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CASO RELATIVO À DELIMITAÇÃO MARÍTIMA E QUESTÕES TERRITORIAIS ENTRE QATAR E BAHRAIN (QATAR v. BAHRAIN) ( )

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CASO RELATIVO À DELIMITAÇÃO MARÍTIMA E QUESTÕES TERRITORIAIS ENTRE QATAR E BAHRAIN (QATAR v. BAHRAIN) (1991- 2001) 68. (COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE) Julgamento de 1º de julho de 1994

A Corte proferiu uma decisão no Caso Relativo à Delimitação Marítima e Questões Territoriais entre Qatar e Bahrain.

A Corte estava composta da seguinte maneira: Presidente Bedjaoui; Vice-Presidente Schwebel; Juízes Oda, Sir Robert Jennings, Tarassov, Guillaume, Shahabuddeen, Aguilar Mawdsley, Ranjeva, Weeramantry, Herczegh, Shi, Fleischhauer, Koroma; Juízes ad hoc Valticos e Ruda e Secretário Valencia-Ospina.

O parágrafo dispositivo da sentença dispõe que: “41. Por estas razões,

A Corte,

1) Por 15 votos a 1,

Declara que a Troca de Cartas entre o Rei da Arábia Saudita e o Emir de Qatar de 19 e 21 de dezembro 1987, e entre o Rei da Arábia Saudita e o Emir de Bahrain de 19 e 26 de dezembro 19871, e o documento intitulado ‘Minuta’ e assinado em Doha em 25 de dezembro 1990 pelos Ministros das Relações Exteriores de Bahrain, Qatar e Arábia Saudita, constituem acordos internacionais que criam direitos e obrigações entre as partes;

...

2) Por 15 votos a 1,

Declara que, nos termos destes acordos, as partes se comprometeram a submeter à Corte a disputa entre elas, conforme descrito no texto proposto por Bahrain a Qatar em 26 de outubro de 1988, e aceito por Qatar em dezembro de 1990, ao qual a Minuta de Doha se refere como a ‘fórmula de Bahrain’;

...

3) Por 15 votos a 1,

Decide dar às partes a oportunidade de submeter toda a disputa à Corte; ...

4) Por 15 votos a 1,

Fixa 30 de novembro de 1994 como sendo a data limite para as partes, em conjunto ou separadamente, agirem com este fim;

...

1

N.T. utilizou-se a versão em língua francesa do Resumo Oficial da ONU. Segundo a versão em língua inglesa, as datas em questão são 19 e 21 de dezembro de 1987.

(2)

5) Por 15 votos a 1,

Reserva qualquer outra matéria para uma decisão posterior.”

A FAVOR: Presidente Bedjaoui; Vice-Presidente Schwebel; Juízes Sir Robert Jennings, Tarassov, Guillaume, Shahabuddeen, Aguilar Mawdsley, Weeramantry, Ranjeva, Herczegh, Shi, Fleischhauer, Koroma; Juízes ad hoc Valticos e Ruda;

CONTRA: Juiz Oda.

O Juiz Shahabuddeen anexou uma declaração à sentença; o Vice-Presidente Schwebel e o Juiz ad hoc Valticos anexaram opiniões individuais; o Juiz Oda anexou sua opinião dissidente.

Histórico do caso (parágrafo 1 ao 14)

Em seu julgamento, a Corte relembrou que em 8 de julho 1991, o Ministro de Relações Exteriores do Estado de Qatar depositou uma demanda estabelecendo procedimentos contra o Estado de Bahrain concernente a certas disputas entre os dois Estados relativas à soberania sobre as ilhas Hawar, aos direitos soberanos sobre os bancos de areia de Dibal e Qit’at Jaradah, e à delimitação das áreas marítimas dos dois Estados.

A Corte então relatou o histórico do caso. Relembrou que em sua demanda, Qatar baseou a competência da Corte em dois acordos que as partes concluíram em dezembro de 1987 e em dezembro de 1990, respectivamente. Segundo o Estado demandante, o objeto e alcance do compromisso feito no que concerne à competência da Corte foram determinados por uma fórmula proposta por Bahrain a Qatar em 26 de outubro de 1988 e aceita por este em dezembro de 1990. Bahrain contestou a base da competência proposta por Qatar.

A Corte então se referiu às diferentes etapas dos procedimentos e às conclusões das duas partes. Resumo das circunstâncias nas quais se busca uma solução para a disputa entre Bahrain e Qatar nas últimas décadas (parágrafo 15 ao 20)

Os esforços para achar uma solução para a disputa foram realizados no contexto de uma mediação, às vezes qualificada como “bons ofícios”, que começou em 1976, pelo Rei da Arábia Saudita com um acordo entre Bahrain e Qatar, que levou à aprovação, durante uma reunião das três partes em março de 1983, de uma série de “princípios para a constituição de um quadro de solução”. O primeiro desses princípios especificava que:

“Todos os assuntos de disputa entre os dois países, em relação à soberania sobre as ilhas, as fronteiras marítimas e as águas territoriais, serão considerados como questões complementares, formando um todo indivisível que deve ser objeto de uma solução conjunta.”

Em 1987, o Rei da Arábia Saudita mandou aos Emirados de Qatar e Bahrain cartas cujos termos eram idênticos, nas quais fazia novas proposições. As proposições sauditas adotadas pelos dois chefes de Estado possuíam quatro pontos, dos quais o primeiro dispunha:

“Todas as questões em disputa serão submetidas à Corte Internacional de Justiça, em Haia, para uma decisão final e obrigatória a ambas as partes que terão que executar seus termos.”

Em virtude do terceiro ponto, foi formada uma comissão composta de representantes dos Estados de Bahrain, Qatar e do Reino da Arábia Saudita,

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“com a finalidade de aproximar-se da Corte Internacional de Justiça, e de satisfazer os requerimentos necessários para que a disputa seja submetida à Corte de acordo com seu Regulamento e regras, para que esta possa decidir de forma definitiva e obrigatória para ambas as partes”.

Dessa forma, em 1988, seguindo uma iniciativa da Arábia Saudita, o Príncipe Herdeiro de Bahrain, em uma visita a Qatar, transmitiu ao Príncipe Herdeiro de Qatar um texto (conhecido como a fórmula de Bahrain) em que se lê o seguinte:

“Questão

As partes pedem que a Corte decida qualquer questão relativa a um direito territorial ou a qualquer outro título ou interesse que possa ser objeto de uma disputa entre elas; e que delimite uma única fronteira marítima entre suas respectivas áreas marítimas, compreendendo o fundo do mar, subsolo e águas suprajacentes.”

O caso voltou a ser discutido dois anos mais tarde, por ocasião da reunião anual do Conselho de Cooperação dos Estados Árabes do Golfo em Doha em dezembro de 1990. Qatar então declarou que estava pronto para aceitar a fórmula de Bahrain. As minutas da reunião que então se realizou diziam que ambas as partes tinham reafirmado o que acordaram previamente; que concordaram em manter os bons ofícios do Rei Fahd da Arábia Saudita até maio de 1991; que depois deste período, a questão seria submetida à Corte Internacional de Justiça de acordo com a fórmula de Bahrain, enquanto os bons ofícios da Arábia Saudita continuariam válidos durante a arbitragem da questão; e que, caso uma solução pacífica fosse aceita por ambas as partes, o caso seria retirado da arbitragem.

Os bons ofícios do Rei Fahd não tiveram o resultado desejado antes da data limite fixada, e em 8 de julho de 19922, Qatar instaurou procedimentos perante a Corte contra Bahrain.

De acordo com Qatar, ambos os Estados “estão expressamente comprometidos, segundo os Acordos de dezembro de 1987 ... e dezembro de 1990..., a submeter suas disputas à Corte”. Qatar, portanto, considerou que a Corte estava apta “a exercer sua competência para se pronunciar sobre estas disputas” e, conseqüentemente, sobre sua demanda.

Bahrain, ao contrário, sustentou que a Minuta de 1990, não era um instrumento jurídico que criava obrigações. Em seguida afirmou que, de qualquer forma, o que se combinou com a Troca de Cartas de 1987 e a Minuta de 1990 não permitia que Qatar demandasse unilateralmente à Corte e concluiu que a esta faltava competência para lidar com a demanda de Qatar.

A natureza das Trocas de Cartas de 1987 e da Minuta de Doha de 1990 (parágrafo 21 ao 30)

A Corte começou por investigar a natureza dos textos sobre os quais Qatar se baseou, antes de iniciar uma análise do conteúdo desses textos. Observou-se que as partes concordaram que as Trocas de Cartas de dezembro de 1987 constituíam um acordo internacional criando obrigações em suas relações, mas que Bahrain sustentou que a Minuta de 25 de dezembro de 1990 era apenas um simples registro das negociações, análogo às Minutas da Comissão das três partes, e que, portanto, não tinham o valor de acordo internacional e não poderiam então servir de fonte para a competência da Corte.

Depois de examinar a Minuta de 1990, a Corte observou que este instrumento não era um simples registro da reunião, análogo àqueles estabelecidos no quadro da comissão das três partes. Ela não se limitava a relatar as discussões e a resumir os pontos de acordo ou desacordo: enumerou os compromissos com os quais as partes consentiram e, desta forma, criou direitos e obrigações em direito internacional para as partes, constituindo um acordo internacional.

2

N.T. utilizou-se a versão em língua francesa do Resumo Oficial da ONU. Segundo a versão em língua inglesa, a data em questão é 8 de julho de 1991.

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Bahrain sustentou que os signatários da Minuta de 1990 nunca tiveram a intenção de concluir um acordo desta natureza. A Corte, no entanto, não achou necessário levar em consideração o que poderia ter sido a intenção do Ministro das Relações Exteriores de Bahrain a este respeito, e, aliás, nem a do Ministro das Relações Exteriores de Qatar. Ela também não aceitou o contra-memorial de Bahrain de que a conduta subseqüente das partes mostrava que elas nunca consideraram a Minuta de 1990 como sendo um acordo dessa natureza.

O conteúdo das Trocas de Cartas de 1987 e da Minuta de Doha de 1990 (parágrafo 31 ao 39)

A Corte, voltando-se para a análise do conteúdo desses textos, bem como dos direitos e obrigações ali gerados, primeiramente observou que, com a Troca de Cartas de dezembro de 1987, Bahrain e Qatar se comprometeram a submeter todas as questões em disputa à Corte e a determinar, com a ajuda da Arábia Saudita (na Comissão das Três Partes), os modos pelos quais a Corte deveria ser demandada.

A questão de determinar a “matéria em disputa” só foi liquidada com a Minuta de dezembro de 1990. Esta levou em consideração o fato de que Qatar havia finalmente aceitado a fórmula de Bahrain. Ambas as partes então aceitavam que a Corte, uma vez demandada, deveria decidir “qualquer questão relativa a um direito territorial ou a qualquer outro título ou interesse que pudesse ser objeto de disputa entre [as partes]”; e deveria “delimitar uma única fronteira marítima entre suas respectivas áreas marítimas, compreendendo o fundo do mar, subsolo e águas suprajacentes”.

A fórmula então adotada determinou os limites da disputa com a qual a Corte deveria lidar. Ela teria por objetivo definir esta disputa, mas qualquer que fosse o modo de encaminhamento da demanda, a Corte deixaria, a cada uma das partes, a possibilidade de apresentar a ela suas próprias pretensões dentro do quadro assim fixado. No entanto, se a fórmula de Bahrain permitia que cada parte apresentasse pretensões distintas, ela pressupôs que a disputa seria submetida à Corte.

A Corte apontou que, naquele momento, tinha diante de si apenas uma demanda de Qatar expondo as pretensões específicas deste Estado no quadro da fórmula de Bahrain. O artigo 40 do Estatuto da Corte dispõe que quando os casos são apresentados perante a Corte, “seja por notificação do compromisso, seja por uma demanda ... o objeto da disputa e as partes devem ser indicados”. No presente caso a identidade das partes não apresenta dificuldades, mas seu objeto, sim.

Do ponto de vista de Bahrain, a demanda de Qatar compreendia apenas alguns dos elementos constitutivos do objeto da disputa, supostamente compreendidos na fórmula de Bahrain, o que Qatar de fato reconheceu.

A Corte decidiu dar às partes a oportunidade de submeter toda a disputa à Corte tal como limitada pela Minuta de 1990 e pela fórmula de Bahrain, com a qual ambas concordaram. As partes poderiam fazê-lo de maneira conjunta ou individual. Tanto em um caso como no outro, o resultado deveria ser o de que a Corte devesse decidir “qualquer questão relativa a um direito territorial ou a qualquer outro título ou interesse que pudesse ser objeto de uma disputa entre” as partes, e um pedido para que ela “delimite uma fronteira marítima única entre suas respectivas áreas marítimas, compreendendo o fundo do mar, subsolo e águas suprajacentes”.

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(COMPETÊNCIA E ADMISSIBILIDADE) Julgamento de 15 de fevereiro de 1995

A Corte proferiu uma decisão sobre a competência e admissibilidade no Caso Relativo à Delimitação Marítima e Questões Territoriais entre Qatar e Bahrain.

A Corte estava composta da seguinte maneira: Presidente Bedjaoui; Vice-Presidente Schwebel; Juízes Oda, Sir Robert Jennings, Guillaume, Shahabuddeen, Aguilar Mawdsley, Ranjeva, Weeramantry, Herczegh, Shi, Fleischhauer, Koroma e os Juízes ad hoc Valticos e Torres Bernárdez; Secretário Valencia-Ospina.

O parágrafo dispositivo do julgamento lê-se como segue: “50. Por estas razões,

A Corte,

1) Por 10 votos a 5,

Declara que tem competência para julgar a disputa entre o Estado de Qatar e o Estado de Bahrain a ela submetida;

2) Por 10 votos a 5,

Declara que a demanda do Estado de Qatar como formulada em 30 de novembro de 1994 é admissível.

...”

A FAVOR: Presidente Bedjaoui; Juízes Sr. Robert Jennings, Guillaume, Aguilar Mawdsley, Weeramantry, Ranjeva, Herczegh, Shi, Fleischhauer; Juiz ad hoc Torres Bernárdez;

CONTRA: Vice-Presidente Schwebel; Juízes Oda, Shahabuddeen, Koroma; Juiz ad hoc Valticos. O Vice-Presidente Schwebel, os Juízes Oda, Shahabuddeen e Koroma, e o Juiz ad hoc Valticos apensaram opiniões dissidentes ao julgamento da Corte.

Histórico do caso e conclusões (parágrafo 1º ao 15)

Neste julgamento, a Corte recordou que, em 8 de julho de 1991, Qatar depositou uma demanda instituindo procedimentos contra Bahrain concernentes a certas disputas entre os dois Estados relacionadas com a soberania sobre as ilhas Hawar, direitos soberanos sobre os bancos de areia de Dibal e Qit’ at Jaradah, e a delimitação das áreas marítimas dos dois Estados.

A Corte então relatou a história do caso. Ela recordou que em sua demanda, Qatar declarou a competência da Corte com base em dois acordos entre as partes concluídos em dezembro de 1987 e dezembro de 1990, respectivamente, sendo a matéria e o alcance do compromisso da competência determinados pela fórmula proposta por Bahrain a Qatar em 26 de outubro de 1988 e aceita por este em dezembro de 1990 (“a fórmula de Bahrain”). Bahrain contestou o fundamento da competência invocada por Qatar.

Pelo seu julgamento de 1º de julho de 1994, a Corte decidiu que as Trocas de Cartas entre o Rei da Arábia Saudita e o Emir de Qatar datadas de 19 e 21 de dezembro de 1987, e entre o Rei da Arábia Saudita e o Emir de Bahrain datadas de 19 e 26 de dezembro de 1987, e o documento intitulado “Minuta”, assinado em Doha em 25 de dezembro de 1990 pelos Ministros das Relações Exteriores de Bahrain, Qatar e Arábia Saudita, constituíam acordos internacionais criando direitos e obrigações para as partes; e que, pelos termos daqueles acordos, as partes comprometeram-se a submeter à Corte a integralidade da disputa entre eles,

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conforme circunscrita pela fórmula de Bahrain. Tendo notado que ela dispunha somente de uma demanda de Qatar expondo reclamações específicas deste Estado no quadro desta fórmula, a Corte decidiu conferir às partes a oportunidade de submeter a ela a integralidade da disputa. Ela fixou 30 de novembro de 1994 como a data limite dentro da qual as partes deveriam, em conjunto ou separadamente, tomar certas atitudes para aquele fim, e reservou quaisquer outras questões para decisão posterior.

Em 30 de novembro de 1994, o Agente de Qatar depositou na Corte um documento intitulado “ato para dar efeito aos pontos 3 e 4 do parágrafo 41 da decisão da Corte de 1º de julho de 1994”. Neste documento, o Agente referiu-se à “ausência de um acordo entre as partes para agir conjuntamente” e declarou que ele estava, portanto, submetendo à Corte “a integralidade da disputa entre Qatar e Bahrain, tal como circunscrito pelo texto ... referido na Minuta de Doha de 1990 denominada “fórmula de Bahrain”.

Ele enumerou as matérias que, do ponto de vista de Qatar, recaíam sob a competência da Corte: “1. As Ilhas Hawar, incluindo a Ilha de Janan;

2. Fasht al Dibal e Qit’ at Jaradah; 3. As linhas de base do arquipélago; 4. Zubarah;

5. As áreas para pesca de pérolas e para pesca de peixe, e quaisquer outras questões relacionadas às fronteiras marítimas.

Foi entendido por Qatar que Bahrain definia a sua demanda sobre Zubarah como uma demanda de soberania.

Em seguida à sua demanda, Qatar requereu à Corte que julgasse e declarasse que Bahrain não tinha soberania ou qualquer outro direito territorial sobre a Ilha de Janan ou sobre Zubarah, e que qualquer demanda de Bahrain concernente às linhas de base do arquipélago e áreas para a pesca de pérolas e de peixe seriam irrelevantes para o propósito da delimitação marítima no presente caso.”

Em 30 de novembro de 1994, a Corte também recebeu do Agente de Bahrain um documento intitulado “Relatório do Estado de Bahrain para a Corte Internacional de Justiça na tentativa das partes de dar efeito ao julgamento da Corte de 1º de julho de 1994”. Naquele “Relatório”, o Agente expôs que seu governo tinha acolhido o julgamento de 1º de julho de 1994, interpretado como confirmando que a submissão à Corte da “integralidade da disputa” deveria ter um “caráter consensual, isto é, ser um objeto de acordo entre as partes”. Além disso, ele observou, as proposições de Qatar “assumiram a forma de documentos que podem apenas ser lidos como destinados a recair sob a estrutura de manutenção do caso introduzido pela demanda de Qatar de 8 de julho de 1991”; e, ademais, alegou que Qatar negou a Bahrain “o direito de descrever, definir ou identificar, segundo os termos escolhidos por Bahrain, as questões que deseja especificamente colocar em debate”, e se opôs ao “direito de Bahrain” de incluir em sua lista de questões em disputa o item ‘soberania sobre Zubarah’ ”.

Bahrain submeteu à Corte observações sobre o ato de Qatar em 5 de dezembro de 1994. Nestas declarou que:

“A Corte não declarou no seu julgamento de 1º de julho de 1994 que tinha competência para o caso instaurado pela demanda unilateral de Qatar de 1991. Conseqüentemente, se a Corte não tinha competência àquele tempo, então o ato individual de Qatar de 30 de novembro, mesmo quando considerado à luz do julgamento, não poderia estabelecer esta competência ou produzir uma demanda eficaz na ausência do consentimento de Bahrain. Nesta questão, Bahrain não consentiu.”

Uma cópia de cada um dos documentos produzidos por Qatar e Bahrain foi devidamente transmitida à outra parte.

(7)

Competência da Corte (parágrafo 16 ao 44)

A Corte inicialmente relembrou as negociações realizadas pelas partes após a decisão de 1º de julho de 1994, o “ato” endereçado por Qatar à Corte em 30 de novembro de 1994, e os comentários feitos, após isso, por Bahrain em 5 de dezembro de 19953.

A Corte recordou então que, em sua decisão de 1º de julho de 1994, reservou qualquer questão não decidida na sentença mencionada a uma decisão posterior. Desta forma, ela deveria se pronunciar sobre as exceções de Bahrain, em sua decisão sobre sua competência para julgar a disputa a ela submetida e sobre a admissibilidade da demanda.

Interpretação do parágrafo 1º da Minuta de Doha (parágrafo 25 ao 29)

O parágrafo 1º da Minuta de Doha registra o acordo das partes para “reafirmar o que foi acordado previamente entre [elas]”.

A Corte começou, antes de tudo, por definir o alcance exato dos compromissos que as partes assumiram em 1987 e reafirmaram na Minuta de Doha de 1990. Sob esse aspecto, os textos essenciais concernentes à competência da Corte eram os pontos 1 e 3 das cartas de 19 de dezembro de 1987. Aceitando aqueles pontos, Qatar e Bahrain concordaram, por um lado, que: “todas as questões disputadas devem ser submetidas à Corte Internacional de Justiça, em Haia, para uma decisão definitiva e obrigatória para ambas as partes, que devem executar os seus termos”.

E, por outro lado, que a Comissão de Três Partes seja formada:

“para o propósito de se aproximar da Corte Internacional de Justiça, e satisfazer as formalidades necessárias para que uma disputa seja submetida à Corte conforme seu Regulamentos e instruções, de tal forma que a Corte possa proferir uma decisão obrigatória e definitiva para ambas as partes”.

Qatar sustentou que, por aquele compromisso, as partes claramente e incondicionalmente conferiram à Corte competência para lidar com as questões em disputa. Os trabalhos da Comissão tinham por objetivo examinar os procedimentos a serem seguidos para implementar o compromisso de levar a questão à Corte. Bahrain, pelo contrário, sustentou que os textos em questão expressaram apenas o consentimento das partes de levar a questão à Corte, mas que tal consentimento estava claramente sujeito à conclusão de um Acordo Especial, nos termos dos trabalhos da Comissão de Três Partes.

A Corte não pôde concordar com Bahrain a este respeito. Nem no ponto 1 ou no ponto 3 das cartas de 19 de dezembro de 1987 a Corte achou que a condição alegada por Bahrain existia. Era de fato evidente no ponto 3 que as partes não previram que o litígio fosse levado à Corte sem prévia discussão, na Comissão, das formalidades requeridas para tanto. Mas os dois Estados, contudo, concordaram em submeter à Corte todas as questões em disputa entre eles, e a única função da Comissão seria assegurar a execução deste compromisso, ajudando as partes a se aproximar da Corte e a realizar as demandas nas formas prescritas por seu Regulamento. Pelos termos do ponto 3, nenhuma das modalidades particulares de demanda contempladas pelo Regulamento da Corte era favorecida ou rejeitada.

A Comissão reuniu-se pela última vez em dezembro de 1988, sem que as partes tivessem chegado a um acordo sobre a definição das “questões disputadas” nem sobre “as formalidades necessárias para que a disputa fosse submetida à Corte”. A Comissão cessou suas atividades por solicitação da Arábia Saudita e sem oposição das outras partes. Como as partes, ao tempo de assinar a Minuta de Doha em dezembro de 1990, não pediram para restabelecer a Comissão, a Corte considerou que o parágrafo 1º desta Minuta poderia apenas ser entendido como uma aceitação pelas partes do ponto 1 das cartas do Rei da Arábia Saudita datadas de 19 de

3

N.T. utilizou-se a versão em língua francesa do Resumo Oficial da ONU. Segundo a versão em língua inglesa, a data em questão é 5 de dezembro de 1994.

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dezembro de 1987 (o compromisso para submeter à Corte “todas as questões disputadas” e para cumprir o julgamento conduzido pela Corte), excluindo o ponto 3 destas mesmas cartas.

Interpretação do parágrafo 2º da Minuta de Doha (parágrafo 30 ao 42)

A Minuta de Doha não apenas confirmou o acordo alcançado pelas partes para submeter sua disputa à Corte, mas também representou um passo decisivo em direção a uma solução pacífica desta, regulamentando a questão controversa da definição das “questões disputadas”. Este foi um dos principais objetivos do parágrafo 2º da Minuta que, na tradução que a Corte usou para os propósitos do presente julgamento, lê-se como se segue:

“2) Os bons ofícios do Guardião das Duas Mesquitas Sagradas, Rei Fahd Ben Abdul Aziz, devem continuar entre os dois países até o mês de Shawwal 1411 depois da Hégira, correspondente a maio de 1991. Uma vez transcorrido este período, as duas partes podem submeter a questão à Corte Internacional de Justiça de acordo com a fórmula de Bahrain, a qual foi aceita por Qatar, com os procedimentos dela resultantes. Os bons ofícios do Reino da Arábia Saudita continuarão durante o período em que a matéria estiver sob arbitragem.”

O parágrafo 2º da Minuta, dispondo formalmente a aceitação de Qatar à fórmula de Bahrain, pôs fim ao desacordo persistente entre as partes quanto à matéria da disputa a ser submetida à Corte. O acordo para adotar a fórmula de Bahrain mostrou que as partes estavam de acordo quanto à extensão da competência da Corte. A fórmula atingiu assim o seu propósito: estabeleceu, em termos gerais, porém claros, os limites da disputa que a Corte deveria acolher.

As partes todavia continuaram a divergir quanto à questão do método de encaminhamento da demanda. Para Qatar, o parágrafo 2º da Minuta permitia um encaminhamento unilateral à Corte, por meio de uma demanda proposta por uma ou outra parte, enquanto que para Bahrain, ao contrário, aquele texto apenas autorizou um encaminhamento conjunto à Corte por meio de um Acordo Especial.

As partes dedicaram considerável atenção ao significado que, de acordo com elas, deveria ser dado à expressão “al-tarafan” (segundo Qatar: “as partes”; segundo Bahrain: “as duas partes”) empregada na segunda frase do texto original árabe do parágrafo 2º da Minuta de Doha. A Corte observou que a forma dual em árabe servia simplesmente para expressar a existência de duas unidades (“as partes” ou “as duas partes”). Desta forma, o que deve ser determinado é se as palavras, aqui utilizadas de forma dual, teriam um significado alternativo ou cumulativo: no primeiro caso, o texto deixaria a cada uma das partes a opção de agirem unilateralmente, no segundo caso, implicaria a submissão da questão à Corte por ambas as partes agindo de comum acordo, seja conjuntamente, seja separadamente.

A Corte primeiro analisou o significado e alcance da frase “Uma vez decorrido o período, as duas partes podem submeter a questão à Corte Internacional de Justiça”. Ela notou que a utilização do verbo “poder” evocaria, em primeiro lugar e da maneira mais natural, a faculdade ou direito das partes de encaminhar uma demanda à Corte. De fato, a Corte teve dificuldade em ver por que a Minuta de 1990, cujo objeto e propósito foi adiantar a solução da disputa dando efeito ao compromisso formal das partes em submetê-la à Corte, estaria restrita a abrir-lhes a possibilidade de ação conjunta que não apenas sempre existiu como também mostrou-se ineficaz. Ao contrário, o texto assumia o seu significado completo se tomado como visando abrir, com o propósito de acelerar o processo de solução da disputa, o caminho para um possível encaminhamento unilateral da demanda à Corte no caso da mediação da Arábia Saudita não chegar a um resultado positivo em maio de 1991. A Corte também examinou as possíveis implicações, em relação a esta última interpretação, das condições segundo as quais a mediação da Arábia Saudita deveria se desenrolar de acordo com a primeira e a terceira frase do parágrafo 2º da Minuta. A Corte notou que a segunda frase afetaria a continuação da mediação. Nesta hipótese, o processo de mediação deveria ter sido suspenso em maio de 1991 e não poderia ter prosseguido antes do encaminhamento da demanda à Corte. Para a Corte, o objetivo da Minuta não poderia ser o de retardar a solução da disputa ou de tornar esta solução mais difícil. Deste ponto de vista, o direito de encaminhamento unilateral da demanda era o complemento necessário para a suspensão da mediação.

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A Corte, em seguida, iniciou a análise do significado e alcance dos termos “conforme a fórmula de Bahrain, que foi aceita por Qatar, e os procedimentos dela resultantes”, que concluem a segunda frase do parágrafo 2º da Minuta de Doha. A Corte deveria verificar se, conforme foi sustentado por Bahrain, aquela referência à fórmula de Bahrain, e, em particular, aos “procedimentos dela resultantes”, tiveram a intenção e efeito de impedir qualquer encaminhamento unilateral. A Corte estava consciente de que a fórmula de Bahrain foi originalmente destinada a ser incorporada ao texto de um Acordo Especial. Entretanto, ela considerou que a referência àquela fórmula na Minuta de Doha deveria ser apreciada mais no contexto desta Minuta do que à luz das circunstâncias nas quais a fórmula foi originalmente concebida. Foi com o objetivo de determinar a questão central da disputa que a Corte deveria decidir se a Minuta de 1990 referiu-se à fórmula de Bahrain. Mas a fórmula não mais constituía um elemento de um Acordo Especial que, além do mais, nunca foi implementado; ela teria se tornado parte de um acordo internacional obrigatório que determinou as condições para o encaminhamento da demanda à Corte. A Corte notou que a verdadeira essência daquela fórmula era, como Bahrain claramente declarou diante da Comissão, circunscrever a disputa com a qual a Corte deveria lidar, deixando a cada uma das partes a possibilidade de apresentar suas próprias demandas dentro do quadro assim fixado. Dada a falha em negociar um Acordo Especial, a Corte entendeu de que a única implicação procedimental da fórmula de Bahrain sobre a qual as partes poderiam ter chegado a um acordo em Doha, era a possibilidade de cada uma delas poder submeter demandas distintas à Corte.

Conseqüentemente, parece à Corte que o texto do parágrafo 2º da Minuta de Doha, interpretado de acordo com o significado comum a ser atribuído a seus termos, no seu contexto, e à luz do objeto e propósito da Minuta mencionada, permitiu o encaminhamento unilateral à Corte.

Nestas circunstâncias, a Corte não considerou necessário utilizar meios suplementares para interpretar a Minuta de Doha e encontrar uma possível confirmação de sua interpretação do texto. Entretanto, nem os trabalhos preparatórios da Minuta nem as circunstâncias nas quais foi assinada poderiam, ao ver da Corte, fornecer elementos suplementares conclusivos para aquela interpretação.

A conexão entre a competência e o encaminhamento da demanda (parágrafo 43)

A Corte ainda teve que examinar um outro argumento. De acordo com Bahrain, mesmo se a Minuta de Doha fosse interpretada como não excluindo o encaminhamento unilateral, tal fato não poderia autorizar uma das partes a acionar a Corte por meio de uma demanda. Bahrain argüiu, com efeito, que o encaminhamento da demanda não é meramente uma questão procedimental mas uma questão de competência; que o consentimento ao encaminhamento unilateral estaria sujeito às mesmas condições que o consentimento para a solução judicial e deveria, portanto, ser inequívoco e indiscutível; e que, no silêncio dos textos, o encaminhamento conjunto deveria ser a única solução.

A Corte considerou que, como um ato instaurador de procedimentos, o encaminhamento da demanda é um ato autônomo com relação à base de competência invocada. Entretanto, a Corte não poderia conhecer uma demanda quando a base de competência considerada não encontrou seu complemento necessário em um ato de encaminhamento: seguindo este ponto de vista, a questão de saber se a Corte foi validamente demandada apareceu como uma questão de competência. Não havia dúvidas de que a competência da Corte somente poderia ser estabelecida com base na vontade das partes, conforme evidenciado pelos textos pertinentes. Mas interpretando o texto da Minuta de Doha, a Corte chegou à conclusão de que ela permitia um encaminhamento unilateral. Uma vez que a Corte foi validamente demandada, ambas as partes estavam sujeitas às conseqüências procedimentais que o Estatuto e o Regulamento aplicam ao modo de encaminhamento utilizado.

No seu julgamento de 1º de julho de 1994, a Corte decidiu que as Trocas de Cartas de dezembro de 1987 e a Minuta de dezembro de 1990 constituíam acordos internacionais criando direitos e obrigações para as partes, e que pelos termos destes acordos as partes se comprometeram a submeter a integralidade da disputa entre elas à Corte. Neste julgamento, a Corte notou que em Doha as partes reafirmaram o consentimento à sua competência e fixaram o objeto da disputa conforme a fórmula de Bahrain; ela notou mais adiante que a Minuta de Doha permitia um encaminhamento unilateral. A Corte considerou, conseqüentemente, que tinha competência para julgar a questão.

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Admissibilidade (parágrafo 45 ao 48)

Tendo assim estabelecido sua competência, a Corte ainda tinha que lidar com certos problemas de admissibilidade, já que Bahrain repreendeu Qatar por ter limitado o alcance da disputa somente àquelas questões expostas em sua demanda.

No julgamento de 1º de julho de 1994, a Corte decidiu: “propiciar às partes a oportunidade de submeter a totalidade da disputa tal como circunscrita na Minuta de Doha de 1990 e da fórmula de Bahrain, com as quais ambos concordaram”.

Qatar, por uma iniciativa individual de 30 de novembro de 1994, submeteu à Corte “a integralidade da disputa entre Qatar e Bahrain, como circunscrita” pela fórmula de Bahrain. Os termos usados por Qatar foram similares àqueles usados por Bahrain em vários projetos de textos, exceto na medida em que estes últimos visavam a soberania sobre as Ilhas Hawar e a soberania sobre Zubarah. Pareceu à Corte que a formulação usada por Qatar descrevia exatamente o objeto da disputa. Nestas circunstâncias, a Corte, lamentando que nenhum acordo foi alcançado entre as partes quanto às modalidades de apresentação, concluiu que naquele momento tinha sido demandada a resolver a integralidade da disputa, e que a demanda de Qatar era admissível.

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MÉRITO

(Julgamento de 16 de março de 2001)

Resumo do processo e das conclusões das partes (parágrafo 1º ao 34)

Em 8 de julho de 1991, o Catar depositou na Secretaria da Corte um requerimento instaurando um processo contra Bahrein sobre controvérsias entre os dois Estados relativas “à soberania sobre as ilhas Hawar, aos direitos soberanos sobre os bancos de areia de Dibal e de Qit’at Jaradah e à delimitação das zonas marítimas entre os dois Estados”. Nesse requerimento, o Catar sustentou que a Corte seria competente para conhecer da controvérsia em virtude de dois “acordos” concluídos pelas partes respectivamente em dezembro de 1987 e em dezembro de 1990; segundo o demandante, o objeto e o alcance do compromisso assim tomado no que concerne à competência da Corte seriam determinados por uma fórmula proposta no Catar por Bahrein em 26 de outubro de 1988 e aceita pelo Catar em dezembro de 1990 (doravante denominada “fórmula de Bahrein”). Por cartas de 14 de julho de 1991 e de 18 de agosto de 1991, Bahrein contestou a base da competência invocada pelo Catar.

Por sentença de 1º de julho de 1994, a Corte declarou que as Trocas de Cartas entre o Rei da Arábia Saudita e o Emir do Catar, datadas de 19 e 21 de dezembro de 1987, e entre o Rei da Arábia Saudita e o Emir de Bahrein, datadas de 19 e 26 de dezembro de 1987, bem como o documento intitulado “Ata”, assinado em Doha em 25 de dezembro de 1990 pelos Ministros das Relações Exteriores de Bahrein, do Catar e da Arábia Saudita, constituíam acordos internacionais criando direitos e obrigações para as partes; e que nos termos desses acordos as partes assumiram o compromisso de submeter à Corte o conjunto da controvérsia que lhes opõe, tal como circunscrito pela fórmula de Bahrein. Notando que ela disporia somente de um requerimento do Catar expondo as pretensões específicas desse Estado em consonância com essa fórmula, a Corte decidiu dar às partes a oportunidade de lhe submeter a totalidade da controvérsia. Depois que cada uma das partes depositou um documento a esse respeito no prazo fixado, a Corte, por sentença de 15 de fevereiro de 1995, declarou que tinha competência para estatuir sobre a controvérsia que lhe havia sido submetida entre Catar e Bahrein; que ela dirimiria a partir de então a totalidade da controvérsia; e que o requerimento do Estado do Catar, tal como formulado em 30 de novembro de 1994 era admissível.

No curso do processo escrito sobre o mérito, Bahrein questionou a autenticidade de oitenta e dois documentos produzidos pelo Catar em anexo à sua peça. Cada uma das partes apresentou um certo número de relatórios de peritos sobre a questão e a Corte proferiu algumas decisões. Em sua última decisão de 17 de fevereiro de 1999 sobre a questão, a Corte, levando em consideração a coincidência entre as partes sobre a questão do tratamento a reservar aos documentos contestados e seu acordo sobre a prorrogação do prazo para o depósito das réplicas, tomou a decisão de não considerar, para os fins do presente caso, os oitenta e dois documentos contestados por Bahrein e decidiu que as réplicas não se apoiariam nesses documentos. Após o depósito dessas réplicas, a Corte decidiu autorizar as partes a apresentar documentos suplementares. Audiências públicas ocorreram entre 29 de maio e 29 de junho de 2000.

As conclusões finais apresentadas por cada uma das partes no fim das audiências foram as seguintes: Em nome do governo do Catar,

“O Estado do Catar pede respeitosamente à Corte, uma vez rejeitadas todas as outras demandas e conclusões em sentido contrário,

I. que declare e julgue conforme o direito internacional:

A. 1) que o Estado do Catar tem soberania sobre as ilhas Hawar;

2) que os bancos de areia de Dibal e de Qit’at Jaradah são dois bancos de areia descobertos sobre os quais o Catar tem soberania;

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2) que o Estado de Bahrein não tem soberania sobre Zubarah;

3) que qualquer demanda de Bahrein concernente às linhas de base arquipelágicas e zonas de pesca de ostras perolíferas e peixes não sejam pertinentes para os fins da delimitação marítima a operar no caso específico;

II. que trace um limite marítimo único entre os espaços marítimos compreendendo os fundos marítimos, o subsolo e as águas suprajacentes que concernem respectivamente ao Estado do Catar e ao Estado de Bahrein, convencionando que Zubarah, as ilhas Hawar e a ilha de Janan pertencem ao Estado do Catar e não ao Estado de Bahrein, e que o referido limite parte do ponto 2 do acordo de delimitação concluído em 1971 entre Bahrein e o Irã (51º 05’ 54’’ de longitude leste e 27° 02’ 47’’ de latitude norte), se dirige em seguida em direção sul até o ponto BLV (50° 57’ 30’’ de longitude leste e 26° 33’ 35’’ de latitude norte), seguindo a partir do dito ponto BLV a linha estabelecida pela decisão britânica de 23 de dezembro de 1947 até o ponto NSLB (50° 49’ 48’’ de longitude leste e 26° 21’ 24’’ de latitude norte) e então até ponto L (50° 43’ 00’’ de longitude leste e 25° 47’ 27’’ de latitude norte) e se prolonga até o ponto S1 do acordo de delimitação concluído em 1958 entre Bahrein e a Arábia Saudita (50° 31’ 45’’ de longitude leste e 25° 35’ 38’’ de latitude norte).”

Em nome do governo de Bahrein,

“Com base nos fatos e argumentos expostos no memorial, no contra-memorial e na réplica de Bahrein assim como nas presentes audiências,

Que convenha à Corte rejeitar todas as demandas e conclusões contrárias e declarar e julgar que:

1. Bahrein tem soberania sobre Zubarah.

2. Bahrein tem soberania sobre as ilhas Hawar, incluindo Janan e Hadd Janan.

3. Levando em conta a soberania de Bahrein sobre todas as formações, insulares e outras, compreendendo Fasht ad Dibal e Qit’at Jaradah, que constituem o arquipélago de Bahrein, o limite marítimo entre Bahrein e Catar é aquele descrito na segunda parte do memorial de Bahrein.”

[Para as linhas de delimitação propostas por cada uma das partes, ver mapa nº 2 da sentença, em anexo.] Plano geográfico ( parágrafo 35)

A Corte relembrou que o Estado do Catar e o Estado de Bahrein estão ambos situados na parte meridional do Golfo Árabe-Pérsico (doravante denominado o “Golfo”), a meio caminho da foz do Chatt al-Arab, a noroeste, e o Estreito de Ormuz, na extremidade oriental do Golfo, ao norte de Oman. A zona continental situada a oeste e ao sul da ilha principal de Bahrein e ao sul da península do Catar faz parte integrante do Reino da Arábia Saudita. A zona continental que costeia o Golfo ao norte faz parte do Irã.

A península do Catar projeta-se sobre o Golfo segundo uma direção norte a partir da baía denominada Dawhat Salwah, a oeste, e da região situada ao sul de Khor al-Udaid, a leste. A capital do Catar, Doha, está situada sobre a costa oriental da península.

Bahrein é constituído por um certo número de ilhas, ilhotas e bancos de areia situados ao longo das costas oriental e ocidental de sua ilha principal, que é igualmente chamada ilha Al-Awal. A capital de Bahrein, Manama, está situada na parte nordeste da ilha Al-Awal.

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As ilhas Hawar se situam na proximidade imediata da parte mediana da costa ocidental da península do Catar, a sudeste da ilha principal de Bahrein e a uma distância aproximada de 10 milhas marítimas dessa.

Janan está situada na região da ponta sudoeste da ilha Hawar propriamente dita.

Fasht ad Dibal e Qit’at Jaradah são duas formações marítimas que se situam ao longo da costa noroeste da península do Catar e a nordeste da ilha principal de Bahrein.

Contexto histórico (parágrafo 36 ao 69)

A Corte fez então uma breve exposição da história complexa que serve de pano de fundo da controvérsia entre as partes (parcialmente reproduzida abaixo).

A navegação no Golfo era tradicionalmente feita por habitantes da região. A partir do início do século XVI, as potências européias começaram a se interessar por essa região que constituía uma das rotas comerciais em direção à Índia. O quasi-monopólio comercial exercido pelos portugueses só foi questionado no início do século XVII. A Grã-Bretanha desejou então reforçar sua presença no Golfo para proteger os interesses comerciais crescentes da Companhia das Índias Orientais.

Entre 1797 e 1819, a Grã-Bretanha lançou numerosas expedições punitivas para reagir aos atos de pilhagem e de pirataria perpetrados pelas tribos árabes dirigidas pelos Qawasim contra navios britânicos e locais. Em 1819, tomou o controle de Ras al-Khaimah, quartel general dos Qawasim, e concluiu acordos separados com diferentes xeques da região. Esses xeques se comprometeram a concluir um tratado geral de paz. Por esse tratado, assinado em 1820, esses xeques e chefes se comprometeram tanto em nome próprio quanto em nome daqueles submetidos a eles, inter alia, a se abster, no futuro, de qualquer ato de pilhagem ou de pirataria. Apenas nos fins do século XIX a Grã Bretanha adotaria uma política geral de proteção no Golfo concluindo “acordos exclusivos” com a maioria dos principados, dentre eles os de Bahrein, de Abou Dhabi, de Chardjah e de Doubai. A representação dos interesses da Grã-Bretanha na região foi confiada a um Residente Político britânico no Golfo, instalado em Bushire (Pérsia), ao qual foram, depois, subordinados agentes políticos em diferentes principados com os quais a Grã-Bretanha havia concluído acordos.

Em 31 de maio de 1861, o governo britânico concluiu um “Tratado Perpétuo de Paz e de Amizade” com o Xeque Mahomed Bin Khalifah, no qual esse último foi designado como soberano independente de Bahrein. Nos termos desse tratado, Bahrein se comprometia principalmente a se abster de toda agressão marítima de qualquer natureza, uma vez que a Grã-Bretanha se comprometeria a fornecer a Bahrein o apoio necessário para manter a segurança de suas possessões contra qualquer agressão. Nenhuma disposição desse tratado precisava a extensão dessas possessões.

Em seqüência às hostilidades que deflagraram em 1867 na península do Catar, o Residente Político Britânico no Golfo se encontrou com o Xeque Ali bin Khalifah, Chefe de Bahrein, e com o Xeque Mohamed Al-Thani, Chefe do Catar e, em 6 e 12 de setembro de 1868, respectivamente, os levou a assinar um acordo com a Grã-Bretanha. Por esses acordos, o Chefe de Bahrein reconheceria principalmente alguns atos de pirataria que haviam sido cometidos por Mahomed Bin Khalifah, seu predecessor, e, “a fim de salvaguardar a paz no mar e de prevenir o acontecimento de outros problemas, bem como manter o Residente Político Britânico informado do que se passa”, prometia designar um representante junto a esse último; quanto ao Chefe do Catar, ele se comprometeu, entre outras, a retornar a Doha e lá residir pacificamente, não ir ao mar com intenções hostis e, no caso de surgimento de controvérsias ou de mal entendidos, dar ciência, sem exceção, ao Residente Político. Segundo Bahrein, os “eventos de 1867-1868” demonstram que o Catar não seria independente de Bahrein. Segundo o Catar, ao contrário, os acordos de 1868 reconheceriam pela primeira vez oficialmente a identidade distinta do Catar.

Se a Grã-Bretanha era à época a potência marítima dominante no Golfo, o Império Otomano, por sua vez, havia restabelecido sua autoridade sobre as vastas regiões terrestres do lado meridional do Golfo. Nos anos que seguiram à chegada dos otomanos na península do Catar, a Grã Bretanha aumentou sua influência em Bahrein. Uma “Convenção Anglo-Otomana Relativa ao Golfo Pérsico e aos Territórios Próximos” foi assinada em 29 de julho de 1913, mas nunca foi ratificada. A seção II dessa Convenção tratava do Catar. Seu

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artigo 11 descrevia o traçado da linha que, segundo o acordo entre as partes, devia separar o sandjak otomano de Nedjd da “península de El-Katr”. Catar salientou que os otomanos e os britânicos haviam igualmente assinado, em 9 de março de 1914, um tratado concernente às fronteiras de Aden, ratificado no mesmo ano, cujo artigo III especificaria que a delimitação entre Catar e o sandjak de Nedjd estaria “em conformidade ao artigo 11 da Convenção Anglo-Otomana de 29 de julho de 1913 Relativa ao Golfo Pérsico e aos Territórios Próximos”. Por um tratado concluído em 3 de novembro de 1916 entre a Grã-Bretanha e o Xeque do Catar, este se comprometeria principalmente a não manter relações e a não corresponder com uma outra potência, nem receber seu Agente, sem o consentimento do governo britânico”, a não ceder, sem tal consentimento, terras a uma outra potência nem a seus cidadãos, e a não acordar sem esse consentimento monopólios ou concessões. Em troca, o governo britânico se comprometeria a proteger o Xeque do Catar e a prestar seus “bons ofícios” no caso do Xeque ou o Catar serem atacados por via terrestre. Nenhuma disposição desse tratado especificava a extensão desses territórios.

Em 29 de abril de 1936, o representante da Petroleum Concessions Ltd. chamou atenção, por escrito, do India Office britânico, que era responsável pelas relações com os Estados protegidos do Golfo, sobre um acordo de concessão do Catar, datado de 17 de maio de 1935 e observou que o soberano de Bahrein reivindicava Hawar nas negociações que ele mantinha com a Petroleum Concessions Ltd.; ele questionou então a qual dos dois emirados (Bahrein ou Catar) Hawar pertencia. Em 14 de julho de 1936, a Petroleum Concessions Ltd. foi informada pelo India Office, que para o governo britânico, Hawar pertenceria ao Xeque de Bahrein. O conteúdo dessas comunicações não foi levado ao conhecimento do Xeque do Catar.

Em 1937, Catar tentou impor impostos à tribo dos Naim, estabelecida em Zubarah; Bahrein se opôs, pois pretendia ter direitos sobre essa região. As relações entre Catar e Bahrein se degradaram. Negociações ocorreram entre os dois Estados na primavera de 1937 e foram rompidas em julho do mesmo ano.

Segundo o Catar, Bahrein teria ocupado clandestinamente e ilicitamente as ilhas Hawar em 1937. Bahrein sustentou que seu soberano apenas praticou atos legítimos participando da administração contínua de seu próprio território. Por carta datada de 10 de maio de 1938, o soberano de Catar protestou junto ao governo britânico contra o que ele qualificava de “ações irregulares tomadas por Bahrein contra o Catar” e às quais ele já havia se referido em fevereiro de 1938, no curso de uma conversa ocorrida em Doha com o Agente Político Britânico em Bahrein. No dia 20 de maio de 1938, este último escreveu ao soberano de Catar para convidá-lo a expor suas pretensões sobre Hawar. O soberano do Catar respondeu em carta datada de 27 de maio de 1938. Alguns meses mais tarde, em 3 de janeiro de 1939, Bahrein apresentou em resposta suas próprias pretensões. Em uma carta de 30 de março de 1939, o soberano de Catar apresentou ao Agente Político Britânico em Bahrein suas observações sobre as pretensões de Bahrein. Em 11 de julho de 1939, os soberanos do Catar e de Bahrein foram informados de que o governo britânico havia decidido que as ilhas Hawar pertenciam a Bahrein.

Em maio de 1946, a Bahrain Petroleum Company Ltd. requisitou a autorização de perfurar em zonas de plataforma continental, dentre as quais algumas poderiam, na opinião dos britânicos, pertencer ao Catar. O governo britânico decidiu que essa autorização apenas poderia ser efetuada quando houvesse a delimitação dos fundos marinhos entre Bahrein e Catar. Procedeu-se a um exame da questão e, em 23 de dezembro de 1947, o Agente Político Britânico em Bahrein endereçou aos soberanos do Catar e de Bahrein duas cartas, de mesmo teor, que indicavam principalmente a linha que o governo britânico consideraria “como divisora dos fundos marinhos em questão, segundo princípios eqüitativos”; essa carta indicava igualmente que o Xeque de Bahrein tinha direitos soberanos sobre a região dos bancos de areia de Dibal e de Jaradah (que não deviam ser considerados como ilhas possuidoras de águas territoriais), assim como sobre as ilhas do grupo das Hawar, especificando que a ilha de Janan não era considerada como parte do grupo das Hawar.

Em 1971, Catar e Bahrein deixam de ser Estados protegidos pela Grã-Bretanha. Em 21 de setembro de 1971, ambos foram admitidos na Organização das Nações Unidas.

A partir de 1976, uma mediação, igualmente qualificada de “bons ofícios”, foi iniciada pelo Rei da Arábia Saudita com o consentimento dos Emires de Bahrein e do Catar. Os bons ofícios do Rei Fahd não chegaram a um acordo no prazo fixado, e o Catar, em 8 de julho de 1991, instaurou perante a Corte um processo contra Bahrein.

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Soberania sobre Zubarah (parágrafo 70 ao 97)

A Corte notou que as duas partes concordam que os Al-Khalifah ocuparam Zubarah nos anos 1760 e que, alguns anos mais tarde, esses se estabeleceram em Bahrein, mas que elas discordam sobre a situação jurídica que prevaleceu em seguida e que levou aos episódios de 1937. Na opinião da Corte, os termos do acordo de 1868, entre a Grã-Bretanha e o Xeque de Bahrein (ver acima), mostram que os britânicos não toleraram que Bahrein buscasse apoiar suas reivindicações sobre Zubarah por ações militares no mar. Bahrein sustentou, todavia, que os Al-Khalifah continuaram a exercer sua autoridade sobre Zubarah por intermédio de uma confederação tribal dirigida pelos Naim leais à Bahrein, não obstante o fato de que eles mudaram o centro de seu governo para as ilhas de Bahrein no fim do século XVIII. A Corte não aceitou essa afirmação.

Segundo a Corte, com relação ao papel desempenhado na época pela Grã-Bretanha e o Império Otomano na região, importa mencionar o artigo 11 da Convenção Anglo-Otomana assinada em 29 de julho de 1913, que enunciou principalmente o que segue: “ficou entendido pelos dois governos que a referida península será, como no passado, governada pelo Xeque Djassim-bin-Sani e por seus sucessores”. Assim, a Grã-Bretanha e o Império Otomano não reconheceram a soberania de Bahrein sobre a península, incluindo Zubarah. Eles consideraram que a península do Catar em seu conjunto continuaria a ser governada pelo Xeque Jassim Al-Thani - que havia sido precedentemente denominado kaimakam pelos otomanos - e pelos seus sucessores. As duas partes concordam que a Convenção Anglo-Otomana de 1913 nunca foi ratificada; elas divergem, entretanto, sobre o valor probante no que concerne à soberania do Catar sobre a península. A Corte observou que os acordos assinados, mas não ratificados podem constituir a expressão fiel dos pontos de vista comuns das partes na época da assinatura. No caso em tela, a Corte chegou à conclusão de que a Convenção Anglo-Otomana estabeleceu quais seriam as opiniões da Grã-Bretanha e do Império Otomano no que tange à extensão fatual da autoridade do soberano Al-Thani no Catar até 1913. A Corte observou igualmente que o artigo 11 da Convenção de 1913 estava vislumbrado no artigo III do Tratado Anglo-Otomano de 9 de março de 1914, que foi devidamente ratificado ao longo do mesmo ano. As partes nesse tratado não viam outra autoridade sobre a península que a do Catar.

A Corte passou em seguida ao exame de certos incidentes ocorridos em Zubarah, no ano de1937, depois que o Xeque do Catar tentou subjugar os Naim. Ela ressaltou principalmente que, em 5 de maio de 1937, o Residente Político deu ciência desses incidentes ao Secretário de Estado para as Índias lhe indicando que considerava “pessoalmente … que, do ponto de vista jurídico, as pretensões de Bahrein sobre Zubarah estavam condenadas ao fracasso”. Por telegrama de15 de julho de 1937, o Secretário de Estado britânico indicou ao Residente Político que o Xeque de Bahrein devia ser informado que o governo britânico lamentava “não poder intervir no litígio que opõe o Xeque de Catar à tribo dos Naim”.

Levando em consideração o que precede, a Corte entendeu não poder aceitar a afirmação de Bahrein segundo a qual a Grã-Bretanha teria sempre considerado que Zubarah pertenceria a Bahrein. Os termos do Acordo de 1868, concluído entre o governo britânico e o Xeque de Bahrein, os das Convenções de 1913 e 1914 e os das cartas de 1937 endereçadas ao Secretário de Estado para as Índias pelo Residente Político e vice-versa, testemunham em contrário. De fato, o governo britânico não considerava em 1937 que Bahrein tinha soberania sobre Zubarah; foi a razão pela qual havia recusado fornecer a Bahrein a assistência que esse solicitava com base nos acordos em vigor entre os dois países. No período após 1868, a autoridade do Xeque do Catar sobre o território de Zubarah se consolidou gradualmente; ela foi constatada na Convenção Anglo-Otomana de 1913 e foi definitivamente estabelecida em 1937. Os atos desempenhados pelo Xeque do Catar em Zubarah nesse ano participariam do exercício de sua autoridade sobre seu território e, contrariamente ao que Bahrein alegou, não constituiria um recurso ilícito à força contra Bahrein. Por todos esses motivos, a Corte concluiu que não poderia acolher a primeira conclusão de Bahrein e que o Catar tem soberania sobre Zubarah.

Soberania sobre as ilhas Hawar (parágrafo 98 ao 148)

A Corte tratou da questão da soberania sobre as ilhas Hawar, reservando a esse estado o exame da questão de Janan.

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A Corte observou que a vasta argumentação desenvolvida pelas partes no que concerne à soberania sobre as ilhas Hawar levanta várias questões jurídicas: a natureza e a validade da decisão tomada pela Grã-Bretanha em 1939; a existência de um título originário; as effectivités; e a aplicabilidade no caso dos princípios do uti possidetis juris. A Corte começou por examinar a natureza e a validade da decisão britânica de 1939.

Bahrein sustentou que a decisão britânica de 1939 deve ser vista inicialmente como uma sentença arbitral com força de coisa julgada. Ele defendeu a idéia que a Corte não tem competência para reexaminar a sentença tomada por um outro tribunal, invocando para tanto a jurisprudência da Corte Permanente de Justiça Internacional e da presente Corte. O Catar contestou a pertinência das sentenças às quais Bahrein se referiu. Ele afirmou o que segue:

“Nenhum desses casos apresenta a menor pertinência para a questão que a Corte deve dirimir na presente instância e que é a seguinte: os procedimentos tomados pelo governo britânico em 1938 e 1939 poderiam ser assimilados a um processo arbitral suscetível a chegar a uma sentença obrigatória para as partes ?”

A Corte se inclinou primeiramente sobre a questão de saber se a decisão britânica de 1939 devia ser considerada como sendo uma sentença arbitral. Ela observou sobre esse assunto que em direito internacional público, a palavra arbitragem visa normalmente “a solução dos litígios entre os Estados por Juízes de sua escolha e com base no respeito ao direito” e que essa formulação foi reafirmada nos trabalhos da Comissão de Direito Internacional, que fizeram reserva ao caso no qual as partes concordem que a decisão solicitada deveria ser tomada ex æquo et bono. A Corte observou que no caso em particular não havia nenhum acordo entre as partes para se submeter a uma arbitragem proferida por Juízes de sua escolha e estatuindo pelo direito ou ex æquo et bono. As partes apenas concordaram que a questão seria tratada pelo “governo de Sua Majestade”, mas elas deixaram à apreciação desse último o cuidado de determinar como e por quais de seus funcionários essa decisão seria tomada. Assim, a decisão pela qual o governo britânico considerou em 1939 que as ilhas Hawar pertenciam a Bahrein, não constituía uma sentença arbitral internacional. A Corte declarou que não deve, por conseguinte, examinar a tese de Bahrein sobre sua competência para conhecer da validade de sentenças arbitrais.

A Corte observou, contudo, que o fato de uma decisão não ser uma sentença arbitral não implica que essa decisão seja desprovida de efeitos jurídicos. Para apreciar qual é o efeito jurídico da decisão britânica de 1939, a Corte relembrou os eventos que a precederam e os que ocorreram imediatamente após a sua adoção. A Corte passou em seguida ao exame da argumentação sobre a qual o Catar se apoiou para contestar a validade da decisão britânica de 1939.

O Catar sustentou, em primeiro lugar, jamais ter consentido com que a questão das ilhas Hawar fosse resolvida pelo governo britânico.

A Corte ressaltou, contudo, que após a Troca de Cartas de 10 de maio e 20 de maio de 1938, o soberano do Catar havia aceitado em 27 de maio de 1938 confiar ao governo britânico o cuidado de decidir a questão das ilhas Hawar. Ele apresentou no mesmo dia sua queixa ao Agente Político Britânico. Enfim aceitou, como o soberano de Bahrein, participar do processo que devia levar à decisão de 1939. A competência do governo britânico para tomar a decisão concernente às ilhas Hawar decorria desse duplo consentimento; a Corte não devia examinar se, na ausência de tal consentimento, o governo britânico teria sido autorizado a fazê-lo em virtude dos tratados que tornavam Bahrein e Catar Estados protegidos pela Grã-Bretanha.

O Catar sustentou em segundo lugar que os funcionários britânicos encarregados da questão das ilhas Hawar já teriam sua posição formada e que seu julgamento havia sido decidido antecipadamente. O procedimento adotado teria desrespeitado a “regra proibitória de qualquer parcialidade de uma autoridade investida de poder de decidir no âmbito internacional”. Ainda, as partes não tiveram a possibilidade de apresentar seus argumentos em pé de igualdade e de forma eqüitativa, e a decisão tomada não teria sido motivada.

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A Corte começou por indicar que mesmo que a decisão de 1939 não constitua uma sentença arbitral, disso não resulta que ela seja desprovida de qualquer efeito jurídico. Ao contrário, resultou do dossiê, e principalmente das trocas de correspondências recordadas anteriormente, que Bahrein e Catar haviam aceitado que o governo britânico solucionasse a controvérsia no que concerne às ilhas Hawar. Portanto, a decisão de 1939 deve ser vista como uma decisão que seria, ab initio, obrigatória para os dois Estados e continuou a ser para esses mesmos Estados após 1971, ano no qual eles deixaram de ser Estados protegidos pela Grã-Bretanha.

A Corte observou ainda que, se é certo que no curso desse processo os funcionários britânicos encarregados do dossiê partiram da premissa de que Bahrein possuía prima facie um título sobre as ilhas e que o ônus da prova contrária repousava sobre o soberano do Catar, este último país não poderia sustentar que era contrário à justiça partir dessa premissa na medida em que ele havia sido informado antes de consentir com o processo ou que ao menos consentiu que ele se desenvolvesse com base nela. No curso do referido processo, os dois soberanos puderam apresentar sua argumentação e cada um deles dispôs de um tempo que a Corte estimou suficiente para tanto; a tese do Catar segundo a qual ele teria sido vítima de uma desigualdade de tratamento não poderia ser acolhida. A Corte notou também que, se os motivos tomados como apoio à decisão de 1939 não foram comunicados aos soberanos de Bahrein e do Catar, essa ausência de motivação não tem influência sobre a regularidade da decisão tomada uma vez que nenhuma obrigação de motivação havia sido imposta ao governo britânico no momento em que este se viu encarregado de solucionar o caso. A Corte não pôde então acolher a tese do Catar segundo a qual a decisão britânica de 1939 não seria válida por falta de motivação. Enfim, o fato do Xeque do Catar ter protestado inúmeras vezes contra o conteúdo da decisão britânica de 1939 após dela ter tomado conhecimento não pôde torná-la inoponível ao Xeque, contrariamente ao que pretendia o Catar. A Corte chegou assim à conclusão de que a decisão tomada pelo governo britânico em 11 de julho de 1939 apresentava um caráter obrigatório para as partes. Por todos esses motivos, a Corte concluiu que Bahrein tem soberania sobre as ilhas Hawar e que, portanto, ela não poderia acolher as conclusões do Catar sobre esse ponto. A Corte observou, enfim, que a conclusão à qual chegou com base na decisão britânica de 1939 a dispensa de se pronunciar sobre a argumentação das partes relativa à existência de um título originário, às effectivités ou à aplicabilidade no caso específico do princípio do uti possidetis juris.

Soberania sobre a ilha de Janan (parágrafo 149 ao 165)

A Corte examinou em seguida as pretensões das partes sobre a ilha de Janan. Ela observou a título liminar que Catar e Bahrein se fundam em uma idéia divergente do que se entende pela expressão “ilha de Janan”. Segundo o Catar, “Janan é uma ilha de aproximadamente 700 metros de comprimento e 175 metros de largura, situada ao longo da ponta sudoeste da ilha Hawar propriamente dita…”. Para Bahrein, a expressão visa “duas ilhas que se encontram a uma distância de 1 a 2 milhas marítimas ao longo da costa meridional de Jazirat Hawar, e que, em maré baixa, forma apenas uma ilha…”. Após ter examinado a argumentação das partes a Corte considerou poder tratar Janan e Hadd Janan como uma única ilha.

A Corte, bem como fez no caso das reivindicações das partes sobre as ilhas Hawar, examinou primeiramente os efeitos da decisão britânica de 1939 quanto à questão da soberania sobre a ilha de Janan. Como ela indicou precedentemente, nos termos dessa decisão, o governo britânico havia concluído que as ilhas Hawar “pertenc[iam] ao Estado de Bahrein e não ao Estado do Catar”. Nenhuma menção foi feita à ilha de Janan. Entretanto, não se precisou o que significaria a expressão “ilhas Hawar”. As partes discutiram longamente a questão de saber se Janan devia ser vista como parte das ilhas Hawar e se, por conseguinte, ela faria parte da soberania de Bahrein em virtude da decisão de 1939 ou se, ao contrário, ela não estaria coberta por essa decisão. Em apoio a suas respectivas teses, Catar e Bahrein invocaram documentos tanto anteriores como posteriores à decisão britânica de 1939. O Catar se fundou, em particular, em uma “decisão” do governo britânico de 1947 tratando da delimitação dos fundos marinhos entre os dois Estados. Bahrein relembrou que havia submetido quatro listas ao governo britânico em abril de 1936, agosto de 1937, maio de 1938 e julho de 1946, a respeito da composição das ilhas Hawar.

A Corte constatou que não há identidade entre as três listas que Bahrein, antes de 1939, submeteu ao governo britânico quanto à composição do grupo de Hawar. Em particular, a ilha de Janan só figura em uma

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dessas três listas. Quanto à quarta lista, diferente das três primeiras, ela mencionou expressamente a ilha de Janan, mas ela só foi submetida ao governo britânico em 1946, ou seja, vários anos após a adoção da decisão de 1939. Assim, nenhuma conclusão certa pode ser tirada dessas diferentes listas.

A Corte tratou em seguida das cartas endereçadas em 23 de dezembro de 1947 aos soberanos do Catar e de Bahrein pelo Agente Político Britânico em Bahrein. Por essas cartas, o Agente Político, agindo em nome do governo britânico, informava os dois Estados da divisão de seus fundos marinhos efetuada pelo governo britânico. Esse governo, que havia adotado a decisão de 1939 relativa às ilhas Hawar, tentou especificar, na última frase do parágrafo 4º, ii) dessas cartas, que “a ilha de Janan não é considerada como parte do grupo de Hawar”. O governo britânico, por conseqüência, não “reconheceu” ao Xeque de Bahrein “direitos soberanos” sobre essa ilha e, para a determinação dos pontos fixados no parágrafo 5º dessas cartas, como pelo estabelecimento do mapa anexo às referidas cartas, considerou Janan como pertencente ao Catar. A Corte considerou que procedendo dessa forma, o governo britânico forneceu uma interpretação fazendo fé à decisão de 1939 e da situação dela resultante. Portanto, a Corte não poderia aceitar a tese de Bahrein segundo a qual o governo britânico, em 1939, teria reconhecido “a soberania de Bahrein sobre Janan como parte integrante das ilhas Hawar”. Ela concluiu que o Catar tem soberania sobre a ilha de Janan, incluindo Hadd Janan, com base na decisão tomada pelo governo britânico em 1939, tal como interpretada em 1947.

Delimitação marítima (parágrafo 166 ao 251)

A Corte passou em seguida ao exame da questão da delimitação marítima.

A Corte considerou primeiramente que as partes concordaram que ela devia se pronunciar sobre a delimitação marítima conforme ao direito internacional. Nem Bahrein nem Catar são partes nas Convenções de Genebra sobre o Direito do Mar de 29 de abril de 1958; Bahrein ratificou a Convenção das Nações Unidas sobre o Direito do Mar, de 10 de dezembro de 1982, mas o Catar somente a assinou. Conseqüentemente, a Corte indicou que o direito internacional costumeiro é o direito aplicável. Assim sendo, as duas partes reconheceram que a maior parte das disposições da Convenção de 1982 que são pertinentes ao caso em tela refletem o direito costumeiro.

Um limite marítimo único (parágrafo 168 ao 173)

A Corte considerou que nos termos da “fórmula de Bahrein”, adotada em dezembro de 1990, as partes a demandaram para “traçar um limite marítimo único entre suas zonas marítimas respectivas, compreendendo os fundos marinhos, o subsolo e as águas suprajacentes”.

A Corte observou que não se deve esquecer que o conceito de “limite marítimo único” pode revestir várias funções. No presente caso, o limite marítimo único procederá da delimitação de diversas jurisdições. Na parte meridional da área a delimitar, que está situada onde as costas das partes estão face a face, a distância entre essas costas não é em nenhum lugar superior a 24 milhas marítimas. O limite que a Corte irá traçar delimitará, pois, exclusivamente seu mar territorial e, dessa forma, um espaço sobre o qual as partes exercem uma soberania territorial. Contudo, mais ao norte, onde as costas dos dois Estados não mais fazem face, mas sim são comparadas a costas adjacentes, a delimitação a operar será uma delimitação entre a plataforma continental e a zona econômica exclusiva concernentes a cada uma das partes, isso se dá entre espaços nos quais esses Estados exercem somente direitos soberanos e competências funcionais. Assim as duas partes distinguem um setor sul e um setor norte.

A Corte observou que o conceito de limite marítimo único não é questão do direito convencional multilateral, mas da prática estatal e que se explica pela vontade dos Estados de estabelecer um limite ininterrupto único delimitando as diferentes zonas marítimas - coincidindo parcialmente - que pertencem à sua jurisdição. No caso de zonas de jurisdição que coincidem, a determinação de uma linha única para os diferentes objetos da delimitação

“só poderiam ser efetuadas pela aplicação de um critério ou de uma combinação de critérios que não favoreçam um desses … objetos em detrimento de outro e seja ao mesmo tempo suscetível convir igualmente a uma divisão de cada um deles”,

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como ressaltou a Câmara constituída pela Corte no caso do Golfo do Maine. Nesse caso, havia sido demandado à Câmara o traçado de uma linha única valendo para a plataforma continental e a coluna d’água suprajacente.

Delimitação do mar territorial (parágrafo 174 ao 223)

A delimitação dos mares territoriais não levantou problemas do gênero dos confrontados pela Câmara da Corte no caso Golfo do Maine, pois os direitos do Estado costeiro na zona visada não são funcionais, mas territoriais, e implicam soberania sobre o fundo do mar, águas suprajacentes e o espaço aéreo suprajacente. A Corte, para cumprir nesse aspecto sua tarefa, deve aplicar primeiramente princípios e regras do direito internacional costumeiro que tratam da delimitação do mar territorial, sem esquecer que sua última tarefa consiste em traçar um limite marítimo único que seja válido também para outros fins. As partes concordaram que as disposições do artigo 15 da Convenção de 1982 sobre o Direito do Mar, que se intitula “delimitação do mar territorial entre Estados cujas costas são adjacentes ou fazem face”, são parte do direito costumeiro. Esse artigo dispõe:

“Quando as costas de dois Estados são adjacentes ou fazem face, nem um nem outro desses Estados está no direito, salvo acordo contrário entre eles, de estender seu mar territorial além da linha mediana da qual todos os pontos são eqüidistantes dos pontos mais próximos das linhas de base a partir das quais é medida a largura do mar territorial de cada uma dos dois Estados. Essa disposição não se aplica, entretanto, no caso em que, em razão da existência de títulos históricos ou de outras circunstâncias especiais, é necessário delimitar de outra maneira o mar territorial dos dois Estados.”

A Corte considerou que o artigo 15 da Convenção de 1982 é praticamente idêntico ao parágrafo 1º do artigo 12 da Convenção de 1958 sobre o mar territorial e a zona contígua, e dever ser vista como possuidora de um caráter costumeiro. Faz-se freqüentemente referência como a regra “eqüidistância/circunstâncias especiais”. O método mais lógico e mais largamente praticado consiste em traçar inicialmente, a título provisório, uma linha de eqüidistância e examinar em seguida se essa linha deve ser ajustada para levar em consideração a existência de circunstâncias especiais. A Corte explicou que uma vez que ela tiver delimitado dessa forma os mares territoriais das partes, ela determinará quais são as regras e princípios de direito costumeiro a aplicar para a delimitação de suas plataformas continentais e de suas zonas econômicas exclusivas ou de suas zonas de pesca. A Corte decidirá então se o método a ser observado nessa delimitação é similar ao que acaba de ser descrito ou se é diferente.

A linha de eqüidistância (parágrafo 177 ao 216)

A Corte relembrou primeiramente que a linha de eqüidistância é a linha da qual cada ponto é eqüidistante dos pontos mais próximos das linhas de base a partir das quais a largura do mar territorial de cada um dos dois Estados é medida. Essa linha somente pode ser traçada no momento em que as linhas de base são conhecidas. Nenhuma das partes especificou quais são as linhas de base que devem ser utilizadas para a determinação da largura de seu mar territorial; elas não mais produziram mapas ou mapas marítimos oficiais onde figurariam tais linhas de base. Apenas no curso do presente processo elas forneceram à Corte pontos de base aproximativos que a Corte poderia utilizar para determinar o limite marítimo.

As costas pertinentes (parágrafo 178 ao 216)

A Corte indicou que determinará em primeiro lugar as costas pertinentes às partes, a partir das quais será fixado o posicionamento das linhas de base assim como os pontos de base apropriados, permitindo construir a linha de eqüidistância. O Catar ressaltou que para os fins da presente delimitação, a linha de eqüidistância deveria ser construída pela aplicação do método de cálculo de massa terrestre a massa terrestre. O conceito de “massa terrestre” se aplicaria tanto à península do Catar, à qual conviria integrar a ilha principal do grupo de Hawar, quanto a Bahrein, para o qual deveriam ser levadas em consideração a ilha Al-Awal (também chamada ilha de Bahrein) e as ilhas Al-Muharraq e Sitrah. A aplicação do método de cálculo de massa terrestre a massa terrestre teria duas conseqüências principais. Em primeiro lugar, ela teria o efeito de

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