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DAS LIMINARIDADES DE WITKACY E DE SUA FORMA PURA

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Academic year: 2020

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DAS LIMINARIDADES

DE WITKACY

E DE SUA FORMA PURA*

ANDREA CARLA DE MIRANDA PITA**

D

aqui dos trópicos será abordado um representante da distante Polônia, país

europeu um tanto desconhecido por estas plagas pois desmerecido em meio a uma França, a uma Espanha, a uma Itália, entre outros países vizinhos, vi-sibilizados enquanto velho mundo desenvolvido e como referências culturais. Apesar dos tantos imigrantes poloneses recebidos no Brasil por causa da 2ª Guerra Mundial, para nós trata-se de uma menção distante. A proeminência de um filho polonês no teatro brasileiro, no entanto, é inquestionável - Zbigniew Ziembinski(1908-1978) teve um papel de extrema relevância na fundação do teatro moderno brasileiro por exemplo na inauguração do papel de diretor teatral em substituição ao mero ensaiador de atores, figura técnica distante do papel de know-how criativo da figura do diretor/encenador teatral que Ziembinski fez. Ou-tras referências do teatro polonês em meio a artistas e pesquisadores brasileiros de teatro são Jerzy Grotowski(1933-1999) e, no máximo, um Tadeusz Kantor(1915-1990), de modo que o artista de que se falará aqui é realmente desconhecido entre nós. Trata-se de Stanislaw Ignacy Witkiewicz, o autodenominado Witkacy(1885-1939),  incansável multi-artista e

Resumo:neste trabalho será abordado o artista plural Stanislaw Ignacy Witkiwicz, o Witkacy (1895-1939) e a sua Teoria da Forma Pura. O polonês foi pintor, drama-turgo, romancista, fotógrafo, performer e pensador antes da 2ª Guerra Mundial. É estabelecido aqui um diálogo entre o artista, a Forma Pura – teoria estética por ele elaborada, o conceito de “liminaridade” de Victor Turner (1920-1983) e o de “trans-porte/transformação” de Richard Schechner (1934- ), autores do campo emergente das Performances Culturais..

Palavras-chave: Forma Pura. Sentimentos Metafísicos. Liminaridade.

* Recebido em: 06.09.2018. Aprovado em: 08.11.2018. ** Professora no IFG-Câmpus Jataí. E-mail: orlap8@gmail.com

DOI 10.18224/frag.v28i3.6679

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pensador. Devido ao sistema totalitário, sua obra padeceu de desconhecimento mesmo na Polônia durante pelo menos 20 anos.

Foi Daniel Gerould quem fez o grande esforço de traduzir um tanto dele para o inglês, fazendo com que sua obra fosse se tornando um pouco mais popular. Para o portu-guês, no entanto, ainda não há nenhum de seus trabalhos traduzidos. Enquanto em escolas de artes cênicas dos EUA e da Europa Witkacy já seja um clássico, no Brasil estamos longe desta realidade.

Este artigo decorre de minha pesquisa de Doutorado no Programa de Pós Gradua-ção Interdisciplinar em Performances Culturais na Universidade Federal de Goiás. As Perfor-mances Culturais são um campo emergente que trata da performance num espectro amplo ao perspectivar o mundo – as manifestações folclóricas, as ações cotidianas, a arena política, as religiões, as práticas espirituais, as linguagens artísticas, entre outros fenômenos humanos - como comportamentos restaurados de certo modo cênicos, teatrais, performáticos, o que poderia ser resumido simbolicamente como “o mundo como teatro”.

Na primeira parte deste trabalho será brevemente apresentado Witkacy e sua obra. Na segunda será explicado o que seria o campo emergente das Performances Culturais. Num terceiro momento serão aplicados conceitos como “liminaridade” e “transporte/transforma-ção”, cunhados e elaborados dentro das Performances Culturais, a Witkacy. Num quarto momento a Teoria da Forma Pura, teoria estética de Witkacy, será tomada como exemplo representativo maior de como teriam culminado a “liminaridade” e o conceito de “transporte/ transformação” no projeto utópico de Witkacy em relação à arte. Num quinto momento será abordado como Witkacy achava que o artista pudesse chegar à Forma Pura em suas obras, fazendo inclusive com que o público tivesse também uma experiência liminar de “transporte/ transformação”.

UMA INTERPRETAÇÃO DE WITKACY PELO VIÉS DAS PERFORMANCES CULTURAIS

Stanislaw Ignacy Witkiewicz1, o autodenominado Witkacy, pode fazer lembrar no espectador vários artistas, como o encenador Antonin Artaud (1896-1948) e seu pensamento sobre o teatro; o escritor Franz Kafka (1883-1924), devido ao fantástico no cotidiano; os ro-mancistas Aldous Huxley (1894-1963) e George Orwell (1903-1950), pela distopia presente em obras literárias suas; a fotógrafa Julia Margaret Cameron (1815-1879), pois fotos de sua autoria remetiam de algum modo à pintura e ao desenho; a performer contemporânea Cindy Sherman (1954- ), que faz diversos autorretratos em que usa diferentes disfarces para a pró-pria figura, entre outros. Assim como Sherman, Witkacy costumava se metamorfosear entre caras e bocas e figurinos, se disfarçando em personagens e ainda denominando estas figuras pitorescamente como “Professor Pulverstone”, “Lord Fitzpur”, “Mahatma Witkac”, no caso tanto no suporte da fotografia quanto no da pintura.

Não reconhecido em sua época e praticamente desconhecido no Brasil correntei, po-de-se considerar que Witkacy foi precursor de manifestações da cena contemporânea tais como os espetáculos de Tadeusz Kantor, encenador polonês que ficou famoso nos anos 90 pelo seu “Teatro da Morte”, e cujas ideias sobre a mecanização do humano viria do predecessor Witkacy. Kaspersky (2010) diz que entre as várias atividades a de escrever era representativa em Witkacy. Entre 1924 e 1929 teria escrito mais de 30 peças, nem todas sobreviventes hoje.

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1920 teria sido o ano em que criou dez peças. Romances, trabalhos filosóficos e muitos tex-tos críticos, jornalísticos e filosóficos também foram produções de sua autoria, sem falar de muitos desenhos e pinturas, sendo que bastantes foram perdidas ou erradicadas na Rússia, à época da Revolução. Em 1919 já escreveria o paper “New Forms in Painting”, obra a partir da qual abordará a teoria estética da Forma Pura.

É provável a Teoria da Forma Pura tenha começado a tomar forma na época em que Witkacy esteve na Rússia. Quando chega à Polônia, de todo modo, é que se sabe que começa a escrever sobre ela. Ele sempre usa as iniciais maiúsculas para a expressão, o que continuarei a fazer quando for referi-la. Segundo Puzyna (1986), já no primeiro escrito sobre a Forma Pura, Witkacy dividia as artes entre puras e impuras. Entre as puras estaria a pintura e a música, que ofereceriam uma construção de puras qualidades, independente de qualquer utilidade. Entre as impuras estariam a poesia e o teatro, sendo esta a arte que mais se misturaria à vida, mácula que a tornaria impura.

É possível dizer que para Witkacy tudo que fazia fosse parte de uma performance maior, inclusive atos corriqueiros como o de assustar as pessoas, fazer personagens diante de conhecidos e aparecer nu em sua varanda – tudo depois falaria a respeito desta personalidade de múltiplas faces e habilidades, sempre incorporando o estado de arte na vida. A posterior live-art desenvolvida na contracultura a partir dos anos 60 tem muito a ver com artistas como ele, que à sua época viviam a romper limites entre a arte e a vida.

Um modo de abordar a performance é através do campo emergente das Performan-ces Culturais. Alguns dos autores mais importantes na fundação e desenvolvimento deste campo foram o antropólogo britânico Victor Turner (1920-1983) e o diretor teatral Richard Schechner (1934). Ambos em determinado momento se dedicarão aos campos de observação enquanto cena, Turner partindo do ritual para o teatro, e Schechner do teatro para o ritual. Turner e Schechner fundam juntos a Antropologia da performance, uma área de estudos que surge nas interfaces da antropologia e do teatro nos anos de 1970 e que fará parte do campo emergente das Performances Culturais. Turner esclarece os pressupostos da antropologia da performance se colocando contrariamente a uma análise interpretativa por ele considerada como dicotômica, predominante na antropologia de então. Ele desloca a ênfase de uma “te-oria dos dramas sociais” - que fez a partir da observação de rituais Ndembu, da África, assim como através da análise de etnografias de outros antropólogos em relação a rituais de “socie-dades tradicionais” - para a “teoria da performance”, mais precisamente a da “performance cultural”.

Termos como “liminaridade” e “transformação” são usados por Turner e Schechner para abordar os rituais de povos “tradicionais” e performances artísticas. Pode-se dizer que Witkacy praticava a “liminaridade” e estivesse em constante “transporte/transformação”. Wi-tkacy vivia-performava a fronteira entre ser e não ser em sua fusão-distanciamento com sua obra irreal-real-fictícia em diferentes linguagens artísticas. Em um dos momentos que aborda a “liminaridade” no livro “O Processo Ritual”, Turner (1974, p.117). diz:

Os atributos de liminaridade, ou de personae (pessoas) liminares são necessariamente ambíguos, uma vez que esta condição e estas pessoas furtam-se ou escapam à rede de classificações que normalmente determinam a localização de estados e posições num espaço cultural. As entidades liminares não se situam aqui nem lá; estão no meio e entre as posições atribuídas e ordenadas pela lei, pelos costumes, convenções e cerimonial. Seus atributos ambíguos e indeterminados exprimem-se por uma rica varie-dade de símbolos, naquelas várias socievarie-dades que ritualizam as transições sociais e culturais.

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O trecho parece extremamente apropriado a Witkacy, apesar de falar de sociedades tradicionais. Em outra obra, “Dramas, Campos e Metáforas – Ação simbólica na sociedade humana”, Turner (1974, 2008, p.238) ressalta que os momentos liminares gerariam nos ho-mens os graus mais elevados de consciência, tanto nas sociedades ditas “tradicionais” como nas que vieram após a Revolução Industrial:

A mesma formulação se aplicaria a outras expressões de liminaridade, tais como a literatura e a arte ocidentais. A arte, às vezes, expressa ou replica a estrutura institucionalizada para legitimar ou criticá-la; mas frequentemente combina os fatores da cultura – como no cubismo e na arte abstrata – de maneiras novas e sem precedentes. O incomum, o paradoxal, o ilógico e até mesmo o perverso estimulam o pensamento e geram questões; “limpam as portas da percepção”, como diria Blake [...] (TURNER, 2008, p.238).

Witkacy caminhou por rotas próprias e vivia a arte-risco, a arte-perigo de percorrer estados de consciência diferenciados onde como que se diluía e depois retornava à “realidade”. Witkacy fazia uso de drogas ao pintar os amigos em festas e em outras situações, anotando na própria pintura quais drogas havia usado. As modificações de estado de consciência estariam presentes não só em suas pinturas, mas na sua imaginação artística como um todo, como por exemplo nos dramas circulares, ilógicos, com falas e situações repetidas, linhas de ação inter-rompidas, identidades em disrupção e móveis.

Dawsey (2005) ressalta que em ensaio Turner relata a etimologia de “per” e “perao”. O “per”, explica, está tanto na palavra experiência quanto em performance e aloja a etimo-logia indo-europeia de “tentar, aventurar-se, correr riscos”. Já em relação à derivação grega “perao” coloca que seria “passar por”, o que remeteria a “ritos de passagem”. Dawsey então sugere que em Turner tudo levaria a crer que experiência seria melhor expressa na noção de erfahrung do que na de erlebnis, remetendo a como Benjamin trabalha com estas referências, prevalecendo não uma simples vivência, mas uma experiência de fato, a experiência vivida que só se completaria como performance2. Assim, performance, que derivaria do parfournir francês - “completar” ou “realizar inteiramente” – teria que resultar no momento da expres-são, pois eis que a performance completaria uma experiência.

Dawsey (2005) correlaciona nesta sua mesma análise Dewey, Dilthey e Turner ao conceito de experiência do pensador Walter Benjamin (1892-1940). Dawsey explica que em “From Ritual to Theatre”, Turner defende a “antropologia da perfomance” como parte essencial de uma “antropologia da experiência”, ou seja, como uma antropologia pós-moderna que con-sidera bastante o aspecto da experiência vivida em oposição a uma antropologia clássica muito ligada ainda ao modo de fazer ciência das ciências naturais, em que a experiência vivida pouco contaria, mesmo porque nela haveria muitos ruídos e elementos não facilmente classificáveis.

Talvez possa-se dizer que Witkacy passasse por verdadeiras “transformações” na acep-ção schechneriana. Para Schechner (2011), existe o “transporte” e a “transformaacep-ção” que podem acontecer durante rituais sagrados ou mesmo durante uma apresentação teatral. Schechner dá um exemplo de “transporte” quando os homens adultos na sociedade indiana durante um rito específico são transportados ao guiarem e ajudarem os meninos que passarão pelo rito de “trans-formação” para a fase adulta. Os homens adultos não passarão por uma mudança tão drástica quanto a dos meninos pois já atravessaram, enquanto garotos, o mesmo ritual, mas também participarão contribuindo para que os novos meninos consigam atravessar todo o caminho devido. A mudança agiria portanto mais profundamente nos meninos.

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Pode-se dizer que Witkacy, a cada experiência com as drogas estaria passando por situações liminares que o transformavam e que ele achava que a arte, através da Forma Pura, poderia transformar o espectador. Para Schechner (2011, p.164):

Performances de transformação são evidentes em ritos de iniciação, cujo propósito é exatamente transformar pessoas de um status ou identidade social para outro. Uma iniciação não só marca uma mudança, mas é ela mesma a maneira pela qual as pessoas alcançam o seu novo eu: sem performan-ce, sem mudança.

Para Schechner, vários “transportes” podem resultar em uma transformação. Aqui não entraremos profundamente na questão de porque Witkacy passaria por “transformações” e não “transportes”, mas a radicalidade de sua vida enquanto artista e pensador sempre em processo muito provavelmente acabe por demonstrar que ele passava por “transportes”, mas também por várias “transformações”, pelo menos com mais frequência do que alguém com uma vida razoavelmente “normal”. Como não é possível verificar isso com tanta precisão, foi dada a preferência aqui para o conceito de “transformação”, inclusive de modo a dar a com-preender a Forma Pura como experiência liminar de “transformação”.

A TEORIA DA FORMA PURA

Para Nalewajk (2010), a espiritualidade passa a não ser um valor tão importante em diferentes momentos da história da humanidade, tais como a Renascença e a Revolução Francesa, quando questões envolvendo a propriedade material vêm à tona com mais força, de modo que nessas épocas e na época em que vivia, Witkacy percebia que havia um distancia-mento grande em relação à experienciação da espiritualidade. Para ele seria necessário, diante da mecanização crescente da produção econômica e da vida cotidiana – que ele via como mecanizadora das pessoas – que a arte, através da Forma Pura, tornasse possível a reconexão dos espectadores com o que ele chamava de “Mistério da Existência”.

Segundo Nalewajk (2010), para Witkacy muito da arte moderna estaria distante da Forma Pura. O fato de exagerar-se a importância do estímulo irracionalista no processo criativo ou de a arte entrar no estágio dos experimentos abstratos não estaria necessariamen-te possibilitando a reconexão com um sentimento metafísico. Para chegar à Forma Pura, o artista deveria buscar pelo intrinsecamente perverso a partir do feio, do desarmonioso e do dissonante. Se a arte serviria para expressar os estados espirituais da sociedade contemporâ-nea, então ela teria que ser complicada, confusa, chocante, assim como a perversidade deveria ser tratada então como uma categoria estética. Witkacy previa que as experiências estéticas se tornariam cada vez mais desconfortáveis em uma sociedade mecanizada.

Na teoria da Forma Pura, Witkacy rejeita teorias que falam tradicionalmente de forma e conteúdo e que tratavam a forma como recipiente do conteúdo. Para Witkacy, pri-mariamente seria a composição que teria impacto sobre o artista e o espectador.

Neste sentido, sua teoria é próxima à da filósofa Susanne Langer. Segundo ela, em “Sentimento e Forma”, a afirmação de que a arte seria “conteúdo enformado” seria confusa. Langer (2003, p.54 ) diz:

[...] A solução desse paradoxo é que a obra de arte é uma estrutura cujos elementos inter-relaciona-dos frequentemente são qualidades ou propriedades de qualidades, tais como grau de intensidade

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destas; que as qualidades entram na forma e, dessa maneira, tornam-se tanto uma só coisa com esta quanto as relações que elas, e apenas elas, têm e que falar delas como ‘conteúdo’ do qual se poderia abstrair logicamente a forma, é tolice. A forma é construída a partir das relações peculiares àquelas; são elementos formais na estrutura [...] (LANGER, 2003, p. 54).

Segundo Kasperski (2010), Witkacy não era no entanto contra o conteúdo por si, tanto que suas obras tem determinados temas específicos que parecem sempre retornar, como por exemplo a mecanização da sociedade, mas seu incômodo residia um tanto no fato de o conteúdo ser apenas reproduzido em soluções formais já construídas, o que para ele remeteria a uma banalidade dispensável e não possibilitaria o acesso à Forma Pura.

Para Nalewajk (2010), a Forma Pura, combinação de uma complexidade de fenô-menos, deveria “quebrar” a matéria do mundo e causar uma espécie de choque metafísico no público, experiência através da qual os espectadores contatariam o “Mistério da Existência”, sentindo o mundo em sua unidade, se sentindo parte dele e se conectando ao seu lugar nele.

Witkacy remete aqui ao que seria próximo a um estado de transe, que por sua vez é relatado em diferentes observações de povos ditos “tradicionais” em pesquisas antropológicas. Para Schechner (2011), o transe é uma experiência que pode tanto acontecer no campo do sagrado quanto do artístico. Ele mesmo relata que em transe passara por experiências de fluxo total na qual por períodos variáveis o senso dele mesmo como um individuo, a quantidade de tempo que passou e a consciência do lugar em que estava eram suspensos. Schechner (2011, p. 218-9) relata:

Performances como as de Dean, Brown e dos dervixes não atingem um clímax; a acumulação-repeti-ção ergue os performers, e frequentemente os espectadores também, em um transe extático. Em uma acumulação, como em música repetitiva como a de Philip Glass, a mente do espectador sintoniza em variações sutis que não seriam detectáveis em uma estrutura na qual a atenção é dirigida para o desenvolvimento melódico ou narrativo. Muitas vezes eu organizei “danças noite adentro“ para mostrar o poder da acumulação e da repetição. Grupos de oito a vinte e cinco pessoas dançavam em um simples círculo anti-horário entre quatro e oito horas. Porque anti-horário? Pode ter a ver com as diferenças entre o cérebro direito e o esquerdo. Toda vez que eu participei deste tipo de dança eu tive, e outros também tiveram, uma experiência semelhante ao transe [...].

Quando se lê sobre as proposições de Witkacy sobre a Forma Pura, percebe-se que seu anseio é próximo ao de colocar o espectador em transe, podendo ele mesmo enquanto artista passar por este estado no momento da criação.

Segundo Puzyna (1986), devido à infinita dualidade da forma como tempo e es-paço, a Existência seria dual por natureza. A dualidade também estaria no próprio indivíduo que, no entanto, ao ter acesso à Forma Pura, poderia, mesmo que momentaneamente, entrar em contato com a própria unidade e até mesmo em unidade com o cosmos, ou seja, com a Existência como um todo.

E QUAL SERIA O MODO DE ATINGIR A FORMA PURA?

Puzyna (1986) diz que Witkacy sempre ficou em relação à Teoria da Forma Pura no límen entre o que seria uma espécie de formalismo e uma espécie de expressionismo.

Segundo Puzyna (1986), no formalismo obedecer-se-ia a certas regras formais de-finidas e arranjadas em um sistema de leis, e a obra seria autônoma, ou seja, independente

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de seu criador. Neste tipo de poética, a tendência seria a de eliminar os conteúdos e seria possível mesmo quebrar o trabalho em seus elementos primários, podendo a obra ser como que dissecada e explicada. A obra não teria que ter nenhuma utilidade e haveria objetivi-dade e construção de qualiobjetivi-dades puras. Na pintura, por exemplo, elementos particulares como a harmonia das cores, a dissolução da cor, as relações entre cor e composição seriam importantes.

Para Puzyna (1986), caso Witkacy houvesse parado no aspecto formal, a Teoria da Forma Pura poderia ser debatível ou considerada errônea, mas que ainda teria tido uma coe-rência básica, podendo ser aplicada tanto aos planos fauvistas de Matisse quanto aos vários tipos de arte abstrata. Mas nos dois primeiros capítulos de “New Forms in Painting: the “Phi-losophical Introduction” and “On Pure Art.”, Witkacy confessa que paradoxalmente seria impossível estabelecer conceitualmente a razão pela qual uma dada combinação de qualidades constituiria uma unidade (PUZYNA, 1986, p.106).

Entraria então a parte por assim dizer “expressionista” da Teoria da Forma Pura, segundo Puzyna (1986), as obras seriam como uma projeção da personalidade do artista, de modo que a unidade de suas sensações metafísicas determinaria a unidade do trabalho. Deste modo, a obra não estaria dissociada do artista, e sua unidade geral não poderia ser formulada em termos de quaisquer leis.

Puzyna (1986) defende que Witkacy teria ficado no límen entre os dois por toda a vida, estando como que suspenso e gravitando entre um pólo e outro, sem ser capaz de esco-lher até o fim. De todo modo, Witkacy (apud PUZYNA,1986) apresenta uma solução, a de que cada artista teria seu segredo para resolver essa dubiedade.

On the one hand, the artist must be entirely as he is; and on the other, there must be Pure Form; on the one hand is what we have termed the metaphysical sensation, and on the other —pure qualities connected by a single idea that transforms chaos into an indissoluble unity. What happens between these two moments is the secret of the artists3 (WITKACY apud PUZYNA, 1986, p.110).

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Entre revelar-se e esconder-se na ação de performar textos, pinturas, foto-montagens ou mesmo ações corriqueiras, Witkacy torna-se a figura indefinível, de difícil categorização, o que talvez também tenha adiado seu reconhecimento. É interessante pensar que devido à “liminaridade” em que se coloca é que Witkacy por muito tempo não foi reconhecido nem como artista nem como pensador. Turner (1974, p.156) ressalta que “[...]a “liminaridade”, a marginalidade e a inferioridade estrutural são condições que frequentemente geram os mitos, símbolos rituais, sistemas filosóficos e obras de arte[...]”. Em sua marginalidade, Witkacy conseguiu ser contrário não só ao Modernismo estandardizado polonês, o Young Poland, como ao próprio formismo, movimento de vanguarda alternativo antagonista ao Young Poland e do qual Witkacy participou e chegou a ser um dos ideólogos. Mas ao que parece ele não deixou de ser fiel à sua própria busca. O seu grande objetivo não era agradar ninguém, nem satisfazer esteticamente, mas o despertar dos sentimentos metafísicos, inclusive os próprios, pela arte. Poderíamos pensar que Witkacy traça um programa, a Teoria da Forma Pura, para

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não esquecer o que busca durante a criação de suas obras. Essa busca justificaria uma vida e cada segundo dela dedicado à arte.

ABOUT WITKACY´S LIMINALITIES AND ITS PURE FORM

Abstract: In this work will be approached the plural artist Stanislaw Ignacy Witkiwicz - Witkacy (1895-1939) and its Theory of the Pure Form. The polish was painter, playwright, novelist, pho-tographer, performer and thinker before World War II. Here a dialogue is established between the artist, the Pure Form - aesthetic theory elaborated by him, the concept of “liminality” of Victor Turner (1920-1983) and of “transport / transformation” by Richard Schechner (1934- ), both authors of the emerging field Cultural Performances.

Keywords: Pure Form. Metaphysical Feelings.Liminality.

Notas

1 Uma das raras pessoas que escreveu sobre Witkacy em português foi meu orientador, o Prof. Dr. Robson Corrêa de Camargo. Graças principalmente aos esforços do professor Daniel Gerould, estudioso de Witkacy, hoje há bastantes obras do artista traduzidas para o inglês. Gerould escreveu por exemplo elucidadores prefácios para as obras dramáticas de Witkacy.

2 Para Turner, como relata Dawsey (2005) haveria cinco “momentos” que constituiriam a estrutura processual de cada experiência vivida: a)algo acontece ao nível da percepção (sendo que a dor ou o prazer podem ser sentidos de forma mais intensa do que comportamentos repetitivos ou de rotina); b) imagens de experiências do passado são evocadas e delineadas – de forma aguda; c) emoções associadas aos eventos do passado são revividas; d) o passado articula-se ao presente numa “relação musical” (conforme a analogia de Dilthey), tornando possível a descoberta e construção de significado; e e) a experiência se completa através de uma forma de “expressão”.

3 Tradução livre: “De um lado, o artista deve ser inteiramente como ele é; e de outro, deve haver a Forma Pura; de um lado é o que nós denominamos como sensação metafísica e de outro – puras qualidades conectadas por uma ideia singular que transforma caos.

Referências

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KASPERSKI, Edward. Under the sign of parody and the grotesque – Stanislaw Ignacy Wit-kiewicz, Bruno Schulz, Witold Gombrowicz. “Tekstualia” in english – Wikacy, Gomb<rowicz, Schulz. (Index). Translated by David Malcolm. University of Warsaw. Disponível em: http://www.tekstualia.pl/index.php/pl/index-plus/index-plus-ii>. Acesso em: 02 fev. 2018. KASPERSKI, Edward. Under the Sign of Parody and the Grotesque (Stanisław Ignacy Wit-kiewicz, Bruno Schulz, Witold Gombrowicz). Translated by David Malcol. Disponível em:<http://www.tekstualia.pl/index.php/pl/index-plus/index-plus-ii>. Acesso em: 02 fev. 2018.

LANGER, Susanne. Sentimento e Forma. São Paulo: Perspectiva, 2003.

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PUZYNA, Konstant. The Concept of Pure Form. Literary Studies in Poland 16, pp. 101-111. 1986. Muzeum Historii Polski. Disponível em: <http://bazhum.muzhp.pl/ media//files/Lit-erary_Studies_in_Poland/Literary_Studies_in_Poland-r1986-t16/Literary _Studies_in_Po-land-r1986-t16-s101-111/Literary_Studies_in_Poland-r1986-t16-s101 -111.pdf >. Acesso em: 03 maio 2018.

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SCHECHNER, Richard. Pontos de contato entre o pensamento antropológico e teatral. Moringa, São Paulo, n. 20, p. 213-236, jan./jun. 2011.

TURNER, Victor. Dramas, campos e metáforas: ação simbólica na sociedade humana. Ni-terói: Ed. da UFF, 2008.

Referências

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