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István Mészáros PARA ALÉM DO CAPITAL São Paulo, Editora Boitempo, 2002 (Resenha) 1

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PARA ALÉM DO CAPITAL São Paulo, Editora Boitempo, 2002

(Resenha)1

Maria Cristina Soares Paniago Professora Doutora da Universidade Federal de Alagoas

Para Além do Capital é resultado de uma decisão do autor, tomada há mais de 25 anos. Propunha-se, desde sua saída da Hungria ocupada pelas forças soviéticas em 1956, a atualizar a crítica da sociedade capitalista a partir da recuperação do pensamento de Marx e do projeto socialista revolucionário, mirando elaborar uma resposta à necessidade de ruptura com essa forma de produção de riqueza em que o homem é uma mera peça da engrenagem da auto-reprodução do capital.

Sabe-se que Mészáros assinou o contrato de edição do Beyond Capital (Para além do Capital - rumo a uma teoria da transição) com a Merlin Press - London quando tinha apenas o esboço do sumário daquilo que viria a ser sua grande obra (editada em 1995), em cujo lançamento da tradução para o português, recentemente realizado em 5 capitais brasileiras, o autor2, agora com 72 anos,

participou ativamente.

1 Resenha publicada na Revista Outubro – n.7 – Instituto de Estudos Marxistas – São Paulo – 2002.

2István Mészáros, que já havia estado no Brasil em 1983 e 1996, nasceu na Hungria em 1930. Antes de entrar na

Universidade em 1949, trabalhou como operário em fábricas de aviões, tipografia e em indústria têxtil. Na Universidade, depois de ser perseguido e quase sofrer uma expulsão por estudar com G. Lukács, tornou-se seu assistente entre 1951 e 1956, em seguida, deixou a Hungria em razão da invasão militar soviética. Publicou seu primeiro livro em 1955, sua tese de doutorado, sob o título “Sátira e Realidade: Contribuição para a Teoria da Sátira”. Durante sua permanência na Itália, país para onde se dirigiu após sair da Hungria, publicou outros dois livros: “A Revolta dos Intelectuais na Hungria” e “Attila József e a Arte Moderna”. Após passar alguns anos na Itália, em 1959, muda-se para a Inglaterra onde reside até hoje, sendo atualmente professor aposentado da Faculdade de Artes da Universidade de Sussex. Na Inglaterra, continuou a publicar seus livros muitos deles já publicados no Brasil: “Marx : A Teoria da Alienação”. Zahar Editores, 1981; “A Necessidade do Controle Social”. Editora Ensaio, 1987; “Produção Destrutiva e Estado Capitalista”. Editora Ensaio, 1989; “A Obra de Sartre”. Editora Ensaio, 1996; “Filosofia, Ideologia e Ciência Social”. Editora Ensaio, 1993; “O Poder da Ideologia”. Editora Ensaio, 1996. Em 1951, ainda na Hungria, foi ganhador do prêmio Attila Jószef, e em 1970, já residindo na Inglaterra, seu livro “Marx: A Teoria da Alienação” foi premiado pelo Isaac Deutscher Memorial. (Mészáros, I. “Tempos de Lukács e nossos Tempos. Socialismo e Barbárie”. In: Ensaio, n.13. São Paulo: Editora Ensaio, 1984)

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Para Além do Capital, editado pela Boitempo, possui 1104 páginas, distribuídas em quatro partes, sendo a última constituída de cinco conhecidos ensaios anteriormente publicados no Brasil, tais como A Necessidade do Controle Social e Poder Político e Dissidência nas Sociedades Pós-revolucionárias, entre outros. Vale aqui destacar que na edição brasileira não consta poema de Attila Jószef que introduz a Parte I, o sexto ensaio – Socialismo Hoy Dia, e o Apêndice sob o título Marxism Today, em que é reproduzida uma entrevista do autor realizada em 1992.

A edição brasileira, uma linda edição com capa dura (vendida a R$ 87,00 nas livrarias), veio se somar às inúmeras traduções já realizadas, ou em andamento, no mundo (Grécia, Japão), e em especial, no que se conhece por Terceiro Mundo (Brasil, Venezuela, Irã, Índia), favorecendo uma onda recente de difusão das idéias profundamente inquisidoras do autor quanto ao estado de letargia e ao abandono de um projeto emancipatório revolucionário em que o movimento dos trabalhadores se envolveu com a falência das alternativas híbridas de sociedade como a do Estado do Bem-Estar e as experiências pós-revolucionárias soviéticas, pois não superadoras do sistema do capital, como acentua o autor. Após 7 anos da publicação do original em inglês, multiplicam-se as edições em diversos idiomas, muitas delas despossuídas de interesse lucrativo para o grande capital editorial, devido à restritividade do universo cultural a que está voltado e ao alto custo e dificuldade da tradução de uma obra que se coloca na contra-mão da história, uma vez que ela se contrapõe a tudo que associa a falência das conhecidas experiências revolucionárias ou reformistas com a desqualificação teórica do pensamento marxiano em sua totalidade, como gostam de afirmar tanto apologistas da ordem dominante, como pensadores anteriormente de esquerda que se renderam à “perenidade” do capital.

É no mínimo curioso tal interesse na obra de Mészáros, uma obra de difícil leitura, dado o rigor e a densidade da teses que defende, e ao próprio estilo do autor. E por que agora? Podemos sugerir duas razões: primeiramente, porque este foi o tempo demandado para a consecução do demorado processo de tradução e edição, e, em segundo lugar, mas não menos importante, porque a crise estrutural do sistema do capital, o desemprego crônico, a incapacidade do neoliberalismo de deslocar, como antes era feito nas crises periódicas, os impedimentos à expansão do capital, juntamente com a crise das idéias revolucionárias inspiradas em Marx, têm provocado enorme interesse sobre quem se propõe a enfrentar tais questões de um ponto de vista não reiterativo das velhas estratégias reformistas e conciliatórias, ou daquelas, pseudo-revolucionárias, que pretendem extrair elementos de positividade na reestruturação produtiva e na desregulamentação das relações de trabalho, expressões do enfrentamento da crise pelo capital.

Exatamente por enfrentar tais questões num momento histórico tão conturbado e incerto da relação capital-trabalho, a obra de Mészáros não poderia deixar de ser extremamente polêmica e radical em suas afirmações, e, ao mesmo tempo, inovadora na atualização do pensamento de Marx.

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No decorrer das 1104 páginas do livro, Mészáros faz, na Parte I (capítulos 1 a 5), um acerto de contas teórico com grandes pensadores representantes do pensamento burguês (Hegel, os economistas clássicos) e suas diferentes mistificações mais contemporâneas como Alfred Marshall, Hayek, Parsons, Garaudy, com o objetivo de retomar a crítica, já realizada por Marx, sobre a transitoriedade histórica da ordem reprodutiva dominante do capital, em total desacordo com as teses que defendem a perenidade do capital, o fim da história, ou adotam o “positivismo acrítico” como pressuposto de suas investigações teóricas.

Vale destacar sua concepção de Estado moderno (capítulo 2). O Estado moderno, para Mészáros, surge como um complemento às estruturas econômicas do sistema do capital. Como uma “estrutura totalizadora de comando político do capital” que tem como função primordial “assegurar e proteger numa base permanente as realizações produtivas do sistema”.(106)3 Ele é “absolutamente

indispensável para a sustentabilidade material de todo o sistema”.(119) Não podendo, portanto, corresponder à função designada a ele pela teoria política, como uma instância independente de regulação política da relação capital-trabalho. No desenvolvimento dessa concepção de Estado moderno, fundada em Marx, Mészáros traz importantes elementos para a discussão da noção de autonomia do Estado no confronto entre o capital e o trabalho, reivindicada por forças de esquerda.

O autor, já nessa primeira Parte, anuncia uma das teses fundamentais do livro - a incontrolabilidade do capital e a necessidade de sua superação total como condição à construção de uma “nova forma histórica”. Ao tratar da ativação dos limites absolutos do sistema do capital (capítulo 5), aponta para a vigência de uma crise estrutural (que será especialmente abordada na Parte III) insuperável nos quadros estruturais do sistema dominante e na acentuação da falta de controle sobre o metabolismo social regido pelo capital. A determinação mais interna do sistema - a necessidade de estar orientado para a expansão e guiado pela acumulação – pôde, diz Mészáros, tanto ser a base de um “dinamismo anteriormente inimaginável como [de] uma fatal deficiência”. O não atendimento dessa determinação interna do capital, nos desdobramentos do fim de sua fase de ascendência histórica, acarretou o aparecimento de uma crise estrutural (sistêmica) que nos acompanha desde os anos 70. Uma crise cujas implicações afetam “o sistema do capital global não simplesmente sob um de seus aspectos – o financeiro/monetário, por exemplo -, senão em todas suas dimensões fundamentais, questionando sua viabilidade como sistema reprodutivo social no todo.” (100)

Os limites e restrições coerentes e compatíveis com o sistema do capital e que, em momentos anteriores, favoreceram a superação de disfunções e crises passageiras, no contexto da crise estrutural já não são suportáveis, porque, agora, questionam a própria lógica reprodutiva do sistema. Nem mesmo as soluções perpetuadoras desse modo alienante de reprodução social, visando impor novas formas de

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controle sociometabólico sobre a reprodução do capital, produzidas pelos pensadores burgueses, desde sua origem na economia clássica ou sua versão neoliberal, afirma Mészáros, têm surtido efeito no sentido da superação da crise.

Na Parte II (capítulos 6 a 13), ao discutir o papel do sujeito social e de suas instituições/organizações sindicais e partidárias, Mészáros enfrenta uma longa discussão com o legado socialista sob a influência da Revolução Russa, e, com o pensamento de Lukács (capítulos 6 a 10), especialmente, aquele expresso em História e Consciência de Classe, de quem foi assistente e amigo próximo, no período em que freqüentou a Universidade, na Hungria dos anos 50. As críticas que dirige a Lukács, com certeza, irão provocar extremo interesse. Muito de seu próprio arsenal crítico-filosófico é devedor da obra lukacsiana, o que só lhe assegura maior intimidade com o objeto de sua crítica. Quanto à propriedade das questões levantadas, só a continuidade da pesquisa sobre o pensamento de Lukács e a convicção dos especialistas poderão elucidar.

Ainda na Parte II, Mészáros, vai desenvolver um exame minucioso sobre o “projeto inacabado de Marx” (capítulo 11) com a intenção de atender à necessidade de se “adaptar a teoria original aos horizontes históricos alterados” (522). Uma teoria marxista da transição “deve ser ao mesmo tempo flexível em suas partes, conferindo todo o peso às circunstâncias reais que se deslocam tortuosamente, e firmemente sem concessões em sua orientação estratégica para a nova forma histórica”.(523) Nesse sentido, tanto a transformação da produção essencialmente genuína que caracterizou o início do capitalismo para a agora “auto-reprodução destrutiva”, que passa a tudo dominar através dos processos destrutivos do capital, como a “emergência de novos tipos de contradições nas sociedades pós-capitalistas” exigem novas respostas, pois não se encontravam no horizonte histórico do marxismo em seu momento original. Essa é uma tarefa a ser completada atualmente e ocupa enormemente o universo das preocupações teóricas de Mészáros desenvolvidas no Para Além do Capital, o que o leva a discutir a produção teórica de Marx e a colocar seus fundamentos ontológicos à prova daqueles “horizontes históricos alterados”.

Mészáros refuta as acusações à teoria de Marx, quando este apontava, no século XIX, a possibilidade do colapso estrutural do capitalismo, o que, de fato, não se consumou até os dias de hoje. Ele traz à superfície do debate teórico a questão da temporalidade (capítulo 13) e o modo como ela expressa a dialética dos acontecimentos históricos. Diz nosso autor, que

Julgar tal sistema teórico – que se preocupa primariamente com os limites últimos do capital e com as condições/necessidades para alcançá-los – na temporalidade de curto prazo, das alegadas ‘previsões’ do que exatamente trará ou não o dia depois de amanhã é completamente fútil, se não for hostilidade estridente travestida de uma indagação ‘científica’ em busca de ‘verificação’ ou ‘falsificação’. (587)

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Nesse sentido, ‘Marx seria, de fato, refutado se fosse possível provar que os limites do capital são expansíveis indefinidamente, ou seja, que o poder do capital é, ele próprio, ilimitado”.(587) O que, segundo o autor, é “absolutamente impossível”, sendo tal afirmação fartamente fundamentada na Parte III do Para Além do Capital, quando trata dos danosos desdobramentos da crise estrutural do sistema do capital nos dias de hoje. O deslocamento das contradições do capital, que favoreceu as fases de expansão em sua longa história de crises periódicas e restrições ao crescimento da acumulação, garantindo-lhe uma sobrevida aparentemente perpetuadora, ocorre no interior dos limites últimos do sistema do capital e não em decorrência do “desaparecimento das próprias contradições”. Desse modo, ganha importância vital ressaltar-se que os processos são “inerentemente temporais”, e, ao mesmo tempo em que se “coloca as previsões da teoria marxista em sua devida perspectiva, também reafirma sua legitimidade e sua validade com maior ênfase em termos da escala de tempo apropriada.” (588)

Diz, ainda, Mészáros a respeito de Marx: “a validade de suas visões vai depender de sua perspectiva histórica global, se captura ou não as tendências fundamentais de desenvolvimento tal como elas se desdobram em não importa qual escala de tempo.”(592)

Na Parte III (capítulos 14 a 20) do Para Além do Capital, Mészáros vai dedicar-se a três eixos fundamentais em sua argumentação a favor da construção de uma teoria da transição para uma sociedade emancipada: a crise estrutural, a crítica às fracassadas experiências de controle sobre o capital, a atualidade histórica da ofensiva socialista, juntamente à construção de uma alternativa que nos leve para além do capital, e não apenas do capitalismo como ocorreu nas sociedades pós-revolucionárias.

Para nosso autor, o “verdadeiro alvo da transformação emancipatória é a completa erradicação do capital como modo de controle totalizante do próprio sociometabolismo reprodutivo, e não simplesmente o deslocamento dos capitalistas da condição historicamente específicas de ‘personificações do capital’.” (451) O sistema do capital está assentado no antagonismo estrutural entre capital e trabalho e, como diz Mészáros, “é o que objetivamente o define, em suas partes e no seu todo”.(724) Não há como alterá-lo substantivamente se nos mantivermos nos quadros estruturais desse modo de controle metabólico social que tudo abarca, na medida em que é um sistema orgânico que, para funcionar, necessita subordinar todos os elementos da sociedade. A estratégia de impor-lhe restrições graduais, e de tentar remover suas contradições “pouco a pouco”, não pode ir além de induzir o capital a assumir uma outra forma de dominação congruente com sua lógica reprodutiva. Nesse sentido, “O antagonismo estrutural do sistema só pode ser removido pela superação radical da própria relação-capital que, como ‘sistema orgânico’, domina completamente o sociometabolismo.” (724)

O cerne da questão, no estudo desenvolvido por Mészáros, encontra-se na necessária e inevitável quebra da relação de comando alienado sobre o trabalho, sendo este um requisito

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fundamental para qualquer projeto socialista alternativo de sociedade com mínimas possibilidades de sucesso.

A atual situação de crise significa restrição à pulsão a expansão, e expõe a ineficiência dos ajustes estratégicos antes utilizados para manter em equilíbrio um sistema naturalmente instável e dinâmico, devido à sua constituição estruturalmente antagônica. Nesse sentido, argumenta Mészáros,

o capital jamais se submeteu a controle adequado duradouro ou uma auto-restrição racional. Ele só era compatível com ajustes limitados e, mesmo esses, apenas enquanto pudesse prosseguir, sob uma ou outra forma, a dinâmica de auto-expansão e o processo de acumulação. Tais ajustes consistiam em contornar os obstáculos e resistências encontrados, quando ele fosse incapaz de demoli-los.(100)

Argumenta Mészáros que os maiores obstáculos a uma alternativa socialista não se encontram na resistência imposta pela classe de capitalistas privados, que certamente “não deixariam o cenário histórico sem luta”. Os “obstáculos mais intransponíveis não foram erigidos pelas personificações do capital, mas pelos imperativos do próprio sistema do capital que, conforme as mudanças das condições históricas, produzem e reproduzem os diferentes tipos de personificações necessárias ao capital.” São os imperativos do próprio sistema que determinam “a margem de ação transformadora”, deixando àqueles que evitam seu enfrentamento um campo de realização de objetivos emancipatórios limitados a uma “linha de menor resistência”, a qual, porém, possibilita a contínua reprodução das relações antagônicas do capital.(896)

Retomar a ofensiva socialista do trabalho contra o capital não pode ser compreendido como proposição mera e limitadamente política.Uma “ofensiva estratégica não se reduz à necessidade de ação política, apesar de esta ser uma parte necessária – mas longe de suficiente – da transformação socialista.” Apenas a ação política radical não define a natureza dos desafios estratégicos em questão. Pois, como destaca o autor, “mesmo a confrontação política mais aguda entre capital e trabalho ainda pode ser a luta de ‘classe contra classe’, isto é, a ação política do proletariado como uma ‘classe-em-si’ que defensivamente confronta o capital - outra ‘classe-em-si’ -, luta que permanece, assim, dentro dos parâmetros da ordem socioeconômica estruturalmente dominada pelo próprio capital”.(918)

Mészáros afirma que “Tudo isto é salientado não para negar a importância da política radical, mas para melhor identificar seus alvos estratégicos.”(nota 10 - 681) E não fazer como os socialistas reformistas que com freqüência, unilateralmente, saudavam os “eventos e desenvolvimentos”, que representavam “tanto o sucesso do capital quanto a vitória do trabalho (...), exagerando sua importância para o avanço do próprio movimento”. Não há nenhuma dúvida, complementa Mészáros, que “a classe trabalhadora tem uma parcela vital em todas estas realizações. Contudo, é mais que mera coincidência que estas conquistas se tornaram possíveis em períodos nos quais o capital está em posição não apenas

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de digeri-las, mas também de transformar as concessões em grandes ganhos para si próprio.”(nota19 - 553)

Tratar apenas dos interesses parciais e imediatos do trabalho sem relacioná-los com os objetivos globais da alternativa hegemônica socialista à regência do capital gera um conflito de critérios de viabilidade, cujo predomínio é sempre reservado ao antagonista do trabalho – o capital, ele sim, abrangente e totalizante. “Falar acerca das partes só faz sentido se puderem ser relacionadas ao todo ao qual pertencem objetivamente.” A “validade dos objetivos parciais estrategicamente escolhidos” só pode ser “adequadamente julgada” nos “termos de referência globais da alternativa hegemônica socialista”. Não se pode avaliá-los apenas por seus efeitos imediatos, ainda que favoráveis ao trabalho. “O critério de avaliação deve ser a capacidade deles se converterem (ou não) em realizações cumulativas e duradouras no empreendimento hegemônico de transformação radical.”(812-813)

O abandono de uma crítica radical ao modo de controle hierárquico e usurpado do trabalho pelo capital, com a aceitação da permanência da posição material do capital no processo sociometabólico, representa o “abandono do verdadeiro alvo da transformação socialista”, que é ir para além do capital, e não submeter-se a seus imperativos auto-reprodutivos de exploração do trabalho, ou conformar-se aos limites da política por ele estabelecido.(598)

Nos dias de hoje, para Mészáros, a única possibilidade de se alterar as tendências destrutivas do capital é a substituição desse modo sociometabólico por uma alternativa hegemônica socialista que possa orientar mesmo as demandas mais imediatas, uma vez que estão esgotadas as estratégias anteriores de postergação das contradições do sistema do capital. A questão do controle, por isso, é colocada em primeiro plano no confronto com o capital. O desafio histórico para o movimento do trabalho é acabar com o “comando alienante e desumanizador do capital sobre o trabalho”.(763)

Estabelecer um controle de uma ação humana consciente sobre o metabolismo e reprodução sociais é, para Mészáros, comprovadamente impossível enquanto existirem as bases materiais de sustentação da auto-reprodução ampliada do capital. São várias as fracassadas tentativas de controlar a incontrolabilidade do capital por meio de uma maior atividade do Estado, como um elemento de regulação externa, tanto na esquerda (sociedades pós-capitalistas, social-democracia) quanto na direita comprometida com a preservação da ordem estabelecida (New Deal de Roosevelt, “redução dos limites do Estado” da Direita Radical, etc).(344) Esses fracassos, ou demonstrações de “êxito muito limitado”, nada mais seriam que manifestações, mutatis mutandis, do processo inicial de esgotamento da fase expansiva do capital e da crise estrutural que eclodiu na década de 70, caracterizadas por uma tendência crescente no uso de determinações políticas no processo de reprodução sociometabólica.

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Para Mészáros, “esperar que o capital limite a si próprio não é nada menos que esperar um milagre acontecer, pois o capital só poderia adotar a auto-restrição como uma característica significativa de seu modo de operação se deixasse de ser capital.” Nesse sentido, ele coloca como “necessário planejar a instituição de mudanças sistêmicas qualitativas em uma época na qual os perigos resultantes da incontrolabilidade do capital se intensificam, devido à irrestringibilidade estrutural do sistema.”(935) Tais mudanças sistêmicas qualitativas coincidem com a “necessidade de uma transição a uma ordem social controlável e conscientemente controlada pelos indivíduos, como defendido pelo projeto socialista”, o qual “continua na agenda histórica, apesar de todos os fracassos e decepções.”(344)

A transição a uma nova forma histórica implica a superação do capital e não a escolha de estratégias que auxiliem a revitalização da incontrolável força de controle do capital. Para Mészáros, trata-se da construção de uma ordem na qual o controle sobre todas as atividades da vida passa a ser determinado pela decisão consciente dos verdadeiros sujeitos produtores da riqueza social: o trabalho.

Diante da grandeza das questões abordadas por Mészáros, no entanto, notamos no final da leitura do livro uma certa insuficiência na orientação de uma ação concreta adequada à nossa época histórica, que possa integrar as questões parciais e imediatas aos alvos estratégicos indispensáveis à luta pela emancipação do trabalho, ou, até mesmo, na identificação de quais as mediações aptas a impulsionar adequadamente essa tarefa ofensiva, em um cenário de crise teórica do movimento dos trabalhadores e de crise estrutural do sistema do capital.

Não teria Mészáros se dedicado exaustivamente aos “delineamentos fundamentais e determinações básicas” do sistema do capital em sua fase de crise estrutural e produção destrutiva, atualizando a teoria marxiana para o enfrentamento dos desafios emancipatórios dos dias de hoje, e mesmo não considerando “as transformações e mediações parciais como de importância secundária”, como diz ter feito Marx ao visar as “contradições centrais do capital” presentes em “toda a fase histórica da formação social do capital”, não as teria deixado demasiadamente difusas e incapazes de orientar um “programa historicamente específico de ação”, constituído de mediações materiais tangíveis “realmente possíveis entre os constrangimentos do presente e as potencialidades do futuro”? (594, 877)

Permanece atual o desafio ao movimento dos trabalhadores de criar condições favoráveis ao aproveitamento das condições objetivas potenciais da transição indicadas pelo autor. É o maior desafio revolucionário de uma época refratária a transformações que se proponham a erradicar o capital, idéia central em Para Além do Capital, e não se restrinjam apenas a se nomearem anticapitalistas.

Por fim, pensamos que Para Além do Capital deverá desempenhar uma função de fundamental importância na discussão dos impasses atuais vividos pelo movimento dos trabalhadores – o fracasso

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das experiências (ditas) emancipatórias e o agravamento da crise estrutural do sistema do capital com repercussão direta no aumento do desemprego crônico –, ao apresentar uma crítica contundente e radical do passado e colocar como inevitável a luta pelo controle do metabolismo social pelo trabalho, como uma necessidade histórica irrecusável, se queremos reverter a trajetória destrutiva do capital sobre a vida dos homens e a natureza.

Uma última palavra sobre a edição brasileira. Chamamos a atenção, no caso de uma segunda edição do livro, para alguns problemas inevitáveis de tradução e revisão, dada a enormidade do empreendimento, e de alguma forma também presentes na edição em espanhol, tais como ausência de palavras (ver “psychological” na pg. 327 do original em inglês, e pg. 402 em português) e necessidade de padronização do termo surplus-labour como trabalho excedente, e não mais-valia (ver pg.631 no original em inglês, e pg.737 em português).

Trata-se de um grandioso livro, tanto pela originalidade na atualização e interpretação do pensamento de Marx, como pelas soluções teóricas que apresenta e polêmicas que provoca. Não deverá passar despercebido, apesar das dificuldades imanentes à leitura de uma grande obra.

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