossexuais Emigrantes Africanos

Pirenianos Wallonianos Dainerianos

Estabilidade Intra-item vs. Intra-Participante

Intra-item Intra-Participante

Figura 1. Coeficientes de correlação de Pearson (estabilidade intra-item) e correlações de elemento comum (estabilidade intra-participante) para cada categoria, por tipo de categoria

Nota: * Significativo para p ≤ .05 ** Significativo para p ≤ .001

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uma tendência para os traços repetidos entre sessões (para os quais houve estabilidade) serem, em média, mais centrais que os traços únicos, quer para as categorias sociais, como para as categorias sociais imaginárias. No entanto, este efeito só se mostrou significativo para o grupo dos Ciganos e dos Emigrantes Africanos.

Foi então calculada, para cada participante, a mediana das centralidades atribuídas aos traços na primeira sessão. Traços cuja centralidade se situava acima da mediana foram considerados centrais, e traços abaixo da mediana foram considerados periféricos, exclu-indo-se os traços cuja centralidade era igual à mediana. Novas correlações de elemento-comum foram calculadas para cada conjunto de traços, usando o número total de atributos seleccionados na primeira sessão como denominador. Os valores destas correlações po-dem ser observados na Tabela 2. Análises de variância mostram que, como esperado, traços com centralidade mais elevada foram significativamente mais estáveis que traços periféricos, quer para as categorias sociais, F(5, 190) = 6.21, p < .001, quer para as cate-gorias sociais imaginárias, F(5, 180) = 7.97, p < .001.

Centralidade e Acessibilidade

À semelhança de Garcia-Marques e colaboradores (2006), procurou-se correlaci-onar o grau de centralidade dos traços com a sua posição ordinal. Para cada protocolo de

Tabela 2.

Correlações Intra-Participante (estabilidade individual) por Categoria e Centralidade do Traço.

Categorias Sociais Categorias Sociais Imaginárias Ciganos Homossexuais Emigrantes

Africanos Pirenianos Wallonianos Dainerianos Centrais .23 .24 .21 .15 .16 .14 Periféricos .13 .13 .12 .08 .04 .07

p (one-tailed) .001 .002 .009 .013 < .001 .001

Tabela 1.

Diferenças nas avaliações médias de centralidade para Traços Comuns e Únicos, por categoria.

Categorias Sociais Categorias Sociais Imaginárias Ciganos Homossexuais Emigrantes

Africanos Pirenianos Wallonianos Dainerianos Traços Comuns 6.65 5.74 6.46 5.93 6.12 6.07

Traços Únicos 5.80 5.33 5.69 5.65 5.59 5.53

t-test 2.76 1.06 2.19 0.78 1.86 1.99

gl 16 18 21 26 27 28

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cada participante, em cada categoria, a posição ordinal de cada traço foi correlacionada com a sua centralidade. Os coeficientes de Pearson obtidos foram então transformados em Z Scores de Fisher, de modo a obter as médias de cada categoria, e de volta em coe-ficientes de Pearson. Os coecoe-ficientes resultantes são dados na Tabela 3. Como esperado, as correlações foram negativas para ambos os tipos de categoria (sociais e sociais imagi-nárias), indicando uma tendência para os traços mais centrais serem recuperados mais cedo (estando mais acessíveis).

Acessibilidade e Estabilidade

Bellezza (1984a) observou que exemplares produzidos mais cedo, na tarefa, ti-nham maior probabilidade de serem comuns entre sessões que exemplares produzidos mais tarde. Em teoria, isso significa que os itens mais acessíveis são também os mais estáveis entre sessões. Uma vez que a acessibilidade se mostrou correlacionar com a cen-tralidade, e que itens mais centrais foram, efectivamente, mais estáveis, é de esperar tam-bém maior estabilidade intra-participante para traços produzidos mais cedo.

À semelhança do que foi feito para a centralidade, foi calculada a mediana da posição ordinal de cada traço na primeira sessão, para cada participante. Traços cuja po-sição estava abaixo da mediana foram considerados traços early (traços gerados mais cedo, os “primeiros” traços), traços com uma posição acima da mediana foram conside-rados late (traços geconside-rados mais tarde, os “últimos traços”), e traços cuja posição era igual

Tabela 4.

Correlações Intra-Participante (estabilidade individual) por Categoria e Posição Ordinal do Traço.

Categorias Sociais Categorias Sociais Imaginárias Ciganos Homossexuais Emigrantes

Africanos Pirenianos Wallonianos Dainerianos

Early .34 .27 .27 .25 .22 .26

Late .20 .20 .18 .16 .12 .15

p (one-tailed) <.001 .003 .007 .012 .003 <.001

Tabela 3.

Correlações médias entre Centralidade e Posição Ordinal do Traço, por Categoria.

Categorias Sociais Categorias Sociais Imaginárias Ciganos Homossexuais Emigrantes

Africanos Pirenianos Wallonianos Dainerianos Correlação -.39* -.20 -.25 -.48* -.31 -.36

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à da mediana foram excluídos. A Tabela 4 mostra as correlações de elemento-comum obtidas para os traços early e late, para cada categoria (social e social imaginária). Mais uma vez, o número total de traços seleccionados na primeira sessão foi usado como de-nominador.

Como esperado, análises de variância mostraram um efeito significativo de posi-ção ordinal para as categorias sociais, F(5, 190) = 7.93, p < .001, bem como para as cate-gorias sociais imaginárias, F(5, 180) = 8.02, p < .001, indicando que os traços mais aces-síveis (early) foram mais estáveis entre sessões.

Rating Scales

Como medida complementar, os padrões obtidos para a tarefa de seleção de traços foram repetidos nas rating scales (ver Tabela 5), uma vez mais verificando-se uma alta estabilidade da amostra agregada (intra-item) contrastada com a relativa instabilidade in-dividual dos participantes (intra-participante).

Em linha com a hipótese de que a estabilidade das medidas agregadas se deve, pelo menos em parte, a um artefacto estatístico, os resultados do estudo 1 mostraram, para as categorias sociais imaginárias, padrões de estabilidade semelhantes aos das categorias sociais. Para além disso, se não houvesse consenso entre os participantes, esperar-se-iam frequências semelhantes para a maioria dos traços escolhidos, no entanto, tal não parece ter sido o caso, com alguns traços a serem escolhidos por uma percentagem significativa da amostra.

Este padrão de resultados converge, inclusive, com a ideia adiantada por Garcia-Marques e colaboradores (2017) de que este fenómeno não tem que se limitar a explicar

Tabela 5.

Correlações Intra-Item e Intra-Participante para cada categoria, para a tarefa de Rating Scales.

Categorias Sociais Categorias Sociais Imaginárias Ciganos Homossexuais Emigrantes

Africanos Pirenianos Wallonianos Dainerianos Intra-item .90** .95** .96** .83** .94** .86** Intra-Partici-pante .42* .59* .60* .40* .33 .41* Nota: * Significativo para p ≤ .05 ** Significativo para p ≤ .001

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a estabilidade social e situacional resultante da activação das características mais estáveis das situações (os valores partilhados por toda uma cultura). Na verdade, se o fenómeno resulta da agregação, a agregação entre indivíduos num dado momento deve levar a re-sultados semelhantes à agregação entre momentos de um só indivíduo (Fishbein & Ajzen, 1974), como, aliás, Kurdi e Banaji (2017) defendem.

É importante notar, no entanto, que, ainda que se tenha procurado criar condições de independência entre os participantes, estes resultados não excluem necessariamente o papel da assimilação de valores culturais, podendo os participantes não ser realmente in-dependentes.

Na verdade, como Tajfel (1981) faz notar, quando aprendemos sobre grupos so-ciais, recebemos também feedback social tendencialmente confirmatório dos preconcei-tos que dessa aprendizagem se formam. Os preconceipreconcei-tos sobre um grupo social tendem, então, a ser altamente consensuais e estáveis entre indivíduos, não por cada um avaliar individualmente os grupos sociais, mas como resultado da interação e aprendizagem so-cial (impedindo a independência de agentes que exige o fenómeno de Bias of Crowds que Payne e colaboradores (2017) propõem).

Quanto às categorias sociais imaginárias usadas, que pretendiam estar desprovidas desse conhecimento cultural, Hartley (1946) mostra que, pela assimilação de valores em sociedade, mesmo em relação a categorias desconhecidas (e Hartley usou precisamente as mesmas três categorias: Pirenianos, Wallonianos e Dainerianos) as pessoas mostram esse preconceito aprendido. Aliás, Kahneman e Miller (1986), postulam mesmo que as normas sobre objectos ou eventos específicos são construídas ad hoc através da recupe-ração de experiências semelhantes em memória, de modo que os participantes, face a categorias sociais novas (imaginárias), poderão ter feito uso de conhecimentos a priori, culturalmente assimilados, como um frame para a geração do novo estereótipo. Embora Payne e colaboradores (2017) argumentem que as medidas implícitas agregadas são me-lhores a reportar o que é activado pelas situações que o que é activado pelos indivíduos, a verdade é que não é imediatamente evidente quão salientes ou estáveis são os contextos internos, e exactamente que influência podem ter nestas tarefas, até numa tarefa para a qual se supunha essa ausência de conhecimento interno.

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Estudo 2

Um segundo estudo procurou, então, explorar os limites desta explicação baseada puramente no artefacto estatístico. Se as categorias sociais imaginárias são categorias so-bre as quais os indivíduos não possuem qualquer conhecimento prévio específico, as in-ferências feitas (e o conhecimento social activado) terão sido guiadas por algum elemento no contexto, presente no procedimento usado.

Ehrlich e Rinehart (1965) tecem um argumento interessante sobre o procedimento de Katz e Braly (1933) e os níveis de consenso gerados. Ainda que o procedimento de Katz e Braly (1933) admitisse a adição de traços novos a um estereótipo, para além dos fornecidos na lista, a verdade é que o fornecimento de uma lista não deixa de ser um constrangimento forte. Ehrlich e Rinehart (1965) hipotetizaram que, se os participantes não sentissem um constrangimento de escolher traços de uma lista pré-criada, mas antes respondessem de forma aberta (num procedimento de resto semelhante ao de Katz e Braly), as respostas obtidas seriam diferentes daquelas que estudos com listas obtiveram (e.g., Katz e Braly, 1933; Gilbert, 1951). Para além disso, argumentaram que os partici-pantes na condição de resposta aberta demonstrariam também menor consenso entre si que os participantes com uma lista de onde escolher.

Com efeito, os resultados do seu estudo demonstraram isso mesmo. Não apenas o conteúdo estereotípico foi significativamente diferente entre condições (diferindo não só nos termos usados, mas nos conceitos/significados), mas o consenso foi também mais baixo. Estes resultados são relevantes pois sugerem que o consenso (e eventualmente a estabilidade) observado em todos os estudos discutidos acima pode também ser devido a constrangimentos da língua. De facto, e seguindo a hipótese de que a estabilidade no conteúdo estereotípico parece dever-se à estabilidade no contexto, torna-se necessário considerar a linguagem como parte desse mesmo contexto. E se é verdade que vários estudos se focaram em manipular o contexto (e.g., Garcia-Marques et al., 2006), um as-pecto metodológico tem-se mantido constante: as listas de traços e a sua construção.

Katz e Braly (1933), por exemplo, prepararam a sua lista pedindo a 25 alunos que listassem os traços mais típicos de cada um dos grupos raciais e nacionais subsequente-mente usados. Gilbert (1951) e Karlins e colaboradores (1969) usaram, nos seus estudos, a mesma lista usada por Katz e Braly (1933), alterando-a apenas ligeiramente. De igual forma, Garcia-Marques e colaboradores (2006) seguiram um procedimento semelhante na criação da sua lista: 31 alunos geraram uma lista de atributos para cada uma das

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categorias sociais usadas nos estudos (ciganos, homossexuais, emigrantes africanos). Para cada categoria, os 9 traços mais frequentemente mencionados foram seleccionados, inte-grando na lista final estes 27 traços, bem como os seus antónimos, quando possível.

No nosso primeiro estudo, a lista usada para a tarefa de selecção de traços foi a mesma usada por Garcia-Marques e colaboradores (2006), uma lista muito consensual (homogénea) e com um elevado valor ecológico: os itens apresentam um alto valor co-municacional e são socialmente partilhados com enorme frequência (o que é pertinente para a interação e aprendizagem social de que se fala acima). De forma contrastante, estes procedimentos regularmente não implicam a escolha de uma amostra de participantes igualmente homogénea. Nas experiências anteriores os resultados podem obter a sua va-riabilidade de duas fontes: os participantes, e o leque de respostas possíveis (a lista de traços). Estatisticamente, quando se agregam os participantes por itens, a variável mais heterogénea está, assim, a ser cancelada, resultando em correlações (intra-item) bastante mais elevadas. Por outro lado, quando a agregação é feita intra-individualmente, está-se a cancelar uma variável bastante mais homogénea, mantendo a maior fonte de variabili-dade (os participantes), o que resulta em correlações (intra-sujeito) mais baixas, i.e., maior instabilidade.

Nesse sentido, os resultados tipicamente obtidos até ao momento podem ter estado a negligenciar esta artificialidade. No entanto, trata-se de artificialidade apenas no con-trolo de uma variável e não da outra, pois, na verdade, a metodologia em vigor estará a reproduzir experimentalmente um típico ambiente social onde os indivíduos partilham um código linguístico (impedindo a independência entre sujeitos), devido às suas neces-sidades comunicacionais (é a comunicação entre indivíduos que cria homogeneidade no uso da linguagem, de modo que a homogeneidade experimental reproduz esta homoge-neidade natural e ecológica).

O segundo estudo deste trabalho irá, assim, procurar testar os limites deste argu-mento, manipulando a composição das listas de atributos. Não se alterando a componente aleatória trazida pela variabilidade da amostra de sujeitos, espera-se que, manipulando a frequência dos atributos que compõem a lista (traços com elevada frequência na formação de impressões sobre indivíduos; traços com baixa frequência na formação de impressões; e traços altamente invulgares para descrever indivíduos, retirados de um dicionário), para as listas com traços mais infrequentes e menos partilhados, a agregação dos indivíduos

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por itens leve a menor estabilidade inter-individual, mas não a eliminando por completo (devido ao efeito do artefacto estatístico).

Método

Participantes e Design

Os participantes eram constituídos por 120 alunos de 1.º ano da FPUL (100 mu-lheres e 20 homens, com idades compreendidas entre os 17 e os 60 anos, M = 20.33). Os alunos participaram preenchendo um questionário na plataforma Qualtrics, em troca de 2 valores da nota final de uma Unidade Curricular (em alternativa à realização de um tra-balho individual). O design do estudo foi 3 (tipo de lista: típica, atípica ou dicionário), inter-sujeito x 3 (categoria social imaginária: pirenianos, wallonianos e dainerianos) x 2 (sessão: 1 e 2), intra-sujeito.

Material

De modo a criar as listas típica e atípica, foi realizado um pré-teste onde foi pedido a 34 participantes (obtidos através da internet) para produzirem descrições, sob a forma de traços, de 4 pessoas (que conhecessem bem/mal x de quem gostassem/não gostassem). Foi elaborada uma lista com a frequência de geração de cada traço. A partir dos traços mais frequentes foi criada a lista típica, com a lista atípica a ser composta pelos traços mais infrequentes. A lista dicionário foi criada selecionando traços atípicos de um dicio-nário, com a condição de que não tivessem sido gerados pelos participantes do pré-teste (ver Anexo H).

As mesmas três categorias socias imaginárias foram utilizadas neste estudo.

Procedimento

Tal como no estudo 1, os participantes foram testados duas vezes (em sessões de grupo de até 8 participantes), com um intervalo de cerca de um mês entre sessões. Para identificar e corresponder as respostas dos participantes entre as duas sessões, foi-lhes pedido para indicar as datas de aniversário da mãe e do pai, em ambas as sessões, asse-gurando o anonimato. Cada participante foi sentado em frente a um computador, no qual preencheu o questionário. Cada participante foi atribuído aleatoriamente a uma das con-dições “tipo de lista”, de forma a que cada condição tivesse 40 participantes. A condição de cada participante foi registada, de forma a que a mesma lhe pudesse ser atribuída na segunda sessão.

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As instruções dadas foram as mesmas apresentadas para o grupo da condição “Ca-tegorias Sociais Imaginárias”, no estudo 1 (ver Anexos C, D e E), sendo-lhes pedido que escolhessem um mínimo de 5 traços para cada categoria, a partir da lista de 46 traços correspondente à sua condição. Após a escolha de cada conjunto de traços, foi pedido que avaliassem numa escala de 9 pontos quão central cada traço escolhido era, para a descri-ção da categoria.

À semelhança do estudo 1, cerca de um mês mais tarde os participantes voltaram, sendo-lhes pedido que realizassem as mesmas tarefas e que respondessem sem procurar activamente dar respostas iguais ou diferentes das dadas na primeira sessão (ver Anexo G).

Resultados e Discussão

Estabilidade da Amostra Agregada (Intra-item) vs. Intra-Participante

Globalmente, os resultados mantêm-se como já esperado. Quando considerando a amostra agregada (intra-item), a estabilidade do conteúdo produzido foi superior, por oposição à estabilidade individual (intra-participante) que apresentou valores inferiores (ver Figura 2). Contrariamente à hipótese de que, à medida que a tipicidade das listas diminuía (e a sua variabilidade aumentava), também a estabilidade da amostra agregada seria inferior, pode observar-se uma tendência para a condição da lista atípica apresentar maior estabilidade que a condição da lista típica. Quanto à condição da lista dicionário, esta mostra maior estabilidade que a lista típica, nalguns casos, e menor, noutros. No entanto, nenhuma diferença atingiu significância estatística. Este padrão verificou-se, quer para a estabilidade da amostra agregada, quer para os níveis de estabilidade indivi-dual.

Uma ANOVA aplicada sobre as correlações de elemento-comum mostrou efeitos principais de categoria, F(2, 188) = 3.86, p = .023, e tipicidade, F(2, 94) = 4.21, p = .018. Contrastes planeados entre categorias revelam uma diferença significativa (t(94) = 2.61, p = .011) entre os Pirenianos (M = .30, SE = .02) e os Dainerianos (M = .23, SE = .02). De igual forma, contrastes planeados entre as listas indicam que a condição Atípica foi significativamente (t(94) = 2.84, p = .006) mais estável que a condição Dicionário (M =

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.32, SE = .02; e M = .22, SE = .03, respectivamente). Não se observaram efeitos de inte-ração (F(4, 188) = 1.21, p = .309).

Centralidade e Estabilidade

Uma vez mais, os traços foram divididos, por participante e categoria, entre cen-trais e periféricos, de acordo com a mediana da sua centralidade. Traços cuja centralidade era igual à mediana, foram excluídos. Usando o número total de traços gerados na pri-meira sessão como denominador, foram calculadas correlações de elemento-comum mé-dias para os traços centrais e periféricos entre sessões, por categoria e por lista, como pode ser observado na Tabela 6. Uma ANOVA 3 (tipicidade da lista) x 3 (categoria) x 2 (centralidade) revelou apenas um efeito principal de centralidade, F(1, 94) = 21.65, p < .001, indicando que traços considerados como mais centrais foram significativamente mais estáveis que traços periféricos (M = .06, SE = .01; e M = .02, SE = .004, respectiva-mente). Nenhum efeito de interação foi observado: Centralidade x Tipicidade (F(2, 94) = .05, p = .951); Centralidade x Categoria (F(2, 188) = .05, p = .950); Centralidade x Cate-goria x Tipicidade (F(4, 188) = 2.05, p = .089), no entanto, foram feitos contrastes plane-ados de forma a melhor perceber os resultplane-ados. Observaram-se diferenças significativas para os Wallonianos, na lista típica, para os Pirenianos, na lista atípica, e para os Daine-rianos, na lista dicionário, embora a tendência seja observada em todos os contrastes.

0,73 0,57 0,54 0,80 0,68 0,51 0,60 0,68 0,70 0,32 0,240 0,21 0,33 0,36 0,27 0,27 0,18 0,21 0 0,2 0,4 0,6 0,8 1 P iren ian o s Wallo n ian o s Da in erian o s P iren ian o s Wallo n ian o s Da in erian o s P iren ian o s Wallo n ian o s Da in erian o s

Típica Atípica Dicionário

Estabilidade Intra-item vs. Intra-Participante

Intra-Item Intra-Participante

Figura 2. Coeficientes de Correlação de Pearson (estabilidade intra-item) e correlações de elemento comum (estabilidade intra-participante) para cada categoria, por tipo de lista.

Imagem

Figura 1. Coeficientes de correlação de Pearson (estabilidade intra-item) e correlações de elemento  comum (estabilidade intra-participante) para cada categoria, por tipo de categoria
Figura 2. Coeficientes de Correlação de Pearson (estabilidade intra-item) e correlações de elemento  comum (estabilidade intra-participante) para cada categoria, por tipo de lista.

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