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A Cristandade: um modelo eclesial de poder

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Academic year: 2020

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A CRISTANDADE: UM MODELO ECLESIAL DE PODER*

Carlos Augusto Ferreira de Oliveira**

Resumo: esse artigo tem por objetivo analisar historicamente a

Cristandade como modelo eclesial de poder. Tendo na relação íntima entre Igreja Cristã e sociedade civil mediada pelo Estado sua definição, a Cristandade estabeleceu ao longo de dezesseis séculos um modelo de poder verificado na legitimação do Status Quo e na função da Igreja Cristã como aparelho ideológico do Estado

Palavras-chave: PerCristandade. Poder. Igreja. Estado. Legiti-mação.

E

sse artigo tem por objetivo analisar historicamente a Cristandade como modelo eclesial de poder. Tendo na relação íntima entre Igreja Cristã e sociedade civil mediada pelo Estado sua definição, a Cristandade estabeleceu ao longo de dezesseis séculos um modelo de poder verificado na legitimação do Status Quo e na função da Igreja Cristã como aparelho ideológico do Estado.

A metodologia que se aplicou para a compreensão da Cristandade como modelo eclesial de poder foi a analítica. Partindo do surgimento desse modelo eclesial no século IV de nossa era, analisou-se historicamente como a Cristandade, nos seus dois pólos centrais, Estado e Igreja Cristã, foi construindo um modelo de legitimação da sociedade, onde a Igreja fez o papel de aparelho ideológico do Estado até o século XIX, quando ocorreu a crise desse modelo.

Para a compreensão desse artigo, alguns conceitos são fundamentais. O primeiro é o de Cristandade. Aqui utilizou-se a definição de Richard

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(1982, p.9) que afirma que a Cristandade é “uma forma determinada de relação entre Igreja e a sociedade civil, relação cuja mediação fundamental é o Estado. Para ele, “em um regime de Cristandade, a Igreja procura asse-gurar sua presença e expandir seu poder na sociedade civil, utilizando antes de tudo a mediação do Estado.

O segundo conceito é o de Poder. Para compreendê-lo, recorreu-se a dois teóricos, Weber (2000) e Bourdieu (2001) por acreditar que a com-preensão de ambos sobre o poder se completa. Para Weber (2000, p.33) poder “significa toda probabilidade de impor a própria vontade numa re-lação social, mesmo contra resistências, seja qual for o fundamento dessa probabilidade”.

Dentro da Igreja Cristã Católica, a vontade de poder é exercida através da dominação (poder político) e da disciplina (poder simbólico). Para compreender essa dimensão do poder religioso recorreu-se a Bourdieu (2000, p. 71) que afirma que “a Igreja contribuiu para a manutenção da ordem política, ou melhor, para o reforço simbólico das divisões dessa or-dem, pela consecução de sua função específica [...] a manutenção da ordem simbólica”.

Os conceitos de Estado e Igreja, bases da Cristandade, foram bus-cados em Max Weber e Gramsci. Weber (2000, p. 34) definiu o Estado como instituição política em que “seu quadro administrativo reivindica com êxito o monopólio legítimo de coação física para realizar as ordens vigentes”. Já o conceito de Estado para Gramsci, apresentado por Portelli (1984, p. 35) é o do “conjunto da sociedade civil mais sociedade política [...]”. Portanto adotou-se nesse artigo a noção de Estado enquanto o con-junto da sociedade civil e política (Gramsci), e também o de exercício do monopólio legítimo de um território geográfico através da coesão física (Weber). Para o conceito de Igreja, seguiu-se Weber que a definiu como “empresa hierocrática [...] (que) em seu quadro administrativo pretenda para si o monopólio da legitima coação hierocrática” (WEBER, 2000, p. 34).

O último conceito para boa compreensão do artigo é o de legitima-ção. Para tanto serviu-se da compreensão do teórico Peter Berger (1985). Para nosso autor, legitimação está relacionada com manutenção do mundo social. Para ele “a religião legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as precárias construções da realidade erguidas pelas sociedades empíricas” (BERGER, 1985, p. 45).

A partir dos conceitos acima apresentados, procederemos nossa análise.

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A RELAÇÃO ENTRE ESTADO E IGREJA ENQUANTO BASE DA CRISTANDADE E DA CONSTRUÇÃO DO MODELO ECLESIAL DE PODER

Se considerarmos o cristianismo na sua vertente católica romana como um processo contínuo, podemos concluir que boa parte de sua his-tória foi marcada por sua proximidade com o poder estatal. Nesses dois mil anos de sua existência vivenciados em culturas as mais díspares possíveis, a aproximação íntima com os poderes seculares perdurou de forma concreta durante pelo menos mil e seiscentos anos.

A materialização dessa relação se deu de diferentes formas, dependen-do dependen-do contexto histórico no qual se inseriu o cristianismo católico. O marco da aproximação do cristianismo católico ao estado se deu no século IV, com o imperador romano Constantino Magno. A partir de uma série de medidas, como a liberdade de culto a todas as religiões, isenção aos clérigos dos encargos públicos, devolução dos locais de culto e de propriedades dos cristãos, confiscados pelo império (CESARÉIA, 2000) entre outras, Cons-tantino demonstrou sua preferência pelo cristianismo. Preferência selada no ano de 337 d.C, com sua conversão ao cristianismo ariano.

A partir de Constantino, o cristianismo católico de mera rede de comunidades internacionais passou a ser um bloco monolítico institucio-nal dentro do mundo romano Oriental e Ocidental. Thomas C. Bruneau (1974, p.13), enfoca esse processo de mudança ao afirmar que “original-mente, a Igreja era uma comunidade, depois passou a ser uma boa porção do poder temporal na Idade Média, e ao tempo do Concílio de Trento (1545-1563) era claramente uma instituição”. Ao contrário de Bruneau, reforçamos que, desde o século IV, o cristianismo católico já apresentava traços institucionais, pois possuía todos os elementos jurídico-administra-tivos de uma instituição religiosa, restando apenas desenvolvê-los.

Outra novidade nesse processo de aceitação da religião cristã pelo estado constantiniano foi o da ingerência deste em questões religiosas. Aqui vale lembrar que essa postura se tornou uma regra, ora mais ora menos acentuada, até o século XI. Os exemplos são muitos. Basta a princípio lem-brar que todos os concílios do cristianismo até o século X foram convoca-dos pelos imperadores ou imperatrizes do império romano do Ocidente ou Oriente e que a condenação de uma doutrina tida como herética somente tinha uma aceitação pública depois do seu reconhecimento pelo imperador.

Essa ingerência de representantes laicos no cristianismo era tamanha que o historiador brasileiro, Hilário Franco Júnior (1986, p.115)

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denomi-nou o período de 888-1057 como sendo a “Igreja sob o poder dos leigos”, enquanto Karl Bihlmeyer e Hermann Tuechle(1964), optaram pelo termo cesaropapismo para definir melhor a função religiosa dos imperadores na alta Idade Média. Embora a tese não se sustente, os fatos corroboram para sua existência.

Deve-se observar que essa relação entre Igreja e o Estado não era uniforme e estava sujeita ao contexto histórico. Ao longo dos séculos hou-ve a materialização da Cristantade sob dihou-versas formas. O historiador da Igreja no Brasil, Riolando Azzi (1994), fala de diversas Cristandades.

De fato, durante toda a alta Idade Média (até o século XI), perce-bemos certa sujeição da Igreja ao Estado (aqui quando falamos de Estado, não estamos englobando todos, mas aqueles com quem a Igreja Cristã manteve relacionamento de aproximação). Sujeitou-se ao império roma-no, principalmente nas pessoas de seus imperadores Constantino e Teodó-sio I (século IV), ao reino germânico dos francos, na dinastias merovíngia e carolíngia, ao Sacro Império Romano Germânico, através das dinastias dos Otões e dos Höhenstaufen.

Em todos esses Estados, a Igreja se encontrava em situação de sujei-ção. Para ser aceita e posteriormente expandir sua mensagem e influência, a Igreja Cristã tornou-se a base ideológica desses governos recebendo em troca proteção, prestígio, bens imobiliários, além de subsídios financeiros. Alguns exemplos podem elucidar essa dependência da Igreja ao Es-tado. Constantino proibiu no ano de 329 pessoas com funções importantes no Estado, como os ‘curiales’(cobradores de impostos) e padeiros de entra-rem para a Igreja na condição de clero. Esta proibição se estendeu também aos ricos que buscavam na vida eclesiástica uma forma de fugir ao pagamen-to de impospagamen-tos. Os assunpagamen-tos dogmáticos também sofreram ingerência do imperador. Basta lembrar a convocação do Concílio de Nicéia para discutir sobre o arianismo, a condenação estatal do donatismo ou ainda a morte do sacerdote Prisciliano, considerado herético e executado pelo Estado na pes-soa de seu imperador Máximo em 385 d.C (FRANGIOTTI, 1995).

Esses exemplos de ingerência estatal sobre a Igreja se multiplicaram durante toda a Idade Média, principalmente nos governos dos Francos, através da família carolíngia. Carlos Martelo dispôs como quis dos patri-mônios da Igreja para doá-los a título de comenda. Não apenas terras, mas mosteiros e dioceses foram doadas em troca de apoio político por parte dos senhores carolíngios.

Poderíamos, para enriquecer nosso argumento, arrolar muitos ou-tros exemplos de ingerência estatal em assuntos eclesiásticos. Basta porém,

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lembrar um último e não menos importante. Carlos Magno, ao substituir seu pai, Pepino, o breve, atribuiu para si a missão de criar um verdadeiro Estado cristão. O êxito de sua empreitada se verificou na total submissão da Igreja aos seus interesses, transformando todo o corpo hierárquico da instituição eclesial literalmente em funcionários públicos.

Se por um lado, essa sujeição descaracterizou a Igreja Cristã em re-lação as suas propostas iniciais, permitiu por outro, sua visibilidade como instituição religiosa e cultural dominante. Conseguiu a reconversão dos germânicos arianos e a conversão dos pagãos, estabelecendo assim uma Europa Cristã, onde a sociedade civil e comunidade dos fiéis formavam uma única entidade. Além disso, graças à sua organização interna, a sua herança cultural romana e o apoio dos soberanos, a Igreja cristã tornou-se a principal instituição de toda Idade Média.

O resultado de todo esse processo foi a formação da Cristandade, ou seja, a existência de uma Igreja profundamente atrelada ao Estado. A institui-ção eclesial cristã que surgiu pós Constantino, em nada ou quase nada se assemelhava àquela dos primeiros três séculos de sua existência. De um pe-queno grupo ilícito, marginal, centrado em pequenas comunidades, com um culto simplificado, o cristianismo tornou-se uma religião de Estado, estendendo-se a todos os setores da vida social, administrado por uma bem definida hierarquia envolvida em assuntos temporais.

A igreja cristã católica virou uma instituição. Além da investidura leiga, dos descontentamentos internos e externos, ela passou a administrar um enorme patrimônio imobiliário e financeiro. Outro problema enfren-tado foi o de administrar a contradição entre o anúncio de uma mensagem que valorizava o desapego material e as vicissitudes do tempo que a tor-naram uma rica senhora feudal. Contudo, enquanto instituição, a Igreja pôde se adaptar às contingências históricas e manter uma relação não ape-nas com outras instituições, mas como vimos com o próprio Estado.

Se até o século XI a Igreja manteve com o Estado uma relação de sujeição, a partir desse século, testemunhou-se um processo de busca de sua autonomia. Através de uma série de papas reformadores do século XI (Estevão IX (1057-1058); Nicolau II(1059-1061), Gregório VII (1073-1085); entre outros), a Igreja passou a negociar com o Estado de forma mais equânime. A primeira atitude foi acabar com a investidura leiga e em conseqüência submeter os príncipes aos seus interesses. Isso foi possível pelo fato de a Igreja dispor da poderosa arma, a excomunhão.

Portanto, a partir do século XI, a balança do poder pendeu favora-velmente para o lado da Igreja Cristã. O cristianismo, que até então era

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somente a base ideológica do Estado, passou também a controlá-lo e ditar as normas a serem seguidas pela sociedade. Ao Estado restou o papel poli-cial de reprimir todos aqueles que ameaçavam a ordem sopoli-cial estabelecida ideologicamente pela Igreja.

Dentro dessa relação não uniforme e sujeita às condições históricas, podemos apontar mais uma etapa que foi a do conflito aberto dentro da Cristandade. Com o surgimento das primeiras universidades (século XIII) e das primeiras monarquias feudais (Portugal, França, entre outras), a rela-ção entre o Estado e a Igreja cristã que até então, salvo em alguns momen-tos, era harmoniosa, tornou-se instável. Vários são os momentos em que reis ou imperadores se indispõem com os pontífices. Podemos mencionar o exemplo clássico de Felipe IV, rei da França e o Papa Bonifácio VIII (1294-1303). Para financiar suas guerras, o rei lançou impostos contra o clero e posteriormente impediu que o dinheiro da França fosse enviado para os Estados Pontifícios. A resposta do Papa Bonifácio, da superioridade do papa sobre os reis, através da bula Unam Sanctam em 1300, custou-lhe um gesto de violência física, por parte do enviado do rei Guilherme de Noga-ret, que ficou conhecido na história como o atentado de anagni.

A nova conjuntura da formação de monarquias feudais, com uma burguesia nacional forte buscando uma identidade nacional, não permitia a ingerência de estrangeiros como o papa em seus territórios. O tempo de um pontificado onipresente como o de Inocêncio III (1198-1216) ficou para trás.

A despeito desses conflitos, foi na baixa Idade Média que a Igreja Cristã Católica consolidou-se como uma poderosa instituição. Tornou-se uma instituição centralizadora, organizou seu sistema de cobrança de tri-butos e tornou o orçamento dos Estados Pontifícios, no século XIV, o quarto maior da Europa, ficando atrás apenas da França, Inglaterra e Bor-gonha e igual ao da Sicília (CHAUNU, 1975).

A existência de um sistema de cobrança e fiscalização, remete a um ponto nevrálgico na discussão sobre a Cristandade. A íntima relação entre Igreja e Estado, base da Cristandade, só foi possível porque a Igreja se con-cebeu como uma realidade à parte do Estado. Em outras palavras, a Igreja era um Estado dentro do Estado.

O Estado colaborou para que a Igreja não se concebesse como uma instituição como outra qualquer. As constantes doações de terras e a isen-ção fiscal do clero colocaram a Igreja Cristã Católica em condições de ne-gociar com o Estado de igual para igual. De fato podemos falar de um verdadeiro Estado dentro do Estado.

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A concepção da Igreja como Estado se materializou na pessoa do rei Franco Pepino III. A pedido do Papa Zacarias, o referido rei investiu con-tra os Lombardos que ameaçavam Roma, salvando não apenas as posses-sões pontifícias, mas criando no século VIII o que ficou conhecido como Estado Pontifício. As terras entregues pelo rei franco ao papa garantiram a existência do patrimônio de São Pedro (Estados Pontifícios) até o século XIX (1870).

O poder financeiro e cultural permitiu uma independência da Igreja Cristã em relação ao Estado e colocou-a em uma situação que superou a ideia de uma simples instituição. Além de um poderoso orçamento, a Igre-ja ao longo de sua história, conseguiu tornar o papa “legislador, justiceiro, doutor, censor supremo” (CHAUNU, 1975, p.185).

Com a centralização fiscal ora em Roma, ora em Avignon, a Igreja romana conseguiu através da transferência de bens de outras regiões para esses centros articuladores, tornar-se “mãe e senhora de todas as Igrejas” (CHAUNU, 1975, p.185).

Para manter toda essa máquina, a Igreja contou com uma enorme receita entre legados, dízimos, benefícios, ofertas. Some-se a isso, um efi-ciente mecanismo de comunicação, administração, cobrança e de funcio-nários (cardeais, bispos, clero, diácono, curialistas, leigos), além de reforçar a idéia de um Estado Teocrático, na pessoa “divina” do Sumo Pontífice.

Toda essa máquina, especialmente a existência de um Estado pró-prio, permitiu a Igreja negociar com outros Estados, mesmo no período em que a relação entre os dois poderes estavam abaladas. A título de exem-plo podemos apresentar o conflito entre o Estado Pontifício e o movimen-to de unificação italiana no século XIX, onde o último a despeimovimen-to de movimen-tomar as terras do Estado Pontifício, ofereceu como termo de uma negociação as leis das garantias ao Papa Pio IX, onde o mesmo receberia o tratamento de um nobre dentro do novo Estado.

A autonomia ou a subjugação de um dos elementos constitutivos da Cristandade (Igreja e Estado) correspondia à lógica própria do contexto histórico e visava em última instância o que Peter Berger (1985) chamou de legitimação da ordem social. Na Cristandade, por se tratar de uma or-dem teocrática, “a religião legitima de modo tão eficaz porque relaciona com a realidade suprema as precárias construções da realidade erguidas pelas sociedades empíricas” (BERGER, 1985, p.45).

A legitimação da ordem social na Cristandade tem por objetivo ga-rantir o mundo empiricamente construído pela Igreja Cristã e pelo Estado. Qualquer questionamento dessa ordem (nomia), que geralmente acontece

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em situações marginais (Berger, 1985), remete ao caos (anomia), as forças “demoníacas”.

Seguindo ainda a lógica do pensamento de Berger, além da legiti-mação desse mundo fragilmente construído, associando-o a um mundo perene através da religião, a Cristandade utilizou um eficiente controle social. Quanto mais frágil a plausibilidade (Berger, 1985) para a aceitação desse mundo, mais eficaz deveriam ser os mecanismos de controle social empreendidos pela Cristandade.

Portanto, do século IV ao século XIX, período histórico de dura-ção da Cristandade, os exemplos se sucedem na eficácia de um sistema de controle social que encontrou na vontade de Deus a última instância de manutenção desse mundo. “Os infratores das regras eram punidos [...] de maneiras diversas: a excomunhão, a confiscação de todos os bens, o exílio, a prisão perpétua, os açoites, as galeras e até a morte na fogueira” (NO-VINSKY, 1992, p.19-20).

A Cristandade era a materialização de um Estado totalitário. Não aceitou a possibilidade de um novo mundo, a na ser o legitimado por ela. As cruzadas, por exemplo, poderiam ser acrescentadas à lista que Anita No-vinsky (1992) apresentou de controle social empreendido pela Cristanda-de, uma vez que um de seus objetivos era o de eliminar o mundo islâmico como plausibilidade de ordem social.

Ao longo de sua existência, várias foram as minorias cognitivas (Berger, 1997) punidas pela Cristandade: arianos, monifistas, nestorianos, valdenses, cátaros, pseudo-apóstolos, amauricianos, judeus, islâmicos, re-formadores, cientistas, modernistas entre outros. A maioria que foi punida pela Cristandade, pertencia ao próprio Cristianismo e buscava “uma nova visão ética da instituição eclesiástica e do cristianismo como religião vigen-te na sociedade ocidental” (FALBEL, 1976, p.13).

Portanto, a Cristandade enquanto relação de proximidade entre Igreja e Estado, mediada na relação igreja-sociedade civil, refletiu os interes-ses dos grupos dominantes. Enquanto força hegemônica, a Igreja legitimou seus interesses de cristianização da sociedade, apoiando-se nos grupos que lhe permitissem tal intento. Nessa parceria, enquanto a Igreja encontrava todas as facilidades de expansão, por um lado, por outro, ela se via na imi-nência de sacralizar os grupos que estavam no poder. Aqui encontramos o que Maduro (1983, p. 172) define como função conservadora da religião.

A Cristandade é, portanto a materialização do que Max Weber (2000) chama de racionalização do pensamento ou o que Thomas O’Dea (1969) cha-ma de institucionalização do fenômeno religioso. Para os nossos interesses,

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basta lembrar que, atrás desse nome, encontramos a Igreja Cristã Católica, uma instituição centralizadora que mediante aliança com o Estado, em suas mais diversas configurações históricas, procurou manter a ordem social e assim consolidar os seus interesses de poder. Portanto, a Cristandade en-quanto legitimadora do Status Quo (PORTELLI, 1984) definiu-se como um modelo de poder e estendeu sua influência a todos os setores da vida social e manteve sob estrito controle todos os grupos dissidentes.

CONSIDERAÇÕES FINAIS

Embora nossa análise sobre a Cristandade enquanto modelo ecle-sial de poder se prendeu mais a Igreja Cristã Católica do que ao Estado, nosso objetivo foi o de mostrar como essa relação entre os dois pólos cons-truiu um modelo de legitimação social.

Foram dezesseis séculos de construção e de legitimação da Cris-tandade. Em todo esse período ora tivemos uma supremacia do Estado sobre a Igreja Cristã Católica, ora se deu o contrário. Esse fator bem como o conflito que se verificou ao longo dos séculos entre esses dois pólos, não alterou a essência da Cristandade enquanto modelo eclesial de poder.

Igreja e Estado, base da Cristandade dominaram a vida social, política, econômica, cultural e simbólica, onde esse modelo foi implan-tado. Essa construção da Cristandade enquanto modelo eclesial de poder aconteceu quando a Igreja buscando expandir seus interesses manteve uma relação de dominação sobre a sociedade civil mediada pelo Estado. CHRISTIANITY: A MODEL OF THE CHURCH OF POWER Abstract: this article aims to analyze historical Christianity as a model of

ec-clesial power. Having the intimate relationship between the Christian Church and civil society mediated by the state definition, Christianity established over sixteen centuries found a model of power to legitimize the status quo and func-tion of the Christian Church as ideological state apparatus.

Keywords: Christianity. Power. Church. State. Legitimation. Referências

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* Recebido em: 11.02.2011. Aprovado em: 22.02.2011.

** Bacharel e licenciado em História e pós-graduado em História regional pela Universidade Federal de Goiás, mestre em Ciências da Religião pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás. Atualmente é coorde-nador do Curso de História da Universidade Católica Dom Bosco-MS. Professor no Instituto de Teologia de Mato Grosso do Sul.

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