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Sobre o soldado que sembre soube a hora de agir e o coração preto e branco que bate no peito

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Academic year: 2021

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Revist{ntrevista

Entrevista com Dimas Filgueiras Filho, dia 22 de setembro de 2011

Mariana - Dimas, vamos começar do co-meço. Como foi que o futebol surgiu na sua vida?

Dimas - Eu nasci no morro. No morro de São Cartos, no Rio de Janeiro (comunida-de localizada no bairro do Estácio, na Zona Norte da cidade). Naquele período em que eu jogava pelada, o meu primo me apresen-tou a um diretor do Banco do Brasil, porque ele (o primo) trabalhava no Banco do Brasil. (Eles) me deram a oportunidade de ir treinar no Botafogo (de Futebol e Regatas. Clube carioca fundado em 1894. O time de futebol, no entanto, surgiu apenas em 1904).

Nessa época eu tinha de 14 pra 15 anos. Aí fui. Tive a felicidade de que nesse dia de treinamento eu fiz dois gols e ficaram co-migo para fazer mais um período de adap-tação. Me deram essa oportunidade e eu consegui, com ajuda realmente daquelas pessoas que faziam o Botafogo, que era o Marinho (Rodrigues, ex-jogador e técnico), que depois foi treinador, campeão pelo Ce-ará, em 1971. Tive a oportunidade de ser convocado para as Olimpíadas de Roma (na Itália, em 1960), não fui. Depois fui para as Olimpíadas de Tóquio (no Japão, em 1964), representei o Brasil no Pan-Americano tam-bém, em São Paulo (em 1963),e, com esse futebol, eu consegui conhecer 42 países. Nós viajávamos muito. Sempre digo a todo mundo que eu nasci no morro e

aqui por-que escorreguei.

A dificuldade foi grande, mas sabe mui-to bem que as pessoas de origem pobre, pra vencer na vida, têm de ter uma pitada de sorte. Não adianta você ser competen-te, tem de ter sorte também. E eu, graças a meu bom Deus, eu tive sorte porque esse meu primo se dava com o doutor Rivadávia Corrêa Meyer, que foi presidente do Bota-fogo (entre os anos entre 1973 e 1975) e, naquela época, era diretor do amador.

João Victor - Dimas, e antes do Botafo-go, como era sua história com o futebol?

Dimas - Eram aquelas peladas... Você sabe que, quando você se destaca muito

aquela competição de várzea, o pessoal sempre gosta de procurar pra jogar porque ocê é oque joga mais ou menos, tem

algu-a algu-afinidalgu-ade com a bola. Normal.

Raiana - Mas, nessa época, o que era o ebol pra você? Você já pensava em ser

esse profissional ...

Dimas - (interrompendo) Não. Nunca pensei. Eu tinha uma visão - nós que nas-cemos de origem pobre =, a gente tem uma visão totalmente de sonhador, mas eu não sonhava com isso. Eu sonhava só em me formar algum dia pra seguir minha carreira

normal. Não tinha nada pretendido de so-nhar de ser jogador de futebol. Nunca pas-sou na minha cabeça. Tive essa oportunida-de e é o que digo a você: fui na bola como num prato de comida. Tive sorte. Você tam-bém tem de ter sorte pra vencer na vida.

Igor - Mas seus pais apoiavam esse ca-minho do futebol?

Dimas - Apoiaram porque, veja bem, como eu tava no morro e minha mãe traba-lhava na Ducal, que era uma casa que fazia roupas, depois passou para a Casa Tavares, ela não tinha muita oportunidade de me dar muita assistência, e eu tinha dito a ela que a bola poderia, num espaço curto, (fazer) a gente ganhar alguma coisa, algum dinhei-ro. Então eu fui aí.E quando eu fui na bola, como eu disse a vocês anteriormente, eu fui como num prato de comida. Logo depois que eu fiz o contrato (com o Botafogo), ga-nhei o meu primeiro salário mínimo que fez com que, antes de eu ir pra Tóquio, eu com-prasse o primeiro apartamento e dei para a minha mãe (com a vozembargada).

Pedro - Vocêfalou que, na infância, hou-ve dificuldade. Explica melhor como era esse dia a dia. Você chegou a trabalhar para ajudar a família?

Dimas - Trabalhava. Pra você ter uma

idéia,

no morro, eu trabalhava pra minha tia de babá. Cuidava dos meus sobrinhos (pri-mos). Depois eu dei tudo a eles, né?! Carro, casa, aliás, apartamento. Eu comprei muito apartamento na época. Dei tudo a eles. En-tão era babá. Chegava do colégio e ia tomar conta dos meus sobrinhos (primos) peque-nos. Tomava conta deles direto. Só que na hora de brincar, quem brincava era eu, eles não. Ficava com os brinquedos deles ... (ri-sos da turma).

Juliana - Mas você fala da sua tia e dos seus primos. Como era arelação com a sua mãe, o seu pai, os seus irmãos?

Dimas - Melhor, impossível. Eu só tenho uma irmã. Sempre conversava com eles. Mas eu tinha de ajudar, né? Eusó nãolavava

S FILGUEIRAS

I

11

A indicação do nome de Dimas foi uma suges-tão de Pedro, que, na di-visão dasduplas, acabou ficando na equipe de pro-dução da entrevista com oídolo do Ceará.

No dia da seleção dos entrevistados para a edição 27 da Revista En-trevista, Dimas foi bem votado em todas as fa-ses da escolha. Mariana, que também fez parte da equipe de produção, re-velou, depois, que votou no ex-jogador em todas as etapas.

(5)

A primeira tentativa de contato com Dimas foi feita por Mariana, que conseguiu o número do

celular do entrevistado e ligou para ele, mas ali ga-çãonãofoi atendida,

No dia seguinte, foi a vez de Pedro tentar falar

com Dimas. No primeiro

telefonema, ele atendeu,

mas, ao som de "alô, por favor, o Dimas?", desli

-gou, Pedro tentou ligar outras duas vezes no mesmo dia, mas oentr e-vistado nãoatendeu,

roupa, mas passar roupa eu passava. Fazia tudo.

Mariana - Você falou que foi levado para o Botafogo. Antes disso, você já tinha algu-ma relação com esse time ou foi por opor-tunidade?

Dimas - Oportunidade. Eu só jogava pe-lada na rua. Todo mundo achava que eu jo-gava muito e eu era sempre preferido pra jogar as peladas definal de semana, ou en-tão durante o dia. Eu tinha de buscar água lá embaixo, porque não tinha água no morro, né? Eu tinha de ir buscar nessas (latas) de 20 quilos. Eu enchia d'água e trazia. Umas cinco por dia. Mas no meio do caminho eu ficava jogando bola. Apanhava. Então a mi-nha tia fazia o seguinte: ela cuspia no chão. Se eu não voltasse num tempo hábil, apa-nhava. Todo dia eu sabia que ia apanhar mesmo, então ... (risos da turma).

Nayana - Isso aí de certa forma ajudou no futebol, né? A desenvolver.

Dimas - Ajudou! E até aslatas d'água na cabeça reforçaram as pernas. Você ia fazen-do aquele reforço na perna. Então quando eu cheguei já no Ceará (Sporting Club. Fun -dado em 2 de julho de 1914), eu tinha umas pernas grossas de tanto subir e descer o morro.

Roberta - Dimas, você declarou ao Jor-nal O Povo, nas Páginas Azuis, publicadas no dia primeiro de agosto, que chegou a ser amigo de uma figura lendária que foi o Ma-dame Satã (o pernambucano João Francis-co dos Santos, o Madame Satã, foi um per-sonagem mítico dos subúrbios cariocas do século

Xx.

Era considerado um componen-te da velha malandragem do Rio de Janeiro, dono de uma rotina agitada. Durante a vida, se envolveu em

29

processos criminais).

Como foi que começou essa amizade? Dimas - Veja bem, eu morava na Rua

Afonso Cavalcanti, 158. Eu morava a uma quadra do baixo meretrício do Rio de Ja-neiro, onde vivia Madame Satã, que era um negão de 1 metro e 90.Certo? Ecomo eu jo-gava nofinal de semana por eles, pelo time deles, o Canadá, então teve essa afinidade. Ele me teve como um filho. Era um viado de 1 metro e 90. Agora ninguém podia to-car em mim, falar mal de mim. Nojogo, nin-guém podia bater em mim porque ele toma-va as dores. Então foi uma pessoa que me ajudou em tudo. Ele que me dava o dinheiro do transporte pra ir pro Botafogo. Você pra ir pro Botafogo pagava dois bondes.

João Victor - A que você atribui essa afei-ção do Madame Satã por você na época?

Dimas -

É

porque, normalmente, eu era o ídolo do pessoal porque todo mundo acha-va que eu jogaacha-va bola, eu era uma pessoa que todo mundo reconhecia. Então ele tam-bém se apegou a uma pessoa que era tida como ídolo naquela redondeza.

Pedro - Sobre o que vocês conversa-vam? Você o considerava um amigo?

Dimas - Amigo. Amigo. Mas era amigo mesmo, né? Aquelas pessoas que me ti-nham como filho. Então o tratamento era 10. Coisa que eu não recebia em casa ele me ajudava. Às vezestinha de comprar chu-teira, comprar alguma coisa, ele bancava pra mim tudinho. Era uma pessoa que foi de uma importância muito grande no meu início de vida como jogador.

Ranniery - Ele chegou a brigar com al-guém por sua causa?

Dimas - Mas quem é que vai brigar com um negão de 1 metro e 90? (risos da turma)

Tá louco? O termo que a gente usa na gíria é "só dava sugesta", né? Todo mundo da redondeza do Estácio sabia que ele me tinha como filho, então ninguém chegava. Pra vo

-cês terem uma idéia como era a situação,

(6)

eu jogava, no Vila Isabel, futebol de salão. E o futebol de salão termina muito tarde. Eu chegava ali, naquele local onde eu morava, às vezes duas horas da manhã. Como eu era da redondeza, e todo mundo me conhecia, eu não tinha medo.

Num dia desses, eu cheguei uma e meia da manhã e teve uma pessoa nova naquele setor que veio e quis tomar o pouco dinhei-ro que eu tinha. Tomar um relógio. E quem tinha me dado esse relógio era ele (Madame

Satã). Um relógio de fundo preto, com um São Jorge, coisa dele, né? Ele (o

assaltan-te) levou. E eu falei: "Você não é daqui de perto. Eu sou daqui, eu moro aqui do lado". "Não, não, passe tudo se não eu vou cortar teu dedo". Eu falei: "Mas você quer o anel ou o relógio?". "Não, eu quero o relógio. Ah, você tem um anel?" Então levou o anel tam-bém (risos da turma). No outro dia, eu louco pra chegar logo pra eu ir lá no Canadá, no campo, pra avisar a ele (Madame Satã): -ó.

o fulano novo aí me tomou as coisas". Eu fui embora, chorei, chorei e fiquei calado.

No outro dia de manhã, oito horas eu ti-nha meu jogo lá no Canadá. Eu fui lá. Quem eu vejo na roda deles? (dos jogadores) Esse camarada. (aquele que o havia roubado) Pu -xando ali, o cigarro deles. Esse camarada já se levantou e falou: "Que é que você tá querendo aqui, moleque?". "Você tá falando com quem?", o Madame Satã (perguntou). "Não, tê falando com esse aí (referindo-se a Dimas). "Rapaz, eu tenho ele como meu filho. O que você fez com ele?". Fomos lá no hotel em que ele estava, pegou tudo que era meu, tudinho ... E eu falei pra ele (Madame

Satã): "Olha, do jeito que vai, meu filho, ele

vai me pegar na esquina". "Ele não vai pegar mais ninguém!". Então você vê a afinidade que ele tinha comigo.

Igor - E essa amizade depois que você

veio para o Ceará ...

Dimas - Continuou, mas ele morreu. Eu fui lá no enterro. Ele foi preso, certo? Ele fi-cou lá, e eu fui visitar ... Depois, mataram ele na prisão.

Roberta - O que você mais aprendeu com ele?

Dimas - (silêncio) A vida todo dia nos ensina alguma coisa. A inteligência tem de saber discernir o que é bom e o que é ruim. Eu, na minha vida, aprendi e continuo apren-dendo. Todo dia a gente vê o que é bom e guarda na bagagem conhecimento. Então foi uma passagem (referindo-se à amizade com Madame Satã) em que eu aprendi a lealdade. Lealdade é uma coisa que não se adquire com o tempo, e ele era uma pessoa leal, como eu sou com o próprio Ceará.

Ranniery - Você disse que era um ídolo

lá da região em que você morava. Na infân-cia, quais eram seus ídolos no futebol, prin-cipalmente?

Dimas - Rapaz, pra você ter uma ideia,

no início da minha vida, eu torcia pelo Vas-co (Clube de Regatas VasVas-co da Gama.

Fun-dado em

21

de agosto de

1898

no Rio de Janeiro) e ali tinha o Ademir. Ademir era o melhor jogador do Vasco. Ademir e Ipojucã que faziam parte da linha do Vasco, na épo-ca. Pinga, Ademir, lpojucá, Augusto, Ely, vá-rias pessoas ...

(Nota da edição: Dimas se refere, nesta resposta, aos jogadores Ademir Marques de Menezes,

o

Queixada, que atuava como atacante. Jogou pelo Vasco da Gama em duas oportunidades: entre

1942

e

1945

e entre

1948

e

1956

e faleceu em

1996;

lpo-jucã Lins de Araújo, meia-armador, faleceu em

1978;

Pinga José Lázaro Robles, ex-ata-cante, faleceu em

1996;

Augusto da Costa, ex-zagueiro, faleceu em 2004; Ely do Ampa-ro, ex-meia-direita, faleceu em 1991.)

DIMAS FILGUEIRAS 113

o

contato 50 o' est

a-belecido no terceiro dia

de tentativas. Mariana

ligou para Dimas, expli

-cou o projeto da Revista Entrevista e marcou com

ele um momento para en

-tregar alguns exemplares antigos edetalhar mais a

entrevista.

Dimas foi bastante re

-ceptivo e marcou a c

on-versa com a equipe de

produção no dia seguinte nasede do CearáSC,que

fica na Avenida João Pes -soa, no bairro de Por an-gabussu, em Fortaleza.

(7)

Dimas chegou ao Ce

-ará Sporting Club, como jogador, em novembro de 1972, depois de ter atuado, profissionalmen

-te, pelo Botafogo e pelo Fortaleza. Após encerrar a carreira como jogador,

Dimas assumiu, imedi

a-tamente, a função de su-pervisor de futebol.

Munidos de cinco edições antigas da Revis

-ta Entrevis-ta, a produção foi até o Ceará para ter o

primeiro contato pesso-al com Dimas. Era uma quinta-feira, dia de aula de Laboratório de

Jorna-lismo Impresso.

Mariana - E como foi pra um vascaino i

jogar no Botafogo?

Dimas - Rapaz, você sabe que tem um

ditado que diz: "Quando você recebe al -guma coisa, você não pode escolher", né?

Mas eu treinei no Vasco! Eu estudei num colégio chamado Pio Americano, do Rio de Janeiro, que era ali em São Cristóvão (bair-ro da Zona Norte do Rio de Janei(bair-ro) e era

bem pertinho do Vasco, na mesma rua. Eu treinei no infantil do Vasco, mas houve essa proposta do Botafogo aí eu fui embora. Eu estava treinando no infantil, mas só que eu não tinha dinheiro pra ir toda hora.

João Victor - Já quando você estava jogando no Botafogo, você conviveu com grandes ídolos ...

Dimas - (interrompendo) Quatro anos

com Mané Garrincha (nome popular de

Ma-nuel dos Santos. O ponta-direita foi um dos maiores jogadores da história do Botafogo, onde jogou entre 1953 e 1965, e da Seleção Brasileira, com a qual foi campeão da Copa do Mundo de Futebol em 1958 e 1962).

João Victor - Garrincha e também Nilton

Santos (considerado um dos melhores

late-rais-esquerdos da história do futebol brasi-leiro. Durante a carreira,

o

ex-jogador atuou pelo Botafogo, em 723 partidas, e pela

Sele-ção Brasileira, em 84 jogos) ...

Dimas - (interrompendo) Eu convivi com Nilton Santos, Mané (Garrinha), Zagallo

(Má-rio Jorge Lobo Zagallo. Ex-ponta-esquerda),

Didi (Waldir Pereira. Ex-meiocampista. Fale-ceu em 2001), Jairzinho (Jair Ventura Filho. Ex-atacante) subiu comigo do juvenil.

João Victor - Especificamente em re-lação ao Nilton Santos, a gente pesquisou que você era considerado como que um neto dele porque ele já estava no final de carreira. Como era a sua relação com ele?

Dimas - Você sabe que isso foi, pra mim, importante porque eu jogava na po

-sição que o Nilton jogava, e diziam que eu era neto dele. Quando você diz uma coisa dessas do Nilton Santos, o neto, a pessoa acha que joga igual a ele. Pra mim é bom, propaganda é a alma no negócio. Se tiver que falar mal, mas fale! Então aquilo ali me serviu porque todo mundo começou a per-ceber que, quando o Nilton Santos saísse, eu iria assumir.

João Victor - E afetivamente com ele, como era a relação?

Dimas - Me dava demais com o Nilton!

Agora, me dava muito bem era (com) Nilton e Mané. Mané por quê? A primeira viagem que eu fiz pro exterior com o Botafogo, logo que eu cheguei do Japão, no outro dia eu viajei com o Botafogo pra passar três meses fora, jogando na Europa, jogando em todo

canto. E um dia eu entrei lá pra falar com o Mané, e o Mané nessa época dormia com o Joel, lateral-direito, que depois foi tam-bém treinador aqui do Ceará,que eu trouxe. Eu vi que o Mané estava pedindo ao Joel pra escrever carta. Cheio de mulher,

n

é

,

o Mané?! Nessa época, a Elza (Soares.

Can-tora e composiCan-tora carioca. Elza e Garrin-cha mantiveram um relacionamento por 16 anos, de 1962 a 1978) ainda não tinha apa-recido ainda não. A Elza tinha uma afinidade muito grande comigo.

O que é que aconteceu. Eu falei: "Mané, que é que você tá querendo?". Eu não cha-mava de Mané, eu chacha-mava de torto. Ele me chamava de mosca de boi, porque eu era muito chato, sabe? "Mosca, você não quer escrever uma carta?" Eu falei: vo, rapaz". "Você escreve, Mosca?". "Escre-vo, pode vir aqui no quarto". Aí pa, pa, pa, escrevi. A gente chegava a cada país, e ele dizia: "Dimas, você compra lá o negócio das cartas pra você escrever pra mim?" Eu com-prava postal, comcom-prava tudo ...

A tal ponto, pra você ter uma ideia... Toda viagem que tinha eu era o primeiro da lista, não tinha nem problema não. Ele dizia: "Olha, o Mosca joga nas quatro posições aí

atrás". Foi uma das alavancas que eu tive pra viajar o tempo todo com o Botafogo. Era difícil! Só podiam viajar 18 (jogadores) e tinha um monte de jogador no Botafogo na época, e eu era o principal. Ele já dizia lá

(8)

pro treinador: "O Dimas tem que ir." Pronto, bastava isso. A tal ponto que a minha irmã escrevia muito bem, e eu mandava ela es-crever umas 20 cartas. Ela ia escrevendo e eu só mudava o nome da pessoa. Ele gosta-va, adorava as cartas, ele lia e falava assim:

"Você escreve bem demais". (risos da turma)

Era minha irmã que escrevia.

Mas essa vida é assim mesmo. Folclore mesmo. Ela (a Elza)era espírita e eu também, quando eu comecei, eu era espírita. Essa ati-vidade me aproximou muito do Mané e da Elza.E nós íamos para o centro espírita todo dia. A gente saíadurante a semana, porque osjogos eram aos domingos, não tinha jogo no meio de semana, a gente ia na semana

pra ver se o Mané estava com aquele pro

-blema no joelho, né? (Garrincha conviveu,

durante a carreira, com sérios problemas

nos joelhos, entre eles uma artrose). Foi um tempo que vale a pena recordar.

Raiana - Eo que as viagens

proporcio-naram em termo de experiência? Quando você ia viajar, as experiências que você vi -veu eram só através do jogo, do campo, ou você chegou a conhecer outros lugares? No que é que isso afetou na sua vida?

Dimas - Veja bem. Quando nós

chegáva-mos, eu era uma pessoa diferente. Na época das Olimpíadas, eu aproveitei muito. Eu co-nheci oJapão, né? Eu ia pra todo canto. Eu tinha o cartão das Olimpíadas e não pagava o metrô. Com o metrô, você ia pra Tóquio

todinha. Eu aproveitava. Eu e mais uns três jogadores. Tinha o Roberto (Lopes

Miran-da, ex-centroavantel, que era do Botafogo,

tinha o Mura (Maurício Pereira Barros. E

x-zagueiro) também, que era do Botafogo, o Othon (Othon Valentim Filho. Ex-atacante).

Nós juntávamos nossa patota (grupo) e í a-mos fazer compras, pra todo canto, porque eu ainda arranho inglês até hoje. Nos outros

(países)não dava muito tempo. No Botafogo você chegava num dia, já no outro dia tinha

jogo, daqui a três dias já tinha jogo em outro país. A gente não passava muito tempo. No México, passávamos.

o

México eu conheço quase todo, porque nós parávamos no M

é-xico ejogávamos ali em todo canto.

Pedro - Dimas, você falou que os dois

primeiros treinos foram suficientes para fir

-mar um espaço lá no Botafogo. Você lembra do primeiro treino no Botafogo?

Dimas - Pra mim, queira ou não queira,

quando a gente vai para um centro desses

a gente fica com vergonha. Apesar de eu ser uma pessoa nascida no morro e acos-tumada a lidar com problema, e foi graças

aisso que eu consegui treinar ...Quando eu

cheguei no Botafogo, tinha uma rampa pro

vestiário, o vestiário ficava embaixo, cheio

de jogadores que iam treinar. Eu cheguei na porta aqui e perguntei lá ao roupeiro, de

longe, o Otacílio, me lembro como se fos-se hoje: "Seu Roupeiro, o senhor pode me emprestar uma chuteira?". "Primeiro venha aqui, garoto". Lá fui eu já envergonhado. Todo mundo me olhando. "Que foi?". "Eu preciso de uma chuteira". "Ah, rapaz, você não traz chuteira pra treinar não, é? Então não vai treinar não. Aqui tem de trazer chu-teira, rapaz". E eu: "Sim, senhor, sim, se

-nhor". Desci, todo mundo olhando pra mim, fui embora.

Quando eu passei, falaram: "Rivinha". Rivinha era o diretor que tinha mandado eu

ir lá, que é o diretor juvenil. Eufalei: "Seu Rivinha, eu sou aquela pessoa que o meu primo mandou pro senhor". "Ah, o Marcos mandou foi você, é?". "Mas o roupeiro lá fa-lou que não dá não, não trouxe chuteira". "O quê?! Você falou que veio a mando de mim?". "Falei que o senhor que tinha

manda-do". "Então venha aqui". Chegamos (e o di

-retor disse): "Otacílio, eu mandei ele mudar a roupa aí, rapaz. Você éfuncionário. Trate

de dar roupa a ele e chuteira". Eu pensei:

'Tô

morto, o cara brigou com o roupeiro"

(risos da turma). Eufui lá e ele (o roupeiro) olhando pra minha cara...Eu peguei minhas coisas e nem olhei pra ele (para o roupeiro).

Depois eu tive sucesso lá dentro porque eu fiz os dois gols. Mandaram eu voltar no ou-tro dia e eufui bem também.

Mariana - Você já falou bastante das dif i-culdades que você tinha quando era mais jo-vem. Como foi pra você, então,ter esse con-trato com o Botafogo, que era um dos maiores times do Brasil na época e até hoje é?

Dimas -

Eu sempre digo

:

saí da água pra

vir pro vinho,

pô.

Se

não, taria

até hoje lá

"Sempre digo a todo

mundo que eu nasci

no morro e

aqui

porque escorreguei. A

d

i

ficuldade foi grande,

mas sabe muito bem

que as pessoas de

origem pobre, pra

vencer na vida, têm de

ter uma pitada de sorte".

D/MAS F/LGUE/RAS /15

Durante a aula. '0 proposto que aprodução

perguntasse a Dimas se

ele poderia ser o primeiro

entrevistado do projeto,

no dia 22 de setembro. Às 4 da tarde, Mariana e Pe· dro chegaram ao Ceará. Na entrada da sede, a produção conversou com um funcionário do clube que prometeu que chamaria Dimas para

fa-lar com Pedra e Mariana. Enquanto isso, os dois ficaram assistindo aot rei-no do time.

(9)

Mais de 15 minutos

depois e nada de Dimas.

Preocupada com a demo -ra, Mariana ligou para o

entrevistado, que pediu para a produção

encon-trá-Io na loja do clube.

Já no local certo, o

ex-jogador do Ceará puxou três cadeiras e atendeu a

equipe.

Em dez minutos de conversa, o celular de Di-mas tocou quatro vezes. Na quarta vez, ele disse, meio aborrecido: "Isso nunca para". Dimas rev e-lou ainda que acabara de ganhar o aparelho e não sabia executar bem todas as funções.

IIFui na bola como num

prato de com ida. Tive

sorte. Você também

tem de ter sorte pra

vencer na vida".

(no morro de São Carlos). Foi tudo pra mim. Foi tudo! Eu, através do futebol, consegui ajudar minha família todinha, não só me aju-dar, mas ajudar a família, porque eu acho que o importante é a família.

Ranniery - Você tinha consciência,

Di-mas, de que estava jogando na melhor épo-ca do Botafogo?

Dimas - Ah ... (rindo) Rapaz, pra você ter

uma idéia, a Seleção Brasileira era formada por Santos (Futebol Clube. Fundado em 14 de abril de 1912, na cidade de Santos, em São Paulo) e Botafogo. Aqui no Botafogo, jogavam Mané Garrinha, Manga (Aílton Cor-rêa Arruda. Ex-goleiro), Didi, Zagallo, Nilton Santos, Amarildo (Tavares da Silveira. Ex-meia-esquerda). Lá no Santos, existia Pelé, Pepe (José Macia. Ex-ponta-esquerda), Gyl -mar (dos Santos Neves. Ex-goleiro) ... E eu me dava muito com o Pelé (Edson Arantes do Nascimento, o Pelé). Eu que marcava ele na época ...

Eu joguei contra o Pelé umas 13, 14 ve

-zes, e eu tinha uma intimidade com ele por-que, nas viagens Botafogo e Santos, nós í a-mos sempre para os mesa-mos hotéis. E o que é que eu fazia? Depois que eu peguei afinida-de com o Mané, dormia no quarto afinida-de Mané, o Pelé vinha conversar, trocar idéia, tudo ... Ao ponto de eu usar os dois. Eu falava: "Olha, rapaz, eu fui ali, o pessoal vendendo umas camisas" ... No Chile, né? Primeira vez no Chile. "0 pessoal falou que se eu levar vo-cês dois pra tirar uma fotografia em frente

à

coisa (àloja) eu ganho umas coisas lá. Você sabe que eu sou pobre coitado, eu

t

ô

pre-cisando de ajuda" (risos da turma). O Pelé falou: "Garoto, você não é bobo não". Eu falei: "Não, não, Pelé. Não sou bobo não. E você, Pelé, você sabe que se jogar con-tra o Botafogo quem vai marcar você sou eu, não é o Nilton Santos, não! Então você tem de me ajudar. Como é que eu vou dar pancada em você sabendo que você está me ajudando aqui fora?". "Você é vivo mes-mo!". Fomos na primeira (foja). Ganhamos coisa, rapaz! Só pra tirar duas fotografias. Eles tiraram a fotografia, e eu na frente da loja, querendo fazer marketing deles. Daí, toda vez que cruzava Botafogo e Santos (em viagens) eu levava eles pra loja (risos da tur-ma). (As viagens conjuntas de Botafogo e Santos aconteciam por serem os dois me-lhores times brasileiros, e a base da Sele-ção. A partir daí, surgiram muitos convites para jogos no exterior entre os dois times).

João Victor - Muito do seu sucesso você

acaba atribuindo a uma série de oportunida-des que você aproveitou. Mas em relação, especificamente, a seu talento dentro de campo, o que as pessoas falavam?

Dimas -

É

verdade que, naquela época,

(eu) não era jogador feito. Hoje, você tem a escolinha do Ceará aqui, que tem

400

meni-nos inscritos e

200

esperando vaga. Então você prepara o atleta, que vai na escolinha aperfeiçoar o potencial dele. Lá não, nós tí-nhamos de trazer tudo do berço e adaptar. Eu tinha alguma qualidade, se eu não tives-se eu não tinha contives-seguido vencer com dois treinos. Eu acho que, se por acaso, eu tives-se uma escolinha na época, tivestives-se aprimo-rado mais ainda, eu seria melhor jogador do que fui.

João Victor - Eu queria que você falasse

um pouco sobre essa fama que você tinha de ser um pouco agressivo na época em que era jogador.

Dimas - Ah, você soube, é? (risos da

turma) Eu dava pancada. Comigo é assim, comigo não tem negócio de amizade aqui dentro do campo não. Mentira! Eles ficavam com medo de mim porque eu dava mesmo.

(10)

Não tinha cartão amarelo, não tinha (cartão)

vermelho, era só expulsão. Expulsar um

jo-gador do Botafogo

é

mais difícil. O Botafogo

era o Botafogo!

Raiana - O futebol, você acha que é um esporte agressivo ...

Dimas - (interrompendo) Não, não ... Raiana - Eu ia perguntar que sensações

acometem um jogador quando ele está no

meio de campo.

É

o calor do momento, é

a vontade de ganhar ... O que acontece lá

dentro?

Dimas - Rapaz, você tá sempre jogando, você vira uma máquina. Uma máquina que sabe que dentro do campo tem de prestar atenção em tudo e tem de fazer o seu

pa-pel, tem de desempenhar sua função. Se

você não desempenhar sua função, o outro

vai desempenhar e você vai pra reserva. O

Mané Garrincha, que vivia comigo, ele foi

para o Corinthians (Sport Club Corinthians

Paulista. Fundado em 1g de setembro de 1910, em São Paulo). Primeiro jogo

Botafo-go e Corinthians todo mundo falava disso, a imprensa toda comentava qual seria o meu

relacionamento com o Mané ... O Mané do

outro lado e eu desse. E todo mundo sabia

da afinidade que nós tínhamos. Antes de

começar o jogo, o Mané veio e falou: -ó.

Mosca, faz o teu futebol aí, que você tá

co-meçando agora e eu

parando". Ele

com-preendeu. Eu não dei (pancada) no Mané.

Não dei. Marquei duro, mas não dei panca-da, até porque seria uma covardia com uma

pessoa que me ajudou muito. Acho que

uma das maiores virtudes do ser humano é ser grato às pessoas.

Roberta - Dimas, como foi o fim da era Botafogo?

Dimas - A gente tem de saber o

momen-to de sair.Já tinha saído todo mundo do

Bo-IJEujogava na

posição que o Nilton

jogava, e diziam que

eu era neto dele.

Quando você diz

uma coisa dessas do

Nilton Santos, o neto,

a pessoa acha que

joga igual a ele".

tafogo, e eu tive a oportunidade de ganhar

mais dinheiro aqui. Conheci o Castillo

(Car-los José Casti//o), que foi goleiro do

Flurni-nense e era treinador do Fortaleza (Esporte

Clube. Fundado em 18 de outubro de 1918).

Eu estava num momento difícil. E ele falou:

"Dimas, não quer passar umas férias lá no

(Estado do) Ceará não? Passa três meses

jo-gando lá, você ganha um troco. Eu consigo

o teu empréstimo". Eu vim embora pra cá

pra passar os três meses e estou aqui até hoje.

Juliana - Você veio jogar no Fortaleza ... Dimas - Fortaleza. Um ano e três meses. Juliana - Como é que foi esse primeiro ano? Dimas - Foi bom demais! Eu era o capi-tão do time, era o dono do time. Fazia tudo. A passagem lá foi ótima como jogador tam-bém. Ótima mesmo! Posso reclamar não.

Raiana - Qual a primeira impressão que você teve quando chegou aqui na cidade?

Dimas - Eu cheguei aqui no final de 1971

(na verdade, Dimas chegou em julho de

1971). Eu tinha passado aqui em 1966 jo-gando pelo Botafogo. Vim aqui, fizemos um treino lá com o Ferrim (Ferroviário Atlético

Clube, fundado em 9 de maio de 1933, em Fortaleza). Eu já tinha passado aqui e a

ci-dade

é

uma coisa ... Acho que Fortaleza, não

é que eu more aqui há 40 e poucos anos, é acolhedora demais. Todo mundo aqui

rece-be rece-bem...

João Victor - E você que vinha de um

DIMAS FILGUEIRAS

I

17

A equipe de produção

sugeriu a data da primeira entrevista, no que Dimas abriu a agenda e consul-tou o dia 22 de setembro, que, até ali, estava em branco. Com a entrevis-ta marcada, a produção tinha três semanas para levantar as informações.

Foi um corre-corre.

Ao todo, foram feitas três pré-entrevistas: com o funcionário do Ceará e autor de uma biografia sobre Dimas, Alberto Da-masceno; com a atual es-posa, Vânia Maria Chaves Vieira, e com o jornalista Tom Barros.

(11)

A entrevista com AI -berto Damasceno acon

-teceu no Ceará Sporting Club. Ele detalhou alguns aspectos da obra "Di mas: O Guerreiro Alvinegro", que estava na gráfica a ponto de ser impressa.

A entrevista com Tom Barros ocorreu na reda

-ção da TV Diário, um dos locais onde o jornalista trabalha. O jornalista

cre-ditou Dimas como um

técnico "inteligentíssimo",

que já sofreu persegu

i-ções e injustiças dentro do Ceará SC.

futebol digamos, de elite, nacionalmente, o que achou do futebol cearense?

Dimas - Rapaz, o futebol, tanto da elite

quanto daqui, na época, você tinha jogado-res que jogavam muito. Gildo (Fernandes

de Oliveira. Ex-atacante), Luciano Oliveira

(Ex-meiocampista), Victor (Epanor Victor da

Costa Filho. Ex-meiocampista), que veio de lá também, do Botafogo, emprestado aqui. Eram jogadores que aproveitaram a oportu

-nidade e conseguiram fazer nome aqui den-tro do Estado. Acho que antigamente você tinha jogadores com mais competência, porque só aqueles que tinham capacidade e competência podiam ter condição de so-bressair. Na minha época, existiam poucos jogadores de fora aqui. Dois, três jogadores

(de fora) preenchiam o time do Ceará e do Fortaleza, pra você ter ideia de como tinham bons jogadores aqui.

Mariana - Dimas, você chegou aqui pra

passar três meses. Como é que você foi fi-cando?

Dimas - Eu sempre digo pra todo mundo

na brincadeira que lugar bom é onde você ganha dinheiro. Se você ganha dinheiro aqui e o local é bom, então você fica. Eu sempre digo isso porque é verdade. Você hoje tra-balha aqui, é jornalista. Se te oferecerem o dobro, você vai, porque é uma oportunida-de oportunida-de procurar outras coisas.

Mariana - Você chegou a sentir saudade do Rio de Janeiro? Teve alguma vontade de voltar?

Dimas - Aí que eu digo a você: eu

sem-pre fui uma pessoa que semsem-pre senti sau-dade. Como eu vivia num mundo-cão onde você tem de se sobressair de qualquer ma

-neira, onde você é a pessoa responsável por sustentar a sua família, você não pode escolher o local. Aquele dinheiro que você está ganhando, está sustentando aquelas pessoas que confiam em você, que depen-dem de você.

João Victor - Dimas, como foi a sua sa

í-da do Fortaleza pra entrar no Ceará?

Dimas - Eu gostaria até de não dizer nome de algumas pessoas. Existe uma pes

-soa que trabalhava num jornal aqui, que comandava o Fortaleza. Estava pra terminar meu contrato, em novembro, nós estávamos em outubro. Ele me chamou lá no !jornal) O

Povo, reuniu o pessoal. Ele me disse: "D

i-mas, nós queremos ficar contigo e vamos fazer um contrato unilateral". "Contrato uni-lateral?". Ele falou: "É obrigado. Você tem de assinar o contrato, porque é unilateral". "Unilateral? Eu não entendo essa história". Ele estava lidando com uma pessoa que era vice-presidente da Fugap (Fundação

Garan-tia do Atleta Profissional), e que tinha um

conhecimento muito grande das coisas. Eu

falei pra ele o seguinte:

"Ó,

o senhor deve estar enganado. Sabe por quê? Eu estou acostumado a defender tudo que é joga

-dor lá na Fugap, de contrato, de rescisão e nunca vi isso não!". "Não, mas aqui todos os contratos são iguais". "O senhor pode estar pensando que o senhor está lidando com qualquer um. O senhor está lidando com uma pessoa que tem uma certa con-dição financeira, que não precisa disso pra trabalhar, uma pessoa esclarecida, certo?". "O que é que você quer dizer com isso?".

"Eu quero dizer que o senhor não está lidan

-do com qualquer um. O senhor quer que eu continue no Fortaleza? Vamos conversar aqui sobre o novo contrato. Agora, se o se-nhor quiser ir por esse lado aí, não tem ne-gócio comigo". Ele falou: "Então

tá.

Então você pode sair que eu resolvo isso aí".

Ele avisou ao Castilho (técnico do Forta-leza no período) que me tirasse do time, que não queria renovar o contrato. Eu, como es-tava bem no Fortaleza, era o capitão e to-mava conta do time, eu e o Castilho, então eu poderia ter ficado no Fortaleza, só que veio uma proposta impondo uma coisa que não era legal (referindo-se ao contrato

uni-lateral). Aí o Castilho: "Ele é meu capitão e vai continuar até o final. Enquanto eu for treinador ele é meu capitão." Nesse ínterim, o Ceará me ofereceu o que eu ia pedir ao Fortaleza, me ofereceu dez vezes mais. Dez vezes mais porque eu era um ídolo no

For-taleza. Eu fiz o contrato com o Ceará e

até hoje.

Pedro - Você foi desvalorizado pelo For -taleza?

Dimas - Não é desvalorizado. Até lá no Fortaleza eu era valorizado. O nosso amigo (referindo-se ao diretor do Fortaleza), no

comando da patrulha, achava que ia fazer

um contrato comigo sem gastar, entendeu?

IJEu, através do

futebol, consegui

ajudar minha família

todinha, não só me

ajudar, mas ajudar

a família, porque eu

acho que o importante

é

a família".

(12)

E não era isso. Ele não estava lidando com qualquer um. Ele estava pensando que esta-va lidando com uma pessoa que precisava do futebol pra sobreviver. Eu preciso do fu-tebol pra viver, pra sobreviver não.

Nayana - Você se sentiu ofendido?

Dimas - Eu me senti ofendido porque ele

achava que o jogador de futebol, naquela época, não tinha instrução, não tinha conhe-cimento, não tinha nada e não é isso. Não é isso. Se ele tivesse chegado e conversado comigo direito, talvez eu tivesse lá (no For -taleza) até hoje.

Ranniery - Depois de um ano e três me

-ses no Fortaleza, você guarda alguma lem

-brança mais afetiva do Fortaleza, apesar de ele ser o maior rival ...

Dimas - (interrompendo) Eu acho que eu

tenho de agradecer ao Fortaleza. Eu sempre tenho dito aos torcedores do Ceará que,

graças ao Fortaleza, eu vim pro Ceará, se

-não -não viria nunca. Não me transformaria numa pessoa, hoje, dentro do Ceará que tem uma história. Foi o Fortaleza quem des

-cobriu.

Raiana - E por que você resolveu se filiar

a outro time?

Dimas - Eu vim aqui como um profissio

-nal. Isso não nasce da noite pro dia. Você

não gosta da sua namorada da noite pro dia.

Tem algumas coisas que vão fazendo que você vá gostando, depois casa... Então foi um casamento que teve namoro, noivado ...

Ranniery - Nos 97 anos que o Cearátem,

você já está aqui há 39, vai fazer 40. O que o fez passar tanto tempo no Ceará? Como

surgiu essa paixão pelo time?

Dimas - Foi uma coisa que surgiu da

vi-vência, do que se passou. E eu digo uma coisa a vocês: eu tenho o Ceará como um filho mais velho mesmo. E um filho mais ve-lho você não abandona nunca. Se, por acaso tiver de precisar e precisar de alguma coisa que eu puder ajudar, eu vou ter de ajudar.

Raiana - Por que você acha que isso

aconteceu? Por que pelo Ceará e não pelo Botafogo?

Dimas - Eu estou aqui há 40 anos. Não

são 40 dias. No Botafogo eu fiquei 12 anos, vindo das categorias de base.

Mariana - Como foi reencontrar o Pelé,

aqui no Ceará, num jogo tão importante?

(no dia

3

de novembro de

1972,

Santos e Ceará jogaram em Fortaleza. A partida mar-cou

o

jogo de número 1000 de Pelé com a camisa santista. Na ocasião, Dimas já era

liA

gente tem de saber

o momento de sair.

tinha saído todo

mundo do Botafogo, e

eu tive a oportunidade

de ganhar mais

dinheiro aqui".

DIMAS FILGUEIRAS

I

19

Vânia recebeu a pro-dução na própria casa

dela e de Dimas. O ex-jogador sabia que a es

po-sa ia dar uma entrevista, mas ela não revelou para

quem: "Ele quis saber

com quem era, mas eu

desconversei".

Com Vânia, Dimas tem duas filhas: Vânia e Lia. Além delas, tem

ou-tros dois filhos mais ve

-lhos: Ney e Danielle. Em algumas das ocasiões em

que foi técnico do Ceará, como em 2008e 2010, ele deixou o cargo por causa da família.

(13)

Durante a entrevi

s-ta, Vânia revelou que nâo gosta quando Dimas

assume o Ceará como

técnico. Ela contou um

episódio em que uma

das filhas ia brigando na

escola por causa das pro

-vocações sofridas contra

opai.

No Ceará SC, Dimas já ocupou todos os car

-gos administrativos pos-síveis, menos o de pre

-sidente do Clube. Como treinador, Dimas éc onhe-cido por assumir o time em momentos difíceis, sempre que outro técnico deixa ocomando.

titular do Ceará}

Dimas - Joguei contra ele aqui. E nós ga

-nhamos ojogo!

Pedro - Fala um pouco pra gente sobre esse episódio.

Dimas - Eu já tinha ido ao hotel (ao antigo

Hotel Savanah, na Praça do Ferreira, no cen-tro de Fortaleza). Depois que ele veio pra cá,

eu fui no hotel falar com ele e tudo. Ele falou: "Mosca, não só eu, mas como você, nós já estamos na descendente (da carreira}". Eu fa

-lei: "É, é verdade, mas você ficou rico e eu pobre", brincando com ele. Foi um apren-dizado muito grande que a gente teve com o Pelé.A simplicidade. Eu sempre digo que a torcida do Ceará carrega a gente no colo. Este ano que eu estou passando no Ceará eu nunca vi igual. Em todo canto é fotografia ...

Torcedor hoje faz questão de bater fotogra

-fia comigo. Eu já vou num canto diferente e a mulher (referindo-se à esposa, Vânia) já

fica com ciúmes (risos da turma). "Esse pes-soal não para, né?".

Igor- Mas o Dimas como jogador ...Você gostava da posição em que você jogava, como zagueiro?

Nayana - Zagueiro ou lateral-esquerdo ...

Dimas - Joguei de lateral-esquerdo, de zagueiro. Eu fui lateral-esquerdo primeiro, depois eu fui zagueiro.

Nayana - E qual era sua predileção?

Dimas - A melhor (posição) é de

zaguei-ro. Quando você joga na lateral, todo erro todo mundo vê. Agora, por dentro, tem sempre alguém, tem sempre o volante. Difi-culta mais, né?

IIEu sempre tenho

dito aos torcedores

do Ceará que, graças

ao Fortaleza, eu vim

pro Ceará, senão

não viria nunca. Não

me transformaria

numa pessoa, hoje,

dentro do Ceará que

tem uma história.

Foi o Fortaleza quem

descobriu".

Roberta - Dimas, o que significou a figu-ra do Ivonísio Mosca (de Carvalho. Técnico, supervisor e diretor de futebol do Ceará nos anos 1970) pra você?

Dimas - O Ivonísio foi uma das pesso-as que armaram tudo pra eu vir pro Ceará. Quem me trouxe pra cá (para o Ceará) foi o doutor José Luís Teixeira, que era diretor do Ceará, e se dava (bem) também com o falecido (referindo-se ao Ivonísio). Ele acha-va (o Ivonísio) que a minha presença podia

(14)

ofuscar a presença dele. Eu, como jogador,

eu senti que ele passou a me pressionar.

Falava ao treinador pra não (me) botar (em

campo). Eu nem esquentava minha cabeça.

Fazia o meu trabalho. Depois de um ano,

quando ele começou a ficar doente, eu fazia

o seguinte: "Seu Ivonísio, o senhor tem de

ir ao médico hoje?". "Tenho, Dimas. Tenho

de arranjar um táxi". "Pode deixar que eu

levo o senhor". Eu passei a levá-Io porque

eu queria tê-Io como meu amigo. Era uma

pessoa que eu sabia da competência dele.

E aprendi com ele muita coisa. Ele me

pas-sava tudo. Começou a ter uma amizade de

irmão. Eu levava ele, ele morava lá depois

da (avenida) Bezerra de Menezes (em For-taleza), longe ... Eu levava sempre ele, pra lá

e pra cá. Eu jogador ainda. Depois ele fez

questão de me trazer pra perto dele, porque

eu tinha um conhecimento muito grande no

Sul. Com um telefonema meu, resolvia coisa

pra ele. Ele sentiu que ali tinha um amigo.

Juliana - Como foi o processo de parar

de ser jogador?

Dimas -

É

importante quando você sabe

que não dá mais pra correr atrás dela, né?

Atrás da bola. Isso é fundamental pra todo

·jogador. Porque se você parar mal, você vai

deixar uma imagem horrível. Se você parar

bem ... No caso agora (referindo-se ao perí-odo em que treinou

o

Ceará, em 2010), eu

deixei o Ceará, como treinador, na (Copa)

Sul-Americana (Campeonato internacional organizado pela Confederação Sul-Ameri-cana de Futebol). Então, hoje, todo mundo

só fala do Dimas. "Ah, e o treinador?" "Tem de botar o Dimas". E não é o caso, porque eu já falei até pro Evandro (Leitão, presiden-te do Ceará) que eu não quero mais saber de ir pra borda do campo, porque eu quase morro na vez passada e eu não quero mor-rer ali não. Ali é uma cadeira elétrica.

Juliana - O que é que mudou na sua

ro-tina? Você parou de ser jogador, passou a

ser treinador. ..

Dimas - Eu comecei a trabalhar aqui na

supervisão, ajudando o falecido (lvonísio

Mosca). Depois que ele faleceu, eu tomei

conta da supervisão. De repente, faltou o

treinador. "Di mas, tu pode desempenhar o

papel aí?". Eu fui. Fui uma vez, gostaram. Fui a outra, comecei a ganhar. Porque tem de

ganhar! Se não ganhar...Comecei a ganhar.

Com isso eu ganhei vários títulos como

trei-nador, coloquei o Ceará em duas

compe-tições internacionais, na (copa) Conmebol

(competição organizada pela

Confedera-ção Sul-Americana de Futebol, entre 1992 e 1999. O Ceará se classificou para a Copa de 1995 após ser vice-campeão da Copa do Brasil de 1994) e na (Copa) Sul-Americana (o Ceará se classificou para a competição

de 2011 após terminar

o

Campeonato

Bra-sileiro da Série A, de 2010, na 12ª coloca-ção). Evitei que o Ceará caísse pra terceira (divisão), quando eu comandei na segunda (divisão). Ajudei a evitar.

É

o termo que a gente deve usar.

Igor - Hoje em dia, você considera que o

Dimas era melhor como jogador ou o Dimas

DIMAS FILGUEIRAS

I

21

A menos de d as

semanas para a entre

-vista com Dimas, no dia

11 de setembro, o então

técnico do Ceará, Vagner

Mancini, deixou o cargo depois de uma sequência ruim de resultados.

A produção ficou af

li-tacom a possibilidade de

Dimas assumir interi

na-mente otime do Ceará

-mais uma vez. Caso isso

acontecesse, a possib ili-dade de a entrevista ser adiada, ou desmarcada, era grande.

(15)

De repente, todos os componentes da turma, até aqueles que não gos-tam de futebol, interessa

-ram-se pelo mercado de técnicos. Todos os dias, as notícias eram acompa

-nhadas para saber quem seria o novo treinador do Ceará. O escolhido não foi Dimas.

A entrevista aconte-ceu na Sala de Imprensa do Ceará, local escolhi

-do pelo próprio Dimas.

Como o clube é bastante próximo da Universida

-de, o professor Ronaldo sugeriu que todos fizes-sem o trajeto, juntos, a pé. Inicialmente, a turma concordou.

REVISTA ENTREVISTA

I

22

hoje é melhor como treinador, supervisor ...

Dimas - Eu digo que eu sou melhor como

treinador e como supervisor pela vivência

que eu tive antes: primeiro como jogador.

Como jogador você tem uma vivência

gran-de e aprengran-de a lidar com o jogador. Isso é

fundamental, você saber lidar com o

joga-dor. Você tem de ter passado como jogador

pra tirar proveito disso. Normalmente você

que nunca foi jogador acha que lidar com

jogador é fácil. Não é fácil. Jogador de time

grande, como o Ceará, não é fácil de lidar.

Raiana - Dimas, você falou sobre essa

coisa da relação difícil, às vezes, com os jo-gadores. E como é essa relação?

Dimas - Primeiro que eu faço o jogador

perceber que ali tem um amigo. Não é um

diretor, é uma pessoa que quer ajudar. Eu

sempre procuro ajudar.

Juliana - Mas você foi inspirado por al-gum treinador, alal-gum jogador?

Dimas - Não. A vantagem de você ter

.

O

sa que

.

e c a,

casso .

.

E

a co sa

ce

:

e

e

o o

Ceará como um filho

mais velho mesmo".

passado em uma faculdade e ter

estuda-do psicologia é que ensina a lidar com as

pessoas. Eu não mando, eu peço. Eu sem

-pre digo: se você xingar uma pessoa, você

xinga a pessoa de uma maneira que ela vai

rindo. De outra maneira, ela quer te dar um

tiro. Saber lidar com o ser humano é uma

das virtudes que eu guardo pra mim. E eu

t

ô

aqui hoje dando essa entrevista pra

vo-cês por saber lidar com as pessoas. Quem é a Mariana? (procura a Mariana, da equipe

de produção da entrevista). Mariana ligou, e eu marquei na minha agenda uma

entre-vista pra ser dada, já tinha separado o local

e tudinho. A tua importância é nisso aí, não

é

chegar e "não, não posso não". As

pes-soas têm de saber lidar com os momentos,

porque a vida é feita de momentos, não se

engane.

Roberta - Dimas, você já assumiu vários

cargos no Ceará ...

Dimas - (interrompendo) Eu já fui até o vice-presidente ...

Roberta - Ah, e você não tem vontade de

ser o presidente?

Dimas - Não, não. (risos da turma) Eu acho que, num time de futebol, quem sofre

mais é o presidente e o treinador.

É!

Só cai

em cima dessas duas pessoas.

João Victor - Alberto Damasceno disse

que, em alguns momentos de crise do

Ce-ará, há uns 20 anos, apesar de você não ter

sido, oficialmente, presidente, você atuava,

na prática, como tal. Como foram essas

ex-periências?

Dimas - Você sabe que há alguns proble

-mas que só se resolvem de uma maneira.

Só se resolve de uma maneira. E tem hora que faltava aqui, e eu chegava junto. O Cea-rá não me deve nada, nada, nada, mas nos

momentos difíceis que eles precisaram, eu

sempre ajudei. E você sabe que o futebol sempre vive momentos difíceis.

Mariana - Dimas, você falou que os dois

piores cargos, dentro de um time, são o de

treinador e o de presidente. Se você já

en-carou sertécnico tantas vezes, por que não e cararia ser presidente?

Dimas - Eu acho que todos nós somos in",,·..-oete•.. es para alguma coisa. Então, eu

e e o co pe ente pra dirigir o Ceará .

- -e ,ta ez a

é

pudesse, mas hoje o Ceará

e a de O Ceará, hoje, se transformou de

ime para um clube grande.

Raiana - Mas você deixaria de ganhar, se fosse presidente?

Dimas - Não, mas não é problema de

ga-nhar. O problema de ganhar está em

segun-do plano.

É

a questão só de competência

mesmo. Eu não me sinto competente pra

dirigir o Ceará.

Ranniery - Dimas, pra você, o que é um bom técnico? Qual o segredo de um bom técnico?

Dimas - Eu sempre digo que um bom

treinador depende dos detalhes. Igual ao

(cantor e compositor capixaba) Roberto

Carlos: os detalhes. Então eu sou um treina

-dor que sou detalhista. Um treina-dor de fora repete aqui 10 vezes um pênalti, eu tenho de repetir 20. Por quê? Porque quanto mais se repete, mais se aprende. A naturalidade faz com que você consiga chegar aonde você nem espera.

O treinador de fora, ele vem aqui, perde

duas, três e vai embora, não tem problema.

O treinador da terra sofre a família, sofre o

neto, sofre a mulher, todo mundo sofre.

En-tão,

é

mais um motivo pra você ser

detalhis-ta e se aperfeiçoar mais. Eu vou sempre no

melhor, sempre fazendo o melhor. Ele tem

(16)

sempre perto, como eu. Eu vivi sete meses e meio (como técnico, em 2010) e só vivia futebol. Eu chegava em casa e a minha pre-ocupação era em saber dos jogos do time que eu ia jogar, os jogos que foram grava-dos ... Passava duas, três horas vendo, ana-lisando. Então, ele tem de ser um profissio-nal mesmo, pra ele conseguir alguma coisa. Porque, num time pequeno, você não tem pressão não, mas aqui, num time de massa, a pressão é muito grande. E você só sai des-sa pressão se você começar a tratar todos os detalhes de tudo.

João Victor - Na hora das partidas, pra

muitas pessoas, você é tachado como um técnico retranqueiro. Você se considera as-sim? Você acha isso uma vantagem?

Dimas - Tem um ditado que diz "quem

quer muito, traz de casa". No ano passado

(2010), nós tivemos dez empates em 18 par-tidas. Dez empates, quatro vitórias e quatro derrotas. Eu somei 22 pontos. E eu tirei o time do rebaixamento. Veja bem: se você vai jogar contra um time que tem mais qua-lidade, e você tem de reconhecer isso, que seu time, às vezes, tem a qualidade limita-da, você tem de estar preparado pra isso. Aí você faz o seguinte: você espera, porque fu-tebol é espaço. Primeiro é espaço, segundo é espaço, terceiro é espaço. Você atrai eles pra cima de você e usa o espaço que eles deixam nas costas deles pra usar o contra-golpe. E conseguimos chegar aonde chega-mos, na (Copa) Sul-Americana (de 2011).

Aí dizem: "O Dimas é retranqueiro". O Dimas não é retranqueiro não, o Dimas só usa aquilo que tem de usar. Eu tenho de ter um objetivo pra ganhar. O que eu ganho aqui? Se eu for lá, se eu for me arriscar, eu posso perder o jogo, então eu não me arris-co. Quem tem de se arriscar são eles, eles que têm de vir pra cima de mim. Porque fu-tebol, no (Campeonato) Brasileiro, é ponto. Tanto dentro, como fora (de casa),você tem de ganhar ponto. Você pode conseguir os três (pontos, com a vitória), mas um ponto você tem de levar pra casa (com o empate).

É

questão só de matemática.

Roberta - Qual foi o seu melhor momen-to como técnico do Ceará?

Dimas - Esses sete meses e meio (em 2010). Como treinador em relação à afeição do torcedor corniqo. Eujá fui vice-campeão da Copa do Brasil euajudei a ganhar vários campeonatos, co o treinador, mas, ago-ra, a afeição do orcedor comigo foi muito grande porque e . e um destaque muito grande no Bras

-Mariana -:: a

ocê

,

o futebol é mate-mática ou é pai ão? Tem de ser calculado ou tem de serjogado com as emoções à flor

da pele?

Dimas - Tem de ser calculado. Por isso existe o planejamento de jogo. Tudo é pla-nejado, nada é feito por acaso.

Juliana - Dimas, o Ceará foi

vice-cam-peão da Copa do Brasil em 1994. Foi o me-lhor momento ou foi a maior frustração?

Dimas - Pra mim, foi uma frustração. Pro

Ceará, não. O Ceará nunca tinha conseguido uma coisa dessas, né? Mas eu achava que nós tínhamos condição de ir mais longe, e não fomos porque o Godoy (Oscar

Rober-to Godoy, árbitro da partida final, contra o Grêmio, para quem o Ceará perdeu por 1 a zero) prejudicou a gente mesmo. O Godoy

nos prejudicou totalmente. Ali foi carta mar-cada, e não tem nem jeito de dizer nada.

João Victor - Mas hoje, olhando um

pou-co mais de fora desse episódio que apou-conte- aconte-ceu, você não percebe que foi um episódio muito bom para o Ceará?

Dimas - Do Ceará, foi. Mas pra mim foi

,

/JEimportante

quando você sabe

que não dá mais pra

correr atrás dela, né?

Atrás da bola. Isso

é fundamental

pra

todo jogador".

uma frustração, porque eu queria ser cam-peão.

Mariana - Como você se sentiu naquele

momento?

Dimas - Eu ia tomar algumas atitudes que eu não tomei na hora, graças a meu bom Deus, porque eu ia voar pra cima dele, e não fui. Alguém me segurou, e eu tive mais tranquilidade. Mas você já pensou: você está com tudo certo pra ser campeão e ser tomado assim?

Ranniery - Dimas, antes desse jogo, você disse, em entrevista, a seguinte fra-se: "Nós vamos para uma guerra, nós não vamos para um jogo, nós vamos para uma guerra. Uma guerra onde o futebol cearense vai ter o seu destaque, se Deus quiser, se nós conseguirmos trazer esse caneco pra cá, a CBF vai começar a olhar com outros olhos pro futebol cearense". Você é conhe-cido como o Guerreiro Alvinegro. Quando

DIMAS FILGUEIRAS

I

23

No dia da entrevista,

Igor, Pedra e Gleydson,

responsável pelas fotos,

foram de carro. Roberta foi sozinha de ônibus. O resto da turma manteve a ideia original de ir a pé.

Quando a turma che-gou, Dimas já estava no local. A Sala de Imprensa já havia sido arrumada pelo próprio entrevistado.

A entrevista demorou um pouco para começar por-queRobertasepe~euno trajeto para o Ceará.

(17)

Roberta foi a última a chegar porque confundiu as entradas do Ceará SC. Quando finalmente con-seguiu entrar no clube, demorou a achar a Sala de Imprensa.

Antes das primeiras perguntas, Dimas disse que havia sido chama-do pra acompanhar um jogo do Ceará em São Paulo no mesmo período da entrevista, mas recu-sou: "eu disse que era por causa da construção de 12casas, mas era por causa da entrevista".

se perde uma guerra como essa, o que pas-sa pela cabeça?

Dimas - O meu momento de frustração

não foi pelo trabalho que nós executamos.

Os jogadores, a diretoria, todos fizeram o

trabalho certo. Você ficaria chateado se,por

acaso, você fosse o responsável por

aqui-lo que estava acontecendo. Não foi. Pelo

contrário: você fez que aquilo acontecesse,

e não aconteceu porque o juiz não deixou.

Então, isso dá uma certa tranquilidade a nós

que fazemos o Ceará, mas, por outro lado,

pra nós, que vivemos muito tempo no

fute-bol, levar o Ceará a um vice-campeonato já

era muita coisa, imagine levar para um

cam-peonato! E ser roubado com todo mundo

vendo, o Brasil todo vendo, tá louco...

João Victor - Eu queria retomar um pon

-to: hoje você diz que sai e é assediado pela

torcida do Ceará, mas, em alguns momentos

você chegou a ser vaiado em campo. O que passa pela cabeça do treinador nessa hora?

Dimas -

É

o que eu digo a você: eu já

estou preparado pra isso. Eu vou ali e eu

sei que eu posso ser vaiado e eu posso ser

elogiado. Você não vai esperar que tudo

saia certo e que a torcida vá lhe carregar no

colo não. Pelo contrário, você tem de estar

preparado, senão, não assuma. E eu, cobra

criada nesse ponto, não esquentava não. Raiana - Na entrevista às Páginas Azuis

do /jornal) O Povo, você falou que nunca foi

tão reconhecido como é agora. Então, como

era antes?

Dimas - Oportunidades desse

reconhe-cimento eu tive pelo que eu fiz. Eu não sei

se é porque houve uma divulgação muito

grande em torno do meu nome, em todo

canto que eu chego é impressionante. Isso,

pra mim, é gratificante. Tem certas coisas

na vida da gente, que massageiam o ego da

gente, que não é o dinheiro.

Mariana - E quando a situação é o con

-trário? Quando é aquela pressão forte, como

é para o Dimas?

Dimas - Eu sou do mesmo jeito. Eu sou

uma pessoa que, se o camarada vem me

agredir, é diferente, mas se ele vem falar e

discutir tudo, por isso, por aquilo, eu trato

ele bem. Eu mudo ele totalmente. Eu vou

falando, falando, dou logo razão a ele,ele já

fica logo satisfeito ...

Roberta - Dimas, a última vez que você

assumiu o Ceará foi num momento delica

-do ...

Dimas - Sempre foi num momento

deli-cado. Nunca foi num momento bom.

Roberta - Algumas pessoas falam que

te colocam na frente da equipe nesses mo

-mentos para prejudicá-Io. Acha que isso

acontece?

Dimas - Não, não. Eu acho que eles me

colocam achando que eu posso resolver o

problema, como eu venho resolvendo.

Nun-ca pra prejudiNun-car, pelo contrário. Eles sem

-pre deixam que eu decida. E, se eu vou, é

pra ajudar o Ceará, e sempre foi esse o meu sentido.

Igor - Dimas, como é que você se sente

sendo chamado pra ser técnico do Ceará só

em segundo plano?

Dimas - Eu acho que ser treinador do

Ceará já éum prestígio muito grande.

É

um

prestígio grande porque você comanda, e o

torcedor vai analisar o seu trabalho, e isso aí

é como um desafio. Eu já estou acostuma

-do com isso. A questão de você se acostu

-mar ..."Ah, Dimas, amanhã você vai dirigir o

Ceará". Tudo bem, pra mim é normal. Vou

fazer o trabalho que eu estou acostumado a

fazer e que deu certo.

Igor - Você gosta, então, de estar como técnico do Ceará?

Dimas - Gosto não. A única profissão

que eu não gosto dentro do Ceará é ser trei

-nador.

Igor - Por quê?

Dimas - Porque não. Eu, particul

armen-te, me dedico demais.

É

como eu digo a

você: eu tenho como um filho mais velho,

então eu faço aquilo cuidando de todos os

detalhes, então eu sofro muito com isso. Eu

emagreço, eu não como, eu não almoço ...

Em dia de jogo, eu só lancho e mais nada.

Vou emagrecendo ...

Raiana - Você falou na entrevista às Pá-ginas Azuis do /jornal) O Povo que "tern

cer-tas coisas que doem. Tem hora que você é

relegado a terceiro, segundo plano e sabe

que pode ajudar". Eu queria pe guntar o

que doeu, o que dói em estar o Ceará e

que momentos foram esses e e

-

ocê

foi

"Saber lidar com o ser humano

é

u

virtudes que eu guardo pra mim. E e

hoje dando essa entrevista pra vocês

lidar com as pessoas".

REVISTA ENTREVISTA

I

24

a das

.

o

aqui

(18)

relegado a esse segundo, terceiro plano? Dimas - Num clube onde você vive nor-malmente com a função de resultados, tem

momentos em que você está bem e tem mo

-mentos que você não está bem. Às vezes,

tem relações que você faz com um e com outro você não se dá bem. São coisas que

você tem de aprender a conviver. Às vezes,

dói quando, por acaso, você é relegado a

segundo plano, você não é chamado para

discutir algumas coisas, mas eu estou

acos-tumado. Eu sempre digo o seguinte: engolir

sapo é fácil, difícil é conviver com o sapo.

João Victor - Nas pré-entrevistas,

tan-to o /jornalista) Tom Barros quanto a Vânia

(esposa do Dimas) citaram o fato de que, há dois anos, você teria chegado aqui no Ceará e teria sido impedido de entrar no clube. Por que isso aconteceu?

Dimas - Não, não foi nem no clube, foi

no vestiário. Foi uma pessoa que

trabalha-va aqui. Eu estava fazendo um trabalho na

base, então quase não estava vindo aqui. E

tinham proibido de eu andar por esses

la-dos (do vestiário) e eu disse que não, só se

o presidente me proibisse. Eu sou uma

pes-soa que tem rnu'to tempo de Ceará, não vou

deixar de andar por esse lado. Posso não

entrar no ves ·a"'·o porque o treinador tem sua particularidade. falar com os jogadores,

mas andar desse ado aqui, não. No

vesti-ário eu deixe- e Ir, porque se o treinador

não tem afinida tiqo, não tem sentido

você ir lá.

Juliana - ==._~ ágoas?

Dimas - Tenho nada não. Quando você

gosta de um time, você olha para o time, não para as pessoas. O que for bom pro time é bom pra você. Se aquela pessoa não é boa pra você, mas é boa pro time, você tem de conviver com ela.

Roberta - Você acha que já sofreu injus-tiça ou perseguição aqui dentro do clube?

Dimas - Já, isso aí é fato. Tem momen-tos na vida em que você passa por aquilo e se submete àquilo porque gosta do clube. Em outros momentos, você tem vontade de deixar, largar ...

Mariana - E por que você sofria essa in-justiça, essa perseguição?

Dimas - Isso é porque tem algumas pes-soas que acham que você está se metendo em coisas que não deve se meter, e está

conversando coisas que não deve conver

-sar... E, às vezes, se o time não ganha,

po-dem achar que você é culpado porque está

andando ali. Sempre a transferência de

res-ponsabilidade vai existir.

Pedro - Você quer citar algum nome? Dimas - Não, acho que as coisas que eu passei e que eu possa vir a passar

depen-dem só de mim. O Ceará é muito grande

pra gente ficar se preocupando com

pesso-as que, às vezes, não dão valor àquilo que você faz ou que você fez.

João Victor - Quando você não é o trei-nador, mesmo com toda essa experiência, qual é a sua relação com o time? Você acha que você se mete?

Dimas - Não, não. Eles me dão até

liber-DIMAS FILGUEIRAS

I

25

Sabendo que nem todos na turma acompa-nham futebol, a produção tentou esclarecer na pau-ta alguns termos ligado ao esporte. Mesmo as-sim, no dia da entrevista,

Ranniery tinha algumas dúvidas, como: "O que é categoria de base?".

Ao fim da entrevista, Roberta puxou uma cami-sa do Ceará, que ela dis

-se -ser do irmão, e pediu para Dimas autografá-Ia. O ex-jogador atendeu prontamente.

(19)

No caminho de volta, a turma decidiu não re-petir o trajeto a pé. As 11 pessoas se dividiram nos carros do Pedro e do Igor para voltar à Universida-de FeUniversida-deral do Ceará.

Na hora de escrever os perfis, algumas dificul

-dades apareceram: Ran-niery, por exemplo, pediu socorro à equipe de pro-dução para saber como atua um lateral-esquerdo. E mais: perguntou se jo

-gadores dessa posição podem fazer gol.

dade, porque eu trabalho aqui como coor-denador, e posso ter um acesso direto, mas eu evito, também. Porque cada treinador tem a sua particularidade pra comandar seu time. E o Dimas, aqui, é tido como um trei-nador, não como coordenador.

Juliana - Quando você foi diagnosticado

com câncer de próstata, como foi parar de cuidar do Ceará pra cuidar de si mesmo?

Dimas - Foi bom você lembrar isso. Sabe o que aconteceu? Eu estava marcado pra fa

-zer uma operação e eu tinha que me inter-nar às onze horas da noite. Eu cheguei às três horas da manhã, que eu tinha ido com o time pra Itapipoca (município da região

norte do Ceará, distante 130 km da capital,

Fortaleza), jogar lá. Acabou à noite, e fui di-reto para o hospital.

É

o Ceará sempre na frente. Eu fui tomar conta contra o Itapipoca

lá em cima, voltei 23h 30min e cheguei três horas da manhã, já pra me preparar pra ser operado.

Juliana - E no tempo de descanso, mes

-mo assim, o senhor ainda se preocupava com o Ceará? Ficou quanto tempo afastado?

Dimas - Afastado de quê? Nada! Foi sóuma semana (risos da turma). Não teve isso não.

Juliana - E a sua esposa não reclamava?

Dimas - Ora, se reclamava! (risos de to-dos) E, no final das coisas, é o que eu digo

a vocês: tem certas coisas que, às vezes, a gente atropela e discute, mas não adianta, no final, elas têm sempre razão.

É,

tem sempre razão. Quando existe alguma injustiça contra mim, ela fala: "Eu não disse a você? Esse teu

filho mais velho tá aí!".

Ranniery - Como é que a sua esposa e a

sua família acompanham o futebol?

Dimas - Juntos. Tudo lá é Ceará.

Nayana - E qual a importância deles? Você declarou às Páginas Azuis que você já sofreu muita pressão da sua família e que, algumas vezes ...

Dimas - Você queira ou não queira, quan-do é treinaquan-dor do Ceará, e é da terra, sofre todo mundo. Sofre a mulher, sofrem os

fi-lhos ... Isso é uma coisa que, por mais que queira mudar, não muda, porque as pessoas que gostam da gente não gostam que nin-guém fale mal da gente.

Ranniery - Mas você prioriza o Ceará em

relação à sua família?

Dimas - Eu já priorizei. Agora, que a mu-lher falou, eu dei uma segurada.

Raiana - Sua mulher, na entrevista que ela cedeu à equipe de produção, ao Pedro e à Mariana, ela ressalta isso, em vários mo-mentos. De que em alguns momentos você já colocou o Ceará acima da família ...

Dimas- (interrompendo) Quem falou isso aí?

Todos - A Vânia.

Dimas - Ah, foi? E quando foi isso?

Mariana - Semana passada.

Dimas - Ah, logo vi! (risos da turma)

Raiana - A minha pergunta é se você acha que, de fato, já colocou o Ceará acima da fa-mília ecomo se dá essa relação.

Dimas - Veja bem: a esposa, quando ela

é

preterida por outra coisa, ela acha isso (risos da turma).

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