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Moléculas e máquinas moleculares

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Academic year: 2019

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Recebido em 16/3/05, aceito em 25/4/05

A seção “Atualidades em Química” procura apresentar assuntos que mostrem como a Química é uma ciência viva, seja com relação a novas descobertas, seja no que diz respeito à sempre necessária revisão de conceitos.

A

TUALIDADES EM

Q

UÍMICA

N

este início de milênio, a aten-ção do mundo está voltada para os aspectos moleculares da Ciência, como pode ser visto des-de a Biologia Molecular até a recente explosão da nanotecnologia. Assim, muito da inovação que tem acontecido tem algo familiar para quem lida com a Química.

Recentemente, Henry Taube, 90, Prêmio Nobel de Química de 1983 e membro da Academia Brasileira de Ciências, ao ser indagado sobre a sua visão do futuro, declarou: “Eu real-mente aprecio o que está sendo feito na nanotecnologia. Os cientistas finalmente estão acreditando nos áto-mos... Se pudesse prosseguir na Quí-mica, eu escolheria essa área para fazer pesquisa”.

Qual o sentido dessa declaração, feita por um dos maiores químicos de todos os tempos, se os átomos e molé-culas sempre estiveram no foco da Química?

De fato, a Química já consegue ra-cionalizar grande parte do conheci-mento sobre as substâncias, princi-palmente na escala macroscópica,

Artigo dedicado a Henry Taube1, na passagem de seus 90 anos.

Henrique E. Toma

A tecnologia atual, que avança na escala nanométrica, está rompendo as barreiras do mundo clássico para ingressar no domínio quântico dos átomos e moléculas. Essa onda, que se anuncia como a maior revolução tecnológica de todos os tempos, poderá transcender a própria Química ao ir ao encontro dos sistemas organizados e nanomáquinas moleculares que sustentam a vida. Inspiradas nesses sistemas, novas estratégias em nanotecnologia já estão aflorando através da Química Supramolecular, permitindo vislumbrar uma enorme gama de aplicações, desde medicamentos e materiais inteligentes, até avançados dispositivos sensoriais, eletrônicos e de conversão de energia.

nanotecnologia, nanociências, Química Supramolecular

onde a unidade de contagem é o mol, quantidade de matéria que contém esse número imenso de entidades co-nhecido como número de Avogadro (6 x 1023). Contudo, será que todo esse

conhecimento se aplica a uma única molécula? Será que

a cor de uma molé-cula é a mesma da substância a que dá origem? Com que velocidade um elé-tron ou um fóton transitariam pela molécula? Existiriam trilhas e armadilhas ao longo do percur-so? Seria possível

ar-mazenar informações em sua estrutu-ra e depois acessá-las? Poderíamos manipular suas propriedades intrínse-cas, controlar seus movimentos e inte-rações? Processá-las em conjunto, para obter arquiteturas planejadas e arranjos organizados? Depois disso, orquestrar suas ações de forma siner-gística, para realizar um trabalho har-monioso e inteligente? E, finalmente, por que não, fazer das moléculas

ver-dadeiras máquinas, ou utilizá-las para construir complexas máquinas mole-culares? Realmente, quando começa-mos a pensar dessa forma, a Química ganha um novo sentido. Talvez muito mais puro, em sua essência, porém assimilando ao mes-mo tempo novos con-ceitos tecnológicos. Nesse nível, a Química se confunde com a nanotecnologia mo-lecular e passa a usar novas ferramentas ca-pazes de lidar com objetos muito peque-nos, numa escala on-de os fenômenos clás-sicos e quânticos se misturam. Essa nova maneira de ver a Química é a mensagem embutida na declaração de Henry Taube.

A tecnologia atual caminha definiti-vamente para a escala nanométrica, tanto através da miniaturização na ele-trônica (sentido descendente, top-down), como através da montagem nanoestrutural a partir de átomos e mo-léculas (sentido ascendente, bottom-up). Note que a dimensão expressa por 1 nanometro (1 nm) equivale a um bilionésimo do metro (10-9 m). Nessa Eu realmente aprecio o que

está sendo feito na nanotecnologia. Os cientistas finalmente estão acreditando nos átomos... Se pudesse prosseguir na Química, eu escolheria essa

área para fazer pesquisa

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dimensão, a luz visível, em sua faixa de comprimento de onda característica (400 a 760 nm), já não pode ser usada para enxergar os objetos, pois as leis da Física limitam a resolução óptica à metade do comprimento de onda utilizado. Assim, literalmente, estamos entrando em um mundo invisível. Para visualizar as formas nanométricas, uma saída seria empregar minúsculas pon-tas ou sondas, capazes de atuar como se fossem dedos na leitura Braille, var-rendo a superfície através de delicados movimentos com precisão atômica. Que tipo de máquina faria isso? Na prática, podemos usar um simples cristal piezelétrico, como aqueles existentes em aparelhos de som. Esse tipo de cristal converte a pressão (piezo) em impulsos elétricos e vice-versa, através de deslocamentos atô-micos em sua estrutura. Assim, basta colar uma ponta ou agulha muito fina nesse cristal e programar no compu-tador os estímulos elétricos a serem aplicados, para gerar movimentos muito precisos na escala nanométrica. Essas idéias foram colocadas em prática no início dos anos 1980 por Gerd Binnig e Heinrich Rohrer, na IBM (Suíça). Eles utilizaram uma agulha metálica movimentada por um cristal piezelétrico para sondar uma superfí-cie condutora, através das diminutas correntes elétricas que começam a fluir quando as distâncias de aproximação entram na escala nanométrica. Tais correntes são denominadas de tunela-mento, pois os elétrons conseguem vencer o espaço vazio (barreira isolan-te) que separa a ponta da sonda e a superfície condutora, como se passa-ssem através de um túnel. Na realida-de, o tunelamento é um fato caracte-rístico do mundo quântico e está asso-ciado à natureza ondulatória do elétron. Medindo as correntes de tunelamento, Binnig e Rohrer obtiveram uma ima-gem topográfica da superfície, com resolução atômica. O novo microscó-pio (STM = scanning tunneling

micro-scope), que deveria ser chamado de

nanoscópio (Figura 1), permitiu visua-lizar os átomos sobre uma superfície! Por essa invenção, esses cientistas receberam o Prêmio Nobel de Física de 1986.

O nanoscópio foi e continua sendo

trabalhado de modo a utilizar não apenas as correntes de tunelamento, como também as vibrações e outros efeitos produzidos nas sondas, à me-dida que interagem com a superfície. A modalidade conhecida como AFM

(atomic force microscopy) utiliza um laser que, ao refletir sobre a base da sonda, reproduz seus movimentos com grande precisão. Da mesma for-ma que um dedo consegue indicar se a superfície é mole ou dura, uma sonda de AFM também fornece muito mais informações do que simples-mente a imagem da superfície e das moléculas nela depositadas. Também é possível ter informações sobre a natureza e homogeneidade do mate-rial e sobre suas propriedades elétri-cas ou magnétielétri-cas. Por outro lado, através de modificações químicas, as sondas também podem ser usadas como ferramentas analíticas para mo-nitorar átomos e moléculas específi-cas sobre uma superfície. Imitando as canetas-tinteiro, as sondas já vêm sendo empregadas para escrever com átomos ou moléculas, deslocan-do-os ou depositando-as sobre su-perfícies metálicas de planaridade atômica. Esse processo de gravação foi inicialmente demonstrado por Don Eigler na IBM, que surpreendeu o mundo ao escrever a sigla da empre-sa com átomos de xenônio. Em 2001, Chad Mirkin introduziu a nanolitografia de ponta de pena, utilizando as son-das para compor imagens com reso-lução nanométrica, ou como uma nanoimpressora capaz de escrever dezenas de páginas completas no espaço da largura de um fio de cabelo. No final de 2003, a IBM

anun-ciou um novo processo de gravação e leitura em CDs empregando milha-res de pontas de microscopia de varredura de sonda. Essa nova ferra-menta, denominada Milliped, amplia-rá em várias ordens de grandeza a capacidade de memória dos atuais CDs.

Moléculas processando informações

Os CDs e DVDs constituem atual-mente a forma mais prática de guar-dar e reproduzir informações. A grava-ção dos bits nesses discos plásticos faz uso de um fino filme de moléculas como as ftalocianinas, com alto poder de absorção de luz acima de 600 nm. Esse filme é depositado sobre uma superfície refletora e protegido por um revestimento de polímero transparente. Usando um feixe de laser focalizado, a concentração de fótons torna-se muito alta e, ao serem absorvidos pelas moléculas, esses fótons acabam pro-vocando alterações químicas e físicas na interface refletora que podem ser facilmente monitoradas pelo detector óptico. Isto permite gravar bits num espaço submicrométrico, conferindo enorme capacidade de memória a esses discos.

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luz, de forma reversível. Quando isto ocorre a atividade óptica do centro qui-ral é afetada e a informação transmitida pela luz incidente fica gravada. Com o auxílio de uma luz polarizada é possível monitorar esse fenômeno e fazer a lei-tura da informação gravada. Segundo a CME, esse dispositivo, do tamanho de um pequeno dado, é capaz de ar-mazenar o equivalente a 34 HDs de 60 Gb de memória!

Alem de armazenar informações, as moléculas também podem ser utili-zadas em processamento, através da computação molecular. Na eletrônica, todo o processamento é feito através das portas lógicas conhecidas pelas siglas AND, NAND (not and), OR, NOR

(not or), XOR (exclusive OR) etc., as quais fazem uso de uma ou duas entradas de sinal (input), para gerar respostas (output) binárias, do tipo sim ou não (0 ou 1). Nesse sentido, deve-mos lembrar que as moléculas são genuínos dispositivos sensoriais e a grande diversidade de estímulos e res-postas moleculares pode ser explo-rada como inputs e outputs para

codificar e processar informações. Por exemplo, indicadores como a fenol-ftaleína sinalizam através de mudanças de cor se o meio tem caráter ácido ou básico. Se pensarmos na adição de prótons como input e na cor vermelha como output, a fenolftaleína irá com-portar-se como uma porta lógica mo-lecular semelhante aos análogos de silício usados na eletrônica. De fato, a fenolftaleína na presença de prótons (input 1) não produz cor (output 0); ao contrário, na sua falta (input 0), a cor será vermelha (output 1). Essa porta é do tipo NOT. Evidentemente, a porta mais simples é a do tipo YES, exempli-ficada por uma molécula incolor que se torna colorida na presença de prótons. Da mesma forma, através da exploração racional dos estímulos e respostas, é possível gerar todos os tipos de portas lógicas com moléculas e realizar computação molecular. Atualmente, até o DNA vem sendo utili-zado para essa finalidade.

Embora a computação molecular esteja em seus primórdios, não pode-mos esquecer que o melhor

compu-tador existente é molecular. Trata-se do cérebro. Ele atua com moléculas, em meio líquido, e é muito mais com-plicado do que qualquer dispositivo que possamos imaginar! O neurônio é uma complexa porta lógica dotada de um grande número de terminais recep-tores, capazes de reconhecer molécu-las de neurotransmissores como a dopamina (input), gerando impulsos elétricos (output) que se propagam por longas distâncias através de um filamento de axônio. Este termina em ramificações sinápticas, que fazem a conexão com outras células neurais. Quando os impulsos elétricos chegam às regiões sinápticas, novas moléculas de neurotransmissores que ficam ar-mazenadas no local são liberadas para estabelecer a comunicação com outro neurônio. Ao contrário do computador, que utiliza portas lógicas binárias, o cérebro atua de outra forma, proces-sando em paralelo um número imenso de informações. Assim, consegue executar 1017 operações por segundo,

cerca de 1000 vezes mais rápido que o Blue Gene/L da IBM, que é o super-computador mais possante conhecido atualmente. Podemos dizer que, além de um “hardware” químico imbatível, o cérebro também faz uso do melhor “software” existente, que é a consciên-cia. Essas considerações começam a ganhar destaque neste início de milê-nio, tendo em vista a previsão de que o processo da miniaturização dos dis-positivos de silício chegará ao seu limite quando atingir a escala nanomé-trica, em decorrência dos problemas de natureza térmica e quântica. E isto já está bastante próximo.

Moléculas e máquinas moleculares

As moléculas são dotadas de mo-vimentos vibracionais, rotacionais e translacionais intrínsecos, acionados pela energia térmica. Entretanto, esses movimentos não respondem direta-mente pelos mecanismos de desloca-mento, locomoção e transporte obser-vados no mundo macroscópico. Na realidade, realizar movimentos contro-lados por transformações moleculares ainda é um grande desafio, apesar de ser um ato trivial nos sistemas biológi-cos. Neles, o movimento é conduzido pelas miosinas, dineínas e quinesinas, Figura 2: Molécula de quiroptoceno, capaz de armazenar informações através de

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que são sistemas constituídos por uma cabeça protéica globular ligada a uma cadeia fibrosa. A cabeça é ativada pela molécula de ATP, cuja hidrólise provoca uma mudança conformacional que se propaga ao longo da cadeia fibrosa responsável pelo movimento. Fazer algo semelhante utilizando sistemas químicos não é nada fácil e ainda está longe da realidade.

Mesmo assim, os progressos al-cançados na produção de movimen-tos moleculares já contam com vários exemplos notáveis. Um deles são os rotaxanos, constituídos por uma cadeia linear que atua como eixo, em torno do qual uma molécula cíclica gira livremente. Se a cadeia for construída com grupos adequados, eletroquimi-camente ativos, e o anel tiver cargas elétricas, a posição do mesmo poderá ser controlada mediante aplicação de potencial. O anel irá se deslocar sobre o eixo condutor, como se fosse um bonde molecular, atraído para a região dotada de cargas opostas. Utilizando uma rede de rotaxanos, é possível montar um dispositivo parecido com um ábaco, para armazenar informa-ções (dígitos) através da simples movimentação dos anéis, mediante aplicação de potenciais elétricos. Esse dispositivo foi recentemente expandi-do, utilizando redes de nanofios metá-licos interligados por rotaxanos, e mos-trou ser capaz de processar informa-ções complexas, em nível molecular.

Outra forma de produzir

movimen-tos moleculares é através da isomeri-zação cis-transinduzida pela luz. Em moléculas como a diazobenzeno (Figura 3), a fotoisomerização pode ser feita reversivelmente, usando dois comprimentos de onda de irradiação. A forma cis é mais compacta que a

trans. Utilizando um polímero de dia-zobenzeno ligado a uma lâmina del-gada de silício e um material suporte, foi possível realizar movimentos de flexão através da aplicação de luz, por meio da fotoisomerização reversível da cadeia. Se lembrarmos que desloca-mentos de dimensões atômicas per-mitiram o desenvolvimento da micros-copia de varredura de sonda, esse tipo de movimento induzido por luz poderá ter aplicações em tecnologias futuras, substituindo micromotores, sem a ne-cessidade de componentes mecâ-nicos.

No nível molecular, mudanças de conformação induzidas por estímulos químicos ou físicos vêm sendo utili-zadas no desenvolvimento de sistemas alostéricos. O alosterismo é um me-canismo pelo qual as moléculas, como as enzimas, conseguem controlar sua própria atividade mediante estímulo externo, tornando mais ou menos acessível os sítios ativos, onde se pro-cessam as transformações. Na falta do produto, a enzima é ativada alosteri-camente, de forma a atuar com maior rendimento; quando este se acumula, um mecanismo semelhante provoca sua perda de atividade. O alosterismo

já está sendo aplicado a sistemas químicos, especialmente projetados de forma que a atividade de um deter-minado sítio possa ser controlada por outro, mais remoto, como ilustrado na Figura 4. A ampliação desse conceito pode ser importante para o desenvol-vimento de sistemas moleculares autorreguláveis e inteligentes para uso como liberadores de drogas no orga-nismo, controle hormonal etc.

A organização molecular

Uma característica importante dos sistemas biológicos é a organização estrutural, que vai desde a montagem das biomoléculas com vários compo-nentes até a disposição das mesmas ao longo das membranas celulares e a compartimentalização dos processos. A associação de vários componentes nas biomoléculas permite que eles atuem de forma cooperativa ou sinergística, na qual a ação de cada constituinte extrapola o seu limite individual, passando para o plano supramolecular (além da molé-cula). Este é o conceito de Química Su-pramolecular estabelecido por Jean-Marie Lehn, Prêmio Nobel de Química de 1987. Os vários níveis de organização representam extensões desse conceito,

Figura 3: Flexão em uma lâmina delgada de silício produzida pela fotoisomerização reversível do poliazobenzeno em dois comprimentos de onda.

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7 em outras hierarquias supramoleculares.

A compartimentalização, por sua vez, co-mo ocorre nas organelas coco-mo as mito-côndrias e cloroplastos, é uma forma de possibilitar que as transformações se processem sem interferências externas, ao longo da cadeia supramolecular.

A associação molecular através de grupos que se reconhecem quimi-camente é uma forma eficiente de pro-mover a automontagem de sistemas organizados. Se tivermos que produzir dispositivos moleculares em escala comercial, não será possível montá-los um a um, mesmo com as máquinas construtoras imaginadas por Eric Drexler nos anos 1980. Basta lembrar que no mundo macroscópico a escala de contagem é o mol. Produzir um mol de dispositivos moleculares, um de ca-da vez, demanca-daria um tempo infinito. Entretanto, montagens supramolecu-lares são perfeitamente possíveis e os sistemas biológicos são reflexo disso. Por isso, a Química Supramolecular é considerada estratégica na nanotecno-logia do futuro.

Por exemplo, moléculas de polipi-ridinas lineares se associam esponta-neamente na presença de íons cobre(I) formando fios e redes moleculares per-feitamente organizados (Figura 5). Da mesma forma, modificando moléculas com derivados de bases nucléicas é possível realizar sua associação

es-pontânea para gerar rosetas que se auto-organizam gerando nanotubos (Figura 6). Filmes organizados podem ser convenientemente obtidos através de técnicas como a de Langmuir-Blodget. Para isto, as moléculas são inicialmente dispersas sobre a superfí-cie de um líquido no qual elas são par-cialmente miscíveis e compactadas mediante aplicação de uma ligeira pressão lateral. Depois, são transferi-das para o substrato de interesse por meio de imersão e remoção contro-lada. Esse processo é semelhante ao que ocorre quando retiramos o braço de uma tina de água coberta de óleo. O óleo acaba aderindo ao braço, inevitavelmente!

Dispositivos moleculares

As moléculas apresentam uma grande diversidade de propriedades que podem ser aproveitadas na produção de dispositivos sensoriais, eletrônicos e de conversão de energia, conforme pode ser visto na Figura 7.

Os mais conhecidos são as telas de cristais líquidos usadas nos moni-tores de computadores, televisores e equipamentos domésticos. Essa tec-nologia faz uso do alinhamento das moléculas sob ação de um campo elétrico, depositadas sobre cada ponto (pixel), passando a atuar como se fossem um filtro que controla a passagem da luz polarizada através das mesmas. Outra tecnologia que já está competindo com as telas de cris-tais líquidos é a dos OLEDs (organic light emmitting devices). Esses dispo-sitivos são constituídos por filmes moleculares nanométricos colocados entre duas placas recobertas por ma-teriais doa-dores e re-ceptores de elétrons. As m o l é c u l a s d e v e m apresentar níveis eletrô-nicos aces-síveis para excitação e e m i s s ã o óptica, co-mo o com-plexo de

8-oxiquinolina e alumínio. Através da aplicação de uma diferença de poten-cial entre essas placas, ocorre a recombinação de cargas na junção constituída pelo filme molecular, dando origem à emissão de luz. Polímeros condutores também vêm sendo empregados como materiais eletroluminescentes. A vantagem das telas de OLEDs é a maior visibilidade, tanto angular como em termos de definição e brilho, pois dispensam iluminação de fundo. Além disso, podem ser feitas com a espessura de um cartão de crédito.

A exploração das propriedades elé-tricas e magnéticas pode gerar uma variedade de componentes eletrônicos moleculares, como detectores, trans-dutores de sinal (que convertem um tipo de sinal em outro), atuadores (que acionam um mecanismo), chaves, me-mórias e portas lógicas. Outra aplica-ção importante está na área de senso-res e biossensosenso-res, onde os materiais moleculares podem ser empregados com vantagens em função de suas propriedades físicas e químicas, além do reconhecimento molecular. Na área de conversão de energia, as moléculas podem ser utilizadas em sistemas foto-voltáicos, os quais atuam de forma inversa aos OLEDs, utilizando a luz para promover a separação de cargas e gerar uma diferença de potencial. Uma variante importante é o caso das cé-lulas fotoeletroquímicas que empre-gam moléculas adsorvidas em um filme de nanopartículas de semicondu-tores, como dióxido de titânio (TiO2). A excitação óptica conduz as moléculas ao estado excitado, possibilitando a transferência de elétrons para a banda condutora do TiO2, gerando uma cor-rente elétrica. O uso de nanopartículas de TiO2 foi uma grande inovação introduzida por M. Grätzel no início dos anos 1990, aumentando a área efetiva de trabalho em várias ordens de gran-deza, com conseqüente salto de efi-ciência para um patamar competitivo com as células fotovoltáicas de silício. Atualmente, já é possível a cons-trução de dispositivos eletrônicos ba-seados em moléculas isoladas, embo-ra em nível artesanal. Nessa escala, ge-ralmente as moléculas fazem o papel de ponte, interligando dois nanoele-Figura 5: Grades automontadas através da coordenação de

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trodos polarizados. A passagem de elétrons irá depender da estrutura ele-trônica das moléculas. Devido à exis-tência de níveis discretos de energia, cada elétron adicionado irá oferecer resistência ao próximo elétron, forman-do uma barreira coulômbica. Assim, ao contrário dos sistemas macroscópicos, poderá ocorrer a passagem de um elétron de cada vez (gerando degraus no gráfico corrente vs. voltagem) e não de forma contínua. A dependência da passagem dos elétrons com o poten-cial aplicado também irá depender dos caminhos possíveis de condução através dos constituintes moleculares, podendo ocorrer efeitos de retificação como nos transistores.

Nanomateriais

No mundo macroscópico, os ma-teriais apresentam normalmente carac-terísticas típicas de sistemas tridimen-sionais. À medida que reduzimos uma das dimensões físicas, chegamos aos filmes finos (bidimensionais), que passam a exibir novas propriedades decorrentes da escala nanométrica. Nos filmes finos condutores, os elé-trons formam bandas superficiais, ou plasmons que se propagam como ondas sobre a superfície de um líquido. Esses plasmons conferem novas pro-priedades ópticas aos filmes, induzin-do efeitos especiais, como o espalha-mento Raman intensificado pela rugo-sidade atômica superficial (efeito SERS) e efeitos de amplificação gigan-te quando a luz passa através de orifí-cios nanométricos.

Reduzindo duas das três dimen-sões, chegamos aos fios nanométricos (unidimensionais), exemplificados pe-los nanofios metálicos e nanotubos de carbono. Estes últimos podem ser pen-sados como resultantes do enrola-mento de um plano atômico de grafite, também chamado de grafeno. Tal enro-lamento pode se dar com ligeira defa-sagem, resultando em nanotubos com diferentes condutividades. Na forma mais condutora, o processo de con-dução de elétrons é balístico, isto é, ocorre sem o espalhamento colisional responsável pelo efeito Joule observa-do nos materiais convencionais. Por outro lado, já se consegue produzir nanofios de semicondutores, como GaN, CdSe e CdS. Quando esses na-nofios se cruzam individualmente com outro nanofio de Si (dopado com B),

são formadas junções semincodutoras de dimensões nanométricas, capazes de emitir luz de diferentes comprimen-tos de onda, dando origem a nano-LEDs de distintas tonalidades. Consi-derando a dimensão nanométrica de cada pixel, esses dispositivos deverão proporcionar telas da mais alta resolu-ção e qualidade.

Reduzindo as três dimensões, che-gamos às nanopartículas e pontos quânticos (quantum dots). Nessa di-mensão, formalmente zero, os níveis eletrônicos existentes se encontram desdobrados, como nos átomos e moléculas, dando origem às transições eletrônicas responsáveis pela colora-ção típica desses sistemas. Por exem-plo, as nanopartículas de ouro confe-rem uma tonalidade vinho às soluções coloidais desse metal, devido às pro-priedades dos elétrons superficiais. Quando as nanopartículas se aglome-ram, esses elétrons interagem modifi-cando sua cor, de vermelho para azula-do. Esse efeito tem sido explorado em sensores químicos e biológicos, utili-zando nanopartículas de ouro modifi-cadas com moléculas e biomoléculas específicas, ligadas à superfície. Nanopartículas de semicondutores, como CdSe e ZnS, são luminescentes, e podem ser usadas para rastrear fármacos e marcar células tumorais. Nanopartículas de óxido de ferro têm comportamento supermagnético e podem formar fluídos magnéticos onde o líquido se movimenta juntamen-te com as nanopartículas. Através de modificação química, é possível atribuir uma variedade de usos às nano-partículas magnéticas, como sensoria-mento de espécies, confinasensoria-mento atra-vés de campos, intensificação de ima-gens em tomografia, transporte de drogas e aplicações em magneto-hipertermia. Neste último caso, as nanopartículas são primeiramente modificadas com anticorpos, visando o reconhecimento de células tumorais. Mediante aplicação de campos elé-tricos alternados, elas irão produzir um aquecimento local (em torno de 41 °C) suficiente para provocar a morte des-sas células, sem afetar outras regiões. As nanopartículas dispersas em materiais clássicos, como os vidros e os polímeros, dão origem aos nano-Figura 6: Auto-associação de uma

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Para saber mais

TOMA, H.E. O mundo nanométrico:

A dimensão do novo século. São Paulo:

Editora Oficina de Textos, 2004. Revista Parcerias Estratégicas, n. 18, p. 5-97, 2004. Seção dedicada a nanociência e nanotecnologia. (O texto integral pode ser obtido no sítio do Centro de Gestão e Estudos Estraté-gicos: http://www.cgee.org.br/ parcerias/p18.php)

VALADARES, E.C.; CURY, L.A. e HENINI, M. Dispositivos eletrônicos em escala atômica. Ciência Hoje, v. 106, p. 40-49, 1994.

SILVA, C.G. da. Nanotecnologia -Manipulando a matéria na escala atômica. Ciência Hoje, v. 206, p. 43-47, 2004.

Na Internet

Rede USP de Nanotecnologia: http:/ /www.usp.br/prp/

RENAMI - Rede de Nanotecnologia Molecular e Interfaces: http://www. renami.com.br

LQES - Laboratório de Química do Estado Sólido: http://pcserver.iqm. unicamp.br/mailman/listinfo/lqes_news LNLS - Laboratório Nacional de Luz Síncroton: http://www.lnls.br

Foresight Institute: http://www. foresight.org

The Institute of Nanotechnology: http://www.nano.org.uk/ion.htm compósitos e nanomateriais dotados

de novas propriedades, enquanto preservam outras importantes, como a transparência. Vidros que incorporam nanopartículas de TiO2 poderão ter uso extensivo em janelas autolimpantes. Essas janelas dispensam o uso de pro-dutos de limpeza, pois são capazes de promover a degradação fotoquímica de sujeiras orgânicas na superfície, convertendo-as em espécies que po-dem ser removidas pela água da chu-va. As nanopartículas de TiO2 vêm sendo introduzidas com vantagens em protetores solares, tanto pela melhoria no aspecto estético, eliminando o es-branquecimento típico na aplicação desses produtos, quanto pela maior eficiência. Da mesma forma, as nano-partículas estão revolucionando a área dos nanocompósitos. Já é bem conhe-cido que as propriedades mecânicas dos pneus decorrem dos nanocompó-sitos formados pela adição de negro de fumo (nanopartículas de carbono) à borracha. Pneus mais avançados, da linha chamada “Green”, vêm sendo obtidos com outras nanopartículas cerâmicas adicionadas à borracha. A adição de nanopartículas de argila a polímeros pode aumentar em milhares de vezes a barreira contra a passagem

de gases, propor-cionando embalagens e recipientes mais segu-ros, capazes de preser-var a qualidade dos ali-mentos por muito mais tempo. Os nanocompó-sitos poliméricos vêm apresentando crescente aplicação na indústria automobilística, pelo fato de proporcionarem maior resistência mecâ-nica e dureza, com a vantagem adicional de serem moldáveis e leves e de terem ainda carac-terísticas que retardam a chama.

Considerações finais

A Química tem na nanotecnologia uma aliada perfeita para expressar toda a riqueza de propriedades e aplicações inerentes ao mundo molecular, dando origem a sistemas inteligentes (por exemplo, dotados de capacidade de reconhecimento e mecanismos alos-téricos), nanomateriais e nanodispo-sitivos eletrônicos, sensoriais e de con-versão de energia.

Atualmente, o impacto da nanotec-nologia já está sendo sentido em to-dos os países, justificando investimen-tos governamentais superiores a 3 bilhões de dólares, aproximadamente equidistribuídos entre o Japão, EUA, União Européia e o conjunto formado pelos demais países. Investimentos mais vultuosos estão sendo feitos pelo setor privado, diante da expectativa de que o mercado da nanotecnologia che-gará a um trilhão de dólares na próxima década. No Brasil, já existem várias redes de pesquisa em nanotecnologia, além de alguns institutos especiali-zados. Cientes de tratar-se de uma grande portadora de futuro, diversos setores do governo já se mobilizam para criação de programas nacionais e regionais de nanotecnologia e nano-ciências. Nesse sentido, a questão da nanotecnologia também não pode

deixar de ser incluída no cenário da Educação, visto que os principais ato-res dessa nova era serão os jovens es-tudantes, que precisarão ser prepa-rados para ingressar nesse mercado de trabalho.

Nota

1. Henry Taube, professor emérito da Universidade de Stanford (EUA), ga-nhou o Prêmio Nobel de Química de 1983 “por seu trabalho sobre os me-canismos de reações de transferência de elétrons, especialmente em com-plexos metálicos”.

Henrique Eisi Toma (henetoma@iq.usp.br), bacharel e doutor em Química (Química Inorgânica) pela USP, é docente do Instituto de Química da USP, em São Paulo - SP.

Abstract:The Nanotechnology of Molecules– Current technologies are reaching the nanometric dimension beyond the classical world, entering the quantum domain of atoms and molecules. Accompanying this great wave of innovation, chemistry can provide the necessary tools to launch molecular nanotechnology, inspired in the organized systems and molecular machines involved in the living organisms. Indeed, new strategies are evolving based on supramolecular chemistry, leading to intelligent drugs and materials, as well as to the development of advanced sensors, energy conversion and electronic devices.

Keywords: nanotechnology, nanosciences, supramolecular chemistry

Imagem

Figura 4: Ilustração do efeito alostérico provocado pela coordenação de íons de zinco aos grupos aminas, levando à  apro-ximação dos anéis benzênicos da molécula cíclica original, com um aumento de 100 vezes na eficiência de inclusão da  sulfo-namida orgân
Figura 7: Dispositivos (círculos externos) que podem ser obtidos através da exploração das propriedades das moléculas (círculo interno).

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