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Desenhos para brincar : processos e criação

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE CAMPINAS INSTITUTO DE ARTES

HÉLIO APARECIDO LIMA SILVA

DESENHOS PARA BRINCAR: PROCESSOS E CRIAÇÃO

CAMPINAS 2020

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HÉLIO APARECIDO LIMA SILVA

DESENHOS PARA BRINCAR: PROCESSOS E CRIAÇÃO

Tese apresentada ao Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas como parte dos requisitos exigidos para a obtenção do título de Doutor em Artes Visuais.

ORIENTADORA: Luise Weiss

ESTE TRABALHO CORRESPONDE À VERSÃO FINAL DA TESE DEFENDIDA PELO ALUNO HÉLIO APARECIDO LIMA SILVA, E ORIENTADA PELA PROFA.DRA. LUISE WEISS.

CAMPINAS 2020

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BANCA EXAMINADORA DA DEFESA DE DOUTORADO

HÉLIO APARECIDO LIMA SILVA

ORIENTADORA: Luise Weiss

MEMBROS:

1. PROFA. DRA. Luise Weiss

2. PROFA. DRA. Fabiola Bastos Notari 3. PROF. DR. Paulo de Tarso Cheida Sans 4. PROF. DR. Márcio Donato Périgo

5. PROF. DR. Sérgio Niculitcheff

Programa de Pós-Graduação em Artes Visuais do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas.

A ata de defesa com as respectivas assinaturas dos membros da comissão

examinadora encontra-se no SIGA/Sistema de Fluxo de Dissertação/Tese e na Secretaria do Programa da Unidade.

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AGRADECIMENTOS

A Deus.

A meus pais, Benevildo e Maria Terezinha.

Aos meus irmãos, Helaine, Eliana, Eduardo e Helenice. À professora e orientadora Luise Weiss.

Aos professores do Instituto de Artes e Faculdade de Educação da UNICAMP. Aos funcionários da pós- graduação.

Aos colegas do curso.

Aos professores da banca Paulo Sans, Fabiola Notari, Márcio Périgo, Sérgio Niculitcheff (banca titulares), Helena Alexandrino, Sylvia Furegatti e Filipe Salles (banca suplentes).

Aos colaboradores na produção técnica dos trabalhos do projeto: Alexandre França (montagem exposições – Casa de Ideias), Cintia Guimarâes e Thiago (fotografias – Loft da imagem), Diogo Brito e Carol Rizotto (Sabiá Livros), Eduardo Urucum (áudio para rádio e montagens gráficas), Elaine Corsi (ateliê de gravura), Hélio Vaz (marcenaria dos rádios e carrinhos biblioteca), Jorge Bertolini (trilha da animação), Migros do Brasil, Raphael Araújo, Robson (marcenaria – bonecos Multidão), Valéria Lacerda, Waltuir Alves (edição e animação), CCBB – SP setor educativo e Zentrum Paul Klee (vídeo teatro de bonecos - Felix Klee), Setor de Artes Visuais – Secretaria Municipal de Cultura de Uberlândia, alunos e professores das Escolas Municipais de Uberlândia.

Às crianças e professores do Centro Educacional Eurípedes Barsanulfo.

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RESUMO

“Desenhos para brincar: processos e criação” é o resultado de uma pesquisa na linha de poéticas visuais, cuja proposta consiste na produção de uma série de desenhos, livros de artistas e brinquedos. O objeto de estudo aborda as questões sobre a linguagem do desenho, sendo este estrutura essencial do processo criativo, permitindo a reflexão sobre o fazer e pensar arte em seus diferentes aspectos. No trajeto das propostas visuais as temáticas sobre infância, arte, brinquedo e memória atravessam os processos de criação dos desenhos para brincar, construindo e recombinando uma narrativa de experiências de criação em Arte.

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ABSTRACT

“Drawings to play: processes and creation" is a research in the area of visual poetics, whose proposal consists in the production of a series of drawings, books of artists and toys. The object of study addresses the questions about drawing language, which is the essential structure of the creative process, allowing reflections on the process of making and thinking about art in its different aspects.

Along the visual proposals themes about childhood, art, toy and memory go through the process of creating drawings to play with, constructing and recombining a narrative of creative experiences in Art.

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO...11

1 BRINQUEDO, INFÂNCIA E ARTE...15

1.1 Brinquedos das Vanguardas...27

2 BRINQUEDOS DE ARTISTA- ENSAIO VISUAL...42

2.1Os fantoches de Paul Klee...46

2.2 O circo de Alexander Calder...51

2.3 Os brinquedos e os cadernos de desenho de Joaquin Torres-Garcia...55

2.4 A aula e os livros de artista de Bruno Munari...67

3 DESENHOS PARA BRINCAR: PROJETO,PROCESSOS E CRIAÇÃO...80

3.1 Cadernos de desenho - Livro de artista...80

3.2 Cadernos de desenhos para brincar...96

3.3 Desenhos para brincar - brinquedos de artista...121

CONSIDERAÇÕES FINAIS...155

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INTRODUÇÃO

A presente tese tem como objeto de pesquisa a criação e a produção visual a partir da análise do processo criativo na realização de desenho, livros de artista e brinquedos.

Quais objetos de arte são produzidos? Objetos da imaginação, da memória, das experiências vividas e imaginadas? A fantasia, a imaginação e a memória são elementos base das criações?

Nestas indagações a produção dos artistas nos ajuda a pensar sobre o lúdico nas artes visuais e isto significa perceber sua presença e manifestação por via das formas, das produções gráficas, dos objetos, das espacialidades e das ações sugeridas pelos brinquedos idealizados pelos artistas. Um convite para o brincar. O artista trabalha na realização de suas obras e na concepção de objetos lúdicos, elabora um diálogo com as infâncias e temporalidades recombinadas em um campo de descobertas, projeções e revisões sobre o passado e o presente e que desdobram-se em ideias futuras configurando-se em processos e em objetos de arte.

Os brinquedos dos artistas, neste trabalho, principalmente os brinquedos das vanguardas artísticas do século XX oferecem-nos um referencial textual e imagético, vinculando-nos às nossas próprias narrativas visuais e textuais. Diante das imagens e das ideias produzidas pelos artistas, em seus contextos, períodos artísticos e culturais, um repertório de experiências nos estimulam a correlacionar os processos criativos à pesquisa poética pessoal.

Pautado nos conceitos de arte e brinquedo, realizei no início dos anos 2000 uma série de desenhos, que denominei de Desenhos para brincar. A coleção desses trabalhos partiu da possibilidade de criar desenhos que provocassem a interação e a participação do público. Construí, por meio de formas e materiais expressivos, objetos para serem manipulados pelo espectador, jogo este proposto pelos desenhos brinquedos. Entre eles: bolas-desenhos, luvas para usar (passear e falar com as mãos), livros de artista, fotografias e vídeo-instalação compuseram essa coleção de desenhos.

Os desenhos configuraram-se em objetos manipuláveis, ampliando nosso repertório de ver e olhar. Desenhos para ver com as mãos, nos quais o toque e o

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contato conquistaram as possibilidades de compreensão da obra, propiciados pelo manuseio criativo.

Dando prosseguimento à investigação, a série se ampliou convergindo-se na realização de uma Biblioteca Inventada1 (2007), espaço disponível para os livros brinquedo de artista.

Neste trabalho atual, na perspectiva da análise das construções dos brinquedos dos artistas, deu-se prosseguimento a essas imagens: desenhos, livros de artistas e brinquedos.

E neste processo investigativo e de recapitulação, voltei o olhar para os cadernos de desenho, constatando as possíveis e inevitáveis intenções e correlações que os desenhos realizados sugeriram. Cada página era fonte inesgotável para realizações e proposições. Folheando, relendo, revendo e revisando o que foi produzido nos cadernos, outras ações imaginativas estabeleceram sentidos ao ato de perceber e participar das possibilidades do brincar e criar com os desenhos. Os objetos idealizados são sugestões visíveis de um diálogo entre arte e brinquedo. São desenhos para brincar.

Nos procedimentos metodológicos teve-se como ponto de partida o recolhimento de material expressivo e imaginativo presentes nos cadernos de desenho. Assim sendo, reconheço neste objeto o espaço para criação e análise do processo criativo. O hábito de desenhar, uma constante, faz com que os cadernos de desenho devam adotar múltiplas tarefas entre ser ambiente de registro de ideias visuais, livro de artista, obra única ou multiplicável e ser fonte primária de informação e suporte de criação. Nessa tarefa, enfim, materiais e métodos vão se sobrepondo em camadas, em pautas, em linhas e em registros construídos pelo desenho e sua prática diária.

Optou-se por estruturar este trabalho distribuindo os conteúdos pesquisados em três partes: o primeiro capítulo, denominado Brinquedo, infância e Arte refere-se aos brinquedos das vanguardas artísticas do século XX, em que pautou-refere-se o interesse dos artistas, sobre a infância, a criança e seu cotidiano e as possibilidades criativas nas descobertas das intersecções entre o infantil e o adulto.

1

Dissertação de mestrado apresentada no Instituto de Artes da Unicamp, na linha de Poéticas Visuais, intitulada Livro Brinquedo de Artista: Uma Biblioteca Inventada, sob a orientação da profª Drª Anna Paula Gouveia. O trabalho consistiu na criação e produção de livros de artistas, bem como a reflexão sobre o seu processo de criação.

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O segundo capítulo, sob o título de Brinquedos de Artista, consiste na criação de um ensaio visual-textual sobre quatro artistas: Paul Klee, Alexander Calder, Torres-Garcia e Bruno Munari, cujas trajetórias e produções artísticas foram permeadas com menor ou maior intensidade pela produção e criação de brinquedos.

O terceiro capítulo, intitulado Desenhos para brincar: projeto, processos e criação, destina-se à observação e reflexão sobre os cadernos de desenho, entendendo-os como meio expressivo de criação, suporte e obra para o desenvolvimento de processos criativos, continente de ideia e obra autônoma. Neste trajeto são demonstrados os percursos dos processos de criação dos desenhos para brincar, seleção e pesquisa de materiais expressivos, documentos de processo, desenhos, anotações gráficas, registros visuais e textuais e os brinquedos. O conjunto desta proposta visual perambula pelos caminhos que o desenho nos leva, revisitando e dialogando com as infâncias o processo de criação de uma poética pessoal que se desdobra em desenhos para brincar.

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1 BRINQUEDO, INFÂNCIA E ARTE

É notório o interesse dos artistas das primeiras décadas do século XX pelo desenho da criança e a arte infantil. Sobre o assunto se debruçaram diversos nomes entre eles Paul Klee, Kandinsky, Picasso, Miró, Matisse, Jean Debuffet e muitos outros que transitaram por esse universo com admirável delicadeza investigativa2.

Por meio dos movimentos artísticos, Fauvismo, Dadaísmo, Cubismo, Futurismo, Surrealismo esses autores foram mobilizados pelos aspectos teóricos e experimentais na análise do inconsciente e concepções trazidas pela psicanálise3. Nesses estudos sobre a arte da criança, entre desenhos, pinturas, o brincar e o brinquedo eles ampliaram as percepções e reflexões sobre o devaneio, o sonho e o divertimento. Elementos os quais habitam a mesma dimensão simbólica da arte. No entanto, no trabalho dos artistas, o criar, o brincar e o imaginar sobrevivem para além do divertimento e do prazer, pois esse trabalho demanda, em certa medida, a contínua perseverança em encontrar novos meios simbólicos (SEGAL, 1993).

Paralelamente, na Pedagogia, com as propostas educacionais iniciadas no século XIX por Friedrich Froebel (1782-1852) - educador alemão criador dos

Kindergarten (Jardins de infância, 1840) - na educação das crianças mais novas o

uso dos brinquedos e dos jogos simbólicos ajudava como meio de exteriorização do pensamento e construção do conhecimento. Assim, também na observação e percepção da natureza, em registros gráficos nos cadernos de desenhos e produções visuais com recortes e colagens. Seus materiais de jogos e ocupação, assim nomeados como “Dons e Ocupações”, não deveriam ser entendidos como formas concluídas, mas sim, sementes que devem brotar e crescer na alma das pessoas, tanto de crianças como de adultos. Sob essa metodologia muitos dos artistas das vanguardas tiveram sua formação educacional4.

2

No livro The inocente Eye (1997) de Jonathan Fineberg, ele documenta as aproximações e afinidades, imagéticas/visuais na análise das influências da arte da criança sobre o trabalho dos artistas vanguardistas. O autor observa a disposição dos artistas nestas interações, construindo propostas criativas, diálogos e comparações com as produções infantis bem como montagem de exposições coletivas com trabalhos das crianças e dos artistas. No contexto nacional, ver também, o livro. A criança e o Artista (1995) de Paulo Cheida Sans, no qual o professor e artista aborda o assunto sobre expressão e criação, correlatos na produção da criança e do artista (adulto).

3No livro de Gilles Brougère, Jogo e educação, item “Freud ou o jogo como infância da Arte”,

menciona que na concepção de Freud o jogo é o primeiro vestígio da atividade poética, a infância da Arte. A criança brinca tal qual o poeta, cria mundos, novas realidades.

4

Muitos dos integrantes das primeiras vanguardas do XX foram educados por meio desse programa de ensino. E certamente nesse sentido, pela formação educacional, influenciou de sobremaneira seus

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Já no início do século XX John Dewey (1859–1952), educador e filósofo norte americano tinha como princípios gerais a integração de vida e educação, não havendo uma separação entre ambas, as crianças deviam ser preparadas para a vida. A educação devia ser uma contínua reconstrução da experiência, tendo o “aprender fazendo” como fórmula para sua pedagogia. O Educador tem a Arte como experiência, na qual a experiência e a percepção estética proporcionam “uma troca ativa e alerta com o mundo [...] uma interpenetração completa entre o eu e o mundo dos objetos e acontecimentos” (DEWEY, 2012, p.83).

No mesmo período Maria Montessori (1870–1952), médica e pedagoga italiana, cria e desenvolve uma proposta metodológica para escolas de primeira infância para crianças pobres, nomeadas Casas Dei Bambini (Casas das crianças, 1907), os princípios educativos do método era despertar a criatividade infantil por meio de estímulos, além de promover a autoeducação da criança, os brinquedos e recursos de ensino concebidos pela educadora, em formas de objetos tridimensionais, tinham a intenção de trazer a criança à observação dos aspectos espaciais na descoberta do mundo e na descoberta de si mesmo, integradas ao espaço circundante. Nota-se, na criação de mobiliários e no espaço de sala de aula, lugares acondicionados e adequados às estruturas físicas e motoras da criança. Nesse contexto, os utensílios do cotidiano seguem esses princípios, oferecendo maior autonomia e liberdade de ação à criança (ELIAS, 2007, p.29)

As propostas, conceitos e procedimentos desses programas pedagógicos5 foram extremamente difundidos na Europa, nas Américas, na Índia (Montessori) e no Japão (Froebel). Muito do que se realizou atravessou os tempos e está presente no cotidiano da educação infantil na atualidade.

Nas contribuições dos artistas todos os recursos, métodos e estudos, se submeteram aos processos de criação e desvendamento de possibilidades, nos modos de ver e perceber o mundo. As aplicações expressivas, pesquisas de materiais, técnicas e procedimentos de toda sorte sustentaram os processos de criação.

processos criação em Arte. É sabido que Frank Lloyd Wright, Kandinsky e Le Corbusier foram educados de acordo com métodos de Froebel (LUPTON; MILLER, 2008).

5

Ver em De Emílio a Emília, a trajetória da alfabetização, de Marisa Del Cioppo Elias, (2007) em quadro síntese – “As ideias de Rousseau na prática de pedagogos dos séculos XVIII e XIX. Entre eles estão Johan Bernhard Basedow, Johann Heinrich Pestalozzi e os já citados, Froebel, Dewey e Montessori.

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Cada artista, a seu modo e em seu tempo, trouxe à tona suas impressões e entendimentos, promovendo um intercâmbio de propostas inventivas na concepção de obras, correspondendo aos olhares, afinidades e procedimentos acerca do universo da infância e da arte.

No ideário dos artistas vanguardistas o olhar sobre o cotidiano infantil refresca nossos modos de ver. Instiga-nos a perceber o mundo com olhos novos, ver como na primeira vez – instrução esta de Henry Matisse (1869-1954) em suas reflexões sobre arte e, num piscar de olhos, lubrificar nossas percepções descobrindo procedimentos de fazer e pensar a arte. O conjunto dessas observações inspira uma vontade de autoconhecimento, análise e impulso para outras experiências, entre pesquisas visuais, estéticas e poéticas.

O que os artistas puderam encontrar nessas investigações sobre a infância? Nos estudos e relatos histórico-sociais de Ariès, a noção de infância que temos hoje nasce de uma concepção construída, idealizada, pois anterior ao século XIX, a criança era vista como um adulto em miniatura. Um humano em menor proporção. Objeto de encantamento e divertimento. No entanto, em muitos momentos as crianças eram relegadas ao acaso. Faltava, a princípio, nesse período, a consciência da singularidade infantil, diversa a do adulto. Quando a criança ou jovem já tivesse condições de viver sem as solicitudes constantes da mãe ou da ama, ela já ingressava no mundo dos adultos (ARIÈS, 1981).

Em contraponto a essa visão, o artista vanguardista enxergava na criança e na infância, o índice de um lugar da memória. Lembranças reveladoras de algo original. Temporalidades que alimentavam os processos criativos. Uma memória ativa, presente, atuante, construída por camadas de tempos, sobreposições de lembranças e esquecimentos. Independentemente de uma questão cronológica e etária, mas sim, a articulação da linguagem humana em relação às experiências vividas (AGAMBEN, 2008).

Como relembra Benjamim em a “Infância Berlinense”, o filósofo narra, em pequenos relatos de seu cotidiano de infância, as relações temporais de passado, presente e futuro, seus caminhos das “lembranças de infância [...] esboços incertos, mais imperioso do futuro” (GAGNEBIN, 2016, p. 76).

Tal qual em um laboratório fantástico, os componentes da substância base encontrada nas hipóteses e propostas dos artistas seriam a imaginação e a memória. O universo da infância, como ponto de partida, promoveu um encontro da

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imaginação como espaço de criar pesquisas de matérias e procedimentos, bem com a memória como percurso de experiências, histórias vividas e inventadas.

Os aspectos formais das obras configuraram-se em estruturas e narrativas visuais, contextualizaram ideias de Arte e se justapuseram às construções técnicas e visuais das obras, permeando experiências com processos tecnológicos. A produção artística da criança tornou-se ponte para a investigação do gesto, dos procedimentos gráfico-pictóricos e dos objetos, além das edificações plásticas, recombinando imagens em colagens de ideias, gestualidades e matérias.

Em meio às identificações e sintonias estéticas e visuais, recorreu-se a desenhos e pinturas, objetos e brinquedos, produções das crianças e criações dos próprios artistas, quando na infância todos esses materiais foram recolhidos, colecionados, estudados e até mesmo imitados, sendo que um conjunto de experiências serviu como fonte primária de inspiração.

Em muitos momentos, as mesmas formas-imagens coletadas compuseram publicações e peças gráficas – em que se pode encontrar, como exemplo, um desenho de criança na capa do almanaque Blauer Reiter, editado por Kandinsky, Franz Marc e Paul Klee, em Munique (1912). O conteúdo da revista, além de tratar de temas sobre novas experiências em arte contemporânea, na época constava de imagens de trabalhos dos artistas, arte da cultura popular, arte dos povos primitivos e a produção gráfica e pictórica das crianças.

A observação do contexto da infância, a criança e todo seu entorno, descreve um roteiro, um misto de diário de bordo e álbum de retratos da memória, registrados assim, na convivência em família, nos afazeres escolares, nas narrativas orais e visuais, nos desenhos e escritas, nas encenações, dramatizações e brincadeiras, bem como na simplicidade da criança em lidar com assuntos e situações conflitantes, entoados em questionamentos tão profundos sobre o sentido da vida, da morte, do universo e sua origem, entre outros temas possíveis e impossíveis dos debates filosóficos.

Assim, todo esse repertório de experiências ofereceu aos artistas um indicativo de liberdade imaginativa e espontaneidade na investigação e proposições plásticas, construindo um pensar sobre seus processos de criação e elaboração visual.

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Com relação ao conceito de experiência6 é necessário destacar as observações oferecidas pelo filósofo Walter Benjamin, que neste mesmo período, na segunda década do século XX, teve grande interesse em refletir, entre outros temas, sobre a infância e o brinquedo, revelando o objeto como portador de narrativas, condensando as percepções mais profundas, originais e que nos tempos de hoje estão em estado de germe, um grão de sabedoria em hibernação (AGAMBEN, 2008).

Benjamim observa o objeto brinquedo, identificando nele suas ideias essenciais, tendo ele, o filósofo, o contato com os objetos dos quais analisa e interpreta7. Em uma produção diversificada, o teórico escreveu e apresentou uma série de programas de rádio (1927 a 1932), intitulado “A Hora das crianças”8, consistindo em narrativas radiofônicas, leituras literárias, resenhas de livros e histórias infantis, ou seja, Cultura, Arte, História e Memória, são assuntos para crianças e jovens de Berlim e Frankfurt. Benjamin utiliza da nova tecnologia, o rádio, tendo como interlocutor a criança dialogando com as temáticas culturais e sociais.

Haja vista, organiza também sua coleção de brinquedos, cartilhas e livros ilustrados para criança, produtos culturais fontes de suas reflexões. Nessa observação e reflexão, a figura do objeto brinquedo, aparentemente insignificante, obsoleto e transitório, singelo em sua pequenez, colabora para o entendimento sobre seus contextos e fenômenos culturais relacionados à época ou de uma determinada época.

Nesse aspecto, na visão de Benjamin, a narrativa que o brinquedo produz pode trazer elucidações sobre as transformações sociais e históricas, bem como a compreensão dos meios de produção e os processos de industrialização. Também,

6

A respeito do conceito Experiência (Erfahung) Benjamin o distingue do conceito Vivência (Erlebins), do primeiro o filósofo diz a respeito do universo tradição, em que o tempo era a totalidade. No segundo, diz da experiência individual, fragmentada, características dos tempos modernos. No ensaio Experiência e pobreza, que toda experiência profunda, necessita da restauração do ponto original. A criança, com seus brinquedos, construídos por ela mesma e ou recebidos pelos adultos, rememora e restaura, entre brinquedos e brincadeiras o prazer de brincar de novo, e pela repetição, a experiência de poder começar e recomeçar tudo de novo, desde o princípio.

7

Ver os ensaios História cultural do brinquedo, Brinquedos e brincadeiras, Velhos brinquedos no livro Reflexões sobre a criança, o brinquedo e a educação (2009).

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Benjamim apresenta cerca de 86 programas. Em publicação recente, traduzida para o português, o livro A hora das crianças, narrativas radiofônicas (2015), 29 textos dos programas apresentados, abordando assuntos variados, cultura, história, política, tecnologia, entre outros conteúdos de interesse dos jovens e das crianças da época. “Um dia de loucos, trinta ossos duros de roer” (2017) editado pela Bruaá, álbum ilustrado com uma das narrativas-jogo do programa radiofônico de W. Benjamin.

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os usos dos recursos tecnológicos e o principal, a experiência obtida na brincadeira. O objeto brinquedo, como elemento dinamizador da brincadeira, da imaginação e a materialização de novas narrativas. Nesse sentido, o brinquedo ou qualquer outro objeto, proveniente desse universo e no encontro dele e com ele passa a ser motivo de transformação e criação.

A criança, na voz de Benjamin (2009), participa também dessa realidade social e histórica, pois ela remaneja, a seu modo, as narrativas provenientes do universo que os adultos têm interesse, naquilo que o adulto produz e até mesmo naquilo que é descartado, isto é, nos resíduos dos afazeres e trabalhos dos adultos. A criança também é autora de suas histórias, visto que as constrói com as experiências vividas, reinventa e recombina a sua realidade, criando seus brinquedos de seu cotidiano.

Das imagens criadas pelos artistas surgem, por sua vez, deslocamentos das lembranças, memórias e passagens para lugares do inconsciente e projeções para universos múltiplos, ressurgindo dessas criações o reflexo muitas vezes de um olhar inocente e primitivo por meio da admiração da arte infantil.

Nesse espelhamento de mundos entre criança e adulto, infância e arte há o reconhecimento da capacidade criadora da criança. Na convivência com o mundo adulto e vice-versa a criança cria também seu próprio mundo - um mundo dentro de outro, com seus desafios e encaminhamentos para mundos possíveis e impossíveis naquilo que a nossa imaginação pode alcançar e daquilo que se pode fazer.

Nutrindo-se desse diálogo, infância e arte, estabelecido pela observação e o convívio, o brincar passa a ser a palavra-chave desse colóquio – o brincar regido pela repetição (BENJAMIN, 2009), pela continuidade do prazer e pelo “inesperado” como uma resposta da criança ao adulto e o brinquedo como objeto construído com os pedaços da memória ou da falta dela, sendo este, enfim, o brinquedo, o desdobramento dos pensamentos e apontamentos obtidos, repaginados e colocados em ação.

Os brinquedos dos artistas das vanguardas do século XX possuem características encontradas no repertório experimentado em suas práticas artísticas. Nesses objetos passamos a conhecer percepções e visões de mundo, apoiadas nas experiências que interagem com os vários movimentos artísticos, nas memórias e nas lembranças da infância, fases e ciclos da vida.

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Vale lembrar os desenhos com tesoura – papéis recortados de Matisse em que o artista constrói, com recortes de papéis pintados por ele mesmo, gigantes colagens estampando arquiteturas, espaços internos e externos. Matisse ressignifica os limites físicos provocados pela doença e a velhice por meio da criação de uma técnica com a qual ele brinca criando um jogo de imagens, combinando cor e forma e espaço que revestem paredes, templos e vitrais compondo projeções por meio da luz e da cor. Porventura, nesse momento, esse esforço demonstra a necessidade de conservar o frescor do olhar da infância para se exprimir de maneira original e pessoal (MATISSE, 2007).

Retornando ao assunto do exercício de reconquistar formas novas de ver e produzir arte, o artista das vanguardas encontra na criação de brinquedos o meio de diálogo com a infância. O que foi aprendido pelo contato com a arte da criança, em seus registros e expressões, revela um complexo repertório regido por sonhos e devaneios, imaginações e fantasias, concretizando-se na alegria de criar, embora em meio às dificuldades e necessidades diversas do cotidiano e da própria época.

Esse aprendizado encontra no gesto de recolher e organizar objetos e materiais, descartes do trabalho doméstico e da indústria, um lugar acessível de encontros de ideias. Os objetos brinquedos, produzidos pelos artistas, declaram a recuperação da infância e um anúncio aos terrores de um processo de guerras e entreguerras, visões que procuram preservar conhecimentos e sensibilidades diante dos prejuízos e atrocidades que esse período poderia causar.

O brinquedo oferecido à criança pelas mãos dos artistas recombina uma impressão da atualidade à lembrança antiga. Por meio do objeto brinquedo eles promovem um olhar sobre a realidade para conceber uma nova realidade. Uma infância recuperada, como no labirinto da infância berlinense de Benjamin, são modos de traçar inventar e reinventar trajetos, desvios, imagens e palavras, percursos das lembranças. Como conclui Gagnebin (2016) em “História e Narração” advindo da análise do texto de Walter Benjamim sobre a busca por essas imagens do passado para recolhimento do presente.

O fio de Ariadne que guia a criança no labirinto não é somente o da intensidade do amor e do desejo; também é o fio da linguagem, às vezes entrecortado, às vezes rompido, o fio da história que narramos aos outros, a história que lembramos, também a que esquecemos e a que tateamos, enunciamos hoje. (GAGNEBIN, 2016, p. 92)

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Em certa medida, o artista exercita suas memórias individuais justapondo-se às memórias coletivas, não se furta em colocar em prática o exercício de narrar, sendo o brinquedo, nesse caso, a narrativa de estar em uma expedição intensa no universo das lembranças.

A experiência, construída e passada adiante, configura-se em comunicações e intercâmbios baseados em um saber composto pela junção de conhecimento, expressão e fazer. Desse modo, ter algo para contar exige palavras, formas, histórias, imagens, um complexo de elaborações pessoais, bem como social e cultural.

O artista, como genuíno narrador, no ofício de criar, elabora suas narrativas pelas imagens destinadas a diferentes usos, funções e percepções. O espectador (ouvinte), sendo este a criança ou adulto, participa das ideias e proposições que a imagem, brinquedo, oferece. “O narrador retira da experiência o que ele conta: sua própria experiência ou a relatada pelos outros. E incorpora as coisas narradas à experiência dos seus ouvintes” (BENJAMIN, 1985, p.201).

Os brinquedos, sobre essa ótica, conservam em si uma mensagem. São mensagens de uma cultura lúdica na interação e aproximação de mundos, cultivando as interseções entre infância e vida adulta. Nas proposições dadaístas esse diálogo pode se considerar possíveis correlações nas montagens, colagens e assemblagens, nas poéticas literárias sonoras e visuais em textos e visualidades ou em publicações, revistas e projetos gráficos cujas composições tipográficas desordenadas, caóticas remetiam, de certa forma, às ocupações espaciais das criações gráficas e pictóricas das artes infantis. Essas mensagens visuais, na justaposição de narrativas visuais, contextualizavam tempos e promoviam diálogos e interpretações do passado a visões futuras.

Em “Experiência e pobreza”, texto de Benjamin, o autor nos revela que naquele período, 1933, havia pouco espaço para se ter experiência, em que a troca dada pelo saber, pela experiência de fato, por ter algo para passar era restrita, talvez pela falta de tempo ou excesso de trabalho ou pela velocidade que as informações nos chegam ou até mesmo pelo avanço tecnológico. Tudo isso nos atravessa e impacta nossas vidas. Um contingente de acontecimentos se realiza, no entanto, há uma pobreza de experiência que nos silencia. Uma constante que permanece nos tempos atuais, de imediatismo e consumismo, nos distanciando de experiências significativas.

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A experiência é feita daquilo que nos toca, nos acontece. “A cada dia se passam muitas coisas, porém, ao mesmo tempo, quase nada nos acontece” (LARROSA, 2018, p.18). E para vencer esse processo, de uma nova barbárie ou a pobreza de experiência, os artistas, de acordo com a fala de Benjamin, tinham em mente a preocupação de começar do princípio ao se inspirarem nas ciências ou na matemática, para assim reconstruir o mundo. “Como os cubistas, a partir de formas estereométricas, ou quando Paul Klee se inspirava nos engenheiros (...) as figuras de Paul Klee são por assim dizer desenhadas na prancheta” (BENJAMIN, 1994, p.116). O encontro com a infância também era um sinal de recomeço.

Nas narrativas da arte, em meio ao interesse e despertamento pelas produções das crianças, voltar ao princípio, promove interligações e conexões, de universos criativos e inventivos em sua essência. A imaginação é dos elementos originais compondo as tramas da experiência. A imaginação, tendo como suporte a experiência vivida, sustenta a criação. A imaginação como base para criação artística (VYGOTSKY, 2010).

Nas fronteiras da realidade, em suas combinações e recombinações de real e imaginário, a experiência transforma-se em campo fértil para criação. Do objeto dessa criação, no caso específico o brinquedo, assume em sua estrutura, como elementos constitutivos, os aspectos da imaginação, memória, narrativa e criação artística.

Dessas criações, o brinquedo, como objeto artístico, transforma-se em linguagem, que por sua vez, passa a ser “objeto” também para outras recombinações de estruturas imaginativas, como um caleidoscópio, brinquedo que em seu interior acondiciona diversos fragmentos translúcidos e coloridos, os quais refletem, em espelhos montados, múltiplas combinatórias de cores e formas, modos especiais para ver belezas em toda parte. Os brinquedos são ideias visuais para a manipulação criativa.

Na infância, a imaginação, a fantasia, o brinquedo não são atividades que podem se caracterizar apenas pelo prazer que proporcionaram. Para a criança, o brinquedo preenche uma necessidade; portanto a imaginação e a atividade criadora são para ela, efetivamente, constituidoras de regras de convívio com a realidade. [...] Isso porque as crianças não se limitam apenas a recordar e reviver experiências passadas quando brincam, mas as reelaboram criativamente, combinando-as entre si e edificando com elas novas possibilidades de interpretação e representação do real, de acordo com suas

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afeições, suas necessidades, seus desejos e suas paixões. (SOUZA, 2015, p.148).

Recorrendo a Vigotski (2010), em seus estudos sobre imaginação e criação na infância, percebemos que ele buscou novas formas de participação da criança na cultura e em suas reflexões entende a imaginação como base de toda atividade criativa, que se manifesta em todos os campos da vida cultural, na criação artística, científica e técnica. É condição inerente ao humano.

Da criança ao adulto, do mais jovem ao mais velho, e nas mais variadas formações e origens, a pessoa tem a possibilidade da criação, a qual ancora-se na experiência. Nesse sentido, os brinquedos criados pelos artistas buscam promover novas experiências vinculadas às realidades vividas pelos próprios artistas.

Nesse jogo o artista combina e recombina suas imagens do passado, da memória e das lembranças com as demandas e realidades do presente. A criança/autora toma partido dessa realidade presente no brinquedo e com ela constrói novas histórias, fantasias; cria também novas realidades, modos e jeitos diferentes de ver o mundo e a vida. “O sensorial, frequentemente empobrecido na experiência dos adultos, torna-se para a criança uma realidade que anula a diferença entre objetos inanimados e seres vivos” (SOUZA, 2015, p. 149)

O reencontro com a infância destina-se, como nas palavras de Benjamin, a elaborar uma experiência, remetendo às lembranças do passado para endereçamentos atuais. A trajetória é concebida pelo misto de passado e presente. Uma linha, um fio condutor que perpassa tecendo, alinhavando e guiando caminhos para junções de partes retalhos do passado. Tudo se passa na tentativa de estabelecer diálogos com as possibilidades de futuro que o passado tem a proporcionar.

Essa reflexão sobre o passado visto através do presente descobre na infância perdida signos, sinais que o presente deve decifrar, caminhos e sendas que ele pode retomar, apelos aos quais deve responder pois, justamente, não se realizaram, foram pistas abandonadas, trilhas não percorridas. Nesse sentido, a lembrança da infância não é idealização, mas, sim, realização do possível esquecido ou recalcado. A experiência da infância é a experiência daquilo que poderia ter sido diferente, isto é, releitura crítica do presente da vida adulta. (GAGNEBIN,1997, p. 181)

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Nesse sentido, os brinquedos criados pelos artistas vanguardistas possuem um olhar sensível, ajustado à ótica da criança, com percepções ou observações de outros pontos de vista. De baixo para cima. Da margem ao centro. De dentro para fora. Das partes ao todo e vice-versa.

Nos encontros com a criança que fomos um dia, ou naquela criança que desejamos ter sido, as respostas são descobertas, são reparações e providências tomadas em ação. Construir, pela linguagem da arte, extensões de ideias para usos criativos como ponto de partida para novas criações e desígnios.

O artista retribui às crianças de todos os tempos e temporalidades, em suas várias fases, criações de objetos lúdicos, ou em outras palavras, brinquedos nascidos das questões sobre arte, criação e vida. Em meio a esses questionamentos, os brinquedos estão impregnados de matizes de tempo, espaço, memória, narrativas, confabulações de saberes e aprendizados, proposições e projeções futuras. O artista reconhece e resguarda na infância o reencontro consigo mesmo, abre um campo de possibilidades e extensões de ideias de arte.

Na escolha das formas e materiais expressivos, nos assuntos e narrativas, conselhos ou ensinamentos, técnicas e elaborações, componentes que sustentam, de maneira formal, as concepções do objeto brinquedo, contudo, revela de modo original (buscando na origem do processo criativo) as intenções das propostas oferecidas pelos artistas vanguardistas às crianças, pois ela, a criança, está no centro. A infância e a arte edificam a linguagem da qual a criança ou adulto fará uso em seus lúdicos diálogos, que a seu tempo virá a ter. Dos brinquedos, novas narrativas, novas histórias para serem contadas e recontadas. Os brinquedos feitos pelos artistas preservam e promovem experiências de esperanças destinadas a um mundo melhor.

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Figura - 1 Livro ilustrado Um dia de loucos (2017) – narrativa radiofônica de Walter Benjamin

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1.1 Brinquedos das vanguardas

Os brinquedos dos artistas pensados para criança nascem da vontade do encontro com a infância. Um encontro com as potencialidades de criação e de propostas de possíveis possibilidades de novas experiências.

Lugar de uma paisagem afetiva, concebida pela memória e a invenção. São brinquedos da memória, presentes! São presenças familiares, escolares, percepções e sensações. Os brinquedos das vanguardas são objetos lúdicos recuperados das infâncias dos artistas.

Em “La infancia de las vanguardias, sus profesores desde Rousseau a la Bauhaus” (2007), publicação editada a partir de estudos e pesquisas do escultor, professor e arquiteto espanhol Juan Bordes apresenta uma análise de sua coleção de objetos e materiais utilizados na formação educacional de crianças e jovens do final do século XIX. Um acervo organizado ao longo de 30 anos, consistindo em grupos de cadernos de desenhos e representação gráfica, cadernos de colagem, brinquedos e brinquedos educativos, livros, objetos escolares e manuais de estudo. Em sua tese, essa análise torna-se evidente por meio da coleção, dos fundamentos e recursos educacionais, os quais influenciaram muitos dos artistas vanguardistas.

Bordes (2007) reconhece nas propostas pedagógicas9 de J.J. Rousseau (1712-1778) a valorização do ensino do desenho, como disciplina imprescindível tanto quanto a leitura, a escrita e a matemática. Rousseau entende que o desenho e seu ensino é o recurso para o desenvolvimento da percepção infantil e instrumento específico para formação técnica (industrial) e artística do jovem, bem como linguagem artística, fundamental das Artes visuais.

Nesse processo de colecionismo, Bordes (2007) encontra exemplares de manuais e cadernos do século XIX com recortes e colagens utilizados por estudantes, seguindo a metodologia de Froebel. O exemplar, de autor anônimo, é datado por volta de 1885 e um outro manual de ensino desenvolvido pelo matemático inglês Oliver Byrne (1815-1885), seguidor da metodologia de Froebel, caderno esse com desenhos geométricos, em que nota-se na diagramação das páginas e apresentação das figuras geométricas, forte referência visual encontrada nos movimentos Neoplasticismos ou em De Still, de certo modo, as imagens

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antecipando meio século das propostas artísticas. Imagens caderno de matemática Na publicação de Bordes (2007), o autor percorre visualmente as metodologias de diferentes educadores como Rousseau, Pestalozzi e Froebel e demais sucessores, confirmando as evidências de sua tese por meio da dezena de exemplares colecionados em uma abordagem que relata os usos e funções dos recursos visuais e plásticos na elaboração e aplicação de propostas educacionais por meio da linguagem do desenho e do brinquedo. Nessa seleção conceitual e visual, escolhida e montada por Bordes (2007) para pensar sobre a arte das vanguardas, ele busca abordar os conceitos e as linguagens da Arte, observando os olhares e procedimentos dos educadores e não como, tradicionalmente, apenas pelos objetos da Arte ou nas obras reconhecidas e confirmadas como tal. Existe um olhar sobre o passado em que um encontra na infância consubstanciando os fundamentos para suas reflexões sobre a Arte.

Nas imagens dos exemplares que evidenciam as metodologias de Rousseau, o autor expõe os cadernos de escritas e desenhos e os manuais usados pelo educador, cujo conteúdo apresenta, de forma sistematizada, modelos de referência de imagens e ilustrações que são representações gráficas de elementos da natureza e figuras humanas, em detalhes ou em fragmentos, referências visuais a serem usadas para a prática do desenho. A proposta de Rousseau fundamenta-se na observação da natureza e não apenas na repetição e cópia de formas geométricas. Inserir cadernos de Rousseau.

Na metodologia de Pestalozzi o ensino do desenho tem fortes referências na proposta de Rousseau, no entanto, o educador inaugura um contraponto em seu sistema de ensino de desenho para a produção gráfica, seguindo três modos de experiências, os quais ele utiliza também nas outras disciplinas: a observação, a medida numérica e a linguagem oral-escrita. Em suas abordagens educativas implementa o uso de pequenos quadros negros, em formato de caderno ou prancha, sob os quais o estudante pode fazer seus registros e anotações, apagá-los e refazê-los de acordo com suas necessidades. Na proposta de Pestalozzi o desenho10

10

No livro ABC da Bauhaus: a Bauhaus e a teoria do design (2008) de Ellen Lupton e J. Abbatt Miller encontra-se imagens dos recursos e processos e esquemas que a escola, utilizou baseando-se nos ensinos de Pestalozzi, na criação de um código gráfico, para criação de desenhos. No método desenvolvido por Gropius para a Bauhaus no Curso básico, assim chamado, pretendia dar uma formação técnica e artística, utilizando do recurso da abstração das formas elementares e dessa síntese aplicá-la para qualquer outra forma e ou linguagem visual, fosse ela, escultura, tecelagem, gravura, tipografia e etc.

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assume grande importância na formação de uma educação da percepção visual, nesse sentido, o método estimulou a prática do desenho seguindo diferentes formas por calcular e produzir imagens desenhadas seguindo padrões de medidas.

Na metodologia de Froebel o ensino do desenho foi o que teve maior impacto no chamado Desenho Moderno. Sua proposta sintetizou, de forma prática, as metodologias anteriores, integrando o uso do jogo na educação. Seu programa de ensino dos “Jardins da infância” difundiu seus métodos e objetos e os “dons e ocupações” os quais compuseram-se como estratégias originais na concepção do ensino do desenho. Froebel, como Pestalozzi, organiza suas propostas em manuais, oferecendo diversas instruções para elaboração de desenhos e fazeres manuais. Para a prática do desenho utiliza as técnicas de recortes e colagens, bordados sobre papel, montagens cromáticas com figuras geométricas planas, entre outros e associados aos manuais, concebe pequenos conjuntos de caixas de diferentes tamanhos contendo nelas sólidos geométricos e blocos para montar esculpidos em madeira, policromados ou apenas na cor da madeira. Para os afazeres manuais monta pequenos kits em caixas de papelão com linhas, agulhas e pequenas ferramentas.

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Figuras 3 - Scrapbooks, recortes e colagens,1885 - acervo Juan Bordes

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Figura 5 - Álbum froebelliano . Modelo para ocupação nº 5, séc. XIX

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Figura 7 - Métodos para desenhos em quadro negro

Fiura 8 - Materiais e quadros utilizados para o ensino de desenho pestalozziano

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Figura 9 - Dons nº2 – 1880 Figura 10 - Dons nº 4– manual prático 1871

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Por meio desse repertório Bordes (2007) evidencia as referências e experiências educacionais vivenciadas pelos artistas vanguardistas. Com maior ou menor intensidade essas experiências revestiram suas propostas e obras. Nas palavras do autor, a educação permanece sendo a base para os diversos avanços que a humanidade tem a percorrer. Bem como o reconhecimento de seus professores e metodologias abordadas.

Os brinquedos das vanguardas mantêm o princípio dessas experiências educativas, longe de serem metodologias aplicáveis ou não, recuperam a vontade de transformar ideias visuais em recursos para imaginação da criança. Das concepções dos artistas se projetam obras para variados fins e endereçamentos.

Sobre os brinquedos produzidos pelos artistas, tendo como ponto de referência uma exposição no Museu Pablo Picasso, realizada em Málaga na Espanha e intitulada “Los joguetes de las vanguardias” (2008), com o propósito de provocar emoções e recordações, reuniu um conjunto de 600 obras entre livros, jogos, brinquedos, objetos, desenhos, marionetes e fantoches, filmes, fotografias entre obras produzidas pelos artistas da primeira e segunda metade do século XX. Cerca de mais de 160 autores/artistas, entre eles Marcel Duchamp, Giacomo Balla, Ladislav Sutnar, Paul Klee, El Lissitzky, Joan Miró, Oskar Schlemmer, ShophieTaeber-Arp, Alexander Calder, Joaquim Torres-Garcia, Bruno Munari, Vladmir Maiakoviski, Picasso e muitos outros autores.

Uma reflexão histórica sobre o período que trata das preocupações da época e suas visões futurísticas. No livro-catálogo da exposição reúnem-se artigos de autores e estudiosos das Artes, professores, artistas e cujos artigos e imagens traçam caminhos de possibilidades que foram registrados na seleção e reunião das obras produzidas no período referente. Nota-se, no centro dos assuntos pertinentes à produção dos artistas, as escolhas de obras que surgem entre momentos pontuais, integradas ao cotidiano de criação dos artistas.

A criança está no centro da criação, tanto a percebida e acompanhada na convivência, quanto a que está presente, anacrônica, estabelecida no íntimo da história pessoal do artista. Recebe das mãos dos artistas “brinquedos filosóficos” (TURNER, 2010)11.

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Christopher Turner, autor do artigo La infancia recuperada: el arte de los joguetes infantiles, texto que se encontra no livro-catálogo Los joguetes de las vanguardias.

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Seguem algumas ideias-imagens dos trabalhos apresentados na exposição, dando conta das propostas de brinquedos dos artistas bem como as criações dialogam com os processos de criativos, tendo a infância e a criança como centro dos projetos. Faz-se esse destaque pelo fato que ter-se pouco contato com as obras citadas pelos autores, os quais apresentam uma gama de brinquedos produzidos a partir dessas produções, em que muitas estão espalhadas em várias coleções particulares e de museus. E que possivelmente nesta mostra em especial essa reunião de obras dá visibilidade ao assunto e torna-se acessível o diálogo e a interação sobre os brinquedos criados pelos artistas.

No artigo de abertura do livro-catálogo, Jose Lebrero Stais, diretor artístico do Museu Picasso, inicia sua fala com o assunto já no título: “É possível criar obras que não sejam arte?” E desenvolve o tema apresentando uma resposta em que verifica a necessita de criar obras como um manifesto opondo-se às ideologias e à estética burguesa dominantes. Argumenta que muitos dos brinquedos criados pelos artistas articulam-se a esses posicionamentos. E nesta etapa crítica os movimentos de vanguarda, Surrealismo, Dadaísmo, Cubismo, Construtivismo, Futurismo, De Stil e Bauhaus já mudavam os rumos dos pensamentos estéticos e da cultura visual. Pensar sobre as questões do jogo, da educação e da produção artística entrava também como ponto de discussão.

Entre o brinquedo ser utensílio ou “inutensílio” (BAITELLO JR, 1999) são observados os variados fins que o objeto poderia assumir, o grau de saturação de elementos e significados que o brinquedo oferece a esses movimentos e em destaque o movimento Dadá, permitindo de fato um cruzamento como travessura e humor entre o infantil e o adulto. Para reflexão, o diálogo e a comunicação são estruturas básicas.

[...] para isso, ofereça material amplo para reflexão sobre a intersecção entre infantil e adulto, sobre a necessária compreensão da presença do brinquedo na cultura adulta e da cultura no brinquedo. A adequada decodificação do lúdico não passa, portanto pela dicotomização entre infantil e adulto, mas sim, como propõe Bateson (1985:251), é no lúdico que nasce a importante capacidade de metacomunicação [...]. (BAITELLO JR, 1999, p.63).

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Os brinquedos produzidos para as crianças refletiam em si mesmos as complexidades, a sensibilidade e a sofisticação das propostas dos artistas e muito do que foi elaborado já incorporava os novos processos industriais ao fazer artesanal. Eram, contudo, objetos que possuíam identidades que abrigavam aspectos privados (íntimos) e público (socializado).

Alguns brinquedos nasceram dos momentos familiares, pois os brinquedos eram feitos para ser um mimo ou um presente às crianças, outros já eram destinados a se tornarem obras de museus. Mas a vontade de educar socialmente e politicamente justificava a produção, nota-se esse argumento claramente na produção gráfica Russa dos livros de literatura infantil, álbuns ilustrados e nos manuais de ensino, como bem foi apresentado na exposição Promessas de futuro – Blaise Cendrars y el libro para niños em la URSS/1926-1929 (2008)12, sobre os livros para crianças e posteriormente os textos e imagens estão em livro-catálogo da exposição.

Observa-se, desse modo, como os livros, ilustrações, mobiliário, fotografias, pinturas, jogos de montar, quebra- cabeças, esculturas e objetos encontrados e recombinados, aglutinam as impressões e percepções do ambiente circundante, traduzindo ideias e intervindo no cotidiano de crianças e adultos, assim como em seus processos de escolhas, elaborações estéticas, artísticas e culturais.

Os brinquedos são construídos em uma região limítrofe. Abarcam diferentes meios e linguagens que intercambiam design, arte aplicada, artesanato, artes gráficas, editorial, teatro, comunicação e audiovisual, entre outras artes. A interação das linguagens ajusta-se e sobrepõem-se no formato brinquedo.

Na concepção das obras, o objeto brinquedo se faz composto por “aspectos simbólicos presentes na arte e aspectos da materialidade” (tridimensionalidade) (BROUGÈRE, 2010, p. 12). A plasticidade do objeto brinquedo sugere caminhos para a modelagem de ideias e composições de estruturas combináveis provenientes da ação e da interação com os objetos.

Em uma visão mais aproximada em um movimento de escuta, que pode ser estabelecido por este objeto polifônico que é o brinquedo, os artistas se propõem a concebê-lo neste campo imaginativo e expressivo. A identidade do objeto criado é revestida pelas formas e procedimentos inventados e recolhidos de um processo de

12

Esta exposição foi apresentada concomitantemente à exposição Brinquedos da Vanguarda no Museu Picasso.

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criação. Coube a cada artista perceber seus modos de brincar também com os brinquedos da criação.

Os brinquedos se distinguem pelo uso criativo e experimental dos materiais no qual as investigações de procedimentos técnicos e de funcionalidades (criar, aprender, dormir, jogar, habitar, ler, comer...) bem como pela materialidade (dimensões, aspectos cromáticos, táteis, visuais, sonoros e sinestésicos...) impulsionando direções e endereçamentos para manuseios criativos, afetivos e imaginários.

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Figura14 - Marcel Duchamp - Bilboquê – 1910

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Figura 16 - Painel com grupo de brinquedos exposição Brinquedos da Vanguarda – Museu Picasso – Málaga-Espanha – 2010

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Figura 17 - Painel com grupo de brinquedos exposição Brinquedos da Vanguarda – Museu Picasso – Málaga Espanha – 2010

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2 BRINQUEDOS DE ARTISTA – ENSAIO VISUAL

Esta etapa do trabalho é composta pela criação de ensaio visual e textual destacando obras específicas dos artistas Paul Klee, Alexander Calder, Torres Garcia e Bruno Munari.

Neste ensaio o ponto de partida é o objeto brinquedo como dinamizador do processo de criar e instrumento de estímulo à criação. Cada autor citado se faz como linha guia para reflexão sobre o brinquedo. A seleção dos artistas foi estabelecida pelas relações de afinidades visuais e conceituais, elementos essenciais que os (nos) aproximam.

O interesse pelos desenhos, livros, objetos, brinquedos e ações inventivas delineiam um argumento imagético estabelecendo contatos com procedimentos, métodos e modos de pensar e criar suas obras. As referências visuais encontradas configuram-se em conteúdos redimensionando as possíveis combinações ora fortuitas ocasionais e ou escolhidas. Desse processo nascem brinquedos de artista, que se multiplicam em séries, formatos, dimensões, cores e grafismos, outras concepções dos desenhos para brincar.

Em Paul Klee (Berna,1879-1940) encontra-se em seus fantoches impregnações de suas recordações da infância, como um pequeno espectador dos teatros de bonecos das ruas e feiras de sua cidade natal na Suíça. Seus fantoches são presentes e presenças do ontem para o hoje, para a criança, o filho e para nós.

Alexander Calder (Pensilvania,1898-1976) segue um desafio tal qual um equilibrista, caminha por uma linha, por vezes tensa e maleáveis, paradoxos da criação. A performance como meio de criar desenhos, objetos, formas e cores e linhas contornos. Linha andarilhante, personagem de um jogo cênico das animações de formas animadas.

Joaquin Torres-Garcia (Montevideu,1874-1949) construtor de universos estéticos, poéticos, filosóficos e educativos: um mundo inteiro, interligado. O seu norte é o Sul. Proponente de caminhos para desenhar, pintar, esculpir e brincar com brinquedos transformáveis em múltiplas visões (re) combináveis para ver e viver arte e invenção.

Bruno Munari (Milão,1907-1998) tem na fantasia, seu lema para a solução de problemas, projetos. Entende que das coisas nascem coisas: imagens, livros, projeções, objetos, lugares, brinquedos, utilitários, ilustrações de mundos, destinos e

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desígnios do desejo de criar arte para quem quer que seja, para a criança e com a criança.

A análise das imagens dos brinquedos dos artistas neste ensaio visual acontece pela justaposição de imagens com imagens, uma construção visual realizada na tentativa de diálogos entre imagens. Uma colagem de ideias onde as imagens e textos seguem como ponte para um diálogo de referências imagéticas para criação dos desenhos para brincar. Incluo neste roteiro as linhas de origem do projeto dos desenhos e brinquedos denominados Desenhos para brincar, proposta que venho realizado desde os anos 2000.

Um relato imagético é posto em jogo para dar início ao ensaio visual. O ponto de partida são os livros e o encontro com eles. Foram dois. “Brinquedos & engenhocas – atividades lúdicas com sucata”, editora Scipione (1989) de Luise Weiss13, artista visual, professora e pesquisadora em Artes visuais e o outro denominado “História de uma manhã”, Massao Ohno editor(1987) de Lydia Hortélio14, musicista, pesquisadora sobre a cultura da criança, o brinquedo e brincar. Em suas configurações, textuais e imagéticas, os dois livros são distintos.

No entanto, trançam, de modo peculiar, roteiros para criação, os quais são brinquedos bibliográficos oferecidos aos leitores, dentre eles o professor artista. O formato editorial delineou a experiência de pensar o brinquedo, o desenho e o trabalho de arte com a criança ou vice e versa. No início dos anos de 1990, já estudante da graduação em Educação Artística/Habilitação em Artes Plásticas na Universidade Federal de Uberlândia, tive a oportunidade de encontrar os livros, em

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Luise Weiss é natural de São Paulo (1955), onde reside e possui atelier, atuou em diferentes níveis de ensino não formais, Associação (APAE) e Pinacoteca do estado de São Paulo. Professora titular na graduação e pós-graduação do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas - UNICAMP, orientando projetos de mestrado e doutorado. Desenvolve sua pesquisa poética nas linguagens da gravura, pintura, fotografia, vídeo entre outras linguagens. Produz ilustrações e projetos gráficos, além de livros-objetos e livros-de-artista. Autora do livro para crianças Dentro do espelho, livro-objeto, editado pela Editora Cosac Naify (2006), publicou pela Imprensa Oficial livro intitulado No Mar... (2012), reunindo gravuras, fotografias e pinturas que incorporaram a exposição Passagens, no MASP em 2010. Realiza exposições nacionais e internacionais. Tem seus trabalhos em acervos de museus, Pinacotecas e institutos, nacionais e estrangeiros.

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Lydia Maria Hortélio Cordeiro de Almeida é natural de Salvador – Bahia (1932). Educadora, pesquisadora e pianista. Pesquisadora independente, dedica-se à pesquisa etnomusical da cultura de infância, baseando-se nas cantigas que acompanham o brincar das crianças, especialmente no interior do Brasil. Realiza curso de formação para educadores e oficinas. “Reúne um vasto material fotográfico de crianças brincando, gravações de áudio e transcrições de músicas e partituras, além de uma coleção de mais de três mil itens, com brinquedos de diversas regiões brasileiras. Entre os materiais resultantes de sua pesquisa estão o livro História de uma manhã (1987), sobre a experiência no Núcleo experimental de atividades sócio-culturais (NEASC), BA, e o disco Abre a Roda Tin Dô Lê Lê (2008)”. Participou da Ocupação, exposição de arte, no Itaú Cultural (2019).

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meus percursos de visitas a editoras e distribuidoras de livros. Desses livros, seus conteúdos de imagens visuais e textuais foram objetos de propostas de oficinas com as crianças e experimentações artísticas pessoais.

Em “Brinquedos & Engenhocas”, a definição da autora sobre o livro esclarece que ele “é livro-depoimento, livro visual, em que predominam as imagens” (1989, p. 16) uma coleção de ensaios fotográficos e textos que elaboram uma reflexão sobre os brinquedos produzidos pelas crianças em sala de aula, sobre o universo do brinquedo infantil popular e sobre os brinquedos feitos pelos artistas como forma de “revisão lúdica e crítica dos brinquedos” (WEISS, 1989, p. 16).

“História de uma manhã” é um foto-livro, registro fotográfico cuja identificação está colocada na folha de rosto do livro. Em sua narrativa sequencial, por meio de imagens, a autora fotografa e nos revela cenas e acontecimentos do projeto “Uma experiência em Educação”, trabalho realizado em uma ação fundada na cultura da criança (1987 – 1981) em Salvador, como pode ser observado nas palavras da autora:“as fotos aconteceram como que por acaso, atentos só, (...) aos movimentos das crianças e, sem o perceber (...) a maneira natural e simples como as crianças se identificaram com a proposta e com seus achados” (HORTÉLIO, 1987, p.9).

Os dois trabalhos das autoras nos levam a refletir sobre os procedimentos e propostas de criação em Arte. As estratégias visuais oferecidas nos dois livros delineiam um grupo de ações: colher, recolher, escolher e selecionar, ouvir, ver, olhar, observar e registrar, compartilhar, refletir e compor com ideias-imagens um repertório visual centrado em ações investigativas e inventivas. O resultado dessas ações configura-se em relato e depoimento de um processo. Em meio a esse processo há um olhar sobre a infância, a cultura e a arte, ponto de partida para seguirmos com elas nas páginas de uma narrativa, recolhida e combinada em experiências fundamentais e contínuas, possibilidades e desdobramentos em uma coleção poética.

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Figura 18 - Brinquedos &Engenhocas (1989) – Luise Weiss

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2.1 Os fantoches de Paul klee

Figura 20 - Fantoches, em destaque fantoche “Príncipe coroado” (centro figurino vermelho) técnica mista, 1916 – 1919.

Nos fantoches de Paul Klee o cotidiano familiar estabelece os motivos para a fabricação de ideias e entendimentos sobre o convívio doméstico e social. Cada personagem é uma personalidade de uma somatória de real e imaginário. Os fantoches de Klee provêm de uma manufatura do fazer doméstico, das demandas dos afazeres diários, contudo, habitam uma região limítrofe entre brinquedo e obra de arte. Os bonecos foram modelados, montados, revestidos e estruturados com objetos de uso diário, gases gessadas, carretéis de linha, ossos, tomadas elétricas,

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papelão e que cuidadosamente receberam vestuários e figurinos feitos com retalhos de tecido das caixas de costura de sua esposa, Lily Klee, sendo estes costurados e alinhavados manualmente ou em máquina de costura. A cabeça dos bonecos, parte essencial desses fantoches, identidade e personalidade, recebeu pintura minuciosa feita com sobreposição de diversas camadas de tinta, incorporando fisionomias elaboradas num misto de figuração e abstração. Um processo apurado e sofisticado, atendendo a um pedido, um desejo, um sonho do filho para brincar de teatro de bonecos.

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Os fantoches foram produzidos entre 1916 e 1925, um primeiro grupo de fantoches, num total de oito bonecos, foram presentes de aniversário para o filho Felix que estava com nove anos de idade (1916) e o segundo grupo de bonecos foram presenteados nos anos de 1919, os demais foram dados, após a guerra, assim outros foram produzidos anualmente, com a mesma intenção.

Os bonecos, na linguagem do teatro de bonecos popular15, são confeccionados com luva ou fantoches. Os fantoches possuem versatilidade e espontaneidade e em hábil manipulação feita pelas mãos do ator, trazem a tona sensações e emoções. Em virtude dessa característica, os fantoches são animados pelos vínculos da afetividade. E no caso dos fantoches produzidos por Paul Klee, estes foram presentes advindos das mãos de pai para filho, Felix Klee. Sendo assim, o artista atribui a eles, aos fantoches, os cuidados e a intimidade às reflexões sobre questões sociais e políticas. O zelo do diálogo paterno e os conselhos são narrativas para atuação no mundo exterior. Vale lembrar que o artista não manipulava os bonecos, apenas os construía com retalhos, sobras de materiais de suas pinturas, objetos encontrados e recombinados em formas antropomórficas. Desse modo o artista presenteava o filho para que o menino pudesse criar também suas próprias histórias encenadas. E até mesmo, pensar em sua profissão16, estudos e projetos pessoais. Quais recursos, matérias e materiais traduzem essa afeição? De que são feitos os sonhos, os devaneios e a imaginação?

Das concepções das experiências foram moldados e modelados com os recursos disponíveis, do que se vê no hoje e do que se mantêm tempos afora. Nas características das personagens, gestos e feições, falas mudas ou sonoras são registrados os roteiros escritos e codificados nas personas, que nascidas da convivência, animam cada fantoche.

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Paul Klee rememora os teatros de bonecos das nas feiras e praças de sua infância em Berna, o teatro popular de Kasper, da Alemanha, a pedido do filho, cria variados conjuntos de 50 bonecos aproximadamente. Com personagens arquetípicos, ora grotescos, cômicos e ora fantásticos, mas todos ligados ao cotidiano popular. O teatro Mamulengo, do norte e nordeste do Brasil é um representante desse tipo de teatro de bonecos.

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Felix Klee, estudou e trabalhou na Escola Bauhaus, desenvolvendo propostas cênicas, roteiros e cenografia.

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Figura 22 - Fantoches Francês barbado, Camponês russo e “Poeta coroado”– 1919 (figurino vermelho).

Os fantoches de Klee, em sua maioria, possuem nome e até sobrenome, nomes enigmáticos que não revelam exatamente a quem se referia, mas traziam indícios de que representam amigos e ou a ele mesmo, um autorretrato, como um “poeta coroado”, e até os colegas de trabalho, alguns deles professores da escola Bauhaus, entre outros artistas, membros e personalidades da sociedade e da política local, além de “seres extra materiais” e o Diabo e a Morte (figuras típicas do teatro popular).Todo o grupo de personagens bonecos compuseram as experiências escultóricas de Klee, que além dos bonecos produziu pequenos objetos, barquinhos, estação de trem e misturando materiais diversos como gesso, papelão, os

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