• Nenhum resultado encontrado

SOCIEDADE BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA SBS

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "SOCIEDADE BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA SBS"

Copied!
297
0
0

Texto

(1)

Vol 05, No. 11 | Set./Dez./2017

Dossiê:

A Sociologia Brasileira e suas interfaces contemporâneas (Parte 1)

Carlos Benedito Martins

(2)

1º Vice Presidente Jacob Carlo Lima, UFSCAR 2º Vice Presidente

Edna Maria Ramos de Castro, UFPR Secretário Geral

Luiz Gustavo da Cunha de Souza, UFSC Tesoureiro

Antônio da Silveira Brasil Junior, Unicamp 1º Secretário

Helena Maria Bomeny Garchet, UFRJ

Diretores

Paulo Roberto Arruda de Menezes, USP Michel Nicolau Neto, Unicamp Alex Niche Teixeira, UFRGS Gabriel Moura Peters, UFPE Anete Brito Leal Ivo, UFBA Conselho Fiscal

Claudio Santiago Dias Junior, UFMG Andrea Borges Leão, UFCE Maria Aparecida da Cruz Bridi, UFPR

RSB: Revista Brasileira de Sociologia / Sociedade Brasileira de Sociologia - SBS. – Vol. 05, n. 11 (set./dez. 2017)- . – Sergipe: SBS, 2013-

Quadrimestral ISSN 2317-8507 (impresso) ISSN 2318-0544 (Eletrônico)

1. Sociologia – Periódicos. I. Sociedade Brasileira de Sociologia

CDU 316(051) Ficha Catalográfica elaborada pela UFS

PUBLICAÇÃO QUADRIMESTRAL DA SOCIEDADE BRASILEIRA DE SOCIOLOGIA – SBS Coordenação Editorial

Carlos Benedito Martins, Universidade de Brasilia Editores

Rogerio Proença Leite, Universidade Federal de Sergipe Sergio Tavolaro, Universidade de Brasilia

Editores Adjuntos

Adelia Maria Miglievich-Ribeiro, Universidade Federal do Espírito Santo Jorge Ventura, Universidade Federal de Pernambuco

Renan Springer de Freitas, Universidade Federal de Minas Gerais Organizador

Dossiê: A Sociologia Brasileira e suas interfaces contemporâneas Carlos Benedito Martins

Comissão Editorial

Soraya Maria Vargas Cortes, Universidade Federal do Rio Grande do Sul Irlys Barreira, Universidade Federal do Ceará

Celi Scalon, Universidade Federal do Rio de Janeiro Tom Dwyer, Universidade Estadual de Campinas

Conselho Editorial

Ana Luisa Fayet Sallas, Universidade federal do Paraná Abdelafid Hamouch, Universidade de Lille I

André Pereira Botelho, Universidade Federal do Rio de Janeiro Arturo Morato, Universidad de Barcelona

Carlos Fortuna, Universidade de Coimbra Cesar Barreira, Universidade Federal do Ceará Charles C. Lemert, Yale University

Emil Sobottka, Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul Gabriel Cohn, Universidade de São Paulo

Jacob Lima, Universidade Federal de São Carlos

José Machado Pais, Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa José Vicente Tavares, Universidade Federal do Rio Grande do Sul José Ricardo Ramalho, Universidade Federal do Rio de Janeiro Lúcio Oliver Costilla, Universidad Nacional Autónoma de México Marcos César Alvarez, Universidade de São Paulo

Margaret Archer, EPFL- University of Warvick Maria Stela Grossi, Universidade de Brasília Michel Burawoy, Berkeley University Paulo Neves, Universidade Federal de Sergipe

Renato Sérgio de Lima, Fórum Brasileiro de Segurança - FBS Sérgio Adorno, Universidade de São Paulo

Secretária de Editoria: Deborah Dorenski

Revisão:Girllaynne Marques Diagramação: Adilma Menezes Capa e web: Allan Veiga Rafael

As opiniões, afirmações e conceitos emitidos nos artigos publicados na Revista Brasileira de Sociologia são de inteira responsabilidade de seus autores e não expressam posições da RBS ou da Sociedade Brasileira de Sociologia - SBS.

(3)

05

Que sociologia fazemos? Interfaces com contextos local, nacional e global. What sociology do we make ? Interfaces with local, national and global contexts.

Carlos Benedito Martins

18

Ocupações e Profissões na Sociedade Brasileira de Sociologia: balanço da produção (2003-2017) Professions and occupations on Brazilian Sociological Society: an account of of the researches (2003-2017)

Maria da Gloria Bonelli;Jordão Horta Nunes;Jacques Mick

29

Por uma Sociologia Política do Direito no Brasil Towards a political sociology of law in Brazil

Fernando de Castro Fontainha; Fabiana Luci de Oliveira; Alexandre Veronese

48

Violência, corpo e sexualidade: um balanço da produção acadêmica no campo de estudos feministas, gênero e raça/cor/etnia

Violence, body and sexuality: a balance of academic production in the field of feminist studies, gender and race / color / ethnicity

Lourdes Maria Bandeira; Marcela Amaral

86

Desigualdades e estratificação: analisando sociedades em mudança Inequalities and Social Stratification: analyzing changing societies

Danielle Cireno Fernandes; André Ricardo Salata;Flavio Carvalhaes

113

Entre o isolamento e a dispersão: a temática racial nos estudos sociológicos no Brasil Between isolation and dispersion: the racial theme in sociological studies in Brazil

Paula Barreto; Márcia Lima; Andrea Lopes; Edilza Sotero

142

Cultura, crítica e democratização: o estado da arte dos Estudos Culturais Culture, Criticism and Democratization: The state of the art of Cultural Studies

Adelia Miglievich-Ribeiro; Eliane Veras Soares; Paulo Gajanigo; Glauber Rabelo Matias

165

Família, parentesco, instituições e poder no Brasil: retomada e atualização de uma agenda de pesquisa

Family, kinship, institutions and power in Brazil: resumption and updating of a research agenda

Ricardo Costa de Oliveira; Mônica Helena Harrich Silva Goulart; Ana Crhistina Vanali; José Marciano Monteiro; Clara Craviotti

199

Memória coletiva e social no Brasil contemporâneo Collective and Social Memory in contemporary Brazil

Rogério Ferreira de Souza; Carlos A. Gadea

219

Sociologia dos conflitos ambientais: desafios epistemológicos, avanços e perspectivas Sociology of environmental conflicts: epistemological challenges, advances and perspectives

Lorena C. Fleury; Rômulo Soares Barbosa; Horácio Antunes de Sant’Ana Júnior

254

Tendências da Sociologia da Esfera Cultural Contemporânea Trends in Sociology of the Contemporary Cultural Sphere

Edson Farias; Maria Celeste Mira; Michel Nicolau Netto

271

Reconhecimento, justiça e desigualdade: uma agenda de pesquisa Recognition, justice and inequality: a research diary

Fabrício Maciel; Cinara Rosenfield; Élen Schneider

295

Diretrizes para submissão de artigos Guidelines for submission of articles

(4)
(5)

Editorial

Que sociologia fazemos? Interfaces com

contextos local, nacional e global.

Carlos Benedito Martins

Presidente da Sociedade Brasileira de Sociologia - SBS

O presente dossiê constitui um dos resultados do 18º Congresso Brasileiro de Sociologia, realizado em Brasília no mês de julho de 2017, que teve como temática principal a indagação: Que sociologias fazemos? Interfaces com contextos local, nacional e global.

O tema escolhido – sem abrir mão de questões candentes da socie-dade contemporânea e, especialmente, do contexto nacional – visou incentivar a reflexão a propósito da multiplicidade de configurações temáticas e teóricas que perpassam a produção sociológica contempo-rânea, realizada tanto no Brasil quanto em outras partes do mundo. Nesta direção, o Congresso procurou explorar a variedade de proble-mas sociológicos privilegiados por diferentes localidades, regiões e países, assim como apresentar uma pluralidade de orientações teóri-cas e metodológiteóri-cas, presentes na condução do trabalho sociológico no interior dos diversos contextos locais e nacionais. De certa forma, a temática do Congresso inspirou-se na esteira de uma sociologia refle-xiva, ou seja, de uma sociologia da sociologia, que postula uma cons-tante reflexão sobre as condições históricas, sociais, institucionais e acadêmicas que se encontram presentes na prática sociológica. Nesta direção, o imperativo da reflexividade pressupõe assumir a própria sociologia como um objeto específico, que deve servir-se de seus

(6)

pró-prios recursos (teóricos e metodológicos) para compreender sua atividade durante o processo de construção do conhecimento. Na esteira de uma so-ciologia da soso-ciologia, fazer da reflexividade uma disposição pressupõe con-trolar a relação do investigador com seu objeto de pesquisa e, ao mesmo tempo, refletir constantemente sobre os condicionantes dos contextos local, regional, nacional e global que se exercem sobre a prática da sociologia.

Apesar de sérias dificuldades financeiras encontradas durante a progra-mação e realização do Congresso, a SBS levou adiante, de forma obstinada, o propósito de concretizar um Congresso com elevado padrão intelectual direcionado para a exploração da temática selecionada. Neste sentido, con-tou com a presença de acadêmicos internacionais que têm fornecido contri-buições relevantes para o campo da sociologia, provenientes de diferentes regiões do mundo, tais como África do Sul, Austrália, França, Alemanha, Inglaterra, Síria, China, Estados Unidos, América do Sul, e que participa-ram em diversas atividades no Congresso, tanto nas Conferências quanto nos Grupos de Trabalho, nos Fóruns e/ou nas Mesas Redondas. A presença destes participantes internacionais propiciou informações relevantes sobre os contextos históricos, sociais, institucionais e acadêmicos nos quais estão ancoradas suas produções acadêmicas, bem como apontou para presença de uma diversidade de recortes temáticos e teóricos existentes no campo da sociologia contemporânea.

Simultaneamente, a presença no 18º Congresso da SBS de destacados sociólogos seniors nacionais e também a participação de uma nova e promis-sora geração de sociólogos que atuam profissionalmente em diversas regiões do país, inseridos em 40 Grupos de Trabalho, 45 Mesas redondas, em uma dezena de Minicursos, forneceram informações pertinentes sobre a varieda-de varieda-de temas varieda-de pesquisa que vêm sendo explorados atualmente pela socio-logia realizada no Brasil e também colocaram em evidência o papel público que ela vem exercendo diante dos desafios sociais, políticos, econômicos e culturais do país. Ao mesmo tempo, a atividade “sociólogos do futuro” que congrega alunos de graduação e de mestrado, propiciou a observação dos temas e recortes teóricos e metodológicos que vêm despertando o interesse intelectual de uma nova geração de sociólogos, em processo de formação intelectual.

Na medida em que, ao longo dos Congressos da SBS, os Grupos de Traba-lho adquiriram uma centralidade no processo de apresentação e discussão

(7)

de pesquisas realizadas e/ou em processo de andamento, o 18º Congresso da SBS considerou oportuno eleger os GTs como lócus estratégico para realizar uma reflexão sobre a sociologia que vem sendo realizada no Brasil. Neste sentido, a SBS solicitou da Coordenação de todos os GTs a realização de um trabalho reflexivo que contemplasse determinados aspectos da área temática de sua atuação, tais como: (i) realizar um balanço da produção da área aca-dêmica que afeta ao GT nos últimos anos; (ii) identificar os avanços teóricos e metodológicos da área acadêmica correspondente ao GT. (iii) apontar as debilidades teóricas e metodológicas da área temática explorada pelo GT; (iv) destacar a contribuição da área de investigação do GT para a sociologia que se realiza no Brasil; (v) avaliar a inserção da área temática do GT no contexto da sociologia internacional; e (vi) formular uma agenda de pesquisa para fortalecimento da área de investigação do GT.

A partir destas diretrizes, a SBS demandou a cada Coordenação do GT a elaboração de um paper, em torno de 20 páginas e eventualmente em parce-ria com outros pesquisadores, sobre o estado da arte da área de pesquisa con-gruente com os respectivos GTs. Os textos produzidos foram enviados para o Comitê Editorial da Revista Brasileira de Sociologia (RBS) e, em seguida, submetidos à apreciação de pareceres ad hoc. Os trabalhos reunidos neste dossiê fornecem informações relevantes sobre a configuração da sociologia que vem sendo realizada no Brasil, através dos diferentes campos temáticos que integram sua atividade e, ao mesmo tempo, lançam luz a respeito da presença de heterogeneidade de vertentes teóricas e de uma profusão de autores mobilizados para analisar os dados empíricos que alicerçam as pes-quisas realizadas em seus respectivos campos de investigação. Os trabalhos apresentados contribuem de diferentes formas e em distintas direções analí-ticas para oferecer informações pertinentes para fundamentar uma reflexão sociológica sobre a sociologia que se pratica no Brasil nas últimas décadas. Em larga medida, estes trabalhos podem proporcionar uma atitude de auto-questionamento por parte dos pesquisadores que atuam nas diversas áreas que estruturam a sociologia no país, sobre suas eventuais fragilidades e, ao mesmo tempo, suas potencialidades diante do competitivo espaço transna-cional da disciplina que vem se formando nas últimas décadas.

Seria oportuno destacar que os trabalhos apresentados nesta edição da RBS constituem um produto da agenda de trabalho da Diretoria da Socie-dade Brasileira de Sociologia (SBS-2015-2017), a qual elegeu como uma de

(8)

suas prioridades acadêmicas incentivar uma reflexão a respeito das trans-formações que estão ocorrendo na sociologia, tanto no plano internacional quanto a realizada no Brasil. Para a Diretoria da Sociedade Brasileira de So-ciologia (SBS-2015-2017), esta postura reflexiva constitui uma condição es-sencial para preservar a posição pertinente da sociologia na esfera cognitiva da sociedade brasileira e sua inserção no cenário internacional, diante das complexas transformações que estão ocorrendo no interior da própria disci-plina. O ritmo veloz e a amplitude de mudanças sociais, políticas e culturais, que estão ocorrendo em diversas sociedades contemporâneas, vêm apresen-tando desafios para o universo empírico, ou seja, o terreno de análise no qual a sociologia concentrou suas análises, ao longo do tempo.

A este propósito, deve-se assinalar que, durante um extenso período, o terreno predominante de investigação da sociologia tem sido a análise das diversas sociedades nacionais, seja no continente europeu, seja na América do Norte, Ásia, África, seja na América Latina. A própria noção de socie-dade, particularmente entre os pensadores do século XIX, estava, de certa forma, relacionada com existência de estado-nação. Não se pode esquecer de que a institucionalização da sociologia, no final do século XIX, ocorreu num momento em que o princípio de nacionalidade se afirmava com toda a for-ça. Enquanto tendência predominante no interior da sociologia, as socieda-des nacionais têm sido analisadas como unidasocieda-des autônomas, fechadas em si mesmas, separadas umas das outras pela delimitação de seus territórios. Tanto assim que se fala de uma sociologia francesa, alemã, norte-americana, brasileira etc. O ponto focal das investigações centradas nas sociedades na-cionais visou compreender o interior de cada uma delas, procurando captar sua estrutura social, a articulação de suas instituições, seus padrões de desi-gualdade e modos de conflito e o processo de mudanças sociais (HEILBRON, 2015; LEVINE, 1985).

Certamente, as diversas sociedades nacionais continuam a existir mani-festando-se por meio da defesa de seus territórios, tradições culturais, acadê-micas etc. Nas sociedades nacionais, tendem a perdurar sentimentos nacio-nalistas, regionacio-nalistas, reivindicações de pertencimentos étnicos etc. (TUR-NER, 2007). No entanto, as profundas transformações que estão ocorren-do, em nível global nas sociedades contemporâneas, tendem a indicar que existência das sociedades nacionais não esgota a complexidade da realidade contemporânea. Gradativamente, nas últimas décadas do século XX, surgiu

(9)

um conjunto de fenômenos econômicos, políticos, culturais, militares, aca-dêmicos, entre outros, que operam em uma escala que transcende as frontei-ras das diversas sociedades nacionais. Neste contexto, ocorre o incremento de conexões econômicas, políticas, culturais, acadêmicas etc., entre diferen-tes localidades, países, empresas, finanças, indivíduos, movimentos sociais. Nesse sentido, forma-se uma densa rede de relações sociais, econômicas, políticas, culturais e acadêmicas que operam num nível supranacional. A presença destes fenômenos – ora analisados como expressão da globalização e/ou mundialização – alargou de forma considerável o terreno empírico da análise da sociologia, até então concentrado predominante nas sociedades nacionais, conforme assinalado anteriormente, estendendo-o para um plano transnacional e/ou global (HSU, 2010; TURNER; KHONDKER, 2010; TOU-RAINE, 2004; ROBERTSON, 2000). Ao mesmo tempo, a presença destes fe-nômenos transnacionais tende a demandar novos instrumentos de análise da sociologia, visando captar as complexas relações entre as articulações dos níveis locais, regionais, nacionais e globais que se encontram entrelaça-dos de moentrelaça-dos singulares em várias sociedades contemporâneas (DELANTY, 2009; BECK, 2005; 2006)

Uma constelação de fenômenos ocorridos em distintos planos da so-ciedade contemporânea se entrelaçou de tal modo que contribuirá para a constituição progressiva de um espaço transnacional para a sociologia. Isso levará as relações acadêmicas entre as diversas sociologias nacionais a outro patamar, quando comparadas a épocas anteriores. Nesse sentido, vale desta-car o papel desempenhado pela Internacional Sociological Association (ISA), que ampliou o recrutamento de participantes no seu interior. Seguindo o modelo de organização da ONU, de privilegiar as representações nacionais, a ISA, tal como outras associações científicas internacionais, foi constituí-da a partir de um pequeno número de associações nacionais que estavam concentradas em alguns países europeus e na América do Norte. A partir do final dos anos 1960, a ISA e outras associações permitiram a entrada e a participação de indivíduos em suas atividades, aumentando seu escopo de recrutamento. Com o processo de descolonização que ocorreu nesta época, as nações pós-coloniais e seus pesquisadores também passaram a integrar a ISA. Ao mesmo tempo, ocorreu a entrada de países comunistas do leste europeu no seu interior. Ou seja, a partir dos anos 1970, verificou-se uma ampliação significativa da base geográfica da ISA pouco a pouco, o que traria

(10)

repercussões nas discussões teóricas e metodológicas em seu interior (HEIL-BRON, 2014; HEILBRON et al., 2009; PLATT, 1998).

Na dinâmica do processo de formação de um espaço transnacional da sociologia, vale destacar o surgimento de novos centros econômicos e aca-dêmicos dinâmicos na Ásia e em outras regiões do hemisfério sul e o de-senvolvimento de novas tecnologias de comunicação, que impulsionou o incremento do intercâmbio, no interior da sociologia, de uma diversidade de orientações teóricas e metodológicas provenientes de vários países. Também contribuíram para a formação deste novo espaço a forte expansão do ensino superior pelo mundo, o incremento da mobilidade acadêmica internacional, a intensificação de debates sobre a disciplina – que atravessam as fronteiras nacionais em ritmo veloz –, a implementação de políticas de ciência e tec-nologia empreendidas por diversos países que ocupam posições dominadas no universo acadêmico, visando a alavancar suas respectivas comunidades de pesquisadores. Algumas análises têm destacado que, no contexto da glo-balização que perpassa as sociedades contemporâneas, aflorou um ethos cultural que incentiva e valoriza os indivíduos a se movimentarem avida-mente em suas vidas privadas e profissionais, incentivando-os a ter novas e desafiadoras experiências em seus distintos campos de atuação (ELLIOT; LEMERT, 2006; RAY, 2007; ELLIOT; URRY, 2010). Ao mesmo tempo, deve-se destacar que os governos de vários países têm criado políticas específicas para intensificar a circulação internacional de seus professores, uma vez que a internacionalização do corpo docente passou a ser considerada um aspecto positivo nas avaliações dos rankings mundiais sobre as universidades. O re-sultado tem sido o incremento das relações acadêmicas entre sociólogos de diferentes países (CANTWELL, 2010 MARINGE; FOSKETT, 2010).

O documento World Social Science Report (2010) traz informações rele-vantes sobre a constituição do espaço mundial da sociologia. Este trabalho, que contou com a participação de cientistas sociais destacados, como Craig Calhoun, Saskia Sassen, Peter Wagner e Syed Alatas, entre outros, indica que as ciências sociais nos dias atuais, ao contrário de seu início, estão pre-sentes em todas as regiões do mundo nas quais existem sistemas de ensino superior. Neste processo de ampliação mundial, formaram-se associações nacionais de sociologia em uma parte expressiva de países e também or-ganismos regionais, visando estimular as ciências sociais que ocupam po-sições periféricas neste espaço transnacional, como Arab Council for the

(11)

Social Sciences (ACSS), Association of Asian Social Science Research Coun-cils (AASSREC), Council for the Development of Social Science Research in Africa (CODESRIA) e Latin America Council of Social Sciences (CLACSO). Simultaneamente, passou a ocorrer um maior afluxo de sociólogos em con-gressos internacionais, como os da ISA, e também em encontros temáticos, como os da Latin American Studies Association (LASA), atualmente uma das maiores associações científicas transnacionais do mundo, composta por mais de 12 mil sócios e de instituições provenientes de uma multiplicidade de países, dedicadas ao estudo da América Latina. Cada vez mais se observa a formação de redes de investigações integradas por pesquisadores oriundos de diferentes países, que trabalham conjuntamente, por um determinado período, em um mesmo objeto, compartilhando fundamentos teóricos e pro-cedimentos metodológicos que tendem a extravasar suas tradições culturais e acadêmicas nacionais. Nesta direção, compartilham ideias comuns, ten-dem a se reportar às mesmas obras, consultam revistas científicas simila-res, de tal forma que as diversas sociologias nacionais vêm ultrapassando as fronteiras e atuando, progressivamente, em outro patamar, numa prática já rotineira no contexto da global sociological community, segundo expressão de Piotr Sztompka (2010).

No entanto, o surgimento deste espaço transnacional de sociologia apre-senta uma estrutura de poder assimétrica, em função da distribuição desigual de recursos materiais e simbólicos entre os diferentes países. A disparidade decorre das diferentes condições de infraestrutura acadêmica disponível em seus países, vale dizer, da qualidade e reputação acadêmica de suas univer-sidades, da capacidade instalada de investigação científica, disponibilidade de financiamento material, recursos humanos para o desenvolvimento de pesquisas e também do reconhecimento social e simbólico dos pesquisado-res. Nesse sentido, ocorre uma nítida dominação da produção do conheci-mento, de autores, das editoreas e das revistas internacionais localizadas em determinados países do ocidente (GAREAU, 1988)

Tomando como referência duas bases de dados, a Ulrich e a Thomson, o trabalho World Social Science Report mostra que existe densa concentração da publicação de artigos em revistas internacionais na área da sociologia na Europa e América do Norte. Essas duas regiões concentram aproximada-mente 90% da produção mundial na área. A base de dados da Ulrich abrange um número maior de revistas internacionais. Do total de 6.640 revistas, eles

(12)

selecionaram 3.046, cujos artigos passam pela revisão de pares. Nesta base de dados, tem-se a seguinte distribuição em termos de participação mundial na publicação de artigos: Europa, 44%; América do Norte, 37%; Ásia, 9%; América Latina, 5%; Oceania, 4%; África, 2,2%; Commonwealth e Estados Independentes, 0,6%. Quando se utiliza a base de dados da Thomson, que trabalha com um número menor de revistas internacionais, a disparidade nos índices se acentua. Nesta base de dados, a Europa responde por 46,1%; América do Norte, 46,5%; Ásia 3,7%; América Latina, 1,3%; Oceania, 1,9%; África, 0,4%; Commonwealth e Estados Independentes, 0,1%.

Os dados mostram o domínio da língua inglesa na circulação das publica-ções. A base de dados da Ulrich aponta que 85% dos artigos são publicados em inglês, 6% em francês, 5% em alemão, 4% em espanhol, 1,7% em por-tuguês e o restante em outras línguas. No entanto, quando se utiliza a base de dados da Thomson, verifica-se um crescimento da língua inglesa, com 94,45%; seguindo o alemão, com 2,14%; o francês, com 1,25%; o espanhol, com 0,40%; o português, com 0,08% etc. As traduções de trabalhos eviden-ciam também uma forte desigualdade entre as regiões. Predomina a tradução de livros publicados em inglês para as línguas vernáculas dos diferentes países. No entanto, poucos trabalhos relevantes realizados em vários países são traduzidos para a língua inglesa. Isso demonstra que a formação de um espaço transnacional da sociologia tem reproduzido a dominação simbólica e material da América do Norte e da Europa.

No entanto, vários países que ocupam posições dominadas no espaço transnacional das ciências sociais implementaram políticas científicas e tecnológicas –por meio de suas agência de financiamento – de modo que tornaram algumas de suas universidades atores estratégicos no processo de institucionalização das ciências sociais. Nesses países, ocorreu a expansão dos cursos de pós-graduação em várias áreas das ciências sociais e, particu-larmente, na sociologia. Ao mesmo tempo, criou-se um conjunto de agências regionais que têm desempenhado um papel relevante no processo de desen-volvimento das ciências sociais na América Latina, tais como Conselho Lati-no-Americano de Ciências Sociais (Clacso), Faculdade Latino-Americana de Ciências Sociais (Flacso) (VESSURI, 2015; VESSURI; LOPEZ, 2010).

O conjunto destas iniciativas situam as ciências sociais destas regiões num nível distinto de qualidade acadêmica quando comparado com décadas anteriores. Indicam também a constituição de um contingente de

(13)

pesquisa-dores qualificados, que não apenas estão cada vez mais inseridos no espaço internacional da sociologia, mas que reividicam uma posição de destaque no seu interior. Em função destas mudanças que estão ocorrendo na configura-ção da sociologia contemporânea, na qual é possível perceber a coexistência de diversas sociologias nacionais e a emergência de um espaço transnacional da disciplina, tem surgido uma série de trabalhos, realizados tanto nos cen-tros hegemônicos quanto em regiões emergentes, visando analisar a produção sociológica que vem sendo praticada nos seus respectivos países, os quais se situam nos termos de uma sociologia reflexiva, ou seja, de uma sociologia da sociologia. Nesta direção, vale mencionar, entre outros trabalhos, o livro de Gurminder Bhambra, Connected sociologies (2014); a obra coletiva coordena-da por Didier Demazière, Les sociologies françaises: héritages et perspectives 1960-2010 (2015; a coletânea editada por Sujata Patel, denominada Doing sociology in India: genealogies, locations and practices (2011); e o volume organizado por Craig Calhoun, Sociology in America: an introduction (2007). Um número expressivo de artigos divulgados em revistas emblemáticas da disciplina, como Current Sociology e International Sociology, situam-se na mesma direção em deslizar a complexa configuração atual da sociologia.

Tudo leva a crer que, ao reverberar na sociologia contemporânea, o processo de globalização, compreendido enquanto fenômeno multidimen-sional, ou seja, que abarca as dimensões econômicas, políticas e culturais (TURNER; KHONDKER, 2010) está desafiando determinados fundamentos de seu arcabouço explicativo. A gradativa constituição deste espaço transna-cional e/ou global, no qual a sociologia passou a atuar, concomitantemente, ao lado das sociologias nacionais, propiciou o aparecimento e a dissemi-nação em vários países de novas abordagens teóricas/explicativas. Vários trabalhos ressaltam que determinados conceitos sociológicos usados de for-ma recorrente – e até então considerados incontroversos – têm se mostrado problemáticos quando são utilizados em contextos não ocidentais. Portanto, as complexas transformações sociais, políticas, culturais e acadêmicas, que atravessam diversas sociedades contemporâneas, e o impacto destas mudan-ças no interior da estrutura cognitiva da disciplina têm instigado diversas sociologias nacionais incluir em suas pautas de trabalho a necessidade de uma reflexão crítica sobre sua produção e os alicerces cognitivos que as sus-tentam. (KNÖBL, 2015; ALATAS, 2006; KEIM, 2016; 2011; CONNELL, 2010; 2007; ARJOMAND, 2000).

(14)

O conjunto de trabalhos que integram esta edição da RBS insere-se na di-nâmica deste processo de autoanálise, ou seja, da prática de uma sociologia reflexiva. Apesar da existência de trabalhos significativos a respeito da gê-nese do campo da sociologia no Brasil, a Diretoria da SBS (2015-2017) con-siderou relevante academicamente a realização de trabalhos voltados para a análise dos rumos intelectuais da disciplina no país, tendo como pano de fundo as mudanças institucionais ocorridas no sistema universitário, desde a década de 1980 até hoje, e cujos efeitos continuam a repercutir sobre a produção sociológica que vem sendo realizada atualmente.

Nesse sentido, cumpre destacar, brevemente, a cadeia de fenômenos in-terligados que têm condicionado, em larga medida, a organização da ativi-dade da sociologia no país. A partir de meados da década de 1970, a pós--graduação em sociologia intensificou seu processo de institucionalização na esteira do sistema nacional de pós-graduação que expandiu em ritmo veloz, abarcando todas as regiões do país, propiciando a constituição de uma vigorosa comunidade de sociólogos profissionais. Neste processo de expan-são dos Programas de Pós-Graduação na área de sociologia, surgiram novos periódicos, de amplitude regional ou nacional, alguns deles voltados para áreas temáticas específicas e/ou subcampos da disciplina. Nos últimos anos, ocorreu a aposentadoria de um número expressivo de professores seniors – que tiveram participação relevante na montagem da pós-graduação de socio-logia em diferentes regiões, compensada, em larga medida, pelo recrutamen-to de uma geração de jovens dourecrutamen-tores, a maior parte tendo se qualificado em programas implantados no país.

Na atual configuração da sociologia realizada no Brasil, é possível ob-servar nos últimos anos o deslocamento geográfico dessa coorte de dou-tores recém-concursados, rumo a diferentes regiões do país, ingressando nos programas de pós-graduação, em busca de oportunidades de trabalho acadêmico, num ritmo de mobilidade até então desconhecido no ambiente universitário nacional. Soma-se a tais fatores o incremento da despronvicia-nização das novas gerações de sociólogos, através da constante participação em eventos acadêmicos internacionais da disciplina, bem como por meio do envolvimento em redes transnacionais de pesquisa. Tampouco se pode desconsiderar a crescente familiaridade com a língua inglesa por parte desta nova geração de sociólogos, fato que tem contribuído para o diálogo acadê-mico consistente com as práticas sociológicas em outras sociedades

(15)

nacio-nais. Através do acelerado trânsito internacional das novas gerações e das trocas acadêmicas que estabelecem com investigadores atuantes em outras sociologias, tanto em centros hegemônicos quanto em regiões emergentes no contexto da disciplina, uma parcela expressiva dos sociólogos brasileiros vem imprimindo um horizonte intelectual cosmopolita em suas atividades. Cada vez mais se observa nos dias correntes uma forte pressão, por parte de agências federais e estaduais de financiamento de ciência e tecnologia, para promover a internacionalização da atividade científica produzida no país, cujo discurso reverbera no cotidiano das universidades e nos Progra-mas de Pós-Graduação em praticamente em todas as áreas de conhecimento e, certamente no âmbito da sociologia.

Para a SBS, o enfrentamento da complexa questão da internacionalização da disciplina, no contexto nacional, implica um duplo e simultâneo traba-lho, qual seja: desenvolver uma constante reflexão sobre a constituição do espaço transnacional da sociologia, suas regras de funcionamento e estru-turas de poder existente em seu interior e, ao mesmo tempo, desenvolver um olhar crítico sobre a sociologia que vem sendo realizada atualmente no Brasil. Neste sentido, os trabalhos apresentados nesta edição da RBS e outros que vêm sendo realizados, tais como a edição do livro Sociologia brasileira hoje, organizado por Miceli e Martins (2017), se situam numa agenda de tra-balho voltada para refletir de forma recorrente sobre os recortes temáticos, as referências teóricas e metodológicas utilizadas, levando em consideração a existência do espaço transnacional da disciplina, diante do qual cumpre indagar suas possibilidades e estratégias possíveis, visando ocupar uma po-sição de destaque neste espaço transnacional.

Bibliografia

ALATAS, Syed. (2006), The autonomus, the universal and the future of so-ciology. Current Sociology, vol. 54, n. 1, pp. 7-23.

ARJOMAND, Said. (2000), International sociology into the new millennium: the global sociological community and the challenge to the periphery. Inter-national Sociology, vol. 15, n. 1, pp. 5-10.

(16)

BECK, Ulrich. (2005), How not to be a museum piece. The Bristish Journal of Sociology, vol. 56, n. 3.

BECK, Ulrich. (2006), Cosmopolitan Vision. Cambridge: Polity Press. BHAMBRA, Gurminder. (2014), Connected Sociologies. London: Bloombury. CALHOUN, Craig. (2007), The Sociology in America: A History. Chicago: The Chicago University Press.

CANTWELL. Brendan. (2010), Transnational Mobility and International Academic Employment: Gatekeeping in an Academic Competition Arena. Minerva, vol. 49, n. 4, pp. 425–445.

CONNELL, Raewyn. (2010), Learning from each other: sociology on a world scale. In: PATEL, Sujata. (org.). The ISA Handbook of Diverse Sociological traditions. London: Sage.

CONNELL, Raewyn. (2007), Southern Theory. The global Dynamics of kno-wledge in Social Science. Sydney: Allen & Unwi.

DELANTY, Gerard. (2009), The Cosmopolitan Imagination: the renewal of Critical Social Theory. Cambridge: Cambridge University Press.

DEMAZIÈRE, Didier et al.. (2016, Les sociologies Françaises: heritages et perspectives (1960-2010). ennes: Presses Universitaires de Rennes.

ELLIOT, Anthony; URRY, John. (2010), Mobile Lives. ed. Oxford: Routledge . ELLIOT, Anthony; LEMERT, Charles. (2006), The new Individualism: the emotional costs of globalization. ed. London: Routledge.

GAREAU, Frederick. (1988), Another type of third dependency: the social sciences. International Sociology, vol. 3, n. 2, pp 171-178.

HEILBRON, Johan. (2015), French Sociology. Ithaca: Cornnell University Press.

HEILBRON, Johan. (2014), The social sciences as an emerged global field. Current Sociology, vol. 62, n. 5, pp. 685-703.

HEILBRON, Johan et al.. (2009), Internationalisation des sciences sociales: les leçon d’une histoire transnationale. In: SAPIRO, Gisèle (org.). L’espace intellectual en Europe: de la formation des étas-nations à la mondialisation: XIX –XX siècle. Paris: La Découverte. pp..

HSU, Eric. (2010), Social Theory and globalization. In: ELLIOT, Anthony (org.). The Routledge Companion to Social Theory. London: Routledge. KEIM, Wiebke. (2011), Counter hegemonic currents and internationalization of sociology. International Sociology, vol. 26, n. 1, pp. 123-145.

KEIM, Wiebke. (org.) (2016), Global knowledge Production in the social sci-ences. London: Routledge.

(17)

KNÖBL, Wolfgang. (2015), Reconfigurações da Teoria Social após a hegemonia ocidental. Revista de Ciências Sociais, vol. 30, n. 87, pp. 5-17. LEVINE, Donald. (1985), Visions of the Sociological Traditions. Chicago: The University of Chicago Press.

MARINGE, Felix; FOSKETT, Nick. (orgs.) (2010), Globalization and inter-nationalization in higher education.: theoretical, strategic and management perspectives. London: Continuum International Publishers.

MICELI, Sergio; MARTINS, Carlos Benedito. (2017), Sociologia brasileira hoje. São Paulo: Atêlie Editorial.

PLATT, Jennifer. (1998), History of the International Sociological Associa-tion (ISA). Montreal: Université de Québec.

RAY, Larry. (2007), Globalization and evereday. London, Routledge.

ROBERTSON, Roland. (2000), Globalization: Social Theory and Global Cul-ture. London: Sage Publication.

SZTOMPKA, Piotr. (2010), One Sociology or Many? In: PATEL, Sujata. (org.). The ISA Handboook of Diverse Sociological Traditions. London: Sage. TOURAINE, Alain. (2004), Un nouveau Paradigme pour comprendre le mond d’aujourd’hui. ed. Paris: Fayard.

TURNER, Bryan. (2007), The enclave society: towards a sociology of immo-bility. European Journal of Social Theory, vol. 10, n. 2, pp. 287-303.

TURNER, Bryan; KHONDKER, Habibul. (2010), Globalization: east and west. Londres: Sage.

VESSURI, Hebe. (2015), Global social science discourse: a southern perspec-tive on the world. Current Sociology, vol. 63, n. 2, pp. 297-313.

VESSURI, Hebe; LOPEZ, Maria. (2010), Institutional aspects of the social sciences in Latin America. In: World Social Science Report. Paris: Interna-tional Science Council Unesco Publishing.

PATEL, Sujata. (2011), Doing Sociology in India: genealogies, locations and practices. ed. Oxford: Oxford University Press.

O'BYRNE, Darren e HENSBY, Alexander. (2011), Theorizing Global Studies. Palgrave. New York.

(18)

10.20336/rbs.219

Ocupações e Profissões na Sociedade

Brasileira de Sociologia: balanço da

produção (2003-2017)

Maria da Gloria Bonelli*1

Jordão Horta Nunes** 2

Jacques Mick*** 3

RESUMO

O artigo oferece um balanço dos 166 artigos apresentados nos encontros bie-nais do grupo de trabalho (GT) Ocupações e Profissões, da Sociedade Brasilei-ra de Sociologia, entre 2003 e 2017. O texto identifica o perfil dos pesquisado-res e suas instituições, relaciona as principais referências teóricas e os temas e conceitos mais frequentes dos estudos na área. Entre os resultados, constata--se concentração de pesquisas sobre as profissões jurídicas, de educação/qua-lificação, de saúde, de segurança pública e forças militares, e de tecnologias de informação e comunicação. O GT se caracteriza principalmente por estu-dos empíricos, com abordagens teoricamente heterogêneas, prevalecendo as escolas anglo-saxônica e francesa de sociologia das profissões. O panorama revela que a produção brasileira sobre o tema está sintonizada com o debate global na área e atenta às especificidades locais.

Palavras-chave: Sociologia das profissões; Ocupações; Brasil.

* Professora sênior do Programa de Pós-Graduação em Sociologia - UFSCar, coordenadora do grupo de pesquisa Sociologia das Profissões, do Departamento de Sociologia – UFSCar, bolsista produtividade CNPq 1B. Desenvolve pesquisas sobre profissões, sistema de justiça e gênero.

** Professor na Faculdade de Ciências Sociais da Universidade Federal de Goiás, com mestrado em Filosofia Política (UFG) e doutorado em Sociologia (USP). Trabalha principalmente nas áreas de Sociologia do Trabalho, Sociologia das Profissões e Metodologia das Ciências Sociais.

*** Professor do Departamento de Sociologia e Ciência Política da Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC). Atua nos programas de pós-graduação em Sociologia Política e em Jornalismo da UFSC, e coordena pesquisas sobre os jornalistas brasileiros.

(19)

Nos últimos 15 anos, o GT Ocupações e Profissões contribuiu para re-verter a falta de tradição de pesquisa sobre os grupos profissionais no Bra-sil. Estudos empíricos e a discussão crítica das referências teóricas que os pesquisadores do GT aprofundaram no decorrer desse período ajudaram a construir a legitimidade da área e o reconhecimento dos pares para a força analítica da reflexão criteriosa desenvolvida no grupo. A atuação do GT foi fundamental para modificar um estereótipo existente no meio acadêmico – de que a especialização recortava a realidade de forma a legitimar a ordem social excludente e reforçar o status quo. As articulações para internacionali-zação da produção ajudaram tal consolidação, trazendo autores estrangeiros, como Eliot Freidson, Magali Larson, Bryant Garth, organizando grupos com colegas latino-americanos como na ALAST, ou circulando em eventos no exterior para a divulgação e debate sobre as pesquisas brasileiras e para que os pesquisadores se atualizassem a respeito da produção internacional.

O GT Ocupações e Profissões prioriza articular a rede de pesquisadores desse tema por meio dos eventos da SBS, que criou maiores possibilidades de acolhimento de trabalhos para apresentação e discussão, além das outras formas de intercâmbio entre seus membros. Em oito congressos, de 2003 a 2017, estão registrados nos Anais do GT 166 papers, escritos por 174 pes-ABSTRACT

PROFESSIONS AND OCCUPATIONS ON BRAZILIAN SOCIOLOGICAL SOCIETY: AN ACCOUNT OF OF THE RESEARCHES (2003-2017)

The article provides an overview of the 166 articles presented at the biennial meetin-gs of the Occupations and Professions Working Group (GT) at Brazilian Sociological Society between 2003 and 2017. The text identifies the profile of researchers and their institutions, lists the main theoretical references and the most frequent themes and concepts of the studies in the area. Among the results, the article identifies con-centration of research on some professional areas: legal, education / qualification, health, public security and military forces, and information and communication te-chnologies. The group is mainly characterized by empirical studies, with theoreti-cally heterogeneous approaches, dominating the Anglo-Saxon and French schools of sociology of the professions. The panorama reveals that the Brazilian production is in tune with the global debate in the area, but also attentive to local specificities. Keywords: Sociology of professions, occupations, Brazil.

(20)

quisadores, isoladamente ou em coautoria. Escreveram dois ou mais textos 29 autores. Os mais frequentes no grupo – Jordão Horta Nunes, Fernanda Rios Petrarca, Roberto Fragale Filho e Maria Natália Silveira – apresentaram ao todo 21 papers. A maior parte dos pesquisadores que contribuíram com o GT, contudo, apresentou apenas um artigo: foram 133. Os investigadores participantes do grupo apresentaram vínculos com 64 instituições de ensino superior de todas as regiões do país. Aquelas com maior número de pesqui-sadores e/ou artigos foram as Universidades Federais de Goiás (UFG), Flu-minense (UFF), de São Carlos (UFSCAR), de Pernambuco (UFPE) e do Rio de Janeiro (UFRJ). A Fundação Instituto Osvaldo Cruz mobilizou número expressivo de investigadores ou textos, assim como a Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS). Completam o grupo de instituições mais fre-quentes no GT as Universidades Estaduais de Campinas (Unicamp) e do Rio de Janeiro (UERJ) e as federais do Paraná (UFPR), de Santa Catarina (UFSC), de Alagoas (UFAL) e de Sergipe (UFS).

Quanto aos temas das investigações, o balanço do período 2003-2017 mostra forte presença de estudos ligados às profissões jurídicas, de educa-ção ou qualificaeduca-ção, de saúde, de segurança pública e forças militares, e de tecnologias de informação e comunicação (Tabela 1). Somadas, as pesquisas sobre esses temas equivalem a 50% do total dos estudos apresentados no GT. Dezoito áreas de atuação profissional respondem pela outra metade dos arti-gos, juntamente com oito textos de caráter teórico e quatro que investigaram implicações de gênero ou raça na estrutura ocupacional. A relação revela a extensão da curiosidade dos pesquisadores da área, que se distribui sobre amplo leque de atividades profissionais, mobilizando variadas estratégias teórico-metodológicas. Vale também ressaltar que foram realizadas diversas sessões no GT, a exemplo de “Identidade, diferença e desigualdade nos gru-pos ocupacionais e profissionais”, em que marcadores de raça, gênero e clas-se foram empregados no suporte teórico ou como variáveis na baclas-se empírica, além de que gênero e classe, ou posição social, como conceitos, integram teorias da identidade profissional. No caso dos quatro papers designados com “Gênero/raça e estrutura ocupacional”, a classificação ocupacional ou as considerações sobre gênero e raça se sobrepunham, de forma mais evi-dente, à teorização mais específica sobre as profissões, que usualmente va-loriza a autonomia na organização do trabalho, a expertise e as negociações e disputas na constituição de grupos.

(21)

Tabela 1 – Profissões mais frequentes nos artigos apresentados no GT Ocupações Profissões da SBS (2003-2017) Temas n1 % Profissões jurídicas 24 14,46% Educação/qualificação 21 12,65% Profissões da saúde 16 9,64%

Segurança pública e militares 12 7,23%

Tecnologias de informação e comunicação (TIC) 10 6,02%

Comunicação 9 5,42%

Ciências sociais 9 5,42%

Teóricos 8 4,82%

Serviços pessoais e domésticos 6 3,61%

Administração/Serviços bancários e financeiros 5 3,01%

Comércio/Vendas 5 3,01%

Serviço social 4 2,41%

Outros serviços de baixa qualificação 4 2,41%

Artes/Produção cultural 4 2,41%

Outros serviços 4 2,41%

Gênero/raça e estrutura ocupacional 4 2,41%

Diplomacia/RI 3 1,81% Moda/Design 3 1,81% Psicologia/Terapia/Psicanálise 3 1,81% Alimentação 2 1,20% Engenharia 2 1,20% Administração 2 1,20% Política 2 1,20% Arquitetura 2 1,20% Indústria/Construção civil 2 1,20% Total geral 166 100,00%

1 O total de artigos (166) corresponde, de 2003 a 2013, apenas a textos de comunicações apresentadas nas sessões do evento, que passaram a compor os Anais. Em relação aos eventos mais recentes, de 2015 e 2017, figuram nesta relação todos os textos aprovados para apresentação, pois os Anais ainda não estão disponíveis.

Para além da diversidade de temas debatidos nesse período, os enfoques analíticos se pluralizaram nas abordagens do campo. As referências mais presentes foram Eliot Freidson (1996), Claude Dubar (2006), Andrew Abbott (1988), Pierre Bourdieu (1989), Julia Evetts (2013), Magali Larson (1979), Howard Becker (2009), Mike Sacks (2012), Yves Dezalay e Bryant Gar-th (2000), Everett Hughes (1984), Bruno Latour (2000), AnGar-thony Giddens (1991), Nicky Le Feuvre (2008) e Helena Hirata (2014), o que comprova a heterogeneidade das abordagens.

Os conceitos mais debatidos foram ocupação e profissão como tipos ide-ais, autonomia profissional, sistema das profissões, competição intra e

(22)

inter-profissional, controle jurisdicional do conhecimento e do mercado, formas identitárias, identificações descentradas, campo e habitus profissional, pro-dução simbólica e legitimação da expertise, conhecimento perito, negocia-ções de sentidos nos grupos profissionais, ideologia do profissionalismo, au-toridade cultural e legitimidade moral dos profissionais, poder profissional, a dominação do saber, a produção do mérito, saber-poder, construção social do gênero, das masculinidades e a feminização das profissões, as diferen-ças e diversidade. Outras influências provenientes dos conceitos de trabalho imaterial e cognitivo, da proletarização das profissões e precarização do tra-balho profissional, deram sua contribuição na análise crítica das mudanças que se processam no profissionalismo nas ocupações e nas organizações. Nessa diferenciação, a articulação das lógicas profissional, burocrática e de mercado numa perspectiva discursiva produziu novos conceitos resultantes desse hibridismo, como profissionalismo organizacional (EVETTS, 2013) e profissionalismo híbrido (MUZIO e KIRKPATRICK, 2011). Recentemente o GT vem incorporando trabalhos na fronteira com áreas e temas que inter-seccionam com a sociologia das profissões e ocupações, como a sociologia histórica e processual (ABBOTT, 2001, 2016), a análise de carreiras, trajetó-rias e percursos de vida (DUBAR, NICOURD, 2017; LALLEMENT, 2003), a sociologia clínica (GAULEJAC, 2005) e a sociologia das organizações (SAIN-SAULIEU, 1990).

Alguns eixos de discussão estiveram presentes em quase todos os encon-tros, como: as relações entre profissões, Estado e mercado e as lutas por le-gitimação; saberes; fronteiras, jurisdições e fechamento; identidades profis-sionais, crises e novas identificações; grupos profisprofis-sionais, inclusão e cida-dania; conflitos, desigualdade e diferença; internacionalização da expertise e das redes profissionais; profissionalismo nas ocupações e nas organizações; houve assim um refinamento teórico e metodológico desse conhecimento orientando os colaboradores e interessados no GT a concentrarem sua con-tribuição neste aspecto, contemplando a bibliografia especializada.

Uma característica dos papers apresentados no GT é a base empírica, tradicional nos estudos sobre as profissões: a ampla maioria tem respaldo em pesquisas, geralmente estudos de caso, embora sejam frequentes levan-tamentos estatísticos com suporte em bases governamentais ou surveys. No aspecto metodológico, tem sido bastante comum o uso de estratégias quali-quantitativas e triangulação de fontes ou métodos, com o emprego de

(23)

entre-vistas articuladas à análise quantitativa de bases de dados ou surveys e à pes-quisa historiográfica e documental. Ultimamente alguns trabalhos voltaram--se à problematização de métodos e técnicas aplicados na área, como o recurso à ciência dos dados, à análise de redes sociais e o emprego de online surveys.

Manifesta-se também no GT o desdobramento de um debate entre a esco-la anglo-saxônica de análise sociológica das profissões, ancorada num tipo ideal de profissionalismo que valoriza a autonomia, a expertise e a forma-ção em nível superior, e alguns programas de pesquisa mais recentes, com origem na França, que vieram a compor uma sociologia dos grupos profis-sionais, a princípio mais inspirada no interacionismo e no marxismo. A so-ciologia francesa manteve, de início, uma abordagem crítica a uma suposta meritocracia das profissões, grupos ocupacionais associados à classe domi-nante. Sua problemática aproximava-se, assim, da análise de classes sociais. Somente a partir da década de 1980, a sociologia das profissões passa a cons-tituir na França um domínio de temática própria, bastante influenciado pela tradição interacionista simbólica, herdeira do programa de pesquisa empí-rica de diversas ocupações, desenvolvido por Everett Hughes e depois por Herbert Blumer com jovens alunos na Universidade de Chicago. Comparti-lhando com os interacionistas a crítica ao enfoque funcionalista de análise das profissões, a vertente francesa passa a se dedicar, sobretudo, a pequenos ofícios e ocupações menos prestigiadas, que requerem menor nível de esco-larização e nas quais o processo de profissionalização estava ainda em con-solidação. Sociólogos como Claude Dubar, Didier Demazière, Charles Gadéa e Morgan Jouvenet passam a compor uma inflexão interacionista de análise das profissões, reconhecendo um tipo de conhecimento e expertise profissio-nal em grupos ocupacionais antes ignorados por correntes que também cri-ticavam o funcionalismo na sociologia das profissões, como o neo-marxismo de Johnson, ou posições como as de Larson e Freidson, que deram destaque ao credencialismo e à construção de um poder profissional. Para Gadéa e Demazière, os grupos profissionais são constituídos por trabalhadores que exercem uma atividade designada por um mesmo nome e compartilham de uma identificação, um reconhecimento e uma visibilidade social e que ocu-pam um lugar diferente na divisão social do trabalho, caracterizado por uma legitimidade simbólica.

A sociologia francesa dos grupos profissionais veio a problematizar, de forma crítica, as dificuldades de efetivação do profissionalismo num mundo

(24)

em que a informação se tornou mais disseminada e democrática, sobretudo com as tecnologias de informação e comunicação, diminuindo a autoridade do profissional diante do usuário leigo. Outras ameaças são o crescimento do controle administrativo, o distanciamento dos locais de regulação, que se tornam supranacionais e a normalização de práticas. Os ideais de auto-nomia, esoterismo na formação e credencialismo tornam-se cada vez mais relativizados e novas estratégias de resistência passam a ser desenvolvidas pelos grupos profissionais, como uma “prática prudencial”, que, segundo Florent Champy (2009), seria desenvolvida por profissões cujo conteúdo não é assegurado pelo monopólio em sua circunscrição, mas que requerem a mo-bilização de saberes em situações de incerteza, nas quais a aplicação de um saber normalizado é insuficiente. Assim, arquitetos, por exemplo, podem requerer, na dinâmica do processo profissional, uma prática prudencial, diante da concorrência de outros profissionais, como engenheiros. Alguns profissionais, como engenheiros, médicos ou músicos, usualmente enfren-tam problemas identitários quando atuam como professores universitários em períodos diferentes de seus percursos de vida ou até mesmo no mes-mo período. Assim, a problemática ressaltada pela sociologia francesa dos grupos profissionais, que dá destaque às formas identitárias construídas na trajetória profissional ou na carreira, tem sido bastante profícua na análise de ocupações mais distantes do mainstream estrito das grandes profissões e das novas formas de organização do trabalho e de configuração do mercado e da regulação no mundo contemporâneo. O GT Ocupações e Profissões tem acolhido diversas comunicações nessa linha, sobre ocupações ligadas ao se-tor de tecnologias de informação e comunicação, mas também ao trabalho artístico e a outras ocupações em trajetória ascendente ou descendente de profissionalização, como livreiros, digitadores, mecânicos, jornalistas, guias turísticos, vendedores, treinadores esportivos, profissionais de higiene e be-leza, profissionais do sexo, carcereiros, além de outras.

Estudos empíricos recentes sobre as profissões nos países anglo-america-nos mostram como elas sofreram grandes transformações na passagem para o século XXI em decorrência da globalização, das inovações tecnológicas e da força dos negócios corporativos e do mercado na dinâmica profissional. O modelo tradicional de profissão que persistiu ao longo do século XX deixou de ser hegemônico. No caso da advocacia, a atuação liberal em pequenos es-critórios deparou-se com a expansão das grandes sociedades de advogados,

(25)

estratificando-as em sócios e associados, fenômeno relacionado ao aumento da participação das mulheres (concentradas nas posições menos valoriza-das e rotineiras). A cultura profissional cívica que dava sustentação social a esse modelo retraiu-se perante a cultura do negócio jurídico, e a forma de organização colegiada apoiada na autonomia profissional concorre com um uso discursivo do profissionalismo – não para produzir coesão, mas para disciplinar os corpos e o trabalho.

No Brasil, o aumento vertiginoso dos credenciados para a prática veio acompanhado da sua diversificação. Além das mulheres, outras diferenças ganharam visibilidade entre os habilitados, embora nenhuma delas tenha a proporção da feminização. As transformações macrossociais apontadas acima, articuladas ao novo perfil sociodemográfico dos advogados, descons-truíram a coesão partilhada como sentimento de grupo. As identificações profissionais se pluralizaram junto com a multiplicação de associações. Es-sas identificações refletem a fragmentação da advocacia e as intersecções que recortam a subjetividade, como gênero, sexualidade, cor/raça, classe, religião suturando-as à identidade (Bonelli, 2017). Dinâmicas semelhantes têm sido constadas por pesquisadores brasileiros em outras profissões.

A padronização de modelos globais foi acompanhada de processos frag-mentários nas profissões, o que se verifica também nas elites profissionais com as novas elites corporativas, além das tradicionais, e as lideranças ins-titucionais.

A bibliografia internacional sobre as profissões e as novas empresas de serviços profissionais sugerem que o modelo tradicional tornou-se ob-soleto na advocacia no Reino Unido (Sommerlad et alli, 2017), embora persistam os vestígios do profissionalismo. Lá, o controle de mercado pelos pares e o monopólio da atividade estão menos preservados do que aqui, verificando-se a diluição de fronteiras entre o trabalho exercido por dife-rentes profissões (contador e advogado) e entre o trabalho qualificado e o não qualificado (advogado e paralegal). Também as relações entre o Estado e os grupos profissionais se fragilizaram, com o apoio público à desregu-lamentação estimulada pelo movimento da livre escolha dos consumido-res e a perda de autonomia dos experts, com controles vindos de cima, de órgãos criados pelo Estado. Portanto, além das práticas estratificadas nas empresas de serviços profissionais, que replicam as hierarquias sociais com a precarização do trabalho realizado principalmente por mulheres e

(26)

minorias, conformando um modelo que se distancia daquele do século XX, os autores observam uma quebra da confiança pública nas profissões e na erosão da autoridade da expertise.

O modelo profissional no Brasil revela-se mais híbrido, tanto em termos de ideário quanto das formas de organização. Grandes corporações que pres-tam serviços profissionais seguem reguladas pelo Conselho ou Ordem, que também detém a regulamentação e o controle da prática corporativa e liberal em pequenos escritórios. As relações entre as profissões e o Estado podem ser mais ambivalentes do que foram, mas não estão fragilizadas a ponto dos conselhos perderem o monopólio e o controle dos pares. Embora a cultura cívica esteja bastante entrecortada pelos negócios, a atuação político-institu-cional da Ordem ganha visibilidade quando ela se posiciona publicamente na crise política em curso. Do ponto de vista da confiança pública, as car-reiras jurídicas de Estado ocupam posição significativa no atual contexto de investigação sobre os políticos e o uso privado de recursos do Estado, não configurando uma erosão homogênea da autoridade da expertise.

Por outro lado, ocupações em processo de profissionalização buscam apoio político no Executivo e no Legislativo para viabilizar a criação de no-vos conselhos e de regulamentação profissional. A contestação que enfren-tam vem mais da força das profissões estabelecidas do que do Estado. Elas têm sido capaz de deter novas concorrências no mercado, como foi o caso da OAB reagindo e contendo o pleito dos paralegais na Câmara Federal.

Esse cenário de mudanças coloca novas questões para o aprofundamento dos debates e da produção de pesquisas sobre as profissões no Brasil con-temporâneo, seja no enfoque das especificidades locais, seja nas semelhan-ças com os processos difundidos pela globalização. Para além das mudansemelhan-ças no perfil de grupos profissionais decorrentes das intersecções do gênero, classe e diversidade, a construção binária do mundo profissional, com ativi-dades se preservando predominantemente compostas por homens brancos, em especial nas “ciências duras”, e quase exclusivamente por mulheres nos “cuidados”, tem reproduzindo na dimensão pública da profissão o padrão da vida na casa, da divisão sexual do trabalho.

Neste aspecto, várias foram as contribuições do GT Ocupações e Profis-sões para produzir uma reflexão articulada ao debate de outros grupos da SBS, sobre trabalho e cuidados. Por vários anos, a produção de conhecimen-to no campo da Sociologia do Direiconhecimen-to e da Sociologia da Saúde foi partilhada

(27)

e acolhida nas sessões do GT, auxiliando a dar mais densidade a tais trocas, que se viabilizaram como novos GTs, para melhor atender ao avanço dessas expertises na SBS.

Em termos do estado da arte das Ocupações e Profissões, o GT percorreu um caminho que deu mais densidade teórica à área, que se constitui hoje como uma especialização que articula estudos empíricos e teórico-meto-dológicos. Esta produção mostra-se atualizada e sintonizada com o debate global, sem perder as especificidades do local/regional/nacional. Também teve uma prática aberta, de acolhimento e apoio à consolidação de novas expertises nas proximidades de seu saber.

Referências

ABBOTT, Andrew. (2016), Processual Sociology. 1. ed. Chicago: University of Chicago.

______. (2001), Time Matters: on Theory and Method. 1. ed. Chicago: Univer-sity of Chicago.

______. (1988), The system of professions. 1. ed. Chicago: University of Chi-cago Press.

BECKER, Howard. (2009), Falando da Sociedade. 1. ed. Rio de Janeiro: Zahar. BONELLI, Maria da Glória. (2017), Changes in the Brazilian legal profession. Paper apresentado no 2017 Law and Society Association Meeting, Mexico City, 2017.

BOURDIEU, Pierre. (1989), O poder simbólico. 1. ed. Lisboa, Difel. CHAMPY, Florent. (2009), La Sociologie des professions. Paris, PUF. ______. (1998), Les Architectes et la Commande publique. Paris, PUF. DEMAZIÈRE, Didier ; GADÉA, Charles. (2009), Sociologie des groupes pro-fessionnels. Acquis récents et nouveaux défis. 1. ed. Paris: La Découverte. DEZALAY, Yves; GARTH, Bryant. (2000), A dolarização do conhecimento técnico profissional e do Estado. Revista Brasileira de Ciências Sociais, v. 15, n. 43, pp. 163-176.

DUBAR, Claude. (2006), A crise das identidades: a interpretação de uma mu-tação. 1. ed. Porto: Afrontamentos.

DUBAR, Claude; NICOURD, Sandrine. (2017), Les biographies en sociologie. 1. ed. Paris: La Découverte.

(28)

So-ciology, n. 61, pp. 5-6. Disponível em: http://journals.sagepub.com/doi/ abs/10.1177/0011392113479316. Acesso em 2/4/2017.

FEUVRE, Nicky Le. (2008), Modelos de feminização das profissões na França e na Grã-Bretanha. In: COSTA, Albertina et ali. (org.) Mercado de trabalho e gênero: comparações internacionais. Rio de Janeiro: FGV. pp. 299-314. FREIDSON, Eliot. (1996), Para uma análise comparada das profissões. Revis-ta Brasileira de Ciências Sociais, n. 31, pp. 141-145.

GAULEJAC, Vincent de. (2005), La société malade de la gestion : idéologie gestionnaire, pouvoir managérial et harcèlement social. 1. ed. Paris: Le Seuil. GIDDENS, Anthony. (1991), As consequências da modernidade. 1. ed. São Paulo: Unesp.

HIRATA, Helena. (2014), Gênero, classe e raça: Interseccionalidade e con-substancialidade das relações sociais. Tempo Social, vol. 26, n. 1, pp. 61-73. HUGHES, Everett C. (1984), The sociologycal eye: selected papers. 1. ed. New Jersey: Transaction.

LALLEMENT, Michel. (2003), Temps, travail et modes de vie. 1. ed. Paris: PUF.

LARSON, Magali. 1979, The rise of professionalism. 1. ed. Berkeley: The Uni-versity of California Press.

LATOUR, Bruno. (2000), Ciência em ação. São Paulo: UNESP.

MUZIO, Daniel; KIRKPATRICK, Ian. (2011), Reconnecting profession-al occupations and professionprofession-al organizations. Current Sociology, v. 59, n. 4, pp. 389–405. Disponível em: http://journals.sagepub.com/doi/ pdf/10.1177/0011392111402584. Acesso em 02/04/2017.

SAKS, Mike. (2012), Defining a profession: The role of knowledge and exper-tise. Professions&Professionalism, v. 2, n. 1, pp. 1-10. Disponível em: https:// journals.hioa.no/index.php/pp/article/view/151/355. Acesso em 16/03/2017. SAINSALIEU, Renaud. (1990), Sociologie de l´organisation et de l´entre-prise. Paris: PFNSP.

SOMMERLAD, Hilary et alli. (2017), The Legal Profession in England & Wales: At the Vanguard of Professional Transformation? Paper apresentado no 2017 Law and Society Association Meeting, Mexico City.

(29)

10.20336/rbs.220

Por uma Sociologia Política do Direito no

Brasil

Fernando de Castro Fontainha*1

Fabiana Luci de Oliveira**2

Alexandre Veronese***3

RESUMO

O quadro de produção acadêmica demonstra que, no atual momento, é possí-vel afirmar a Sociologia do Direito como um campo amadurecido de pesquisa no contexto brasileiro. O objetivo primário do presente artigo é evidenciar tal fato, explicitando a necessidade de um recorte mais preciso em prol de uma Sociologia Política do Direito − campo específico que possui uma longa história de consolidação intelectual. A finalização desse verdadeiro ciclo de expansão impõe uma série de reflexões sobre: 1) a trajetória da Sociologia do Direito no contexto da Sociologia Brasileira; 2) seu diálogo mais amplo com as demais ciências sociais; 3) sua relação com a sociologia internacional; 4) os avanços teórico-metodológicos da Sociologia do Direito no Brasil; e 5) seus dilemas e desafios frente aos problemas contemporâneos. São esses os temas discutidos no artigo que segue.

Palavras-chave: Sociologia do Direito; Sociologia Política; Sociologia brasileira

* Professor do programa de pós-graduação em Sociologia do IESP-UERJ, doutor em Ciência

Política pela Université de Montpellier 1. Bolsista de produtividade do CNPq.

** Professora do programa de pós-graduação em Sociologia da UFSCar, doutora em

Ciências Sociais pela UFSCar. Bolsista de produtividade do CNPq

***Professor do programa de pós-graduação em Direito da UnB, doutor em Sociologia

(30)

ABTSRACT

TOWARDS A POLITICAL SOCIOLOGY OF LAW IN BRAZIL

he framework of academic production demonstrates that, at the present time, it is possible to affirm the Sociology of Law as a mature field of research in the Brazilian context. The primary objective of this article is to evince this fact, explaining the need for a more precise cutout in favor of a Political Sociology of Law - a specific field that has a long history of intellectual consolidation. The completion of this cycle of expansion imposes a series of reflections on: 1) the trajectory of Sociolo-gy of Law in the context of Brazilian SocioloSociolo-gy; 2) its broader dialogue with the other social sciences; 3) its relation to international sociology; 4) the theoretical--methodological advances of Sociology of Law in Brazil; and 5) its dilemmas and challenges in face of contemporary problems. These are the topics discussed in the article that follows.

Keywords: Sociology of Law; Political Sociology; Brazilian Sociology.

1. A trajetória da Sociologia do Direito no contexto da

Sociologia Brasileira

Conforme pontua Antonio Candido, em texto escrito no final da década de 1950, a Sociologia configurou-se no Brasil a partir de forte influência do Direito, atrelada às suas concepções. Segundo o autor, “o jurista foi o intérprete por excelência da sociedade, que o requeria a cada passo e sobre a qual estendeu o seu prestígio e maneira de ver as coisas” (CANDIDO, 2006, p. 272).

Isso não é uma peculiaridade brasileira. Ao contrário, a Sociologia, des-de os clássicos, des-dedica atenção aos fenômenos jurídicos e à influência do Direito na regulação das relações sociais. O Direito foi ponto de observa-ção privilegiado para a elaboraobserva-ção de reflexões fundantes da disciplina, tais como: 1) a exploração do trabalho pelo capital a partir da evolução das leis fabris inglesas de 1833 a 1864, na teoria marxista; 2) a força moral do Di-reito como fator de influência dos tribunais sobre a sociedade política, na leitura de Tocqueville; 3) a identificação de novas formas de solidariedade a partir da observação do Direito como fato externo da moral, na perspectiva durkheimiana; 4) a historicização do fenômeno jurídico para explicitar a racionalização e a secularização como tendências marcantes da modernida-de, na abordagem weberiana; e 5) a indicação do direito como uma das três

(31)

marcantes demonstrações da autonomização da forma, tendência central da modernidade, na linha de Simmel.

No Brasil, é somente na década de 1980 que a Sociologia do Direito se constitui como uma área especializada da Sociologia, voltada ao estudo das formas por meio das quais o direito se manifesta e se materializa na socie-dade (o Direito em ação), bem como dirigida à compreensão dos efeitos que o Direito produz nas relações sociais – e vice-versa –, enfocando as correla-ções entre o social e o jurídico. A Sociologia do Direito formou-se como um campo de interlocuções no Brasil, com contribuições de sociólogos, antropó-logos, cientistas políticos e juristas, mas também como um campo de fron-teiras e de disputa de espaços, como bem observou Eliane Junqueira (1993) na diferenciação entre a Sociologia do Direito – desenvolvida a partir do referencial teórico-metodológico das ciências sociais, por cientistas sociais e com base em abordagens empíricas – e a Sociologia Jurídica – mais próxima da filosofia e da perspectiva dos Critical Legal Studies norte-americanos.

A Sociologia Jurídica, segundo Eliane Junqueira, seria produzida por “ba-charéis de direito sociologicamente orientados” (JUNQUEIRA, 1996, p. 389), sobretudo com base em abordagens teóricas, abstratas e autodenominadas críticas. Seguindo esse ponto de vista, seria possível indicar que a Sociologia Jurídica consistiria na crítica à perspectiva dogmática e autônoma do Direito, ao contrário da Sociologia do Direito, cuja definição passaria pela aplicação de teorias e, principalmente, de métodos de pesquisa próprios das ciências sociais e dirigidos à compreensão do Direito e dos fenômenos jurídicos. A concepção do presente artigo incorpora em parte essa distinção, sopesando a diversidade de expertises existentes atualmente nesse campo de pesquisa1.

Dessa forma, para fins de delimitação, devem ser entendidos como per-tencentes a essa investigação os estudos empíricos baseados na observação sistemática da realidade social. Tais estudos devem, ainda, ter a finalidade de descrever, compreender e explicar, a partir da aplicação e do diálogo com teorias sociológicas, as relações e interações entre o Direito e a sociedade, com o objetivo de analisar o papel desempenhado pelas instituições e pelos operadores do Direito na regulação das relações sociais, políticas e econô-micas. Apesar de aparentemente abrangente, tal definição restringe o campo 1 Geraldo, Fontainha e Veronese (2010) chamam atenção para as “disparidades de trabalhos que são rotulados como de Sociologia do Direito” no Brasil, havendo “pouco debate em torno da pertinência metodológica dos estudos atribuídos a ela” (p. 2).

Referências

Documentos relacionados

Como resultado, exatamente a metade dos entrevistados avaliaram o hiperdocumento como simples e quase a metade dos entrevistados (42,86%) afirmaram que o tema abordado

São eles, Alexandrino Garcia (futuro empreendedor do Grupo Algar – nome dado em sua homenagem) com sete anos, Palmira com cinco anos, Georgina com três e José Maria com três meses.

MELO NETO e FROES (1999, p.81) transcreveram a opinião de um empresário sobre responsabilidade social: “Há algumas décadas, na Europa, expandiu-se seu uso para fins.. sociais,

Crisóstomo (2001) apresenta elementos que devem ser considerados em relação a esta decisão. Ao adquirir soluções externas, usualmente, a equipe da empresa ainda tem um árduo

A placa EXPRECIUM-II possui duas entradas de linhas telefônicas, uma entrada para uma bateria externa de 12 Volt DC e uma saída paralela para uma impressora escrava da placa, para

Este trabalho buscou, através de pesquisa de campo, estudar o efeito de diferentes alternativas de adubações de cobertura, quanto ao tipo de adubo e época de

A presença de crianças mais novas entre os portado- res de rinite no meio rural é confirmada e apontada tam- bém ao se observar a ocorrência do primeiro evento da doença, quando

A crescente preocupação com taxas elevadas de insucesso escolar, fez incidir as atenções dos responsáveis políticos sobre a função dos serviços de apoio à infância como meio