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Instrumentos de avaliação de mudança
em psicoterapia breve
Ítor Finotelli Júnior1 Elisa Medici Pizão Yoshida
Pontifícia Universidade Católica de Campinas.
eyoshida.tln@terra.com.br
Palavras-chave: método de avaliação de psicoterapia; avaliação intensiva de caso único; psicoterapia psicodinâmica.
Resumo
Procede a uma revisão teórica de alguns instrumentos de avaliação utilizados em pesquisas para avaliação de mudança em psicoterapias, em especial as psicoterapias breves. Focaliza duas escalas clínicas a Escala Rutgers de Progresso de Psicoterapia - RPPS (Rutgers Psychotherapy Progress Scale) e a Escala de Avaliação dos Mecanismos de Defesa – DMRSs (Defense Mechanism Rating Scales).
A psicoterapia vem sendo desenvolvida por diversas áreas do conhecimento humano, podendo-se até afirmar, segundo Hanns (2004), que ela não somente diz respeito à área da psicologia clínica, mas a um arcabouço de conhecimentos oriundos de áreas que estudam o desenvolvimento do ser humano em geral.
Nos últimos 20 anos, estudos feitos sobre os resultados de psicoterapia indicaram que é eficaz para inúmeras configurações de personalidade e diferentes casos (Hanns, 2004). No entanto persistem dúvidas quanto às variáveis responsáveis pelas mudanças. Nesta medida, observa-se na atualidade um interesse crescente pelos processos psíquicos, e a partir disto compreender o que acontece em uma sessão e como operam as variáveis dentro desta.
As características acima demarcam o movimento Integrativo, “que tem como marco inicial o clássico artigo de Goldfrield (1980), que identifica o descontentamento dos terapeutas com os limites de seus enfoques” (Yoshida, 2002, p.59). Este movimento olha além das fronteiras que demarcam as diferentes
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abordagens na tentativa de observar o que pode ser aprendido de outras perspectivas, sendo um importante canal de comunicação entre elas (Sundfeld, 2000).
Dentre as técnicas de psicoterapias, a psicoterapia dinâmica breve vem se desenvolvendo desde a década de 40, sendo as suas contribuições mais relevantes de autores da década de 60. Buscando retratar um pouco de sua história, pode-se dividi-la segundo três gerações de autores que se pautaram pelos diferentes modelos teóricos que surgiram no bojo da psicanálise: a primeira geração e o modelo pulsional/estrutural, a segunda geração e o modelo relacional e a terceira geração e o modelo integrativo (Yoshida, 2004).
A primeira geração pautava-se na concepção de funcionamento mental defendida por Freud, seus autores estavam preocupados em destacar as diferenças entre a psicanálise e a psicoterapia breve. Já a segunda geração, defendia os mesmos procedimentos técnicos para os processos psicoterápicos longos e breves, com a diferenciação de focos sucessivos e o maior interesse teórico eram as relações interpessoais e os conflitos delas decorrentes. Entretanto, a terceira geração apresenta concepções de diferentes vertentes da psicanálise e se utiliza de aspectos técnicos de outras abordagens. (Yoshida, 2004). Yoshida (2004) destaca ainda que no Brasil os primeiros estudos de psicoterapia breve datam da década de 80. Contrapondo-se com a realidade internacional onde já as primeiras propostas surgiram nas décadas de 40 e 50.
Apesar da grande influência da Escola Inglesa, uma das vertentes do modelo relacional sobre o pensamento psicanalítico brasileiro, observamos que as peculiaridades de nossa realidade contribuíram fortemente para proposta de psicoterapias breves com perfil próprio, bem diferente do das européias ou norte-americanas. (Yoshida, 2004, p.18)
Os autores deste novo modelo de psicoterapia utilizam “procedimentos psicoterápicos que têm sua fundamentação teórica na psicanálise, mas que se distanciam dela, enquanto técnica e objetivos” (Yoshida, 1993, p.24). E o termo “breve” emerge em decorrência da necessidade de psicoterapias de tempo limitado, focados na resolução de problemas específicos dos indivíduos. Desta forma, alguns casos são apontados como contra-indicados para o tratamento de psicoterapias
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breves, são eles: surto psicótico, drogadição, alcoolismo, ou intenção de modificar a condição de homossexualidade (Enéas, 1999).
Numa psicoterapia breve o terapeuta procura estabelecer junto ao indivíduo, de acordo com suas expectativas e limites, o objetivo e o processo de tempo a ser trabalhado durante o processo terapêutico. Para isso, focalizam-se dois conceitos: atividade do terapeuta e foco da terapia. O primeiro, trata-se da avaliação inicial da terapia e seu planejamento: funcionamento mental do paciente e atenção seletiva sobre o tema prioritário; já o conceito de foco, ‘situação problema’, limita a área de trabalho da psicoterapia, diferenciando-a das de longa duração (Enéas, 1999).
Para Simon (1996a) a ‘situação problema’, “é um conjunto de fatores ambientais que interagem com fatores intrapsíquicos e que levam a uma alteração – seja crise ou deterioração – da qualidade adaptativa” (Enéas, 1999, p.8). Desta forma, a psicoterapia breve procura uma melhora adaptativa do indivíduo a partir de um planejamento interventivo; além disso, o planejamento do término da psicoterapia é feito desde o início e trabalhado com o paciente, vislumbrando a elaboração do luto pela perda do vínculo e determinando um tempo para o cumprimento do objetivo estabelecido (Enéas, 1999).
Escala de Avaliação de Progresso em Psicoterapia
Com base na literatura psicanalítica, a Escala Rutgers de Progresso de Psicoterapia - RPPS (Rutgers Psychotherapy Progress Scale) foi proposta pelo grupo de pesquisa da Universidade de Rutgers por Messer, Tishby e Spillman (1992); e desenvolvida para medir o progresso mostrado pelos pacientes durante o processo de psicoterapia psicodinâmica. Ela é composta por oito itens que são avaliados por meio de uma escala diferencial, variando de 0 (não houve progresso) a 4 (progresso extremamente bom); cada um deles pretende extrair aspectos do progresso do paciente de forma distinta (RPPS, 1992).
Os oito itens avaliados pela escala são: a) Expressão de Material Significante - MS; b) Desenvolvimento de Insight - DI; c) Foco sobre Emoção - FE; d) Referência Direta ao Terapeuta e/ou Terapia - RDT; e) Novo Comportamento na Sessão - NCS; f) Colaboração - C, g) Clareza e Vivacidade da Comunicação- CV; h) Foco sobre Si – FSS, padronizados para a população norte-americana (Enéas, 1999).
98 Oferecer uma perspectiva naturalista que permita uma micro-análise em
profundidade de terapias inteiras, considerando o contexto de seu desenvolvimento e compreendendo o sentido único das trocas entre paciente e terapeuta (Enéas, 1999 p.61).
Para a avaliação do progresso em psicoterapia, parte-se da leitura das transcrições, para se obter a compreensão dos problemas atuais do paciente. Levando em consideração suas características e o contexto de tudo que tenha sido dito durante o processo, até o ponto em que está sendo avaliado (RPPS, 1992). Cada sessão é avaliada individualmente, sendo necessário que os avaliadores tenham lido antes as já transcritas; divididas em blocos de tempos aproximadamente iguais. Para a avaliação de cada bloco, são atribuídos escores para cada item da escala e o avaliador pode ler o bloco que está sendo avaliado quantas vezes sentir necessidade. No entanto, em hipótese alguma poderá passar a outro sem findá-lo e/ou alterar a pontuação já atribuída. Assim, o escore global da RPPS é a média dos escores de cada item avaliado (RPPS, 1992).
Mecanismos de Defesa
Os mecanismos de defesa, de acordo com a teoria psicanalítica, funcionam em um nível inconsciente do sujeito, tendo como função “manter a homeostase do ego e afastar conflitos de origem intrapsíquica, interpessoal ou de estressores ambientais da consciência” (Blaya, 2003, p.68). Sua importância é vista por ser o primeiro conceito da psicanálise a ser utilizado pelo DSM IV, evidenciando seu reconhecimento dentro dos manuais de diagnóstico, ampliando seus estudos. (Blaya, 2003).
Destaca-se dentre os estudos sobre os mecanismos de defesas, os realizados por Vaillant que por meio de vinhetas clínicas e utilizando da teoria psicodinâmica, correlacionou as defesas maduras com medidas objetivas de sucesso de vida, apontando que uso dos mecanismos de defesa não significa um funcionamento patológico, uma vez que estes envolvem também funções de características adaptativas e protetoras.
Portanto, desvelar os mecanismos de defesa do indivíduo é descobrir o seu funcionamento defensivo e a forma que ele lida com seus conflitos; utilizando de defesas maduras: mais adaptativas por maximizar a gratificação do impulso no
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manejo com os estressores; ou defesas imaturas: ao distorcer a imagem de si mesmo e dos outros por manter estressores como: impulso, afetos inaceitáveis e desagradáveis fora da consciência, fazendo atribuição incorreta à causa externa, ou distorcendo a realidade (Blaya, 2003).
Esta proposta evidenciou um maior conhecimento conceitual e empírico a partir da década de 70 e desde então, surgiram diversas formas empíricas de avaliação desses mecanismos, podendo segundo Skodol e Perry (1993), serem agrupadas: técnicas projetivas, instrumento de auto-avaliação e manuais. (Gatti, 1999). Dentre as técnicas projetivas destacam-se: Rorschach, Teste de Relações
Objetais – TRO, Teste de Apercepção Temática – TAT, sendo o uso restrito desses
instrumentos em pesquisa (Gatti, 1999). Já os instrumentos de auto-avaliação podem ser representados pelo: Defense Mechanism Inventory – DMI, Defense Style
Questionnaire – DSQ, Life Style Index – LSI, mais próximo e fidedigno no uso de
pesquisas, por serem potencialmente precisos; com ampla referência na literatura (Gatti, 1999).
E a avaliação por meio de glossários e manuais que tem sido amplamente citada nos estudos de Vaillant (1992), Jacobson e cols. (1992) e Perry & Cooper (1989) por utilizarem a avaliação de observadores externos, a partir de entrevistas clínicas gravadas em áudio e/ou vídeo e transcritas para realização de julgamentos. Esse método pressupõe avaliadores treinados para identificarem os episódios defensivos nos materiais apresentados e classificá-los (Gatti, 1999). É importante ressaltar que o estudo de Perry & Cooper (1989) citado acima foi alterado por Perry em 1990, originando a quinta edição da Defense Mechanism Rating Scales –
DMRSs (Gatti, 1999).
Escala de Avaliação dos Mecanismos de Defesa
A Escala de Avaliação dos Mecanismos de Defesa – DMRSs (Defense
Mechanism Rating Scales) proposta em sua quinta edição por Perry (1990) na
Universidade Harvard, classifica os mecanismos de defesa em sete níveis hierárquicos: defesas maduras, defesas obsessivas, outras defesas neuróticas, defesas narcisistas, defesas de evitação, defesas boderline, defesas de ação (Gatti, 1999).
Este instrumento é proposto para auxiliar na obtenção da fidedignidade “quanto à probabilidade de um determinado sujeito usar cada um dos mecanismos
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de defesa apresentados” (Perry, 1990, p.1). E “medir de modo direto as manifestações do funcionamento defensivo e ser aplicável a entrevistas, clínicas, psicoterápicas ou a extratos de material clínico” (Gatti, 1999, p.16).
Esta escala não se fundamenta em definições para a avaliação dos mecanismos de defesa, mas “em pontos quanto ao uso provável e definitivo de cada mecanismo, ancorados em exemplos e regras adicionais de observações” (Perry, 1990, p.1). Para isso, são considerados: histórias recentes contadas pelo sujeito, episódios relevantes de sua vida, e sua interação com o entrevistador (Perry, 1990).
Segundo Gatti (1999), “As DRMSs permitem dois tipos de avaliação – quantitativa e qualitativa – e um cálculo do nível de funcionamento defensivo global” (p.17). A avaliação qualitativa da escala realiza-se de duas formas: por observadores individuais ou grupo de observadores. Recomenda-se que para esse tipo de avaliação as entrevistas sejam filmadas e as transcrições das entrevistas estejam disponíveis para os observadores (Perry, 1990).
Caso as transcrições não estejam disponíveis, recomenda-se ao menos que os observadores façam anotações das possíveis atividades defensivas do entrevistado em um outro material. Essa precaução deriva-se da quantidade de eventos defensivos que um sujeito emite em uma entrevista, sendo que “a experiência mostra que podem ser encontrado de 15 a 75 atos defensivos em uma entrevista” (Perry, 1990, p.1).
Os juizes devem ler individualmente cada uma das escalas, pontuando a intensidade do uso das defesas em: uso não provável (0), uso provável (1), uso definitivo (2). Esta avaliação individual permite um maior aprendizado dos juízes e protege os resultados de serem enviesados. Posteriormente, os juízes devem discutir suas avaliações com o intuito de entrarem em consenso a fim de maximizar a eficiência, uma vez que o juiz com alta avaliação deve identificar as evidências na entrevista e justificar sua avaliação (Perry, 1990).
Já a avaliação quantitativa permite uma variação de 0 a 15 ocorrências das defesas em cada sessão, o que fortalece a análise estatística dos dados. Esta avaliação possibilita evidenciar “diferenças na freqüência de uma defesa e é melhor para estudos longitudinais que pretendam detectar mudanças” (Perry, 1990, p.3). Muitas vezes, as defesas estendem-se por vários diálogos, devendo ser avaliadas uma única vez a não ser que surjam novos exemplos ou materiais, avalia-se mais de uma vez (Perry, 1990).
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As duas escalas focalizadas têm sido utilizadas nas pesquisas do Grupo de Pesquisa dos autores, tendo–se mostrado úteis para a avaliação de mudança em psicoterapias realizadas em nosso meio.
Referências
Blaya, C., Kipper, L., Filho, J. B. P., & Manfro, G. G. (2003). Mecanismos de defesa: uso do Defense Style Questionnaire. Revista Brasileira de Psicoterapia, 5 (1), 67-80.
Enéas, M.L.E. (1999). Uso da Escala Rutgers de Progresso em Psicoterapia na exploração de processos psicoterápicos. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de Campinas, São Paulo.
Gatti, A. L. (1999). Escalas de Mecanismos de Defesa: precisão e validade concorrente. Tese de Doutorado. Pontifícia Universidade Católica de
Campinas, São Paulo.
Hanns, L. A. (2004). Regulamentação em Debate. Ciência e Profissão: Diálogos, 1
(1), 6-13.
Perry, J. C. (1990). Escalas de Avaliação dos Mecanismos de Defesa (5ª ed.). (D.Wiethaeuper e E. M. P. Yoshida, Trad.). Manuscrito.
Rutgers Psychotherapy Progress Scale – RPPS (1992). Scoring manual. Manuscrito. Sunfeld, A. C. (2000). Abordagem integrativa: reterritorialização do saber clínico?
Psicologia: Teoria e Pesquisa, 16 (3), 251-257.
Yoshida, E.M.P. (1993). A psicoterapia breve na realidade brasileira. Mudanças:
psicoterapia e estudos psicossocias, 1 (1), 23-25.
Yoshida, E. M. P. (2002). Escala de estágios de mudança: uso clínico e em pesquisa. Psico-USF, 7 (1), 56-66.
Yoshida, E.M.P. (2004). Evolução das psicoterapias breves psicodinâmicas. In E. M. P. Yoshida & M. L. E. Enéas (Orgs.), Psicoterapias psicodinâmicas breves: propostas atuais (pp. 14-36). Campinas: Alínea.