ARQtnVO
ANDREAS
OSIANDER:
PREF.ÁCIOAO
"DE
R,EVOLUTIONIBTA ON,BII.MCOELESTIIru"
DE COPERNICOTraduçõo,
introdu@o
e notøs de zELtKo LOPAR|C* Univenidade Estadu¿l de C,ampirusl.
rNrnouuçÃo
L
helímirures
Traduzir
e
comentar
hoje um texto apócrifo do
séculoXVI
sobreo
método
na astronomia poderia parecerum
mero capricho de erudição. Por que afilosofia
daciên-cia não
investigaria diretamente os problemas metodológicos atuais,com
os instru-mentos lógico-matemáticos disponfveis, deixando para os historiadores e æ curimos o passado quass ssquscido da metodologa,?É
simplas: estão em crise oindutivisno
de Carnap eo
falsificacionisrno de Popper-
os dois programas de pesquisa metodológica baseados eminstrumentos
analfticos, que até pouco tempo praticamentemonopoliza-vam
a produçãofilosófica
significanteno
setor.Com efeito,
nenhum dos dois parece levar àsolu$o
satisfatória do problema que consideram básico: achar um método geral parajustificar
racionalmente a aceitação de enunciados das ciéncias empfricas, seja atftr¡lo
de
prováveis(Carnap),
sejaa
tltulo
de
verossímeis (rúltimoPopper).
Diante desse insucesso(particularmente
grave para aqueles gue, corno Popper,identificam
o problema da racionalidadecientífica com
o
daiustificafo),
ressurgem,com
força re-dobrada, duasoutras dificrfdades
dos programas tradicionais, anteriormenteminimi-zadas: os
métodos de
aceitação nelesproduzidos
nem
descrevem adequadamente os que são defato
usados pelos cientistas nem dão conta do progresso da ciência.Para sair da crise, uma estratégia vem sendo usada
com
algum sucesso.t
Procura ela: desvincularo
problema da aceitação do problema dajustificaçÍo
comoexpiicitado
acima;produzir,
deinfcio,
teorias que sejam observacional e descritivamente adequa-dascom
respeito aos métodos que se mostra¡am efìcazesna
resoluç5o dos problernascientíficos,
ou
seja, teorias que estejam de acordo com os proccdimentos e asintuiçæs
*Quero_agr_adecer a Andréa l.rpral;té, Balthazar Ba¡bosa Filho, Luis Henrique Lopes dos Santos eOswaldo Porchat Pereira-por Y¿ osas sugestões e crfticas na elaboraçalo dì lntrdduçai ou na
ûa-duçäo do texto de Osiander.
I V"r,po,e*e-plo,
Laudan 1977.Andreas Osiønder:
hefiicio
ao
'De
Revolutionibus,,45
normativasdos
gruposcientffìcos
criativos das diferentes épocas;finalmente, utilizar
essas teorias e osinstruÍrentos
lógico-matemáticos paraconstruir
um modelo dâativi-dade de resolução de problemas capaz d,e explicar porque certos procedimentos e pro-gramas
tém maior
poder heurfstico do que osoutros.
A'doter essa estratégiaempfrico-analltica, leva naturalmente
a fazerhistória,
não somente dos métodos edo
progres-so da ciência, mas também das metodologias, uma vez que várias delas foram espelho.do
trabalho
efetivo
dos
cientistas,contendo
potencialmente elementosúteis
para aconstruçalo da desejada teoria da resolução de problemas.
A
volta
dosfilósofos
da cidncia ao passado e, emparticulÍ[,
ao passado dametodo-logia,
é
de resto
bastante
natural na
situação
de
crise em que
seencontram.
Em situaçÍio análoga, os lingüistas, para citar um exemplo recente, também estãorecorren-do â história da
lingüfstica.
E
com
objetivos
semelhantes:"Em
resumo",
escrevechomsky,
"nessafase
de
desenvolvimentoda
tingüística
e
da
psicologiaem
geral, parecemuit<l proveitoso
voltarmo-nospara
as questões cldssicas,perguntando
quaisforam
as
inovaçõesa
esse respeitoe
como os
problemas cldssicospodem
fornicer
orientação para a pesquisa e os estudos contemporáneos."2
Aliás, as dificuldades do empreendimento nos dois casos são parecidas: afalta
de conhecimentos satisfatórios dahistória
da lingüística
(as infelicidadesdo Chomsþ
historiador
sãoa
melhor
prova disso)vai
depar com
afalta
de sofisticação dos historiadores tradicionais da ciência eda
filosofia,
no
tratamento
das questões metodológicas.uma
sugestão, talvez, de que cada época exige a sua própriahistoriografia.
rNão parecendo,
portanto,
serfútil
o estudo dahistória
dos métodos e dametodolo-gia na fìlosofia da
ciência,
é
necesMrioainda
justifìcar
o
interesæ
particular
por
osiander.
Iæmbremos apenas,por
enquanto, quefoi
opróprio
popper, o protagonista do realismo contemporáneo e defensor da compreensão da ciéncia apartir
rJo conceito de discussão racional em busca da verdade, quem apontou Osiander não somente comoum
dos seusprincipais
adversários-
pois teria
sido eleo
fundador do instrumentalis-mo, que concebe a ciência como um meroinstrumento
de cdcr¡lo e deprevisão. _mas
¡Chomsky1972,p.5. Ve¡ também Chomsky 196ó,p.3.
3-.
talvez nao sela lnfilosólìca ou cien recenles e dedicad
cer a pesquisa atu
que compus e mandei aqui imprimir estas licõe History of Mechanics (Spìinger, 1968).
"31*iå,,.iïi,':,",;iiiËå:åî""ï,îääx;'""*,1
da quat
",r
"ïH;:.r.
sáo deriváveis. Uma dasdeumm de opera
46
Zeljko
Lopariótambénr como um adversário que
voltou
a ganharHojc em dia, a concepçâo de ciência fl'sica fundada por Osiander, pelo cardcal
Bellar-ntino e pelo bispo Berkeley, venceu a batalha sem dispanir um so tiro.Sem nenhum debate ulterior ace¡ca do problcma filosófico subjacente, sem produzir nenhum novo
argumento,
a
concepção instrumentalista (comoa
chamei)
tornou-se um dogmaaccito. Pode*e perfeitamente chamdla agora de concepça-o oficial da tcoria fßica,
uma vez que é aceita pela maioria dos nossos principais teóricos da física (embora nâo
por Einstein nem por Schr6dinger). E constitui-se na parte integrante do ensino
habi-tual da fr'sica.(s ).
Colnpletando esse quadro sombrio, Popper anota que físicos da estatura de Mach,
Kirchhoff,
Hertz, Duhem, Poinca¡é, Bridgman e Eddingtonforam
tambéminstrumen-talistas
"de
uma ou outra maneira". 6 Algum
interesse há, entáo, em examinar essesargunìentos que teriam levado ao dogmatismo tantos espíritos inovadores, merecendo ainda hoje ácidas críticas de Popper.
Ao
propcr
aleitura
de Osiander, nossafinalidade principal
não é a de sugerir uma decisâo contra ou a favor do realismo popperiano mas antes a de colher elementos para uma novateoria
da atividadecientífica, dentro
da estratégia acima descrita. Contudo, valemo-nosda oportunidade para
por
em
questãoa
tese popperiana segundo a qual Osiander seriao
fundador do instrumentalismo. Antes disso, convém lembrar a aciden-tada história da autoria do Prefácio ao De Revolutionibus.2.
Autoria
do PrefricioO Prefácio ao De Revolutionibus orbium coelestium de Copémico,
texto
nâoassina-do intitulaassina-do
Ad
lectorem de hypothesibus huiusoperis
qu'e venr noinício
dessa obra,foi
escrito por Andreas Osiander (em alemão Hossmann, 1498-1552), um dos prirneiros seguidoresde Lutero. Espírito
curioso e
ligeirarnenteherético,
Osiandertinha
comohobby
a matemática e a astronomia.s Popp., 1963,
pp. 99, nota 5; trad. brasilei r.,p.3BT.
ó
Andreas Osiander:
hefticio ao
,ll)eRevolutionibus,,4T
Depoisdo
sucesso daNarratio prima
1 em que Joachi¡rr Rheticus, clisclpulg eami-go
decopérnico,
expunha pelaprimeira
vez ateoria
copemicana (uma exposiçã.o nâ.o publicada, intitr¡ladaNicoloi
Copernici de hypothesibusnotuum
coelestiu¡n s secons-titutis
commentariolus, circulava entre os seus amigos desde aproximadamente 1533),o
grande astrônomoautorizou
a publicaçâ'odoDe Revolutiottibus,escrito já
emtomo
de
1530.o
manuscritofoi
confiado
a Tiedmann Giese,bispo
deKulm, amigodeco_
pérnico
e defensor de suas idéias, que encarregou Rheticus da publicação a ser feita em Nuremberg, natipografìa
de Johannes petreius. Rheticus, chamadoem ls42
paraas-sumir uma
cátedraem
læipzig, deixou
para Osiandera
tarefa de supervisionar aim-Pressao.
Nesse momento, a
divulgaçlo
das idéias de Copérnicojá
começara a provocar resis-téncias.Em
1539,Lutero,
nas suas Tischreden havia chamadocopémico
delouco
e, em ûnsde 1541, Melanchton
acusou-ode
descaramentos.
prevlndo um
dramático crescendo da
ira
dos teólogos efilósofos
depois dapublicaçlo
do De Revolutionibus,osiander
escreveu,em
20
de
abril de
1541,
uma cartaa copérnico
sugerindo como safdaa
rejeiçâ'o abertada
interpretação realista da suateoria.
No
trecho
dessa carta traduzida em Rosen, 1971,pp.234
Osiander afirma:"Eu sempre ac¡editei, que as hipóteses nâo salo artigos de fé, mas bases para cálculos; de modo que nâo importa que sejam falsas, desde que esses últimos repro.luzam
exa-tamente as aparéncias dos fenômenos.
com
efeiro, se seguirmos as hipóteses dePtolomeu, quem nos dirá se
o
movimento irregurar do sor se dd em razão de umepicìclo ou de uma excent¡icidade, posto que os dois dispositivos podem expricar os
fenômenos? seria, portanto, desejáver que abordasses de reve ess€ assunto na tua Introduçâo. Dessa maneira poderrís apaziguar os peripatéticos
e
os teórogos cuja oposiçâo temes".Na rnesma data,
osiander
escreveu uma carta a Rheticus em que argumenta de ma_ neira parecida:"Os peripetéticos e os teólogos seralo facilmente abrandados se lhes fo¡ dito que pode
have¡ dife¡entes hipóteses p¿*a o mesmo movimento aparente; que ess¿rstoe cåper-nicol hipóteses são propostas não porque salo de fato verdadei¡as
iu,
porq,r" reguram a computaçâo do movimento aparenre e composto da maneira mais conveniente;que é posswel para um out¡o erabora¡ hipóteses áifelentes; que uma pessoa podeconce-ber um sistema conveniente, outra pessoa um outro
mais
conveniente, sendo queos dois sistemas produzem os mesmos fenômenos de movimento; que todo e quar-quer homem tem a liberdade de elabora¡ hipóteses mais convenientesie que, se conse-gue fazê-lo, deve ser congraturado. Dessa forma eles ndo ficarao presos a uma
posi-çalo defensiva e se deixa¡ão atrair pelo encanto da pesquisa; logo suì oposiçá-o desapa-recerá, e em seguida eles procurarâo em vÍio a ve¡dade
por."u,
próp.i'os meios e aca-baraÌo passando à opiniaio do autor lCopérnicol".g? l.a
ediça:o em Dantzig, lS2O;2.a ediçaio em Basiléia, 1541.
'^Koyré1974,pp.76-77; Rosen 1958,
pp.
3234 'Traduzido de Rosen 1971,p.23.48 Zelil<o
Loparié
Não se sabe se Copérnico deu resposta. Temos sobre o assunto apenas um ¡elato de
Kepler
dando a entender que Copérnicoteria lejeitado
a sugestâ'o de Osianderacredi-tando
"dever publicar
suas opiniões abertamente, mesmo que isso causasse danos âciéncia".l0
Cienteou
não da resistáncia de Copérnico, Osiander fezimprimir
noinício
do DeRevolutionibus o
seu Prefácio, em que retomava as mesmas idéias das cartas de1541. De
novo nÍio
sabemosao
certo qualfoi
a reaçâ'o de Copérnico. Segundo umacarta
de Giese aRheticus
de26 dejulho
de 1543, Copérnico recebeuo
exemplar da sua obrano
dia
da sua morte(24
de maiode
1543), apopLético, e não teve condições de reagir. Segundoum relato
posterior(1609),
Copérnicoteria
recebido as provasjá
um
ano antes,teria ficado
revoltado, mas nâ'o haveria evidéncias de que tivesse toma-do medidas contra a publicaçã'o dohefácio.r¡
As
denúnciasdos
amigosde
Copérnicologo
começaram.Numa
carta
a
Giese, Rheticus acusouJ.
Petreius de"falta
derespeito"
para com Copémico. Enraivecido, Giese escrevede
volta a
Rheticusem
26
dejulho de
1543
chamando Osiander de invejoso, covarde e falsifìcador (cequi
est øpocryphe, dirá I'afaye, est de Ia maind'un
ftipon)rl,
anexandouma cópia de
queixaao
ConselhoMunicipal de
Nuremberg naqual
pedeque
selafeitz a
reimpressão dasprimeiras
páginasdo
De
Revolutionibuscom uma
nota
explicativa,
e
sugerindo que sejam publicados ao mesmo tempo dois escritosde
Rheticus(hoje
perdidos):uma biografìa
de Copérnico e umademonstra-ção da compatibilidade
da nova astronomiacom
as Escrituras. Mas opretendido
de-sagravo
não
foi
alcançado.O
ConselhoMunicipal
de Nuremberg recusou-se ainiciar
açãocontra
Petreius,e
Rheticusnão publicou os
seus trabalhos. Limitou-se a obterde
Osianderum
recolhimento escrito
da autoria
do
Prefácioe
espalhoua
notícia
entre os astrônomos e eruditos. Osiander, de resto,admitiu
essa autoria perante outras testemunhas. Mas nada sobreo
assuntofoi
publicado
na época.A
segunda (Basiléia,1566)
e a
terceira (Amsterdam,'1617)
edição do DeRevoluti7nibus continuam
com o Prefácio.A
carta de Giese setornou
pública em 1615, numa obra pouco conhecida, editada em Cracóvia.Um
dos primeiros
a
publicar
urna denúnciado
caráterapócrifo
do
Prefáciofoi
Giordano Bruno. Adepto
da interpretação realista da astronomia copernicana, Bruno adve¡te emLa
cens de le ceneri (1584) que o Prefáciofoi
prefixado ao De Revolutioni-bus porum
"asino
ignorante epresuntuoso".l3
Todavia, não oidentifìca.
Quem o fezfoi
Kepler, na sr¡íìAstronomia
iovø
(1609), no
verso dafolha
de rosto.ra Sem outroslo
Ve¡ Rosen 1971, p. 403.rr
Prr. referência v. Dijksterhuis 1961,p.279.t2 Err"
é apenas o começo de umâ longaséri
çã-o contra O--sìander-, queinclui a äe te¡ substituldo a introduçar-o
do
papa PauloIII
e a de ter t¡ansformadoo
tltulo
da ob¡a que enDe
undi no título atual. VerKoyré, 1974, pp. 97 -98 .
13
B.no
1958, p.88.Andress Ositnder:
hefricio
øo "DeRevolutionibus"
4g comentários,Kepler imprime um
ataque de Petrus Ramus a Copérnico, e em seguida a sua defesa. Ramus objeta:O projeto de imaginal hipóteses d, portanto, absurdo; e, além disso, o projeto de
Eu-doxo, Aristótelcs e Calipo, que cstudavam as verdadeiras bipóteses e até mesmo vene-ravarn-nas como a deuses de orbes astrais, era mais simples. E, crn seguida, é uma idéia
das mais absurdas (fabula absurdrbsl'rna) querer demonstrar as verdades das coisas
naturais por meio de falsas causas. Eis porque a Lógica, em primeiro lugar, e, em
se-guida, os elementos da Aritmética e da Geomet¡ia sâo auxflios que muito contribuem para constituir a pvreza e a dignidade da mais ampta das artes. Quisera Deus que
Co-pérnico tivesse preferido esse projeto de constiluir uma Astronomia sem hipóteses!
Pois ter-lhe-ia sido muito mais f¿ícil esboçar uma Astronomia conespondente à
verda-de dos seus astros do que, como num t¡abalho de gigantes, mover a Tena para que possamos observa¡ as estrelas como imóveis em relaça-o ao mov¡mento da Terra.15
Kepler
respondelConcedo ser uma idéia das mais absurdas a de demonstra¡ as coisas naturais por meio
de causas falsas; todavia, essa idéia nalo se encont¡a em Copérnico, pois ele próprio nâo conside¡ava suas hipóteses menos verdadeiras do que teus antigos as deles; e nâo só as conside¡ava, como as demonslrou ve¡dadeiras. Apreænto esta obra como prova disso. Quer saber quem na verdade é o autor dessa fdbula que o deixou tâo irado? No meu exemplar do De Revolutionibus está anotado o nome de Andreas Osiander pela malo de Hieronymus Schreiber de Nuremberg. Pois foi esse mesmo Osia¡derque,es-tando à f¡ente da ediçâo do liwo de Copérnico,pôs no frontispttio aquele Prefdcio
que vocé diz ser dos mais absu¡dos e que ele julgava (pelo que se pode inferir de sua
carta a Copérnioo) dos mais prudentes; enquanto Copérnico [nessa altura] ou já estava mo¡to ou certamente nada sabia [sobre esse fato]. Portanto, naÌo é Copérnico
que ¡ur9ttÀo1ár linventa mitos], mas ele, em toda seriedade, nopo6ofo\or¡eî, [fala das coisas ma¡avilhosas I isto é, gù'ooo,peí lfilosofa l.
Caspar
(1937)
observa que o exemplar do DeRevolutionibus
de Kepler mencionado nessetexto
havia sidoofertado
ao seuproprietário anterior H.
Schreiber, sucessor deRheticus
na
Universidadede
Wittenberg, pelopróprio
impressor da obraJ.
Petreius. Schreiber devia assimter
estado em boas condições para conhec€r as verdadeiras cir-cunstâncias da sua impressão.Apesar dessas denúncias feitas por autores famosos, o Prefácio
foi
atribuído
durantemuito
tempo aopróprio
Copérnico.0
meticuloso Rosen não faz mais do que expressara
opiniâ-o unánime dos historiadores ao dizer que"muitos
leitores perspicazes doDe
Revolutianibus têm
sido enganados pelamutilaçlo
de Osiander mesmo depois dasde-núncias
publicadaspor
dois
grandes copernicanos,Giordano Bruno
e
JohannesKe-pler".¡ó Koyré
anota
que, não obstante cassendi, na sr¡avita
copernici(Paris,
1654,p.
391),
ter
reproduzido
as afirmações de Kepler, aindalaplace
(Etudes delhistoire
15
O trecho de Ramus é tirado de seu Scholorum Mothemøricarum
librilØlz
(Frankfurt, 1599), li-vroII,
p.50.50
Zeljko Loparié
de
I'astrono¡nie, Paris,
1197),
Montucla
(Ilistoire
des maîhémotiques, Paris,1798i
I
802)
e Delambre(llistoire
de l'østronomie moderne, Paris, I 821), atribuem otexto
aCopérnico.l?
3.
Algumas Reações aohefticio
Para
muitos
intérpretes contemporáneos não parece haver dúvidas de que otexto
de Osiandercontradiz explicitamente
o
ponto
de vista de Copémico. Como prova disso,citam
o
material
exposto acima e a carta a Paulolll
também impressa nas folhas preli-minares do DeRevolutionibus.
Nela Copérnico afirma:Iìoi
assinr que, tendo suposto os movimentos que mais adiante nesta obra atribuo ãTerra, dcscobri fìnalnrcntc, depois dc muilas e longas observações, que, sc os movi-mentos dos outros astros cÍantcs salo ¡cferidos ao lcentro dol movimento circula¡ lorbitall da Tcrra e se esse é lomatlo como base de c¿ílculo da revoluçäo de cada ast¡o,
nar-o somenle seguem-se daí os ntovimentos aparcntes, mas tambóm a ordem e as
di-mcnsões de todos os astros e orbes, e que o céu inteiro fica est¡uturado de tal
ma-neira quc se lorna impossrvel mudar qualqucr coisa em alguma das suas parles sem
provocar a desordem em todas as outras e no Universo inteiro.¡Ë
Recenternente.
contudo,
Dijksterhuis chamou atenção para o fato,já
observadopor
Kepler,
de que Copérnico, quando especula (carta a PaulolII,
Iiwo I
do De Revolutio-nibus), é bem difere¡rte do Copérnico que calcula (livrosII-IV).
Oprimeiro
éclaramen-te
pitagórico;
o
segundo,contudo,
usa dispositivos que näopodem
ser interpretados como sendo fisicamente reais:De fato, ele se dava fartamente a liberdade de salva¡ desvios observados em relação a uma teoria simples, pela assunção de mais um outro epiciclo; e ainda, explicava engenhosamente que às vezes é possr'vel salva¡ um mesmo fenômeno por meio de
hipóteses lotalmente diferentes, sem nem mesmo tenlar decidir
lual
delas éfisica-mente mais plausr'vel; e, especialmente em relaçâo ao planeta Mercúrio, as
combina-ções de movimentos a que chegou foram tâo complicadas que ele não pode tê-las
enca¡ado como fisicamente ¡ealizadas no espaço. Quando lemos esses liwos tendo em mente
o
programa de Osiander, nø-o percebemos neles a mínima contradiçaìo.t9A
interpretação de
Osiander está,portanto,
petfeitamente de øcordo coms
partepropriamente
cientílica
da obra. Por isso,Dijlsterhuis
nãoexclui
a possibilidade de opróprio
Copérnico ter-serendido
âforça
da posição de Osiander e, em conseqüéncia,ter
cleixado detomar
providdncias contra o Prefácio. Dijksterhuis, de resto, não escon-de sua simpatia pelas prováveis intenções de Osiander: favorecer o estudo técnico ema-temático
da novateoria
semexpôla
a discussões filosófìcas e teológicas possivelmentemortíferas.
No
que Osiander pode ter realmente prestado um gr¡urde serviço âastrono-r7
Koyú,1934,p. 140.tE Koyré 1934,p.45.
te
Di¡ksterhuis 1961, p.297.Andreas Osisnder:
heftcio
uo
"DeRevolutionibus"
5I
mia,
pois, como obscrva Iìosen20, o seu falso Prefácio talvez tenha sido o principalres-ponsável
pelo
fato
deaté
1620 <¡ DeRevolutionib¡ls
nã-oter
sido posto noìndex
doslivros proibidos. Vale
tanrbénr rrolar que a proibiçã'o se deupouco
depois da publica-ção doAstonomia
nova(l(r09),
da carta deGiese
(161.5) e da defesa decopérnico
por
Galileu na sua Carta à (ìranDuquev
Clistinq ( I6l
5).A
proibição
foi,
na realidade,o
ato
final
de uma longa campanha auticopernicana da qual participaram, além dosjá
mencionados reformadores religiosos,Lutero
eMe-lanchton, muitos outros
luminaresdo
séculoxVI.
o
erudito
e polemista Scaliger, opoeta lluchanan, os filósofos
llodin e
l¿Galla,
os maternáticosMaurólico e
Barozzi,os
astrônomosT'ycho
tsrahe, Magini e Clavius, entre outros, escreveramcríticas
con-tundentes
contra copérnico.2l
o
que há de comum em nruitas
dessascríticas
é
ainterpretação ¡ealista da astronomia, nem sempre sustentada com completa
consistén-cia.
Assinr,Melanchton,
"o
preceptor daAlemanha",
ao mesmotempo
em quedesa-conselhava
fortemenle
o ensino de Copémico nas universidades("a
proclamaçâ-o públi-ca de opiniões absurdas é indecente e dá um mauexemplo"),
sustenlava, contra osse-guidores dos
peripatéticos
medievais da escola de Averróes, queo fato
rJe as hipóte-ses ptolomáticas não representarem as realidades ffsicas não destruía o seu valorcien-tífìco
enquanto siste¡na de cálculo de movimentos planetáriosobservados, nem a neces-sidadede
estudáJas.22outros,
como
Clavius, usavamcontra
Copérnico argumentos realistasrnuito
parecidos co¡n aqueles queo
próprio
Copémico usou rìa carta a PauloIII
contra Ptolomeu,
semtodavia
suspeitarem que isso punha em questão a própria posição realista.Havia,
contudo, também
alguns destacados adeptos da interpretaçã'o não realista, tais como Rainer Gemma Frisìus, Erasmus Reinhold, Alessandro Piccolomini, GiovanniBattista Ilenedetti
e Jean Hannequin.23A
maioria deles era interessada primeiramenteem
questões estritamentecientificas,
entre as quais figurava,conìo
uma das mais im-portantes, a da construça-o de tabelæ astronômicas.A
poslura não realista lhes permitia abordar essa questão usando alternativamente Ptolomeu e Copérnico na busca 4eme-lhores
resultados.R.
Gemma expressauma
opinifio
baslante representativa quando escreve:Quanlo às hipóteses usadas por copérnico na sua exposição, nar-o estou djscutindo no
prcscnlc nlomento se ou até que ponlo elas sa-o verdadeiras. Eu nâo me preocupo
com a questão de saber se ele diz que a Terra de fato se move ou está imóvel, desde
quc os movimentos de corpos 'celestes e as duraçôes de seus penbdos scjam
determi-nados com exatidão e ¡eduzidos a c¿ílculos absolutamente precisos.u
æ
Ro..n, 1971, p.406.2l
Ror"n 1958, p.328.2
Mudd"n 1966, p. 30.a
Duh"-
1908, pp.486-5r1.x
Traduzido de P.osenl97l,p.
29252
Zeliko Loparic
Como
no
campo realista, houve tambénrentre
os seguidorcs de Osiander quemde-fendesse posições paradoxais.
As
tescsde Nicolas
F,eynrcr Baer(ursus)
expostas no seuDe
hypolhesibtts astrononticis(1597)
sao unt born exenrplo.Kepler
as res¡¡¡e daseguinte maneira:
Diz e.le, em primciro lugar, r¡uc as lripótcscs astronômicas sar-o descrições fictícias da
inragindria c não da vcrdadeira e gt:nurîa fonna do sislcrna do nluntJo. Poressas
pala-was ele obviamentc nega que unr;r proposição seja unra hipótese, se não for falsa. E
reforça essa sua afinnaç:lo pouco dr'¡rois, ao dizer rlre hipótr,scs nalo sáo mais do quc imaginações, E, mais ab;rixo, que essírs na-o scrianr hi¡rótssqs, se fosscm verdadciras.
Il
ainda: é próprio às hipótcscs rlc scrvircm n¡ buscl do verdadeiro a partir do falso.2sNada
nlelhor
do
que essas gafes de Baer para nìostrar as sutilez¿s da concepção de Osiander. Essas sutilezas,co¡ìtudo, não
escaparanrao espírito
penetrantedo
cardealBellarmino. Na
sua famosa carta a Foscarini de 1615, ele começa assim a discussão do estatuto das hipóteses de Copérnico:Dizer que salv¡nt-se rnelhor as aparôncias de aco¡do conr a suposiçaîo de a Terra ser
móvel e o Sol imóvel, do que supondo os excênt¡icos e os epiciclos
,é
fa1, 1¡ lnuilo bem-
não havendo ncnl¡um perigo nisso e pof scr isso sulìciente para o matemdtico. Masafirma¡ que na realidade o Sol é imóvel no centro do univcrso... é ¿rriscar-se nalo
so-menfe a
irritar
lodos os filósofos escolásticos e teólogos, ¡nas tambinl a ofender aSanta Fé tornando falsas as Sagradas Escritu¡as.
Ern
geral os comentadores(entre
eles Popper) param a citaçâ'oaqui,
numa mutilaçã-o dcsmerecedora do grande teólogo. Pois na continuação da carta se ld:Se
eistir
uma verdadeira defrìonstraøo de que o Soì cskí parado no ccntro do mun-do, de que a Tena estd no te¡cei¡o céu, e de que o sol nâo circula em torno da Terrarnâs a Te¡ra enì torno do Sol, afirmo que deverenros começâr a t¡ab¿lh¿¡ com muita
ponderaçâ'o para explicar as passâgens da Escritura aparenlementc contrárias a essa
opiniâo e quc deveremos dizcr nÍIo lermos enlendido essås passagens, em vez de
sus-lenÉar ser falso o que
foi
demonstrado. Contudo, nâo ac¡edit¿¡ei que existe uma tal demonstraçâo antes que alguém anro
strar quc supondo o Solimóvel no centro e a Terra se
movcnd
salvar as aparência.s, nãoé o nresmo que dernonstrar que
assim
que a primciradcmons-tração pode ser daila, n¡as tenho as maiores dúvida.s enr relação à segunda e, ern caso de drivida, não d-qvemos abandona¡ a interpretação das Sagrarlas Escrituras dado pelos Padres da lgreja.%
Só
por
prevenção, parece-nos, deixaremos <ie reconhecer nessetexto
umafornula-çlo
particularmente clarividentetlo
melhor do ceticismo metodológico dos nossos dias.E
a explicaçâ'o das rescrvas de Bellarmino, em relaçâ-o à interprctação realista cla astro-nomia copernicana, øpenos emternos
do
seu suposto dogmatismo teológico, não rìosß
Traduzido de lvladdcn 1966,p.292.Andreøs Osinnder:
heftício
ao
"De R.evoluttonibus" 53 nos parece mais perspicaz.A
força
cla concepção de Osiander se faz sentir, cJe ¡esto" também na obra cientfficae
filósofica de
vários
autorei do
Grande Século, comumente considerados realistasirrestritos, como
Descartes e Galilerr. Na suaDióptica,
propclndo-se a explicar a refra-çâ-o dos raios luminososno
olho e nos corpos transparentes, Descartes decidepartir
de certas hipóteses cômodas, suficientes para resolver o problema da refração, sem provara
sua verdade. Nisso ele reconhece"imitar
os astrônomos", os quais"não
deixam detirar
de suas suposições r,árias conseqüênciasmuito
verdadeiras e seguras" embora estassuposiçÕes sejanr "quase todas falsas
ou
incertas".2?E
nas Reguloe, Dcscartes se pro-põe a esttrdar as questões epistemológicas das noções simples, das noções conrplexas eda
certezado
conhecimento,partindo
de certos postulaäos não necessariamenteacei-táveis para
todos,
concedendo até que estes não precisam ser aceitoscomo 'tnals
ver-dadeiros que esses círculos irnaginários com a ajuda dos quaisos
astrônomosdescrevem seusfenômenos".
Basta, diz.ele, que, por meio
desses postulados. possamos,.disti¡-guir. cm
relação
a
qualquer
objeto,
qual
conhecimento po<le ser verdadeiroe
qual falso".2E Essestextos,
e vá¡iosoutros
que discutimos emòutro
lugar(topariólgi6),
mostram
claramente que Descartes estava consciente das dificuldades de umainterpre-tação
realistatanto
dasteoriat
científicas como
das epistemológicas.O
realismo deGalileu
pareceter
sido
igualmente superestimado emdetrimento
de suas declaraçõesmais
restritivas-Nas
suas Considerazionicirca I'opinione
Copernicana, por exernplo,Galileu
parccÆ dartoda
rerz,ão a Bellarnrino ao declara¡ que "não se pode ou deve pro. curar numa hipótese nenhuma verdademaior
do que a sua corespondência corn as apa-réncias par t iculør es" .2eKepler
talvez tenha sido o mais decidido dos realistas. Elepróprio
se cncarregou dadefesa
de Copémico contra
Osiandere
Baer. Uma das mais contpletas exposições dasua posiçâo metodológica encontra-se na sua
Aplogio
Tychoniscontra...
[Jrsum come-çada emtorno de
1600. Essa obra, nunca compler-ada (conro, de resto, a grandemaio-ria
das lrtaisimportantes
obras metodológicasdo
séculoXVll)
e editada sóem
l858
por
Frisch, continrta
aindahoje pouco
conhecida, c'mboraconten[a,
se acreditarmos emFrantl,
um"tratado formal
sobre a esséncia e a significação das hipóteses".O
ca¡áter inacabado, inconclusivo e até mesmo paradoxal demuitas
discussões emtorno da
interpretação
da
astronomia
copernicana faz-nosp€rguntar
seela
venceumesmo
devido ao
interesseintrínseco
e à
utilidade
metodológicada
interpretaçâ-o rcalista,como
freqüentemente se pensa,ou,
antes, graças ao seu incontestável sucessocientífìco
como guia na elaboração de uma nova mecÍlnica. Essaquestfo
leva também aduvidar se
a
dicotomia
instrumentalismo/realis¡nocom a
qual
trabalharn Popper e rnuitos outros, efetivamente capta os aspectoscogritivos
essenciais da revoluçãocientl-fica do
Grande Sécr¡lo e da ciéncia em geral. Esperamos que a nossa análise da metodo-logia de osiander, a gue p¿¡ssamos agora,possa trazer algumas luzes sobre oassunto-3
Descartes, AT, VI,p.83.
*
L,
Oprr", V. p.369. (Crifo nosso).54
Zeljko
Lopríé
4.A
metodologia deOsíondq
Para defender Copérnico dos
filósofos,
Osiander opõe a descriçlo dosprocedimen-los efetivamenfe usados pelos astrônomos à metodologiafilosófica
normatirnr da épo-ca, solidáriado
realismoarislotélico. E,
para defendé-lo de teólqgos, subscreve o cef¡:cismo
ine¡enteao
empreendimentocienlffìco.
Assim,a
metodologia de
Osiander é, antesde mais
nada,uma metodologia
dacritiva,
que parte deum
exarne preciso do que é'þróprio
dos astrónomos", isto é, daquilo quefazem
e oomoo
fazn¡n.Desde
a
antiguidade,os
astrônomos se interessaram sohretudo pelos movimentos aparentesdos
astrose
muito
menospor
outros
fenómenos astronómicos como,Ircr
exemplo, as dimensõesaparentes.s
Para descrever e calcular esses movimentos,imagi'
nam su¿rs hipóteses. I)essas não exigem que æjam verdadeiras como queriam os peripa-téticos, e nem mesmo verossímeis: pois sóum
comentarista ignorante em geometria eótica não vê
que,fora do domínio
dos movimentos aryrentes, elasimplicam
conse-qüências empiricamente falsæ, comono
caso das dimensões aparentes de Vénus. Eis aprova de que as norrnas que regem
o
trabalhoefetivo
dos astrônomos não são as mes-mas que as dafilosofia
peripatética da ciéncia. Copérnico deve serjulgadosegundoas primeiras e nâ-o segundo as últirnas, alheias à ciência astronômica.3ls
Historicamente, a posiçâo de Osiander é bem fundamenlada. Até o século XVII, asdimensõesoporenles, a luminosidade, as cores e muitos outros fenômenos óficos apresentados pelos plane-tas não constavam entre os dados dos problemas bdsicos da aslronomia. Via de regra, eles e¡am considerados somente nos argumentos que visavanr aumentar ou diminuir a plausibilidade das
ll7,
Rosenl97l,p.
137). Mas, Copérnico nalo estabelece uma lei quantitativa dessa variação.Comparado com a cinemútica copeinicana, o seu argumento ótico e Íago e assistemático, sendo
por isso muito mais facilmente alacável pelas hipóteses alternativas, ou mesmo ¿d l¡oc, das mais diferentes origens.
O problema das dimensões teóricos, em particular quando comparado com o das trajetórias
teó-ricas, é igualmente mal definido e lateral.Iìm Copérnico as dimensôes teóricas saio apenas objeto
de considerações ince¡tas ou casuais. Muito diferente não era, aliis, a situação na Antigr¡idâde
Grega.Sabemos, por exemplo, que o grande astrônomo Hiparco tentou avalia¡ o tamanho (ea luminosidade) dos planetas relativamente ao Sol e às est¡elas fìxas. Mas as suas estimativas (com as quais Ptolomeu concorda, acrescentando algumas próprias) eram purarnente especulativas, pois até a invençâo dos telescóp¡cos modernos, não eram téstdveis. Estimativas das dimensões de
Venus e das estrelas fixas menores também foram feitas pelo filósofo Pluta¡co e pelo pouco
sig-nifìcativo e confuso Cleomedes. Para maiores detathes, v. Dreyer 1953, cap. 8 e Neugebauer
que no apogeu, o que não ocor¡e de fato. Essa suspeita de de Osiander se esvazia quando notamos que Osiander dades nâo ocorrem em Copérnico, mas apa¡entemente a
culdades são toleradas pela metodologia èm uso na astro
Andreøs Osiander: PrefiÍcio
ao 'De Revolutionibus" 55
Ao
mesmo tempo, Osiander sugere uma razão profunda desse proceder dos astróno-mos: as causas verdadeiras dos movimentos aparentes não podem ser alcançadas porque nem a astronomia nem afilosofia
podemter
cerleza sobre coisa alguma: só a revelação divina nos leva ao conhecimento certo.Ao
retomar esse'ceticismo generalizâdo que rc-lnonta pelo menos alé o séculoXII
(quando a Igreja declarou sem valor demonstrativo toda uma série de provas tipicamente filosófìcas rlas propriedades de Deus e do mundo, ameaçando assimreduzir a
filosofia
à incerteza,já
anteriormenteadmitida,
das ci6n-cias naturais3z) Osiander faz u¡na concessão ao dogmatismo teológico, provavelmente sinceta, porémmuito
mais conservadora do que aafitude
potencialmente desmitologi-zanle d,eBellarmino
que expusemos acima. Contudo, a provável existdncia de nrotivos teológicosno
ceticismo generalizado de Osiander não deve impedir que recûnheçamos também suas motivações metodológicas. Jd afirmanlos não haver nenhum fundamento para pensar que, segundo ele, as hipóteses de Copérnico possam ser verdadeiras nodo-mlnio
quecontém todos
os fenómenos astronómicos. Oóbvio conflito
entre todas as astronomias,incluindo
a copernicana, e osprincfpios
dafìlosofia natural
aristotélica, a única disponfvel na época, poderia igualmentetê-lo
levado a considerar o ceticismo como a única posição fìlosôfìca compatwel com o estado real da ci€ncia e dafìlosofia.
Qual é, então, para Osiandero
stotus exato das hipóteses imaginadas pelos astróno-mos? Certament€ elasnão
sãoartigos
de fé,
objetos de
crençaou
de persuasão. De novo, só osmal informados
sobre a arte astronômica pensariam assim. Talvez fossem, ainda, convenções. Mas as convenções são comumente ditas verdadeiraspor
definição. As hipóteses astronómicas abviamente não são convenções nesse sentido, pois elas não somente podem estar sob suspeita de falsidade, como também sâ-<l empiricamentefalsi-ficáveis.
Uma
outra
interpretação
ainda é a de Popper: as hipóteses astronômicas se-gundo Osiander seriam meros instrumentos de cdlculo, meras regras de computação oude inferéncia. Todavia,
essainterpretação
tarnbérnnão
podeser
aceit-a.segundo
otexto, o
que eventualmente pode desempenhara
função de regras de computação na pesquisa astrondmica são osprincfpios
da geometria e não as hipóteses;contudo nadanos permite
afirmar
que Osiander exclufsse a interpretação realista dosprincfpios
da geometria, comumente aceitapor
todos atémuito
recentemente. As hipóteses, por sua vez, nãofuncionam como
regrasde cálculo,
mascomo
"bases decálculo":
elas sãoespecifìcações geométricas
de um conjunto de
órbitas,
distânciase
velocidades de astros, apartir
das quais, tomadascomo
dados (premissas), é possfvel construir(dedu-zir)
geometricamente astrajetórias
observadas.De um
ponto
de vista moderno, elas devem ser consideradas como sentenças singulares da linguagem da teoria copemicana e não como regrasda
metalinguagem correspondente.Esse fato
por
si só põe em dúvida a tese de Popper de que osiander é uminstrumen-talista.
Uma andlise mais cuidadosa da sua concepção da pesquisa astronómica permite uma reconstrução bem mais satisfatória da sua metodologia. Por não possuirprincfpios
próprios
e
se servir aperursde princípios
geornétricos,a
astronomiaé
simplesmente 3256
Zeljko Loparié
uma geometrio aplicada.
Ao
mesmo tempo, ela é concebida, não como uma atividade contemplativa, mascomo
uma utividøde de resoluçõo de problenws. Quais os dados de seus problemas?As
posições observadasdos
planetase
das estrelas, representadas geometricamente. Quais as incógnitas?As
posições futuras e passadasnÍo
observadas, também representáveis na geometria euclideana. Qualo
espaço de soluções? Umcon-junto de
construções geométricas. Quais as condições gerais das soluçOes? Obedecer aos postulados geométricos, ser empiricamcnte corretase
as mais simples possfveis. Nadamais.
Em
resumo, a atividade deum
astronômo consiste em resolverum
certo número de problemas cinemáticos empíricos nointerior
da geometria euclideana.Desse
geometrismo,
precursordo
matematismo cartesiano, segue-se naturalmenteum certo
número de regras metodológicas. Por ser apenasum
geômetra, o astrônomo não deve nern precisa,levar em conta osprlncípios
da filosolìatradicional
da natureza,ou
a teologia.As
soluções a que chega nã-o devem ser interpretadas nem como objetosde
crença, nemcomo
convenções, nemcomo
meros instrumentos decálculo.
Elas secaraclerrt.arî,antes, pela existência matemática, em
virtude
de postulados de constru'ção,
pela
simplicidade
maior ou menor
e
pela cotreçÍioem
relaçâ'o aos Problemaspropostos.
A
piuralidade
das soluçõesnão
deve ser temida, mas antes estimulada.A
tradicional interpretação
realista dessas soluções, de origem aristotélica, deve ser des-cartada como irrelevante para o trabalho do astrônomo. A astronomianío
deve buscar as explicações em termos de dependdncias causais, mas apenas de explicações funcio-nais. É,chro,
Osiander nãoformulou,
elepróprio,
essas regras. Todavia, elas sãoobti-das
por um
simplestruque lingüístico
apartir
da sua descrição da pesquisa astronômi-ca, tomadanuna
forma
ligeiramente desenvolvida e anacrónica.33É
a essetítulo
que podemos falar em uma metodologia de Osiander.É f¿cit mostrar
que as objeções habituais contra o instrumentalismo não se aplicam a essa concepção da ciéncia. Para evitar,por
exemplo, as objeções de Popper (resumi-das nanota
4),
bastamostrar
a) que segundo a metodologia de Osiander, as soluções astronômicas são empiricamente testáveis,b)
que o problema dos limites de aplicabili-dadede uma teoria
reaparece comoo
problema (igualmenteteórico)
da solubilidadepor
essateoria
de um conjunto
de problemas,e c)
que
o
signifìcado descritivo das teoriasé o
mesmo queo
de uma cinemática racional qualquer (o ônus de explicar essesignificado
ficando ao
encargodos realistas).
Vale ainda ressaltar,a
concepção de Osiander nãoexclui
demodo
algum a possibilidade de que as teoriascienttlcas
sejam verdadeirasou
que seaproximem
cadayez mais da verdade, mas sustenta apenas quenós
não podemos sabê-lo com nenhum graude
çerleza e queo
conceito
de busca da verdadeé
inútil
na
avaliaçãoda
pesquisacientffica
e dos seus resultados. Fica assim claro que adicotomia
instrumentalismo/realismo não esgota demodo
algum todas asalternativas aparentemente sensatas
da
discussãofilosófìca
do
status cognitivo
dasteorias cientificas.
s
A raruru mrbpe de certos anacronismos é c¿¡acterr'stica daqueles que tratam a história da ciên-cia como um cadáver monumental a ser embalsamado e nãò como uma fonte úra da pesquisa atual.Andreas Osiander:
heftÍcio
ao
"DeRevolutionibus"
ST Consideremos ainda uma posslvel objeçfo histórica. Parece correto dizer que o pro-gressoda física moderna posterior
a Copérnico dependeu sobretudo da aceitação de suas hipótesesa título
de umateoria do
sistema do mundo, interpretada de maneira realista.A
posiçfo
de Osiander, ainda que elegante, difere daquela queteria
tornadofrutíferas
as pesquisas deKepler,
Galileu eoutros.
Váriss considerações poderiam ser opostasa
essa demonstração das virtudesdo
realismo. Limitemo-nos a duas.Ent
pri-meiro lugar, ahistória
da astronomia mostra que a interpretação realista nõo esteve sem-pre ligada ao seu progresso;em particular, os realistas do séculoXVI,
como vimos acima, estavamentre
os mais ferrenhos anti-copernicanos.Em
segundo lugar, cabe provar, enão supor como
óbvio,
ter
sido
o
realismo dos grandes copernicanos o verdadeiro res-ponsávelpelo
progresso.A
altemativa
a considerar seobtém
de uma análise no estilo de Osiande¡do
surgimento da fi'sica moderna. Kepler e Galileu estenderam odomlnio
dos
dados dosproblemas
astronômicos, dando grande dnfase aos fenómenos óticos.Ambos
estenderamtambém
o
espaçode
soluções posslveis,Kepler
utilizando
assecções cônicas e Galileu as funções lineares com o tempo tomado como variável inde-pendente. Ambos, além disso, insistiram sobre
o
ca¡áter sistemático e abrangente das soluções propostas.Em
todos os
casos, ambos se inspiraramem
recursos eproprie'
dades
da
geometria gregapara
matematizar a resolução dos problemas astronómicos de maneira mais conseqüente eradical do
que a prevista pelo incipiente geometrismode
Osiander.O
transporte da metodologia
matemáticada resoluçfo
dos problemas para a física seria,portanto,
o verdadeiromotor
do progresso, e näo o realismo.Infelizmente,
no
seu estadoatual,
ahistoriografia
da cidncia não fornece uma base de decisão entre a objeção mencionada e a nossa alternativa, que fosse além de certasintuições
sobrea
naturezada cieicia.
A
necesMria sofìsticação dahistoriografia
po-derá
nascer, parece-nos,de uma teoria
geralda
resoluçãode
problemas.A
história
do
progressoda
ciéncia e das suas interpretações, como a de Osiander, poderdentfo
fazer æ vezes de umlaboratório
para a teoria dadescobqts-II.
TRADUçÃoAo
Leitor
Sobre øs Hipóteses Desta ObraNão duvido de
que certos estudiosos-
em conseqùêncíø da divulgøçøo aûnotrca
sobreu
novidzdedts
hipóteses destø obra, queestípular
ser a Terra movel e, øinda, o Sol imóvelno
centro
do
univerco-
se tenlwmforìemente
chocodo e iulguem que nãoconvém
confiirbar disciplirus
liberøisjti
tui tønto
tempo bem estabelecidos.z Na verda-de, se quísessem examinaro Øso
comexatidllo,
descobririom queo autor
desta obrø nodo cometeu que mereça repreensõo. Comefeito,
éprcprío
do østrónomocomport,
por
meio de umø observøçõodilQente
øIabilidosa. o
registroa dos movimentos.18
Zeljko
Lopariése podem ølcançar de
modo
algunt as verdadeiras, Etoísquer hiprStesesl que,uîut
vez supostas,pennilam
que
esses rnesmosntovimentos
sejamconetantente
calculodos,tanto no
passadoconto
nofufitro,
tle acordo cotn osprincrþios
da geomeiria8.
Oro, sntbesas
tarefosforom
executadascom
excelênciapelo uulor.
Cotn efeito, não
énecesvrio que
esMS hipóteses seiam vertlad.eiras, e nerntnesrno verosst'nteise , basgndo apenos que forneçam cdlculos que concordem com as oÌtservøções; aníio
serque
sle sejatõo ígnoronle em
geomctria
e emóiicu
aponto
de
tomarpor
verossímil o epiciclo de Vênusou
tle acreditar ser esso acauv
pelaqual
llêruts om precedeo
Sol ora a ele suce-tlepor
qusrentøou aîé
nwisptrtes
[docírcuto\.ro
Com efeito, quernnlo
vê que desw sttposiçø-o se segue necessoriamente que o dirimetrodesv
estrela no perigan deveria øpa-recer maisde quatro
vezese o
púprb
corpo nwis
de dezesseis vezesmaior
do
queno
opogeu,conftariamente
a
experiênciade
todos
os
íernpos?rr Outrns
coisss, não menos absurdqs, hrísinda
nesso disciplino, queaqui
não é necesyirioexamirun
Fois é maisdo
quepatente
que essuarle igtora
simplesmenle epor
completo as causts dos movintentos aparcntes irreguktresrz.E
se inventc algumøsrw
irnogiraçõo, comoceila'
mente inventa muitas
delas,todqvia nõo
ofoz
demodo
algtm
para persuadir quem quer que sefu de que assim é, mss tão somentcprø
estabelecer corretamente o aílculo"E
camo às
vezes vdrias hipóteses se olerecem paraum
mesmo movimento(como
no casodo
movimento
do
Sol,a ldal
excentricid¿de eo [doj
epiciclo),o
østrônomo de preferêncio tc¡mani aquela cuja compreenúo seja a maisfiicil.
Ofilósofo
tølvez exigissesntes
o
verossimilhonçør3,
contudo, nenhum
dosdois
compreendeniou
trsnsmitíni
nada de. certo ø
não
ser quelhe
seja revelødopor l)eus.
Permitamos,pois,
que,iunto
com
as
øntigas,em
rwda mais
verossímeis, sefaçam
conhecertømbëm
essas novas hipóteses,tsnto
mois
por
serem elosao
mesmo
tempo
admi¡dveise ftíceis, e
por
trazerem consigo
um
enonne
tesourode
doutíssimas observações.E
que
ninguém espe1edt
astronomia
algo de certo
no
que
concerneø
hipóteses, poisrwda
disso precurs elø nos oferecer; para que, tomandopor
verdodeiro ølgo,quefoi
paraoutto
uso imagirwdo, não venhsa
soir desse estudo mais estulto do que nela entrou. Sulve!NOTAS DO TRADUTOR ¡ Koyré: "pose";
Wallís: "sets"; Rosen: "declaves"
2
Ê
b.
provável quc Osiander tenha em ústå a divulgaçalo por intermé dio do Cammentariolus e daNonotio
hima
e as primeiras reações semelhantes às de L.utero e Melanchton, citadas naIntre
dução.3 Koyré: "coÈligcr"; f)uncan: "establish";
Rosen: "compose"
4
Para rcferê¡rcia v. Dijksterhu is 1961, p, 297 .
5 Koyré: "inraginar"
e
"inventar"; lilallis:"think
up and construct"; Duncan:"think oul
andconstruct"; Rosen: "conceive and devise".
ó
Koyré traduz essc
in¡tio
dc frase da seguinte manei¡a: "Puis d'en (rechercher) tes causes, ou bien-
puisque d'aucune manièreil
ne peut en.assigrer dewaies
-
d'imaginer et d'inventer deshypothèses quelconques..."
A
interpolaçao de "rechercher" obviamente n¿io se impõe pela estru-tu¡ado lexto
e provavelmente provém da dificuldade que Koyré tem em falar-
até mesmoAndreos Osiander:
heftcio
ao
,,De Revolutioníbus,,59
t¡aduzi¡rdo
-
tla ast¡onomia em termos incompatweis com a sua concepçâo da ciéncia como ifinerørium mentisin
veritatem, óbvia laicizaçâo Ço místico itineruñum mentis in Deum. A difìculdade de Koyré é muito mais freqüente nos hislo¡iado¡es do que se poderia esperar,t
Rosen: ..fron¡ the principles ofmelhor manei¡a por de ocordo ntextos temporais. No entanto, mptions listo é, hipóteses!¡ the
9
¡0 Ptolomeu deduziu das observações oue o centro do epiciclo de Vênus (Cz)
deve estar sempre na
linha Terra-Sol (TC2) e que a distância angular mdxima (û) entre Ve'nus e o Sol é de
aproxima-damente 45". Ver Neugebauer I 975, I, p. 153.
A D E C1 C2 R I T A P deferente epiciclo cenlIo do deferente centro do epiciclo raio do deferente raiò do epiciclo Terra (centro do sistema planetá¡io) aPogeu perlgeu I , I { Cz I
IE
,
/\
II
t I*
\
I I,D
,I
1 C1 T FiguraI
60
Zeljko
Lopurc
o
OC I'Cr:R
observador RAC=
r2:3
Ao
I'igura 2L2
alüs: "apparetlt i¡regula¡ motions"; Rosen: "Appa-ts irrégilicrs des plrõnomènes lcélestesl"'Gramati-nossa são admissweis.
13 Ver a nota 9. REIIERENCIAS Books. e Verlagsbuch-D D D
D
Plalon àD
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Grãnt, E. 1962: "Hypolheses
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