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Unida na diversidade

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Euro-Latin American Parliamentary Assembly Assemblée Parlementaire Euro-Latino-Américaine Asamblea Parlamentaria Euro-Latinoamericana Assembleia parlamentar Euro-Latino-Americana Parlamentarische Versammlung EuropaLateinamerika ASSEMBLEIA PARLAMENTAR EURO-LATINO-AMERICANA Comissão dos Assuntos Sociais, da Juventude e da Infância, dos Intercâmbios

Humanos, da Educação e da Cultura

17.6.2013

DOCUMENTO DE TRABALHO

O Feminicídio na União Europeia e América Latina

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I. Introdução - Feminicídio: uma realidade que se tornou visível

Os homicídios são crimes graves em todos os países: no plano individual, violam o direito à vida e, no plano social, as suas graves consequências incluem o sofrimento resultante da perda humana e a sentimento de insegurança da população, que corrói o capital social e humano, bem como o desenvolvimento comunitário1. No caso dos feminicídios, essas consequências severas são agravadas pela discriminação contra as mulheres que esses atos refletem, reforçando os estereótipos de género, tanto no crimes como na frequente falta de resposta adequada do Estado para a prevenção, investigação e punição dos crimes, com implicações diretas para as famílias, especialmente as filhas e os filhos das vítimas, entre outros.

O termo femicide foi utilizado para identificar e denunciar os assassinatos de mulheres em razão do género a partir do início da década de 19902, atingindo maior repercussão e desenvolvimento na América Latina durante os últimos vinte anos, tendo sido traduzido por feminicídio. Nos últimos anos, este conceito começou a ser utilizado igualmente em países europeus, como Espanha e Itália3.

Os feminicídios incluem casos graves de desaparecimento, violência sexual e assassinato de mulheres e raparigas em determinadas regiões do México e da América Central, caracterizados pela impunidade e denunciados pelo movimento de mulheres a partir do início da década de 1990, não se limitando, contudo a esses casos. Os feminicídios englobam, igualmente, o assassinato de mulheres e raparigas que ocorrem, de maneira generalizada, noutros países da América Latina, bem como na Europa e no resto do mundo, cometidos pelos parceiros ou ex-parceiros das vítimas ou por agressores sexuais desconhecidos. A maior parte dos homicídios de mulheres no mundo são feminicídios4.

O feminicídio consiste na forma mais extrema de violência contra as mulheres na cultura patriarcal, constituindo o culminar de atos contínuos de violência que incluem diversas formas de maus tratos, assédio e violência sexual e que afetam as mulheres de maneira generalizada e transversal, em diversos contextos e cenários. Estes crimes reforçam a ideia de que as

1 Ganpat, Soenita; Granath, Sven; Hagstedt, Johanna; Kivivuori, Janne; Lehti, Martti; Liem, Marieke y

Nieuwbeerta, Paul (2011). Homicide in Finland, the Netherlands and Sweden. A First Study on the European Homicide Monitor Data. Conselho Nacional para a Prevenção da Criminalidade na Suécia, Instituto Nacional de Investigação da Política de Direito e Instituto do Direito Penal e da Criminologia da Universidade de Leiden, p. 10.

2 Russell, Diana e Caputi, Jane (1990). Femicide: Speaking the unspeakable. Ms., Septiembre-Octubre / 1990, p.

34 – 37. Diana Russell já utilizara o termo femicide em 1976 no Tribunal Internacional de Crimes contra as Mulheres (Russell, Diana e Van de Ven, Nicole (1976). Crimes against women. Proceedings of the international tribunal, Les Femmes Pub, Millbrae – Califórnia).

3 Vejamos alguns exemplos: Adolfi, Laura; Giusti, Sara; Breveglieri, Agnese; Ottaviani, Elisa; Karadole,

Cristina; Venneri,Virginia e Verucci, Cinzia (2010). Il costo di essere dona: Indagini sul femicidio in Italia. I dati del 2010. Casa delle donne per non subire violenza di Bologna; Spinelli, Barbara (2006). Violenza Sulle Donne: Parliamo di Femminicidio. Spunti di riflessione per affrontare a livello globale il problema della violenza sulle donne con una prospettiva di genere. Giuristi Democratici; Instituto Centro Reina Sofía (ICRS) (2010), 3.º Relatório Internacional. Violencia contra la mujer en las relaciones de pareja. Estadísticas y Legislación, Série Documentos 16, Conselho Geral do Poder Judicial (CGPJ), Espanha (2011). Informe sobre víctimas mortales de la violencia de género y de la violencia doméstica en el ámbito de la pareja o ex pareja en 2011.

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Gabinete das Nações Unidas para a Droga e a Criminalidade (UNODC) (2011), Global Study on Homicide 2011. Trends, contexts, data.

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mulheres são propriedade dos homens ou objetos sexuais.

O feminicídio constitui um indicador determinante da realidade de violência contra as mulheres nos diferentes países, cuja extrema gravidade exige respostas políticas e instrumentos adequados e coordenados nesses países, incluindo o trabalho dos poderes legislativos, no âmbito do qual é fundamental o trabalho da Assembleia Parlamentar Eurolat.

II. Denúncia social e respostas dos Estados-Membros ao feminicídio

Desde os casos dramáticos de Ciudad Juárez, México, a denúncia global dos feminicídios deu lugar à visibilidade do fenómeno em muitos países. A força política exercida pela denúncia do feminicídio reside no facto de evidenciar o caráter extremo da violência contra as mulheres, que chega a violar o direito à vida das mesmas, violação essa que, na grande maioria dos casos, poderia ser evitada através de instrumentos de prevenção e proteção adequados.

Na América Latina, a particular coordenação do movimento das mulheres deu origem à elaboração dos primeiros relatórios e estudos sobre este fenómeno em diversos países no início da década passada, que demonstraram que o feminicídio não é um fenómeno homogéneo no continente americano.

Em alguns países, especialmente na América Central e no México, a forte presença de criminalidade organizada, a violência armada e a debilidade dos sistemas de justiça constituem um contexto propício para o aumento da intensidade, massificação e a impunidade dos crimes contra as mulheres. Apesar de se ter registado um aumento do número de homens assassinados nos últimos anos, o número de mulheres assassinadas ocorre em proporções muito maiores do que o de homens1.

A situação de extrema violência nestes países, à semelhança de outros conflitos armados, aumenta e intensifica a violência estrutural que as mulheres enfrentam. Em contexto de extrema violência, a crueldade contra as mulheres apresenta conotações simbólicas no seio dos grupos armados, onde as mulheres são o alvo preferencial da sua crueldade. Todavia, mesmo não pertencendo a grupos armados, é possível, em contexto de extrema violência, ter facilmente acesso a armas e fazer uso das mesmas na esfera doméstica contra as mulheres, beneficiando igualmente da fraca atuação dos sistemas de justiça e da consequente impunidade.

Noutros países da América Latina, como Chile, Argentina ou Peru, os feminicídios são principalmente cometidos pelos parceiros ou ex-parceiros das mulheres, muitas vezes depois de anos de maus tratos. Estes casos confirmam as deficiências das medidas adotadas com vista à prevenção desta forma de violência extrema contra as mulheres e à proteção das mulheres em risco.

Também na Europa os feminicídios são objeto de uma atenção cada vez maior, com diversas designações, ainda que muitas vezes a pouca informação existente apenas inclua assassinatos

1

Carcedo, Ana (coord.) (2010), No olvidamos ni aceptamos: Femicidio en Centroamérica 2000-2006, San José, Costa Rica. Asociación Centro Feminista de Información y Acción (CEFEMINA).

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cometidos por parceiros ou ex-parceiros1. Embora os homicídios na Europa apresentem uma tendência para diminuir nos últimos anos, no que diz respeito aos homicídios na esfera doméstica, que são os que mais afetam as mulheres, não se regista uma diminuição2. Metade das mulheres assassinadas na Alemanha foram mortas pelas mãos dos seus parceiros ou ex-parceiros3 e em França o número de mulheres assassinadas por «violência conjugal» aumentou no último ano em mais de 20 %4. Em Itália, também as organizações feministas denunciam um aumento constante dos assassinatos de mulheres nos últimos anos5.

O termo feminicídio começou a ser utilizado pelo ativismo feminista em países como Espanha e Itália, denunciando a falta de eficácia das medidas adotadas até à data pelos Estados-Membros destinadas à prevenção e à erradicação deste fenómeno. O termo foi igualmente utilizado nas recomendações da Relatora Especial das Nações Unidas sobre a Violência contra as Mulheres, em Itália, em 20126.

A denúncia do feminicídio tanto na América Latina como na Europa conta com um forte apoio do direito internacional. Inúmeros instrumentos, declarações, conferências e resoluções de organismos internacionais nesta matéria, tanto a nível mundial como regional, abordam a discriminação e a violência contra as mulheres7. Os tratados específicos sobre a violência contra as mulheres, que foram adotados tanto no continente americano como no europeu, são particularmente importantes: a Convenção Interamericana para Prevenir, Punir e Erradicar a Violência contra a Mulher (Convenção de Belém do Pará), adotada pela Organização dos Estados Americanos em 1994, e a Convenção do Conselho da Europa relativa à prevenção e ao combate à violência contra as mulheres e à violência doméstica (Convenção de Istambul), adotada em 2011, que ainda não foi objeto das ratificações necessárias para a sua entrada em vigor.

Na América Latina, a Convenção de Belém do Pará contém obrigações específicas para os Estados Partes, que devem agir com a devida diligência a fim de prevenir, punir e erradicar a violência contra as mulheres, tanto na esfera pública como privada. Além disso, vários organismos internacionais de direitos humanos aprofundaram as recomendações específicas efetuadas aos Estados sobre o feminicídio, nomeadamente a Relatora Especial das Nações Unidas sobre a Violência contra as Mulheres, a Relatora Especial sobre os Direitos da Mulher

1

Por exemplo, em Espanha, para esta situação utiliza-se a expressão «violência de género» e, em França, «violência conjugal».

2 UNODC (2011), op. cit. p. 60.

3 De acordo com os números fornecidos pela Polícia Federal Criminal (BKA) relativos a 2011: de 313 mulheres

assassinadas, 154 foram mortas pelos seus parceiros ou ex-parceiros. O relatório relativo a 2011 (divulgado em 2012) é o primeiro em que a BKA fornece informações sobre a relação entre a vítima e o seu assassino no contexto do homicídio.

4 Passando de 122 mulheres assassinadas por violência conjugal em 2011 para 148 em 2012, de acordo com os

dados do Ministério do Interior divulgados em junho de 2013.

5

Passando de 84 casos em 2005 para 120 em 2011, de acordo com os casos comunicados pela imprensa.

6Report of the Special Rapporteur on violence against women, its causes and consequences, Rashida Manjoo.

Addendum: Mission to Italy (15 de junho de 2012). A/HRC/20/16/Add.2

7

Já em 1992, o Comité para a Eliminação da Discriminação contra as Mulheres, na sua Observação Geral n.º 19, reconheceu que a violência contra as mulheres constitui uma forma de discriminação de acordo com os termos da Convenção para a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra as Mulheres (CEDAW), adotada em 1979. Além disso, a Declaração das Nações Unidas para a eliminação da violência contra as mulheres foi adotada em 1993 e a violência contra as mulheres foi abordada na Declaração e no Programa de Ação de Pequim, em 1995. Desde então, multiplicaram-se as referências à violência contra as mulheres em vários instrumentos internacionais.

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da Comissão Interamericana dos Direitos Humanos, a Comissão dos Direitos Humanos e a Convenção CEDAW, especialmente nos países em que as mortes de mulheres se somam à passividade e negligência dos intervenientes públicos, resultando na impunidade.

A sentença do Tribunal Interamericano dos Direitos do Homem no processo «Campo Algodonero»1 foi fundamental para definir as obrigações específicas dos Estados em relação à prevenção, investigação, punição e indemnização dos casos de homicídios de mulheres em razão do género e reconhecer a responsabilidade dos Estados-Membros pela falta de respostas dos sistemas de justiça face aos crimes que afetam as mulheres, bem como as medidas que devem ser adotadas nesta matéria.

Esta situação, juntamente com o ativismo constante do movimento das mulheres no âmbito destes crimes, levou a que, em apenas seis anos, mais de uma dezena de países da América Latina tenha aprovado legislação específica em matéria de punição do feminicídio2. Em alguns casos, como na Guatemala, foram criados igualmente tribunais especiais para os crimes de violência contra as mulheres.

Na Europa, registaram-se progressos na criação de instrumentos para fazer face à violência contra as mulheres nas suas diversas formas. Além de instrumentos específicos para fazer face à violência contra as mulheres3, a União Europeia aprovou normas que pretendem dar resposta especialmente às necessidades das mulheres vítimas de violência em razão do género, em regulamentações como a Diretiva Europeia relativa às vítimas da criminalidade4 e a Diretiva relativa à decisão europeia de proteção5.

A Convenção de Istambul, adotada em 2011, será o primeiro tratado internacional nesta matéria a nível europeu, equivalente à Convenção de Belém do Pará a nível interamericano, apesar de ainda não ter sido objeto das ratificações necessárias para entrar em vigor. Esta Convenção contém obrigações específicas para os Estados-Membros em relação à violência contra as mulheres e raparigas, constituindo a base comum que permitirá a adoção de legislação e políticas análogas nos vários países.

1 Tribunal Interamericano dos Direitos do Homem, Processo González e otras vs. México («Campo

Algodonero»), de 16 de novembro de 2009.

2

Costa Rica, Guatemala, Colômbia, Chile, Salvador, Peru, Nicarágua, Honduras, México (e mais 20 entidades federais mexicanas), Argentina e Bolívia.

3 Como a Recomendação do Conselho de Ministros aos Estados-Membros do Conselho da Europa Rec(2002)

sobre a proteção das mulheres contra a violência (adotada em 30 de abril de 2002). Disponível em

http://www.coe.int/t/dghl/standardsetting/equality/03themes/violence-against-women/Rec(2002)5_portuguese.pdf Além disso, em 8 de dezembro de 2008, o Conselho de Assuntos Gerais aprovou diretrizes sobre a violência contra as mulheres e a luta contra todas as formas de discriminação contra as mesmas. Disponível em http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cmsUpload/pt_web.pdf.

4 Diretiva 2012/29/UE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 25 de outubro de 2012,

que estabelece normas mínimas relativas aos direitos, ao apoio e à proteção das vítimas da criminalidade e que substitui a Decisão-Quadro 2001/220/JAI do Conselho.

5

Diretiva 2011/99/CE do Parlamento Europeu e do Conselho, de 13 de dezembro de 2011, relativa à decisão europeia de proteção.

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O Parlamento Europeu também agiu proativamente na questão da violência contra as mulheres, aprovando resoluções ou declarações com regularidade1, expressando nomeadamente, a sua preocupação e evidenciando a importância da ação da União Europeia relativamente aos feminicídios ocorridos na América Latina, especialmente no México e na América Central2. Também a Declaração da Alta Representante da União, Catherine Ashton, em nome da União Europeia, sobre o feminicídio, em 2010, abordou especificamente o tema3. Tanto a América Latina como a Europa lograram importantes avanços em resultado da denúncia e do ativismo. Não obstante, a realidade mostra que os instrumentos até agora existentes se revelam insuficientes para deter o flagelo dos feminicídios.

III. A persistência do problema e a urgência de novas estratégias

Embora exista uma tendência para a redução dos homicídios nas últimas décadas em termos globais – apesar de o fenómeno ser inverso nos vários países da América Latina –, tal não se verifica no caso dos homicídios das mulheres. Ainda que os homicídios de mulheres representem uma minoria na totalidade dos homicídios, as mulheres são as principais vítimas dos homicídios cometidos no contexto das relações familiares ou entre parceiros e estes crimes não tendem a diminuir com o passar dos anos, a nível global4. Este aumento relativo constitui um fenómeno global, embora apresente diferentes características e dimensões nos vários países.

O facto de existir cada vez mais informação e de se verificar um agravamento dos casos levou a que os homicídios de mulheres em razão do género, ou feminicídios, fossem especificamente abordados em documentos recentes de organismos das Nações Unidas5, como o relatório de 2012 da Relatora Especial sobre a Violência contra as Mulheres, Rashida Manjoo, relativo à reunião do grupo de peritos/as sobre os homicídios de mulheres em razão do género6.

Na América Latina, embora a aprovação de legislação em matéria de feminicídio represente um avanço no reconhecimento da gravidade e das características particulares destes crimes, não constitui por si só uma garantia da aplicação de políticas públicas necessárias para

1

Por exemplo, a Resolução do Parlamento Europeu, de 5 de abril de 2011, sobre prioridades e definição de um novo quadro político comunitário em matéria de combate à violência contra as mulheres (2010/2209(INI) (2012/C 296 E/04), a Resolução do Parlamento Europeu, de 26 de novembro de 2009, sobre a eliminação da violência contra as mulheres (2010/C 285 E/07) e a Declaração do Parlamento Europeu, de 9 de setembro de 2010, sobre a criação de um Ano Europeu de Recusa Total da Violência contra as Mulheres (2011/C 308 E/18).

2

Resolução do Parlamento Europeu, de 11 de outubro de 2007, sobre os assassinatos de mulheres («feminicídios») na América Central e no México, e o papel da União Europeia na luta contra este fenómeno (2007/2025(INI))

3 Declaração da Alta Representante da União, Catherine Ashton, em nome da União Europeia, sobre o

feminicídio (junho 2010) http://www.consilium.europa.eu/uedocs/cms_data/docs/pressdata/es/cfsp/115603.pdf

4 UNODC (2011), op. cit. p. 60.

5 Tal como o «Estudo aprofundado sobre todas as formas de violência contra a mulher», do Secretário-Geral das

Nações Unidas (A/61/122/Add.1), a Convenção CEDAW e a Relatora Especial das Nações Unidas sobre a Violência contra as Mulheres.

6Conselho dos Direitos do Homem das Nações Unidas (2012). Relatório da Relatora Especial sobre e Violência

contra as Mulheres, as suas causa e consequências, Rashida Manjoo. Aditamento de: Relatório resumido da reunião do grupo de peritos sobre os assassinatos de mulheres em razão do género, 16 de maio de 2012, A/HRC/20/16/Add.4 http://www.ohchr.org/Documents/HRBodies/HRCouncil/RegularSession/Session20/A-HRC-20-16-Add4_en.pdf

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contribuir para a prevenção e a erradicação deste fenómeno. A maior parte das leis aprovadas não contemplam medidas de prevenção nem políticas públicas que permitam a investigação, a punição e a erradicação deste fenómeno. Em muitos casos, apenas são punidos os feminicídios cometidos por parceiros ou ex-parceiros, sendo excluídos os crimes cometidos por agressores sexuais e inclusivamente, em alguns casos, o delito é criminalizado de forma tão limitada que não permite uma aplicação prática. Além disso, em vários países, estes criminosos continuam a poder beneficiar de fatores atenuantes como «emoção violenta» ou ciúmes.

A fim de reduzir a impunidade, que constitui um problema suplementar em vários países da região, afigura-se imprescindível abordar igualmente os problemas estruturais dos sistemas de justiça, como a atuação negligente dos organismos policiais e judiciais envolvidos nas investigações. Estes aspetos não se resolvem apenas com a criminalização do feminicídio. Na Europa, existem ainda lacunas na obtenção de informações completas e comparáveis sobre os homicídios de mulheres por razões de género. Apesar de os vários países apresentarem dados estatísticos sobre homicídios, estes não são suficientes no que diz respeito aos homicídios de mulheres, impossibilitando a identificação de todos os casos em que os crimes são cometidos em razão do género. Esta situação verifica-se inclusivamente em Espanha, onde são registados oficialmente os homicídios de mulheres cometidos por parceiros ou ex-parceiros, excluindo outros tipos de mortes em razão do género. Por este motivo, as organizações feministas afirmam que o número total de feminicídios é quase o dobro do número oficialmente reconhecido1. A falta de informação completa sobre estes casos impede a adoção de políticas e medidas preventivas adequadas e baseadas na realidade, especialmente considerando que os crimes cometidos pelos parceiros ou ex-parceiros das mulheres são, sem dúvida, mais facilmente prevenidos ou evitados do que outras mortes resultantes da violência social.

As atuais políticas de ajustamento estrutural nos vários países da União Europeia facilitam a violação dos direitos, afetando gravemente as políticas de prevenção e atenção à violência contra as mulheres2. As perdas não ocorrem apenas a nível dos recursos económicos, mas também dos recursos humanos, já que a saída de pessoal especializado dificilmente se recupera.

IV. Desafios para a União Europeia e a América Latina

O feminicídio, enquanto expressão máxima das diversas formas violência contra as mulheres, é uma das mais dramáticas manifestações da profunda e persistente discriminação das mulheres nas nossas sociedades. Esta discriminação estrutural continua presente em todo o mundo e apresenta características específicas em cada país ou região, agravando-se

1 Laporta, Elena (2013). Espanha. Una restringida acepción de la «violencia de género» y los feminicidios. Em:

Heinrich Böll Stiftung-União Europeia, Feminicídio: Un fenómeno global. De Madrid a Santiago.

http://www.boell.eu/downloads/Feminicide_ES_new_.pdf

2 Em Espanha: a plataforma «Impacto de Género» denuncia, sobre o orçamento de Estado de 2013, que «as

políticas de igualdade sofrem um corte de 24 % em comparação com 2012; quase o triplo da média dos ministérios (8,9 %) e a luta contra a violência em razão do género (7 %). Se comparado com 2011, o corte ascende a 39 % e 27 %, respetivamente». http://impactodegeneroya.blogia.com/2012/110501-presupuestos-del-estado-2013-24-menos-en-politicas-de-igualdad-y-del-estado-de-b.php

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particularmente nos casos a que se somam outras formas de discriminação e desigualdade social ou económica – em razão da raça, etnia, orientação sexual, origem social, localização geográfica, etc. –, bem como a debilidade do Estado de direito.

A União Europeia e os países da América Latina contam atualmente com um quadro jurídico específico para a erradicação da violência contra as mulheres. A Convenção de Belém do Pará e a Convenção de Istambul devem constituir o quadro de aplicação de estratégias comuns que permitam a diminuição da violência contra as mulheres e, em particular, o feminicídio.

Os vários intervenientes sociais – tanto governamentais como não-governamentais – acompanham e apoiam o trabalho realizado no âmbito do feminicídio há 20 anos, em ambos os continentes. A Assembleia Parlamentar Eurolat, em particular, pronunciou-se a respeito dos feminicídios na sua resolução intitulada «Pobreza e exclusão social», aprovada em 20081. Em 2010, a Cimeira UE-ALC reiterou a sua condenação de todas as formas de violência em razão do género e a necessidade de adotar medidas para preveni-la e erradicá-la2.

O Plano de Ação UE-CELAC para 2013-2015, aprovado em Santiago do Chile em janeiro deste ano, incluiu, pela primeira vez, um capítulo relativo às questões de género, que terão prioridade nas relações birregionais, sendo um dos seus eixos a eliminação de todas as formas de violência contra as mulheres. O Plano contempla a criação de um espaço de diálogo birregional sobre as questões de género e a promoção de ações para combater e eliminar todas as formas de violência contra as mulheres e raparigas, nomeadamente a troca de experiências sobre as melhores práticas e as medidas mais eficazes para combater essas formas de violência, bem como a adoção de medidas concretas para a investigação dos assassinatos em razão do género. Este diálogo é fruto, mais uma vez, do trabalho incansável realizado a nível governamental e da sociedade civil em vários países.

Neste contexto, a Assembleia Parlamentar Eurolat ocupa atualmente uma posição privilegiada na definição das diretrizes que essas estratégias e ações devem seguir. O papel dos poderes legislativos da América Latina e da Europa foi e continuará a ser um fator fundamental no combate à violência contra as mulheres e na erradicação do feminicídio, tanto pela relevância das medidas legislativas que adotam como pela estreita relação que têm com a sociedade civil.

V. Conclusões e recomendações

Os progressos realizados na erradicação do feminicídio, tanto na América Latina como na Europa, exigem instrumentos e mecanismos que devem ser implementados a diversos níveis, incluindo aspetos não só administrativos mas também judiciais e legislativos.

Afigura-se essencial obter dados estatísticos oficiais, completos e acessíveis sobre o feminicídio em todos os países, elaborados em conjunto com organizações feministas e de

1

N.º 18 da Resolução sobre pobreza e exclusão social, com base no relatório da Comissão dos Assuntos Sociais, dos Intercâmbios Humanos, do Meio Ambiente, da Educação e da Cultura (Lima 2008). Ver em:

http://www.parlatino.org/es/eurolat/declaraciones-eurolat/resoluciones-eurolat/resoluciones/841.html 2

Declaração da 6.ª Cimeira UE-ALC, Madrid, 18 de maio de 2010 (n.º 9)

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mulheres que trabalham ativamente neste âmbito. Estas informações devem igualmente incluir os casos de tentativa de feminicídio e outras formas graves de violência contra as mulheres, a fim de reunir antecedentes completos com vista à prevenção eficaz dos assassinatos de mulheres. A existência dessas informações permitirá adotar medidas adequadas de proteção de mulheres que enfrentam situações de violência, que não estejam condicionadas por denúncias ou procedimentos penais ou de outra natureza.

É necessário reforçar as medidas legislativas e administrativas que garantem o acesso a uma justiça eficaz e a erradicação da impunidade, bem como a indemnização das vítimas e das famílias. Tal inclui o acesso físico, económico e cultural das mulheres aos sistemas de justiça e a formação para a eliminação das práticas discriminatórias, bem como a punição dos intervenientes públicos que não cumprem o seu dever de agir com a devida diligência nesta matéria.

As medidas legislativas, além de abordarem os aspetos penais, também deveriam ter em conta os aspetos civis e familiares que resultam dos feminicídios, especialmente no que se refere à relação das filhas e dos filhos menores da vítima com o agressor.

O trabalho e a ação das organizações de defesa dos direitos das mulheres devem ser apoiados e reforçados, incluindo as medidas de proteção adequadas das defensoras dos direitos humanos, ameaçadas principalmente em contextos mais violentos.

É necessário prestar especial atenção à situação de violência vivida em vários países da América Latina e rever as estratégias de combate à violência armada implementadas pelos Estados-Membros, tendo em conta o impacto desproporcionado que estes contextos têm na vida e na segurança das mulheres.

Em todos os países, os meios de comunicação desempenham um papel fundamental, já que refletem diretamente a forma como a violência é percecionada e interpretada pela sociedade. Por conseguinte, é necessário estabelecer limites de caráter ético no que diz respeito ao tratamento mediático da violência contra as mulheres, especialmente o feminicídio.

Para tal, afiguram-se essenciais esforços orçamentais coerentes dos Estados-Membros, considerando que «a violência contra as mulheres e raparigas constitui não só uma manifestação extrema de desigualdade e de discriminação em razão do género, mas também uma ferramenta mortal que serve para preservar a situação de subordinação das mulheres»1. A questão da violência contra as mulheres, e, em particular, o feminicídio, deve continuar a ser incluída regularmente nos espaços estruturados de diálogo político dos governos da UE e dos países da América Latina a nível bilateral e regional, contando igualmente com a participação da sociedade civil.

1

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O diálogo União Europeia–CELAC sobre o género é fundamental para erradicar esta forma de extrema violência contra as mulheres através do reconhecimento das diferenças que existem nos diversos países e dos fatores e das estratégias comuns a desenvolver, com a participação das organizações de mulheres e representantes da sociedade civil de ambos os lados. Neste contexto, a Assembleia Parlamentar Eurolat constitui, atualmente, o fórum privilegiado para dar continuidade e reforçar este diálogo em particular.

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