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Sodoma & Gomorra: Homoculturas por Wilton Garcia 1

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Academic year: 2021

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“Sodoma & Gomorra: Homoculturas”

por Wilton Garcia

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“ Somos todos frutos de Sodoma e Gomorra: filhos das entranhas e do calor da terra. Nascemos do pecado original e vivemos a fantasia da espera de um acontecimento inusitado em nossas vidas – o sexo. A marcha do tempo enuncia um afloramento antropológico da sexualidade na juventude. Somos feitos de carne e nos preparamos para esse combate corporal. Aguardamos ansiosamente o desejo!Ao estudar sobre homoerotismo & imagem interessa-me promover algumas (re)formulações sobre a diversidade sexual na atualidade, (inter)mediadas pelo uso de produtos culturais, em especial no Brasil. Quando imbrico homoerotismo & imagem deparo-me com uma malha que envolve diferentes elementos socioculturais: política, estética, desejo, ideologia, sentir e poder, entre outros. Esse imbricamento propõe o campo da sexualidade humana como uma expressão representacional. Aqui, tento pontuar a idéia de uma (des)construção do sistema discursivo dominante, realizado em um movimento absorvido pela atualização teórica acerca do tema homoerotismo. Acredito que ocorra uma escritura homoerótica, refletindo para além de uma situação cristalizada, a qual pode ser conferida na proposição de enunciados contemporâneos. Segundo José Carlos Barcellos:

1 Pesquisador e artista visual trabalhando com cinema, fotografia, vídeo e imagem digital desenvolvendo estudos sobre o corpo contemporâneo. Doutor em Comunicação e Estética do Audiovisual pela ECA/USP. Autor de Introdução ao cinema intertextual de Peter Greenaway (Annablume, 2000), A forma estranha – ensaios sobre homoerotismo e cultura (Pulsar, 2000). Também organizou com Bernadette Lyra os livros

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“(...) é preciso ter em mente que a diversidade de desejos, identidades e práticas homoeróticas é muito grande. Por isso mesmo, não se pode ter a pretensão de situá-los num espaço ou num tempo homogêneos. Pelo contrário, para captar esse amplo espectro em suas diferentes configurações, é preciso respeitar a especificidade dos tempos, espaços e articulações das experiências histórico-culturais do homoerotismo” (Barcellos: 2002, 130).

Efetivamente, identidade, desejo e sexualidade são temas complexos e devem ser destacados pela sua dinâmica cultural, sobretudo, quando verificados nos processos de identificação com o objeto, conforme apontam os Estudos Culturais (Bhabha,1998; Escosteguy, 2001; Hall, 2001; e Moreiras, 2000). Neste sentido, busco transitar nessas temáticas investindo na discussão acerca da construção enunciativa do conceito de

homocultura.

Homocultura

No Brasil, o campo do conhecimento que tem demonstrado interesse nos estudos de homoerotismo e cultura elege a noção conceitual de homocultura como uma denominação recorrente de um estado híbrido: antropofágica, ambígua, erótica e sincrética. Esse hibridismo evidencia-se na gama de resultantes parciais sobre as propriedades enunciativas da homocultura, como elaboração de uma proposta inter/transdisciplinar na ação epistemológica dos Estudos Gays e Lésbic@s emergentes na universidade brasileira. A construção de homoerotismo já está reconhecida na leitura de uma dinâmica consensual da pesquisa de Jurandir Freire Costa (1992 e 1995), ao descrever as relações afetivas, eróticas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo como uma categoria crítica no campo da representação. A compreensão de homoerotismo, portanto, parte da perspectiva de cultura estendida nas proposições teóricas, desenvolvidas pelo autor.

Devo ressaltar que, procuro dinamizar o conceito de homocultura, atuando em um terreno árido da linguagem, tendo em vista a problemática do discurso canônico que legitima a normatização do pensamento. Neste sentido, torna-se necessário explorar a flexibilidade de

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uma terminologia multiforme, a qual demonstra as transformações enunciativas de um texto emaranhado e complexo, que em suas reiterações proporciona o deslocamento da representação do objeto contemporâneo. Na apresentação do livro A escrita de adé, lê-se:

“A noção de homocultura emerge de uma dinâmica discursiva ao imbricar homoerotismo e cultura como uma rede de conversações que comporta a maleabilidade dos argumentos acerca das minorias sexuais. Neste veio, consideramos o território dos estudos homoeróticos, homossexuais, gays, lésbicos, bissexuais, transgêneros, queers e suas subjacências. A noção de homocultura apareceu, historicamente, no I

Worldwide Conference about Homoculture promovido pela International Lesbian Gay Association (ILGA), na cidade de Estocolmo, em 1998.

Uma série de pesquisadores de centros de estudos gay-lésbicos, universidades e comunidades militantes participaram ativamente na cooperação de noções conceituais e premissas teóricas que compõem o princípio da diferença manifestada nas minorias sexuais. O objetivo desse encontro era inscrever a diversidade da cultura homoerótica das comunidades gays e lésbicas no mundo, permitindo observar a flexibilidade enunciativa do termo homocultura.” (Santos; Garcia: 2002,. 7).

Portanto, os estudos da homocultura emergem da exaustão de diversos saberes (antropologia, comunicação, filosofia, história, literatura, psicologia, sociologia entre outras), que no seu desfecho inter/transdisciplinar deve estabelecer a pontuação conceitual-teórica acerca da produção cultural homoerótica, homossexual, gay, lésbica, bissexual e/ou transexual. O universo da homocultura mobiliza o direito e o respeito à diferença, quando investe sobre um conhecimento que observa e absorve acordamento, aceitação e inclusão das ditas minorias sexuais. O tratamento sistêmico destes estudos implica nas considerações enunciativas do objeto homoerótico distendidas no ambiente cultural; uma vez que as especificidades inerentes ao corpo, à erótica, ao desejo, ao sexo e à sexualidade constituem peculiaridades da cena. Neste sentido, a compreensão de corpo subverte-se em

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considerações de alteridades estratificadas pela poética e atualizadas nas redes culturais. Assim, também retomo a incomensurabilidade da representação quando enuncia-se os avatares – transformações – que distendem a efetiva complexidade do contemporâneo.

A manifestação de sexualidades hoje em dia são muitas, sobretudo no campo do homoerotismo, que ainda aparece como tabu para muitos. Ao lidar com diferentes discursos sobre sexo percebe-se os contextos sociais da diferença. O conceito de sexualidade é uma construção sociocultural recente, como mostrou Foucault (1990). Revista por Jurandir Freire Costa (1992), a sexualidade contemporânea pode ser criticada pela invenção da divisão científica, jurídica e normativa entre heterossexuais e homossexuais, independente de suas implicações contextuais. O termo pode ser aplicado a uma série de diferentes realidades, como descrições médico-biológicas do aparelho reprodutivo; descrições de sentimentos como amor, paixão, afeto, descrições de sensações corpóreas como orgasmo, excitação física, ejaculação., descrições de regras e instituições como família, casamento, maridos, esposas, filhos, namoro, paquera; descrições de julgamentos e atitudes morais diante do que é permitido, proibido, desejado, condenado, rebaixado, ridicularizado.

Já as condições de sexo e gênero são tratadas por Thomas Laqueur (2001) como noções de "diferenças biológicas de sexo" e "diferenças culturais de gênero". Interessa-me marcar essas diferenças sob a ordem de um sistema complexo, compreendido em uma discursividade contemporânea. Esse sistema complexo, portanto, compõe as diferenças biológicas e culturais envolvidas por crenças científicas, políticas, filosóficas e religiosas sobre a natureza sociocultural apresentada num corpo. Sexo e gênero entrecortam-se por diferentes viesses que parecem aproximar e distanciar os elementos circunstanciais de suas expressões. Assim, articulo uma argumentação sobre o corpo, a anatomia e a linguagem da carne, aos paradigmas científicos sobre sexualidade e gênero, bem como estabelece ideais igualitários, discutindo a ética na construção de identidades sociais. Antes porém me identifico com a abertura da noção conceitual de pansexualidade, a qual pode ser vista/lida como intensa manifestação sociocultural de uma sexualidade multiforme (Couto, 1999 e Berutti, 2001, 121-126), enveredada de uma polifonia intertextual (Garcia, 2000, 45).

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As denominações que absorvem e caracterizam as relações afetivas, eróticas e sexuais entre pessoas do mesmo sexo são muitas. Sodomita, uranista, pederasta, homossexual, homossexualidade, homoerótico, gay, bicha, entendido e veado são termos que se (re)articulam em diferentes significações, a partir de experiências socioculturais. Segundo Maturana, as explicações científicas são proposições apresentadas como reformulações de experiências e a crença nessas explicações ocorre a partir de critérios de aceitabilidade (2000). Assim, o critério da validação de uma explicação científica incorpora as implicações operacionais abordadas pelo discurso científico, conduzindo a uma recorrência de instrumentos, que aqui denomino de passagens metodológicas: do termo ao conceito, da dúvida à crença, da reflexão à explicação e da teoria à prática. Essas passagens enumeradas demonstram os deslocamentos dos objetos que, em seu contexto de descrição, devem evidenciar uma proposição científica contemporânea.

Para enfrentar essa dura realidade, torna-se necessário (sub)verter a ordem do sistema hegemônico, diante da ação ousada de Sodoma & Gomorra. Em situações de crise, o impacto de determinada provocação acaba demarcando território – um leitmotiv. Assim, considero peculiar a enunciação uma frase minha que sempre afirmo em momentos difíceis: Eu não sou da lama, eu sou a lama!

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Referências Bibliográficas

BARCELLOS, José Carlos. Literatura e homoerotismo masculino: entre a cultura do corpo e o corpo da cultura. Corpo & imagem. Bernadette Lyra e Wilton Garcia (orgs.). São Paulo: Arte & Ciência, 2002.

BERUTTI, Eliane Borges. O corpo: esse objeto queer de desejo. Corpo e cultura. Bernadette Lyra e Wilton Garcia (orgs.). São Paulo: Xamã-ECA/USP, 2001.

BHABHA, Homi K. O local da cultura. Trad. Myriam Ávila, Eliana L. L. Reis e Gláucia R. Gonçalves. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1998.

CANCLIN, Néstor Garcia. Culturas híbridas. Trad. Ana Regina Lessa e Heloisa Pezza Cintrão. São Paulo: Edusp, 1998.

COSTA, Jurandir Freire. A inocência e o vício. estudos sobre o homoerotismo. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1992.

________. A face e o verso: estudos sobre o homoerotismo II. São Paulo: Escuta, 1995.

COUTO, Edvaldo Souza. Transexualidade - o corpo em mutação. Salvador: Grupo Gay a Bahia, 1999. ESCOSTEGUY, Ana Carolina. Os estudos culturais. Teorias da comunicação: conceitos, escolas e

tendências. Antonio Hohlfeldt, Luiz C. Martino e Vera V. França (orgs.). Petrópolis-RJ: Vozes, 2001.

GARCIA, Wilton. Imagem e homoerotismo – a sexualidade no discurso da arte contemporânea. [tese de doutorado] ECA/USP, 2002.

__________. A forma estranha: ensaios sobre cultura e homoerotismo. São Paulo: Pulsar, 2000. HALL, Stuart. A identidade cultural na pós-modernidade. Trad. Tomaz T. da Silva e

Guacira L. Louro. 5ª ed. Rio de Janeiro: DP&A, 2001.

HUTCHEON, Linda. Teoria e política da ironia. Trad. Julio Jeha. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2000. LAQUEUR, Thomas. Inventando o sexo - corpo e gênero dos gregos a Freud. Trad. Vera Whately.

Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 2001.

MATURANA, Humberto. A ontologia da realidade. Trad. Cristina Magro, Miriam Graciano e Nelson Vaz. Belo Horizonte: Editora UFMG, 1997.

MOREIRAS, Alberto. A exaustão da diferença - a política dos estudos culturais latino-americanos. Trad. Eliana L. L. Reis e Gláucia R. Gonçalves. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2001. SANTOS, Rick e GARCIA, Wilton (orgs.). A escrita de adé – perspectivas teóricas dos

estudos gays e lésbic@s no Brasil. São Paulo: Xamã/NCC-SUNY, 2002.

TREVISAN, João Silvério. Devassos no paraíso - A homossexualidade no Brasil, da colônia à atualidade. 3ª ed. Rio de Janeiro: Record, 2000.

Referências

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