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Era uma vez: a formação escolar de leitores e o livro didático no 6º ano

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA Jéssica da Rosa Perdigão

ERA UMA VEZ: A FORMAÇÃO ESCOLAR DE LEITORES E O

LIVRO DIDÁTICO NO 6º ANO

Florianópolis 2019

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Jéssica da Rosa Perdigão

ERA UMA VEZ: A FORMAÇÃO ESCOLAR DE LEITORES E O LIVRO

DIDÁTICO NO 6º ANO

Trabalho de Conclusão de Curso de Graduação em Letras – Língua Portuguesa e Literaturas de Língua Portuguesa do Centro de Comunicação e Expressão da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito parcial para a obtenção do Título de Bacharela em Letras Português.

Orientadora: Profa. Dra. Rosângela Pedralli

Florianópolis 2019

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Ficha de identificação da obra elaborada pelo autor,

através do Programa de Geração Automática da Biblioteca Universitária da UFSC.

Perdigão, Jéssica da Rosa

Era uma vez: a formação escolar de leitores e o livro didático no 6º ano / Jéssica da Rosa Perdigão ;

orientadora, Rosângela Pedralli, 2019. 151 p.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) -Universidade Federal de Santa Catarina, Centro de Comunicação e Expressão, Graduação em Letras Português, Florianópolis, 2019.

Inclui referências.

1. Letras Português. 2. Formação escolar de leitores. 3. Livro didático. 4. Concepção de leitura. I. Pedralli, Rosângela. II. Universidade Federal de Santa Catarina. Graduação em Letras Português. III. Título.

(4)

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE COMUNICAÇÃO E EXPRESSÃO DEPARTAMENTO DE LÍNGUA E LITERATURA VERNACULAS

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ATA DE DEFESA DO TRABAI.no DE cona,usAO DE CURSO (Tcc)

Ata de Defesa de TCC do(a) aluno(a) Jéssica da Rosa

Perdigão, realizada no dia 1 1 de novembro de 2019, às 09h, na sala 215, do bloco B do Centro de Comunicação e Expressão. l 2 3 4 5 6 7 8 9 10 11 12 13 14 15 16

Aos onze dias de novembro de 2019, às 09h, na sala 215, do bloco B do Centro de Comunicação e Expressão, da Universidade Federal de Santa Catarina, reunida a Comissão Examinadora, designada pela Portaria n' 055/DLLV/2019, de 08 de novembro de 2019, constituída pelos membros Rosângela Pedralli(orientador), Sabatha Catoia Dias (membro titular), Priscila de Sousa (membro

titular) e Aline Francieli Thessing (suplente) realizou-se, em sessão pública, a defesa do Trabalho

de Conclusão de Curso do(a) acadêmico(a) Jéssica da Rosa Perdigão (matrícula 15205954): "Era

uma vez: a formação escolar de leitores e o livro didático no 6' ano". Após o(a) acadêmico(a)

apresentar seu trabalho, procedeu-se à arguição e à avaliação, feitas nos termos do regulamento do TCC. A Comissão Examinadora conferiu ao TCC a nota .IO ( a/v ). O(A)

académico(a) deverá apresentar à Chefia do Departamento de LínguaUe Literatura Vemáculas, cumpridas as formalidades, a versão final do TCC, em mídia digital, no prazo máximo de trinta dias, e submetê-la ao Repositório Institucional da Universidade, contam)e o que está disposto na Resolução Normativa n' 126/2019/CUn, bem como no Manual do Repositório Institucional da

Biblioteca Universitária. Nada mais havendo a tratar, a sessão foi encerrada, dela sendo lavrada a presente ata, que é assinada pelo(a) orientador(a), pelos membros da banca examinadora e pelo(a) acadêmico(a). Florianópolis, 1 1 de novembro de 2019.

A. e Prof' lJr' Ro

C)riênfador e Presíü nte da Banca

# g..p-».l&:;Lçé.

-uÀÜ&.P.. $ql''- '+

Prof' DT' Sabatha Catoia Dias (FURG)

Membro Titular

'Ç).,..}. .Â..

Prof' M' Priscila de Sousa (PPGLin/UFSC)

Membro Titular

Prof' M' Aline Francieli Thessing (PPGLin/UFSC)

Suplente

Acadêmico(a) '

Campus Universitário - Trindade - Florianópolis

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À minha família. Por toda ausência e, quem sabe um dia, pela compreensão.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, sobretudo.

Ao meu noivo João Henrique Bracht, pelo apoio, pelo cuidado e pelas inúmeras vezes que formatou este trabalho.

À minha orientadora Profa. Dra. Rosângela Pedralli, por todos os conhecimentos transmitidos, pela parceria, pelo incentivo, pela paciência e pela gentileza.

Aos membros da banca, pela disponibilidade de ler e avaliar este trabalho, em especial Profa. Ma. Priscila de Sousa por ter contribuído durante o processo de produção do trabalho.

À Universidade Federal de Santa Catarina, pela oportunidade de ter uma formação de qualidade e por todas as experiências proporcionadas.

(7)

O conformismo é o carcereiro da liberdade e o inimigo do crescimento.

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RESUMO

Este Trabalho de Conclusão de Curso tem como objeto de estudo a formação escolar de leitores e o livro didático no 6º ano. Para tanto, o estudo organizou-se de modo a responder à seguinte questão-problema: “As propostas de exploração do texto literário trazidas pelo Livro Didático de Português para o 6º ano, Português Linguagens, têm potencial de contribuir para a formação de leitores?”. Desse modo, em conformidade com ela, tem como objetivo problematizar o potencial de contribuição para a formação de leitores das propostas de abordagem do texto literário no Livro Didático de Português para o 6º ano, Português

Linguagens. Assim, inicialmente, apresenta-se o objeto, contextualizando e explicitando a

concepção de leitura e formação escolar de leitores, a fim de problematizar a relação do livro didático no ensino de Língua Portuguesa. Em seguida, analisa-se o primeiro capítulo do Livro Didático Português Linguagens para o 6º ano, identificando de que forma os textos são trabalhados no material, com o objetivo de verificar se as propostas de abordagem do texto literário, trazidas pelo Livro Didático, têm potencial de contribuição para a formação de leitores. Os resultados deste estudo apontam que, apesar de o livro afirmar estar comprometido com a formação de leitores e afirmar que possui uma abordagem na perspectiva de trabalho centrada no texto, observa-se, através da seleção de atividades, uma preocupação central de vencer o conteúdo programático, mesmo que isso possa significar pouco do ponto de vista de seu potencial para a formação de leitores. Nesse sentido, visualiza-se, através da análivisualiza-se, que a seleção dos textos literários apresentada pelo livro para o trabalho em sala de aula é bastante pertinente, mas o tratamento dado a eles, contudo, não está em harmonia com a perspectiva de trabalho centrada no texto proposta inicialmente pelo livro e, ainda, que a leitura não é tomada como prática social no livro. Por fim, verifica-se que as orientações de leitura não favorecem o trabalho de produção textual, já que não é dada à leitura a devida importância nesse processo.

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ABSTRACT

This Course Conclusion Paper has as its object of study the school formation of readers and the 6th grade didatic book. For this purpose, the study was organized to answer the following problem-question: "Do the proposals for exploration the literary text brought by the Portuguese didactic book for the 6th grade, Português Linguagens, have the potential to contribute to the formation of readers?". Thus, in accordance with it, its objective is to problematize the potential of contribution to the formation of readers of the proposals for approaching the literary text in the Portuguese didactic book for the 6th grade, Português

Linguagens. Thereby, initially, the object is presented, contextualizing and explaining the

reading conception and school formation of readers, in order to problematize the relationship between didactic book with the teaching of Portuguese. Then, we analyze the first chapter of the didactic book Português Linguagens for the 6th grade, identifying how the texts are worked in the material, in order to verify if the proposals for approaching the literary text, brought by the didactic book, have potential to contribute to the formation of readers. The results of this study indicate that, although the book claims to be committed to the education of readers and affirms that it has a text-based approach to work, there is, through the selection of activities, a central concern with overcoming content, even though it may mean little from the point of view of its potential for school formation of readers. In this sense, it can be seen from the analysis that the selection of texts presented by the book for classroom work is quite pertinent, but the treatment given to them, however, is not in harmony with the perspective of work proposed initially by the book centered on the text and also that reading is not taken as a social practice in the book. Finally, it appears that reading guidelines do not favor the work of textual production, since reading is not given due importance in this process.

Keywords:School formation of readers 1. Didactic book 2. Reader conception 3.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 11

1.1 OBJETIVOS ... 15

1.1.1 Objetivo Geral ... 15

1.1.2 Objetivos Específicos ... 15

2 CONSIDERAÇÕES SOBRE LEITURA E FORMAÇÃO ESCOLAR DE LEITORES ... 16

2.1 CONCEPÇÃO DE LEITURA ... 16

2.2 FORMAÇÃO ESCOLAR DE LEITORES ... 32

3 CAPÍTULO DE ANÁLISE – ERA UMA VEZ: PORTUGUÊS LINGUAGENS 62 3.1 A SELEÇÃO DOS TEXTOS ... 63

3.2 A SELEÇÃO DAS ATIVIDADES ... 71

4 CONCLUSÃO ... 96

REFERÊNCIAS ... 103

ANEXO A – Capítulo 1 - Era uma vez ... 106

ANEXO B – Seção Intervalo ... 135

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1 INTRODUÇÃO

A Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, Lei nº 9.394/1996, estabelece, no inciso VIII do seu artigo 4º, o dever do Estado de garantir aos alunos da educação escolar pública material didático-escolar, através de programas suplementares, durante todas as etapas da Educação Básica (BRASIL, 1996).

Diante disso, foi criado o Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), com o objetivo de avaliar e disponibilizar obras didáticas, pedagógicas e literárias, entre outros materiais de apoio, de forma regular e gratuita, distribuídas para alunos de quatro segmentos - Educação Infantil, anos iniciais do Ensino Fundamental, anos finais do Ensino Fundamental e Ensino Médio - das escolas públicas de Educação Básica das redes federal, estadual, municipal e distrital, além das instituições de Educação Infantil comunitárias conveniadas com o Poder Público (BRASIL, 2019a).

Recentemente, através do Decreto nº 9.099, de 18 de julho de 2017 (BRASIL, 2017), houve uma unificação do Programa Nacional do Livro Didático (PNLD) e do Programa Nacional Biblioteca da Escola (PNBE), passando então a utilizar a nomenclatura de Programa Nacional do Livro e do Material Didático (PNLD), com o intuito de reunir aquisição e distribuição de livros didáticos e literários, e ampliar o seu objetivo, incluindo também obras pedagógicas, jogos educacionais, materiais de reforço, materiais de formação, entre outros (BRASIL, 2019a).

Com efeito, o PNLD possui ainda a modalidade PNLD literário, em que as escolas participantes registram a escolha das obras literárias por categorias, de acordo com a quantidade de alunos e, assim, recebem acervos de livros. Dessa maneira, podem participar do programa as escolas com alunos na Educação Infantil, nos anos iniciais do Ensino Fundamental (1º ao 5º ano) e no Ensino Médio que aderiram formalmente ao Programa e estavam incluídas no censo escolar de 2017. Podem participar, ainda, as instituições comunitárias, confessionais ou filantrópicas sem fins lucrativos e conveniadas com o Poder Público que atendam a crianças de até três anos da Educação Infantil (BRASIL, 2018b).

Nesse sentido, no PNLD literário, as obras escolhidas para a Educação Infantil e para o 1º, 2º e 3º ano do Ensino Fundamental são acervos destinados para sala de aula. No entanto,

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para o 4º e 5º ano do Ensino Fundamental e para o Ensino Médio a escolha funciona de forma diferente: as obras escolhidas são calculadas por aluno, duas obras para cada, sendo que esse acervo é destinado à biblioteca, portanto, é acessível e beneficia a todos os alunos da escola (BRASIL, 2018b).

Outrossim, o Ministério da Educação (MEC) é responsável pelo Programa Nacional do Livro e do Material Didático; porém, quem o gerencia é o Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (BRASIL, 2019a). O Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE) é uma autarquia federal criada pela Lei nº 5.537, de 21 de novembro de 1968, e alterada pelo Decreto–Lei nº 872, de 15 de setembro de 1969, com o objetivo de executar as políticas educacionais do Ministério da Educação, sendo responsável pela transferência de recursos financeiros e prestação de assistência técnica aos estados, municípios e ao Distrito Federal (BRASIL, 2018a).

Conforme dados estatísticos levantados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, estima-se que a Política Nacional do Livro Didático e do Material Didático beneficiou cerca de 147.857 escolas e aproximadamente 35.177.899 alunos no país, com a aquisição de cerca de 126.099.033 exemplares de Livros Didáticos, somente no ano de 2019, atendendo à Educação Infantil, ao Ensino Fundamental e ao Ensino Médio (BRASIL, 2019b). No ano de 2018, estima-se que foram cerca de 117.566 escolas e 31.137.679 alunos beneficiados pela Política Nacional do Livro Didático e do Material Didático, com a aquisição de 153.899.147 exemplares, destinados a atender o Ensino Fundamental, o Ensino Médio, a Educação de Jovens e Adultos (EJA) e a do Campo (BRASIL, 2019b).

Já no ano anterior, 2017, os dados mostram que o Programa Nacional do Livro Didático beneficiou cerca de 117.690 escolas e 29.416.511 alunos, com a aquisição de cerca de 152.351.763 exemplares de Livros Didáticos. Deste total, no ano de 2017, estima-se que o estado de Santa Catarina teve 2.372 escolas e 863.974 alunos beneficiados com a aquisição de 4.543.540 Livros Didáticos, destinados ao Ensino Fundamental e Ensino Médio (BRASIL, 2019b).

De acordo com dados estatísticos levantados pelo Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação, nos últimos três anos (2017-2019) o Livro Didático de Português mais comprado no país para o 6º ano foi o Português Linguagens, da editora Saraiva (BRASIL, 2019b).

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Analisando a aquisição do livro Português Linguagens neste triênio, é possível identificar que, no ano de 2019, foram adquiridos cerca de 288.704 exemplares deste livro, totalizando um investimento no valor de R$ 2.687.834,24. No ano de 2018, foram adquiridos cerca de 416.714 exemplares deste livro, totalizando um investimento no valor de R$ 3.775.428,84. No ano de 2017, foram adquiridos cerca de 1.605.300 exemplares deste livro (BRASIL, 2019b).

O livro didático de Português para o 6º ano, Português Linguagens, foi escrito pelos autores William Roberto Cereja e Thereza Cochar Magalhães. No que se refere a atuação profissional e acadêmica dos autores, William Roberto Cereja é professor da rede particular de ensino em São Paulo/SP, graduado em Português e Linguística e licenciado em Português pela Universidade de São Paulo, Mestre em Teoria Literária pela Universidade de São Paulo, Doutor em Linguística Aplicada e Análise do Discurso pela Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, ganhou o Prêmio Jabuti, em 1999, na categoria de Melhor Livro Didático do ano. A segunda autora, Thereza Cochar Magalhães, é professora da rede pública de ensino em Araraquara/SP, graduada em Português e Francês e licenciada pela Faculdade de Filosofia, Ciências e Letras de Araraquara/SP, Mestre em Estudos Literários pela Universidade Estadual Paulista de Araraquara/SP (CEREJA; MAGALHÃES, 2012).

Considerando o investimento público na aquisição de materiais didáticos, cabe analisar de que modo estes são agenciados em sala de aula, no trabalho com a Educação Linguística (BRITTO, 2012). Nesse sentido, com o objetivo de observar como docentes trabalham com leitura e práticas de leitura na sala de aula, Catoia Dias (2012) realizou uma pesquisa com docentes que lecionam nos anos finais do Ensino Fundamental sobre tais práticas nas aulas de Língua Portuguesa nas escolas da Rede Estadual de Ensino de Santa Catarina, situadas em Florianópolis/SC.

A pesquisadora concluiu que um número bastante representativo dos professores que participaram do estudo direciona suas aulas de leitura seguindo as orientações dos livros didáticos utilizados nas escolas. Nesse sentido, Catoia Dias (2012) observou que quase 50% dos professores que participaram da pesquisa informaram ler, discutir e responder as questões de interpretação textual do livro didático, que 66% dos professores que participaram da

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pesquisa informaram utilizar os textos do livro didático e, ainda, que 70,2% dos professores informaram que trabalham com os temas propostos pelo livro didático.

Diante da grande quantidade de aquisições de livros didáticos e da enorme quantidade de alunos que têm sua formação de certo modo implicada por eles, e, ainda, levando em consideração os dados da pesquisa de Catoia Dias (2012) sobre o uso do livro didático pelos professores em sala de aula, este trabalho aborda uma questão de interesse público e de grande impacto social, qual seja: A formação escolar de leitores e o livro didático no 6º ano.

Isso posto, a questão-problema que orienta este Trabalho de Conclusão de Curso assim se enuncia: as propostas de exploração do texto literário trazidas pelo Livro Didático de Português para o 6º ano, Português Linguagens, têm potencial de contribuir para a formação de leitores1?

Outrossim, acerca da organização deste trabalho em si, inicialmente, apresenta-se o objeto, contextualizando e explicitando a concepção de leitura e a formação escolar de leitores, a fim de problematizar a relação entre livro didático e o ensino de Língua Portuguesa.

Em seguida, analisa-se o primeiro capítulo do Livro Didático de Português para o 6º ano, Português Linguagens, da editora Saraiva (CEREJA; MAGALHÃES, 2012), identificando, por meio desta análise, de que forma os textos são trabalhados no material, com o objetivo de verificar se as propostas de abordagem do texto literário, trazidas pelo Livro Didático, têm potencial de contribuição para a formação de leitores.

Ademais, o método de abordagem de pensamento utilizado no trabalho é dedutivo, a natureza do método utilizado é qualitativa e a técnica de pesquisa é bibliográfica e documental com análise de conteúdo. A escolha da obra foi feita em decorrência de ter sido o do livro didático de português para o 6º ano mais comprado no último triênio (BRASIL, 2019b). Diante disso, foi selecionado para objeto de análise o primeiro capítulo do Livro Didático de Português para o 6º ano, Português Linguagens, em razão da quantidade de textos literários, já que o capítulo Era uma vez se sobressai por possuir mais textos literários que os demais capítulos da obra.

1 Cabe destacar a especificidade do professor da Educação Básica: ele não trabalho com leitores, ele trabalha para que se formem leitores. Segundo Riter (2009), para aqueles a formação é ‘dos leitores’ e para estes a formação é de leitor.

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Por fim, considerando o objeto delimitado para o estudo, a seguir são apresentados os objetivos do estudo.

1.1 OBJETIVOS

Para a realização do trabalho, são norteadores os objetivos geral e específicos, apresentados na sequência.

1.1.1 Objetivo Geral

Problematizar o potencial de contribuição para a formação de leitores das propostas de abordagem do texto literário no Livro Didático de Português para o 6º ano, Português

Linguagens, da editora Saraiva (CEREJA; MAGALHÃES, 2012).

1.1.2 Objetivos Específicos

• Identificar de que forma os textos são trabalhados, analisando o primeiro capítulo do Livro Didático de Português para o 6º ano, Português Linguagens, da editora Saraiva;

• Discutir a relação do livro didático no ensino de Língua Portuguesa, apresentando o objeto e contextualizando a concepção de leitura e a formação escolar de leitores.

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2 CONSIDERAÇÕES SOBRE LEITURA E FORMAÇÃO ESCOLAR DE LEITORES

Anteriormente ao início das discussões atinentes a este capítulo, é necessário destacar que Britto (2003; 2012; 2015), Geraldi (1997 [1991]; 2010), Kleiman (1992) e Kleiman e Moraes (2007) têm compartilhamento apenas no que compete à temática enfrentada: leitura e formação de leitores. Isso porque, teoricamente, Britto (2003; 2012; 2015) está situado na perspectiva da teoria histórico-cultural da Escola de Vigotski; Geraldi (1997 [1991]; 2010) alinhado aos estudos do Círculo de Bakhtin; Kleiman (1992) numa fase intelectual de alinhamento às teorias de base cognitivistas para pensar processamento em leitura; e Kleiman e Moraes (2007) numa discussão de base sociológica, bastante alinhada aos Estudos do Letramento, ainda que com algumas inserções de caráter materialista, como na discussão sobre alienação escolar do aluno.

De todo o modo, mesmo situados em pontos teóricos distintos e além do compartilhamento acerca da temática central desses trabalhos, os autores convergem em um pouco bastante significativo, levando em consideração a discussão central acerca da concepção de língua como interação e formação escolar de leitores, com exceção à produção específica de Kleiman (1992) aqui também utilizada.

2.1 CONCEPÇÃO DE LEITURA

De início, é interessante destacar a ressalva feita por Britto (2012) acerca da origem etimológica da palavra leitura, que seria bem próxima de escolha. Apesar de, em princípio, saber de onde vieram as palavras ajudar a compreender muitas questões, é necessário ter cuidado para não aceitá-las como uma premissa absoluta, já que as palavras não possuem um significado único. Aquilo que significaram outrora não necessariamente significam agora. Há que se considerar, assim, o contexto. As palavras vão adquirindo novos significados de acordo com os aspectos histórico-sociais, com a frequência do uso e com a circunstância em que são

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utilizadas. Assim, afirmar “que leitura é escolha - e, por decorrência que o sentido2 que dela emerge resulta da projeção que faz o sujeito -, apesar de ser uma ideia cativante, parece pouco interessante para compreender suas especificidades e as características” (BRITTO, 2012, p. 19).

Nessa direção, destaca-se a análise que Britto (2012) faz das acepções mais comuns de leitura, para o que toma como ponto de partida um verbete do dicionário Houaiss (2004). Inicialmente, surgem no verbete algumas acepções para leitura como “ato de decifrar signos gráficos que traduzem a linguagem oral” e “ação de tomar conhecimento do conteúdo de um texto escrito”, que levam a crer que o significado mais presente de leitura seria o de leitura de texto (BRITTO, 2012, p. 20). Assim, ele observa que apesar de admitir vários significados3 e de ser utilizada de diversas formas, quando se fala de leitura de texto fica claro que possui um aspecto próprio. Nessa perspectiva, o autor explica que:

[...] a leitura de uma notícia não tem as mesmas características que a leitura da carta ou de um e-mail, que é distinta da leitura de um ensaio, que não se faz do mesmo modo que a leitura de um romance. De todo modo, em primeira instância, o texto escrito aparece como elemento base do ato de ler, de tal forma que as significações possíveis estão no plano da linguagem verbal codificada pela escrita. Há, entretanto, outros sentidos para leitura, alguns registrados no dicionário, outros não. (BRITTO, 2012, p. 21)

Como exemplos, ele traz as expressões leitura da luz/gás/água, leitura da mão, leitura de jogo, leitura de mundo, leitura de imagem, leitura de filme, entre outras. No caso de leitura de luz, seria uma leitura fundada apenas na decodificação de uma informação de quantidade codificada em padrão numérico, ou seja, a tradução de um valor. Essa concepção possui um significado diverso, afastando-se da concepção de leitura que o autor preocupa-se em

2 O termo ‘sentido’, trabalhado por Costas e Ferreira (2011, p. 216), a partir da obra de Vigotski, se refere a, “portanto, aquele instante, não tem a estabilidade de um significado, pois mudará sempre que mudarem os interlocutores, os eventos. Tem caráter provisório e é revisitado e torna-se novo sentido em situações novas”. Ou seja, quando se trata de sentido, a partir do momento que os constituintes da enunciação sofrerem modificação, o sentido também se altera.

3 O termo ‘significado’, também no trabalho de Costas e Ferreira (2011, p. 214), de acordo com a obra de Vigotski, diz respeito a “estabilização de ideias por um determinado grupo. Estas ideias são utilizadas na constituição do sentido. Vale reafirmar: em quaisquer eventos os significados têm sentidos que se ampliam em acordo com estes eventos. [...] Não é algo cristalizado, mas evolui histórica e culturalmente”.

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apresentar por restringir a atividade intelectiva, concentrando-se apenas no que tange a decifração.

Porém, quando se trata da leitura da mão, o significado é mais problemático. Teoricamente, seria uma atividade em que se interpretam signos que somente o intérprete de leitura de mão pode compreender. Outras pessoas, portanto, não conseguem realizar essa atividade. Britto (2012) considera que apenas como metáfora pode-se considerar encontrar algum texto para ser decifrado e interpretado nesse caso, pois não há estabilidade nos signos. Ou seja, diante da impossibilidade de verificar o resultado da leitura, afasta-se essa concepção de leitura pela falta de estabilidade.

No caso de leitura de jogo, se refere à forma como esportistas/comentaristas entendem o andamento de um jogo, através de técnicas, táticas e da probabilidade de vencer. De modo similar, Britto (2012) cita a expressão na “minha leitura”, que é utilizada de forma recorrente para expor a opinião de alguém sobre determinada situação. In casu, “[...] ocorre a possibilidade de coincidência e de verificação do resultado, de modo que o sentido produzido teria materialidade. Não há, contudo, signos propriamente, já que se trata de interpretação direta dos fatos e não de objetos simbólicos” (BRITTO, 2012, p. 23). Assim, o autor se afasta dessa concepção também, pois perde a particularidade de ser mediada pela escrita.

Outrossim, temos a expressão “leitura de mundo”, uma concepção subsumida da reflexão freiriana, que seria aquela leitura metafórica, em que não há signos escritos. Ela se dá através da compreensão das experiências e das relações vividas. Nessa vereda, aprender leitura de texto somente seria útil para aprender mais sobre a compreensão de mundo. Todavia, Britto (2012) critica essa assunção da expressão e entende que, ao cair no senso comum, passou-se a tratar de forma simplória a concepção de leitura de mundo como se fosse apenas uma ampliação de leitura da palavra. Para ele, essa concepção também se afasta da concepção de leitura de texto.

Para Britto (2012), ainda, na leitura de filme, o espectador está diante de uma representação da realidade e busca interpretá-la. Porém, para isso, não é necessário decifrar nenhum signo, apenas receber as imagens. Diante disso, a “leitura do filme só se aproxima da leitura do texto enquanto derivação de sentido e de projeção de possibilidades. [...] leitura do filme corresponde à da situação narrativa que se oferece ao espectador, e não a intelecção de

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símbolos” (BRITTO, 2012, p. 25). Nesse caso, não seria possível realizar a leitura de filme com tantas noções e ideias quanto na leitura de um texto.

Na leitura de imagem, seja de pintura ou de fotografia, apesar de se tratar de uma ação intelectiva específica, não é possível verificar a decodificação, pois não há mensagem codificada, não há signos. Tratar a leitura de imagem como se fosse uma leitura literal, ou algo nesse sentido, “[...] decorre do equívoco de considerar imagens estilizadas (já que não se trata de simplesmente dizer que o conceito se aplica a qualquer paisagem que se apresente diante dos olhos) como texto propriamente dito [...]” (BRITTO, 2012, p. 30-31).

Essas são algumas das acepções discutidas por Britto (2012), para demonstrar os inúmeros significados que a leitura pode assumir. Ele destaca, ainda, que é inadequado acreditar que todas as expressões de leitura possuem o mesmo significado, apesar de se referirem à mesma palavra. Em outra perspectiva, Britto (2003, p. 134) aborda a importância da leitura e suas implicações:

Ler é uma maneira de estar informado e, neste sentido, de participar do espaço público; é um instrumento intelectual importante, articulando o domínio de discursos e formas de pensar bastante específicas; é uma ação tipicamente metacognitiva, já que no momento em que lê, a pessoa não apenas explora um conteúdo como reflete sobre o texto que o apresenta de maneira muito mais intensa do que ocorre com outros meios; é uma situação que favorece o pensamento reflexivo e analítico, já que supõe monitoramento ativo e consciente da atividade intelectual; é uma possibilidade aguda de experiência estética sobre um objeto cultural intensamente elaborado e reelaborado.

Ademais, é interessante destacar a crítica que Britto (2003) faz à visão de que a leitura seria um ato redentor e que teria a capacidade de salvar o indivíduo da ignorância e da pobreza, além de que seria fundamental para a concepção de vida em uma sociedade saudável, solidária e evoluída, sem levar em consideração o que de fato seria leitura e as práticas sociais que a envolvem. Nessa perspectiva, alerta para o risco de atribuir qualidades mágicas e ilusórias para a leitura, já que isso leva à insipiência do que de fato significa o ato de ler.

Do mesmo modo, Britto (2003, p. 104) realiza outro juízo de valor reprovando também a crença de que ler é sempre prazeroso e esclarece que tentar “vincular a satisfação intelectual pela realização de um trabalho a um certo tipo de prazer não passa de uma forma

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de falsear a realidade” e, assim, evitar uma leitura mais crítica. Igualmente, esse autor condena a crença da leitura de entretenimento como prática de leitura escolar, pois entende ser apenas outra modalidade de cultura de massa, caindo na falácia da ‘pedagogia do gostoso’4.

Outrossim, em relação à pedagogia da leitura, Britto (2012, p. 32) ressalta a importância da distinção de interpretação e de leitura, para evitar a generalização:

[...] interpretar não é ler (ainda que faça parte da leitura), da mesma forma que a leitura é diferente da escuta de falas do dia a dia, mesmo que ambos os casos haja realização linguística. O teatro, a música, o cinema, a pintura, a escultura, a fotografia, assim como a aula, não são leitura em sentido estrito: supõem processos intelectuais diferentes, mesmo que tão complexos quanto e com muitas articulações com a leitura do texto. Não se diz isso desprezando tais atividades e objetos de cultura, mas exatamente buscando evitar um pernicioso e inútil conceito demasiadamente abrangente de leitura. Se tudo for leitura, ler não será nada. Para Britto (2012), assim, a leitura é uma ação que envolve um processo cultural, sendo que só pode ser considerada leitura se as duas dimensões, decifração e interpretação, estiverem presentes. Ademais, Britto (2003, p. 102) explica que a leitura ocorre através “[...] da manipulação de sistemas específicos de referência e de interpretação, sistemas constituídos histórico-socialmente, de modo que o processamento da informação depende sempre de um quadro de referências” e somente a partir disso que pode ter significado.

Nesse sentido, Britto (2012) destaca que tais dimensões, apesar de diferentes em seus fundamentos, estão interligadas. A decifração consistiria no ato de pronunciar oralmente ou apenas mentalmente o conteúdo escrito, e a interpretação seria o processamento do conteúdo do texto. Assim, uma máquina como um scanner poderia realizar a decifração e apenas ela. Já a interpretação pode estar presente também em outras atividades que não necessariamente envolvam escrita.

Todavia, Britto (2012) explica também que a decifração às vezes pode ser excluída, dando o exemplo de uma situação em que é exposto em voz alta determinado texto escrito

4 Expressão utilizada por Britto em diversas passagens. A ‘pedagogia do gostoso’ se refere a uma “invenção desastrada de pedagogias subjetivistas liberal, se conforma ao relativismo banalizado e demonstra ser um elemento facilitador de comportamentos reprodutores, reforçando fórmulas estéreis de educação, limitadas aos modos de ser estabelecidos pelo senso comum da cultura de massas” (BRITTO, 2012, p. 95).

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para algumas pessoas e essas pessoas não realizam a decifração. Mesmo assim, a leitura ocorreria:

[...] a isso tenho chamado de “ler com os ouvidos” (assim como, no caso do braile se lê com as mãos e na leitura labial e em LIBRAS se escuta com os olhos); e é certo também, que em muitas situações, a leitura ganha contornos de automatismo, como nas instruções de direção, identificação de lugares, avisos, etc. Mas, mesmo nestes casos, toda a atividade intelectual e discursiva é mediada pelo escrito. Isso supõe reconhecer que, para além da decifração, a intelecção do texto ganha contornos bastante diferentes quando se consideram as formas da realização dos escritos. Ler [...] implica a interação intelectual com discursos cuja organização se afasta das formas da oralidade, com léxico, sintaxe e prosódia próprios, sustentando-se sobre outro tipo de referencialidade, mais distante do contexto imediato e vinculada a estratégias mais tensas de representação, ocupando lugar específico na dimensão cultural e intelectual. (BRITTO, 2012, p. 27)

Muitas vezes, é difundido em crença popular que a leitura por si só funcionaria como meio de desenvolvimento intelectual, sem levar em consideração a inserção social do leitor e as características da leitura em si. Nessa vereda, Britto (2003, p. 102-103) distingue conhecimento de informação e alerta para o perigo dessa descontextualização da leitura:

O conhecimento não é informação nem se mensura pela quantidade de informação disponível ou armazenada por algum sistema. Se, por um lado, a capacidade de articular criticamente elementos do mundo exige informação, já que não se constrói conhecimento do nada, por outro lado o conhecimento só pode ser construído porque o sujeito, num determinado contexto histórico, dispõe de condições de manipulação de informações de diversos graus de complexidade. Descontextualizada, a idéia de leitura como instrumento de ilustração neutraliza diferenças qualitativas e políticas dos tipos de informação e mitifica o conhecimento.

Para Geraldi (1997 [1991]), há uma espécie de diálogo entre o produto do trabalho de produção de textos e a leitura, que se retomam a partir das estratégias de ter o que dizer, ao contrário do que se encontra geralmente nos livros didáticos. Nesse sentido, o autor destaca que a leitura está incorporada à produção de textos de duas formas:

[...] de um lado ela incide sobre ‘o que se tem a dizer’, pela compreensão responsiva que possibilita, na contrapartida do leitor à palavra do texto que se lê; de outro lado, ela incide sobre as ‘estratégias do dizer’, de vez que, em sendo um texto, supõe um locutor/autor e este se constitui da mesma forma apontada por nós na produção de textos [...]. (GERALDI, 1997 [1991], p. 166)

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Segundo Britto (2003), a leitura não deve ser apenas o acúmulo de informações, ela deve ser concebida como um processo cultural, fazendo com que o leitor pense, e se humanize, ao adquirir conhecimentos. Nessa perspectiva, o ato de ler, do ponto de vista histórico-cultural, não teria um fim em si mesmo. Para ele, a leitura é, na verdade, uma ação que o sujeito faz em favor de uma atividade maior, de uma finalidade que transcende a leitura em si mesma. Nesse contexto, convém destacar os tipos de leitura sugeridos por Geraldi (1997 [1991]) para exemplificar a entrada do texto na sala de aula: leitura-busca-de-informações, leitura-estudo-do-texto, leitura-pretexto e leitura-fruição, que mais adiante serão vistos com mais profundidade junto com os campos de atividade humana em que a leitura é demandada de modo específico.

Para Geraldi (1997 [1991]), a relação interlocutiva da leitura se dá através da experiência de produção do autor, juntamente com a produção de sentido pelo leitor, a partir do trabalho do autor. Assim, através de um processo dialógico, o fruto do exercício de produção se oferece ao leitor e nele se concretiza. Nesse sentido, Geraldi (1997 [1991], p. 166) propõe a metáfora do bordado para ilustrar esse processo dialógico:

[...] cuja trama toma as pontas dos fios do bordado tecido para tecer sempre o mesmo e outro bordado, pois as mãos que agora tecem trazem e traçam outra história. Não são mãos amarradas - se o fossem, a leitura seria reconhecimento de sentidos e não produção de sentidos; não são mãos livres que produzem o seu bordado apenas com os fios que trazem nas veias de sua história - se o fossem, a leitura seria um bordado que se sobrepõe ao bordado que se lê, ocultando-o, apagando-o, substituindo-o. São mãos carregadas de fios, que retomam e tomam os fios que no que se disse pelas estratégias de dizer se oferece para a tecedura do mesmo e outro bordado. É o encontro destes fios que produz a cadeia de leitura construindo o sentido de um texto. E como cadeia, os elos de ligação são aqueles fornecidos pelos fios das estratégias escolhidas pela experiência de produção do outro (o autor) com que o leitor se encontra na relação interlocutiva de leitura. Com efeito, a leitura além de prática social e de ação cultural é, também, “um posicionamento político diante do mundo” (BRITTO, 2003, p. 100) e sua peculiaridade se dá em razão da capacidade de reunir assuntos, do domínio da ação intelectual reflexiva e da capacidade de propagação de um hábito cultural (BRITTO, 2012). Diante disso, o sujeito que tem mais compreensão desse processo também tem mais noção de que nem tudo que se lê é necessariamente uma verdade absoluta e que é necessário filtrar as informações, ampliando sua capacidade de ler (BRITTO, 2003).

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Refletindo sobre o trabalho educativo com a leitura, Geraldi (1997 [1991]) destaca que a entrada do texto em sala de aula através do livro didático é complicada, pois não se leva em conta a legitimidade dessas leituras. Afinal, se a ideia é que o sujeito se aproprie do conhecimento acumulado, é necessário que haja existência social concreta. Nesse sentido, o autor explica que o livro didático acaba se convertendo em uma abstração, pois o que de fato ocorre é que se “[...] faz do texto um meio de estimular operações mentais e não um meio de, operando mentalmente, produzir conhecimentos. Não há perguntas prévias para se ler. Há perguntas que se fazem porque se leu” (GERALDI, 1997 [1991], p. 170).

Para evitar isso, é necessário criar motivações para o aluno. Como exposto anteriormente, Geraldi (1997 [1991]) sugere quatro formas de exemplificar a entrada do texto na sala de aula: leitura-busca-de-informações, leitura-estudo-do-texto, leitura-pretexto e leitura-fruição.

A leitura-busca-de-informações consistiria na ida ao texto com o intuito de conseguir a resposta para a pergunta em questão. Seria o caso de realmente perguntar ao texto. Geraldi (1997 [1991]) destaca que é o querer saber mais sobre algo que leva a buscar informações para compreendê-lo, seja para refutar uma determinada tese ou para aderir a ela.

Já a leitura-estudo-do-texto seria a ida ao texto para escutá-lo. Não seria a extração de uma resposta pronta para uma pergunta em questão, mas sim o aproveitamento de tudo o que o texto possa oferecer, por isso requer mais esforço. Geraldi (1997 [1991], p. 172) destaca que “[...] esta leitura confronta palavras: a do autor com a do leitor. Como a palavra do autor, sozinha, não produz sentido, minha escuta exige-me uma atitude produtiva. [...] Novamente, aqui, o querer saber mais é imprescindível”.

No caso da leitura-pretexto, seria o uso do texto para a produção de outras obras, literalmente como um pretexto. Geraldi (1997 [1991]) explica que a leitura-pretexto não é algo negativo por ser pretexto, mas que nem sempre é adequado em razão dos momentos em que o pretexto não se legitima, trazendo o exemplo do texto utilizado na escola apenas para tratar da sintaxe de seus enunciados. O autor destaca que qualquer texto oferece a oportunidade necessária para tentar descobrir os elementos sintáticos da língua, não sendo, portanto, esse o problema. A ilegitimidade do uso do texto surge com a forma com que foram

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incorporadas as análises sintáticas, objetificando o texto, porque retirado dos propósitos interacionais.

A leitura-fruição consistiria em uma leitura sem as pretensões expostas anteriormente: sem o intuito de fazer perguntas, de escutá-lo ou de usá-lo. “Não é a imediatez a linha condutora desta relação com os outros, mas a gratuidade do estar com os outros, e com eles se constituir, que orienta este tipo de diálogo” (GERALDI, 1997 [1991], p. 174). Geraldi (1997 [1991]) destaca, ainda, que essas quatro formas de exemplificar a entrada do texto na sala de aula não se esgotam, servem apenas como ponto de partida para a problematização do ato de ler e para sua exemplificação.

Outrossim, a leitura é um ato metacognitivo que proporciona “uma possibilidade importante para fazer muitas coisas: o escrutínio e a compreensão do mundo; a intervenção na ordem social; a produção de conhecimentos e a realização de autoconhecimento” (BRITTO, 2015, p. 67). Todavia, Britto (2015) ressalta que isso poderia ser proporcionado também sem a leitura, pois parte do processo de humanização se dá através da escrita e o seu acesso completo estaria vinculado ao que o autor denomina de leitura desenvolta e articulada. Nesse caso, leitura teria valor de produto histórico, portanto, esse valor não seria inerente ao texto e nem à leitura.

Dessa maneira, “promover a leitura seria promover uma forma de pertencimento crítico ao mundo. Um valor, portanto. Um valor que carrega um princípio de humildade e que implica, mais que um simples hábito, uma atitude” (BRITTO, 2012, p. 29).

Assim sendo, Britto (2015, p. 37) destaca que a leitura é, também, um dos conteúdos do ambiente escolar “em que a articulação entre o sistemático e o assistemático mais se manifesta e merece atenção especial. Isso porque favorece a metacognição - a atividade intelectual autocontrolada, realizada com planejamento e avaliação contínua”.

Dessa forma, Britto (2015) assume que existem leituras que são boas, assim como existem leituras que podem ser consideradas ruins. Para verificar o que determina cada leitura, o autor observa a maneira como se dá a produção e a recepção enquanto conhecimento no mundo contemporâneo. Desse modo, ele reconhece três esferas em que se realiza o conhecimento: esfera da cotidianidade, esfera da aplicabilidade técnica e esfera do pensamento especulativo. Cabe a ressalva de que essas esferas estão interligadas, comunicando-se, atravessando-se e se sobrepondo de diversas maneiras.

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A primeira esfera, da cotidianidade, diz respeito às “práticas da vida diária, o pensamento de senso comum e as formas gerais de ser e de consumir” (BRITTO, 2015, p. 68). Segundo Britto (2015), os textos dessa esfera costumam ter linguagem e organização próximas do falar cotidiano, com fácil captação do conteúdo. Além disso, são encontrados em gêneros próprios da vida comum, como é o caso de bilhetes, receitas e cartas. Ademais, o saber cotidiano é próprio dessa esfera, tendo como base as crenças, os valores e os hábitos comuns. Costuma ser automático e irrefletido; porém, isso não quer dizer que seja desnecessário o alfabetismo e a educação escolar nesta esfera:

De fato, o cotidiano contemporâneo não se sustenta apenas em aprendizagens diretas, pressupondo também o senso comum complexo, produzido em outras esferas e que se realiza numa relação verticalizada. Dessa forma, é um saber transmitido e adquirido por relações assimétricas, formais ou semiformais (escola, agremiação religiosa, atenção à saúde, emprego, polícia, etc.). [...] O senso comum complexo orienta as formas de comportamento e de avaliação da vida em sociedade conforme as demandas produtivas e política-institucionais, realizando, na dimensão da cotidianidade, determinações consequentes da esfera técnica. (BRITTO, 2015, p. 69, grifos do autor)

A segunda esfera, da aplicabilidade técnica, corresponde ao conhecimento tido como útil e sistematizado. Está relacionado a procedimentos, protocolos e instruções, sendo que está associado à tecnologia e à normatização, tendo a produtividade como medida de valor. A razão técnica é própria desta esfera. Dessa maneira, os textos dessa esfera costumam ser “assertivos (definitivos) e objetivos, com caráter instrumental e aplicado; referenciados na atividade com que se relacionam, têm a presença constante de jargão da área correspondente [...] e se oferecem em gêneros instrucionais e expositivos” (BRITTO, 2015, p. 70). Para Britto (2015), essa esfera corresponde, por exemplo, a protocolos de procedimentos comerciais e industriais e às leis de convivência social.

A terceira esfera, do pensamento especulativo, “supõe formas de organização e exposição distintas do falar e do pensar cotidiano, exige a explicitação, referenciação e descontextualização do pensamento, o que, por sua vez, faz da metacognição procedimento intelectual fundamental” (BRITTO, 2015, p. 69). Nessa esfera, Britto (2015) destaca que a apreensão dos procedimentos intelectuais necessários pressupõe uma formação que não vem da instrução básica ou de um hábito. Para tanto, Britto (2015) traz como exemplo do

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pensamento especulativo a filosofia, a ciência e o meio legislativo. Assim, os textos dessa esfera circulam em espaços e gêneros específicos, como é o caso de teses, ensaios, tratados e editoriais, por exemplo. Britto (2015) salienta, ainda, que o número de pessoas que realiza esse tipo de leitura não é grande.

No entanto, Britto (2015, p. 70) ressalta que essa compreensão das esferas não significa um modo engessado de apreensão da cultura escrita, já que as esferas e os textos se comunicam, “inclusive em função do lugar de recepção e da finalidade do leitor. As tendências, contudo, são evidentes e seu reconhecimento pode conduzir a análises e posturas político-pedagógicas mais consistentes”.

Noutro sentido, Britto (2003, p. 109) critica veementemente a noção de leitura que prevalece atualmente nas ações de promoção de leitura e na prática escolar, tendo em vista a pressão e a consequente submissão ao capitalismo que, de modo opressor, faz com que sejam cada vez mais produzidos objetos de consumo alinhados à cultura de massa:

Não faz sentido, assim, imaginar que tais práticas de leitura possam ser mais relevantes ou significativas do que qualquer outra atividade de entretenimento ou de recepção de informação, como ver um filme, assistir o noticiário da televisão ou ir a um parque de diversões.

[...] a tendência mais provável é a de que o leitor, assim como ocorre com o espectador que rejeita programas que exigem maior envolvimento intelectual, torna-se avesso aos textos densos sob o argumento de que são complicados e chatos. Dessa forma, Britto (2012) ressalta que a leitura descomprometida e sem reflexão é um estado de alienação. “O que é alienado é automatizado, é feito mecanicamente, sem consciência dos processos de significação e, portanto, sem capacidade de ampliação de horizontes de vida. A pessoa não tem controle ou consciência” (BRITTO, 2012, p. 49).

Tal afirmação remete à dupla dimensão que comporia a ação de leitura apresentada anteriormente a partir do pensamento do mesmo autor: decifração e interpretação. Nessa perspectiva, o processo de decifração estaria centrado na transformação de sinal gráfico em representação mental, não envolvendo compreensão e tampouco conexão com a realidade social.

Todavia, Britto (2003) chama atenção e critica o risco da descontextualização da afirmação de que o leitor tem uma leitura única, construindo os sentidos do que lê, mesmo que sempre restrito às condições do texto, já que não se pode creditar ao leitor a ideia de que

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ele é fonte original de sentido. Esse tipo de entendimento permitiria uma interpretação considerada muito ampla do leitor, restringindo totalmente a mediação pedagógica.

Nessa direção, interessante retomar a metáfora do bordado, criada por Geraldi (1997 [1991]), para ilustrar o processo dialógico da relação interlocutiva da leitura, que se dá por meio da experiência de construção do autor, juntamente com a produção de sentido pelo leitor, a partir do trabalho do autor.

Nesse sentido, Britto (2012, p. 49-50, grifo do autor) explica que a dimensão formativa da leitura é compreendida de maneira errônea, pois:

[...] sob princípios pedagógicos equivocados, sustenta-se que é o leitor quem dá sentido ao texto e que suas escolhas são sempre legítimas. O ser humano é histórico, e não biológico - não existe ser canino! ou ser felino!. Cada indivíduo é a realização de uma singularidade irredutível que se faz na experiência íntima do corpo e, ao mesmo tempo, na dimensão histórica, particular e geral.

Com efeito, Geraldi (1997 [1991], p. 175) destaca que “O que se diz ou as formas do dizer podem levar a leituras de textos que ampliando nossos horizontes de análise [...], ampliam o que temos a dizer; a forma como outros disseram o que disseram [...] amplia nossas possibilidades de dizer”. O autor explica, ainda, que a leitura é produção de sentidos, pois é através do conteúdo do texto que o leitor está lendo que é possível realizar uma conexão recuperando os conteúdos que já leu anteriormente.

Enfatizando os aspectos cognitivos inerentes à leitura, ainda que não os únicos, como temos destacado nesta seção, Kleiman (1992) ressalta que para compreender o texto o leitor deve utilizar o conhecimento linguístico lexical, sintático e sintático-semântico. É através desse processamento das informações do texto escrito que o leitor passa a compreendê-lo.

Outrossim, Geraldi (2010) ressalta que a leitura é multiface e que o processo de leitura de um texto se dá através dos conhecimentos (que vão além do linguístico), com outros textos (que dão contexto ao texto) e com as condições concretas da leitura. Dessa forma, Geraldi (2010), retomando apontamentos feitos por Fall e acrescentando os seus, considera que existem quatro campos de estudos linguísticos que são importantes para compreender o fenômeno da leitura. O primeiro é o campo do léxico:

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[...] não há como negar que é no texto enunciado que se marcam os processos de enunciações e é nele, portanto que o leitor encontra chaves, orientações, para ressituar o texto na história de sua produção e reencontrar os sujeitos com que se relaciona. O léxico não é neutro e seu agenciamento para o interior de um texto responde a estratégias da enunciação, conseguindo, não raro, pelo uso de certos termos, dar ao texto uma certa configuração e um certo tipo de ancoragem institucional. (GERALDI, 2010, p. 106)

Assim sendo, para Geraldi (2010), o ato de ler produz sentidos e isso significa que o leitor produz significações e é a partir disso que ele se transforma em leitor. Dessa forma, Geraldi (2010) destaca que o leitor se constitui por intermédio de um trabalho de leitura que tem como condições as suas leituras prévias e a sua história de leitor.

O segundo campo é o do enunciado. Segundo Geraldi (2010, p. 106), é por meio do enunciado que o “[...] enunciador oferece ao outro as coordenadas com as quais este buscará estabelecer uma relação entre o objeto físico (que é o enunciado) e o acontecimento aí apresentado [...]”.

Nesse sentido, Geraldi (2010) explica que, no caso da enunciação, o ato de enunciar é um acontecimento que deixa suas marcas no enunciado, sendo que essas marcas são retomadas pelo co-enunciador necessariamente para a produção de sentidos.

Dessa maneira, Geraldi (2010) observa dois aspectos importantes. O primeiro deles é que o leitor “[...] não apenas se constitui por suas leituras, mas está presente no próprio processo de produção do texto (objeto de leitura) em que seja lido, e enquanto leitor visual, ele é co-enunciador do texto” (GERALDI, 2010, p. 106-107). O segundo é que, enquanto “[...] leitor real, ele é o enunciador dos sentidos que construiu em sua leitura, e o outro (o autor) passa, neste momento, a co-enunciador de sua leitura” (GERALDI, 2010, p. 107).

O terceiro é o campo do texto. Acerca do texto, Geraldi (2010) ressalta que ele não se limita a uma sequência de frases ou enunciados. Na realidade, se trata de uma dimensão sequencial assegurada através de processos compostos por mecanismos de coesão e conexidade.

Nessa perspectiva, Geraldi (2010) destaca que somente aprender esses elementos não garante que a produção seja coerente e coesa, pois a textualidade é baseada em um processo sequencial dinâmico e até as condições de leitura do texto podem influenciar, já que é nesse momento que ocorre o preenchimento das lacunas que o texto possui.

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Com efeito, convém trazer as duas dimensões para o trabalho com a leitura do modo como propostas por Cerutti-Rizzatti, Daga e Catoia Dias (2014): dimensão intersubjetiva e dimensão intrassubjetiva (ou interpsicológica e intrapsicológica, com base nas considerações vigotskianas) e suas capacidades envolvidas.

A primeira, dimensão intersubjetiva, compreende a leitura como encontro entre leitores e autores, além de considerá-la um processo cultural. Assim, “formar leitores tem profundas implicações intersubjetivas, a começar pela historicidade familiar dos sujeitos” (CERUTTI-RIZZATTI; DAGA; CATOIA DIAS, 2014, p. 228). Nesse sentido, é necessário levar em consideração as vivências e as valorações do sujeito, sendo que, para formar leitores dentro dessa perspectiva, o professor precisa de uma ação pedagógica que “considere o ato de ler nas diferentes relações sociais, encaminhamento que requer tomar textos em diferentes gêneros do discurso que instituem relações interpessoais nas mais variadas esferas da atividade humana” (CERUTTI-RIZZATTI; DAGA; CATOIA DIAS, 2014, p. 228). Dessa forma, exige o encontro entre o familiar e o estranho, além da apropriação de novos modos de leitura.

Diante disso, as autoras destacam que a dimensão intersubjetiva exige relações entre letramento, gêneros do discurso primários e gêneros do discurso secundários, além da discussão vigotskiana sobre o papel do interlocutor mais experiente ao incidir sobre a zona de desenvolvimento imediata (CERUTTI-RIZZATTI; DAGA; CATOIA DIAS, 2014).

Nesse contexto, Cerutti-Rizzatti, Daga e Catoia Dias (2014) entendem que essas reflexões, de certa forma, estão de acordo com o “estado da arte” nas discussões sobre ensino da leitura contemporaneamente. Assim, explicam que as abordagens dessa ordem vêm sendo compreendidas nacionalmente de forma parcial em relação à leitura, com foco apenas na dimensão intersubjetiva:

[...] inquietam-nos encaminhamentos na formação de leitores focados exclusivamente nessa mesma dimensão intersubjetiva, em abordagens que atentam para a esfera da atividade humana em que os gêneros do discurso têm lugar, para os suportes em que os textos nesses gêneros se materializam, para historicização dos interactantes e importantes desdobramentos sociointeracionais afins, mas que se limitam a tais desdobramentos, sem entrar efetivamente nos meandros da textualização estrita, nas especificidades lexicais e gramaticais que materializam linguisticamente os diferentes encontros entre o ‘eu’ e o ‘outro’ mediados pela modalidade escrita da língua. O mesmo vale em raciocínio reverso, ou seja, a

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priorização da dimensão intrassubjetiva da leitura [...]. (CERUTTI-RIZZATTI; DAGA; CATOIA DIAS, 2014, p. 229, grifos das autoras)

Para a segunda dimensão da leitura (intrassubjetiva ou intrapsicológica), Cerutti-Rizzatti, Daga e Catoia Dias (2014, p. 230) destacam que nela:

[...] importa considerar o movimento de conhecer o que é dito pelo autor para, na compreensão leitora, responder a esse dito. E, nesse conhecer o projeto de discurso do autor estão, em nossa compreensão, questões nodais da dimensão intrassubjetiva da leitura. Para conhecer, importa substancialmente decodificar o texto e depreender implícitos, dois processos exigidos do sujeito em sua individualidade, ou, na intrassubjetividade. Evidentemente, essa dimensão só se justifica no movimento que vai da intersubjetividade para a intrassubjetividade [...]. Sob essa perspectiva, decodificar e depreender implícitos – com todos os desdobramentos dessa depreensão – são demandas intrassubjetivas decorrentes do encontro com o outro por meio da escrita [...].

Assim, nessa perspectiva, a leitura é concebida levando-se em consideração os recursos lexicais e gramaticais agenciados pelos autores em seus projetos de discurso, para que o leitor possa compreender, não só decodificando o texto, mas também inferindo os implícitos, sendo responsabilidade da escola aumentar o desempenho dos leitores. Para tanto, nesse “processo, são requeridos dos leitores ativação de conhecimentos prévios, agenciamento de esquemas cognitivos e realização de inferências, entre outras atividades cognitivas amplamente discutidas pela literatura cognitivista e conexionista” (CERUTTI-RIZZATTI; DAGA; CATOIA DIAS, 2014, p. 230).

Nesse sentido, Cerutti-Rizzatti, Daga e Catoia Dias (2014) explicam que as dimensões do ato de ler estão ligadas em um movimento que vai da dimensão intersubjetiva para a intrassubjetiva. No entanto, destacam que durante a formação dos leitores é comum que os professores acabem dando mais atenção à dimensão intersubjetiva, de modo até mesmo exagerado, e denegando a dimensão intrassubjetiva, o que é um equívoco, pois “Aprender a decodificar o texto escrito é condição para encontrar o outro por meio dessa modalidade da língua; evidentemente, então, trata-se de uma capacidade cognitiva – portanto intrassubjetiva – requerida pela intersubjetividade” (CERUTTI-RIZZATTI; DAGA; CATOIA DIAS, 2014, p. 230).

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Para Catoia Dias (2012), a decodificação do texto é uma capacidade preliminar requerida pela leitura, sendo que o processamento da leitura é considerado dinâmico já que funciona com muitos elementos ao mesmo tempo:

[...] Tais elementos são intrassubjetivos – caracterizados pelo que ocorre internamente no indivíduo leitor durante o ato de ler –, e intersubjetivos – concernentes aos aspectos interacionais, sociais, históricos, culturais e ideológicos da leitura. Sob essa perspectiva, aspectos cognitivos estão envolvidos na compreensão de textos e são tão fundamentais quanto os aspectos interacionais neste processo. (CATOIA DIAS, 2012, p. 118)

Dessa forma, para Catoia Dias (2012), as atividades cognitivas implicadas na leitura são localização de informação, recuperação de referentes e mapeamento de informações,

ativação de esquemas cognitivos, agenciamento de conhecimentos prévios (linguísticos,

enciclopédicos e interacionais) e realização de inferências. Nesse sentido, a autora também destaca que essas atividades cognitivas ocorrem simultaneamente na leitura e estão imbricadas.

Segundo Geraldi (2010, p. 107), as apresentações e o tema/objeto que o enunciador “vai fazendo sobre este asseguram-lhe uma configuração que responde não só às escolhas das estratégias do gênero mas também aos interesses e orientações que o enunciador vai imprimindo no tratamento do seu objeto”. Assim, destaca que há um querer dizer do enunciador, situado na ordem da materialidade do discurso e em que o texto é a materialização superficial.

Por fim, o quarto campo é o do intertexto. Para Geraldi (2010), um texto cita outros textos de diversas formas e não há enunciador solitário. Dessa forma, explica que até mesmo o verbo utilizado no início de uma citação é significativo para entender o sentido dado pelo sujeito citado e pelo conteúdo, de modo a orientar o leitor também sobre o julgamento que o autor fez. Segundo Geraldi (2010, p. 109), não há neutralidade nos discursos, já que esses remetem aos interesses do enunciador:

Assim como o texto é uma materialização do discurso, também a intertextualidade remete ao interdiscurso. As vozes mostradas num texto não são neutras e suas retomadas respondem a interesses discursivos do enunciador. O outro necessário ao discurso se bifurca porque estão presentes tanto aqueles a quem o discurso pretende chegar quanto estão presentes aqueles que dão sustentação, emprestam ditos, e

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constituem o campo a que o discurso se filia. Todas estas características discursivas encontram formas de fixação no texto, e estas formas são os signos pelos quais o leitor entra para atravessar o texto e chegar ao discurso que ele materializa.

Para Geraldi (2010), tanto o leitor quanto o autor realizam o trabalho de elaboração a partir dos textos lidos anteriormente. Dessa maneira, o texto novo dialoga com as leituras anteriores se afastando ou se aproximando desses textos, respondendo a outro texto.

À derradeira, esta seção apresentou uma contextualização sobre concepção de leitura, trazendo como se dá o processo e as implicações do ato de ler, além de uma reflexão sobre o trabalho educativo que é feito a partir dela em sala de aula. Desta feita, passa-se ao estudo da formação escolar de leitores e da relação entre livro didático e Língua Portuguesa em sala de aula.

2.2 FORMAÇÃO ESCOLAR DE LEITORES

Considerar que a prática da leitura possui natureza ética individual e, assim, supor que seja um comportamento subjetivo é, para Britto (2003), um equívoco fundamental no debate sobre a figura do leitor e da leitura. Nesse sentido, o autor destaca que a concepção de leitor que predomina demanda do leitor hábito e postura, e que para isso bastaria vontade e determinação, ou seja, seria uma questão de responsabilidade individual. Dessa forma, ignora-se totalmente um fundamento muito importante: a leitura é uma prática social ligada às relações histórico-sociais que não estão relacionadas à ética5.

A partir disso, é possível afirmar que o conceito de leitor “é sustentado por impressões vagas, conceituações imprecisas, tácitas, que, por sua vez, se constituem a partir de representações de leitura historicamente estabelecidas” (BRITTO, 2003, p. 145). E mais, Britto (2003) destaca que o leitor “para ter razão de ser e poder avaliar e distinguir comportamentos intelectuais dentro de uma sociedade letrada, deve supor mais que conhecer

5 De modo geral, o Dicionário de Filosofia Abbagnano (2007) define ética como a ciência da conduta e traz diversas doutrinas e correntes heterogêneas sobre a concepção de ética. “Por mais diferentes que sejam as doutrinas mencionadas, em suas articulações internas as formulações são idênticas, pois: a) determinam a natureza necessária do homem, b) deduzem de tal natureza o fim para o qual sua conduta deve orientar-se” (ABBAGNANO, 2007, p. 380-381).

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o código escrito ou mesmo ter domínio de certos protocolos sociais de base escrita” (BRITTO, 2003, p. 145).

Uma das concepções de leitor abordada por Britto (2003) é a de um leitor que incorpora um conjunto de valores e de representações que permitem adentrar no universo da leitura, além de que esse leitor leria com desenvoltura.

Outro conceito de leitor trazido por Britto (2003), de certa forma mais idealizado, seria aquele que, com comportamento individual, possui de fato o hábito de ler gratuitamente, geralmente ligado à curiosidade intelectual ou um tipo de entretenimento superior com reflexão. “Ler reconforta, instrui, permite o recolhimento e o autoconhecimento. Daí porque a questão da leitura incidir muito mais sobre a atividade em si que sobre os objetos lidos como se estivéssemos diante de um verbo intransitivo” (BRITTO, 2003, p. 150).

Segundo Britto (2003), outra teoria de definição de leitor, que antagoniza o conceito idealizador, seria a daquele que se caracteriza diante do acesso aos bens da cultura letrada e aos códigos/valores. Assim, leitor seria aquele que costuma manipular valores, sistemas de referência e processos de significação do discurso da escrita, em decorrência da sua inserção social. Nessa perspectiva, a leitura é uma maneira de conhecimento e de inserção social que está interligada com outros conhecimentos e expressões da cultura.

No entanto, Britto (2003) ressalta que o saber letrado não é igualitário, ou seja, nem todos os cidadãos são leitores nos vários sentidos que essa palavra pode ter, ainda que alfabetizados e com acesso a determinados bens da cultura letrada:

Há, é evidente, um tipo de comportamento característico de um segmento intelectualizado das classes sociais privilegiadas que tem na leitura intensiva e densa sua marca distintiva, inclusive de outros segmentos da mesma classe, que se constitui ou por determinação profissional ou pelo tipo de vínculo com o saber que estabelecem certos indivíduos em função de sua história de vida e, muito comumente, pelos dois fatores. Neste caso, a leitura se constitui em um capital individual com valor de mercado e de status no meio social imediato. Não se pode, no entanto, estabelecer a partir disto um critério geral de definição do que seja leitor nem tomá-lo como padrão ideal. (BRITTO, 2003, p. 153, grifos do autor)

Assim, a formação escolar do leitor seria, segundo Britto (2003), uma forma de sofisticação da promoção da leitura, que consiste, teoricamente, na ampliação da participação popular na vida pública, gerando um aprofundamento da democracia. Dentro dessa

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