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FERNANDO DE OLIVEIRA SIKORSKI OS ATOS INSTITUCIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE RECRUDESCIMENTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA ENTRE 1964 E 1968

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FERNANDO DE OLIVEIRA SIKORSKI

OS ATOS INSTITUCIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE

RECRUDESCIMENTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA ENTRE 1964 E 1968

CURITIBA 2010

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FERNANDO DE OLIVEIRA SIKORSKI

OS ATOS INSTITUCIONAIS COMO INSTRUMENTOS DE

RECRUDESCIMENTO DA DITADURA MILITAR BRASILEIRA ENTRE 1964 E 1968

Monografia apresentada à disciplina de Estágio Supervisionado em Pesquisa Histórica- HH0067, pela Universidade Federal do Paraná (UFPR). Setor de Ciências Humanas, Letras e Artes. Departamento de Historia.

Orientador: Prof. Dr. Dennison de Oliveira

CURITIBA 2010

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À minha mãe, Maria da Graça de Oliveira Sikorski, pelo amor sempre demonstrado,

e ao meu pai, João Francisco Sikorski, in memorian, pela enorme dedicação devotada a mim e à esta Universidade.

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SUMÁRIO

RESUMO 05

INTRODUÇÃO 06

Capítulo I O Golpe de 1964 e o Ato Institucional original (“AI-1”) 09

Capítulo II O governo Castelo Branco e o Ato Institucional nº 2 22

Capítulo III O governo Costa e Silva e o Ato Institucional nº 5 33

CONSIDERAÇÕES FINAIS 43

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS 45

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RESUMO

A pesquisa aqui apresentada pretende analisar o recrudescimento do regime militar brasileiro, desde o golpe civil-militar que tomou o poder em 31 de março/1º de abril de 1964, com a derrubada do governo constitucionalmente investido no poder, representado pelo Presidente da República João Goulart, até a edição do Ato Institucional nº 5, em 13 de dezembro de 1968, estudando especialmente os Atos Institucionais de números 01 a 05 (seus preâmbulos e seus artigos), representativos que foram de momentos de limitação de garantias políticas e individuais, quando os mandatários do regime militar procuraram fortalecer a sua posição no poder, diminuindo a possibilidade da participação política de setores contrários ao governo, além de ampliar os instrumentos coercitivos para perseguição e punição aos adversários do regime. Outro ponto a ser estudado para a compreensão do objeto pesquisado é o reflexo das medidas tomadas pelo regime na sociedade civil e a sua reação por parte desta, pois a partir desta dialética será possível observar e analisar muitos fenômenos históricos relativos ao período estudado.

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INTRODUÇÃO

Quase meio século após o movimento golpista civil-militar que apeou do poder o Presidente da República legal e constitucionalmente nele investido, os debates acerca daquele momento histórico vêm sendo tratados com interesse e atenção, em teses acadêmicas, discussões políticas, e mesmo em programas de televisão e matérias da imprensa escrita.

O interesse pelo tema, que em verdade nunca deixou de suscitar defesas apaixonadas, tanto por parte daqueles diretamente envolvidos nos acontecimentos, como por observadores atentos às disputas envolvendo a conquista do poder político, pode ser também compreendido num momento em que as eleições para a presidência da República são disputadas por dois personagens históricos que, de modos diferentes, foram contestadores da ditadura militar, tendo, ambos, sofrido graves conseqüências pelas suas posições escolhidas.

Esse fenômeno já havia sido observado quando da efeméride dos quarenta anos do Golpe de 1964, onde Carlos Fico apontava algumas razões para o aumento de interesse do tema, como a superação de velhos mitos e estereótipos ligados à memória histórica do golpe graças a uma profissionalização das pesquisas históricas referentes ao assunto, bem como a um desprendimento político possível graças ao distanciamento histórico da época dos acontecimentos para os dias de hoje.1

Portanto, o estudo de temas relativos ao golpe militar de 1964 reveste-se de grande importância acadêmica, pois possibilita um prolífico estudo histórico (e historiográfico), com uma pesquisa acerca de um tema complexo em que há inúmeras questões controversas, algumas as quais serão abordadas diretamente no presente trabalho, enquanto outras serão contempladas no sentido de conferir inteligibilidade às idéias propostas.

Nesse sentido, serão analisados os textos de fontes primárias (Os Atos Institucionais de nº.s 01, 02 e 05, especialmente, seus preâmbulos e seus artigos), fazendo a crítica destas fontes, relacionando-as aos momentos de sua

1 FICO, Carlos. Versões e controvérsias sobre 1964 e a ditadura militar. In: Revista Brasileira de

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produção e a conjuntura histórica em que foram produzidas e em que haveriam de se fazer sentir seus efeitos, bem como às posições já defendidas pela historiografia referente ao tema, no que se refere aos significados político-institucionais desta produção normativa.

A definição do recorte temporal escolhido baseia-se na percepção de muitos autores que tratam do período, de que esta primeira fase da ditadura militar representou um processo gradual do seu “endurecimento”, afastando o que seria o objetivo inicial do movimento que derrubara o governo João Goulart, em constituir somente um governo de transição, devolvendo o país à ordem democrática, inclusive com realização de eleições, uma vez apeados do poder os elementos subversivos, vistos como ameaças à segurança nacional.

Neste sentido, aponta Nilson Borges que

há um certo consenso entre os analistas políticos de que o período pós-1964 pode ser dividido em três fases. A primeira se inicia com o golpe militar e vai até a publicação do Ato Institucional nº 5. Durante esse interregno eram discutidas, ainda, as tendências do regime militar, isto é, se as Forças Armadas assumiriam a postura de devolver e limitar, ou avançariam em direção ao papel dirigente, dando origem ao processo revolucionário. De início, o General Castelo Branco estava convencido de que a “revolução” deveria ser uma intervenção transitória, mas foi atropelado pela corrente dos chamados “duros”, que exigia um processo revolucionário permanente. Com a posse de Costa e Silva e a publicação do AI-5, não havia mais dúvidas de que a revolução seria permanente. A segunda fase compreende o período que vai do AI-5, até a liberalização política, iniciada no governo Geisel, com a revogação deste Ato. A terceira tem início com o projeto de liberalização política, inaugurado por Geisel, e levado adiante por Figueiredo.

De todo modo, é importante ressaltar que esse “gradualismo” do endurecimento do regime entre 1964 e 1968 não pode ser considerado como um movimento linear, pois mesmo durante esse período inicial do regime militar, é possível observar oscilações na severidade da repressão (legal e factual), com momentos em que se parecia estar havendo um retorno (ainda que incipiente) à normalidade democrática e institucional (exemplo disso é o respeito aos prazos estabelecidos em alguns dos artigos constantes dos dois primeiros Atos Institucionais).

Outra questão importante a ser tratada na pesquisa diz respeito às intenções dos golpistas, sobretudo dos militares que se arvoraram em classe dirigente.

Aqui, uma análise atenta do conteúdo dos Atos Institucionais objetos deste trabalho, bem como a sua aproximação com a historiografia existente

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sobre o tema, pode indicar algumas possibilidades acerca das hipóteses já formuladas em relação ao assunto, procurando evidências de que os atos legislativos e administrativos tomados pelos governos militares do período já apontavam para a sua intenção de continuidade no poder desde os primeiros momentos da sua instalação, podendo aí se falar de um projeto pela opção de um governo militar mais duradouro2, ou se os militares foram paulatinamente

observando, segundo sua própria análise subjetiva, a necessidade de tomar as medidas que garantissem a segurança nacional (com a sua continuidade no poder), não permitindo a utilização do espaço político pelos elementos e setores que haviam sido derrubados pelo golpe de 1964, tampouco pelos novos atores políticos que questionavam a ordem estabelecida (estudantes, grupos de luta armada).3

Outro ponto a ser estudado para a compreensão do objeto pesquisado é o reflexo das medidas tomadas pelo regime na sociedade civil e a sua reação por parte desta, pois a partir desta dialética será possível observar e interpretar muitos fenômenos históricos relativos ao período estudado.

2 SKIDMORE, Thomas. Brasil: de Castelo a Tancredo. Rio de Janeiro: Editora Paz e Terra, 1988, p.11:

“A raison d´être do meu novo livro remonta também a 1964, só que o que procuro descrever e explicar é o processo político criado pela determinação dos militares de não devolver imediatamente o poder aos civis, como o fizeram após todas as outras intervenções que realizaram a partir de 1945.”

3 CRUZ, Sebastião Velasco; MARTINS, Carlos Estevam. De Castelo a Figueiredo: uma incursão na

pré-história da “abertura”. In: SORJ, Bernardo; ALMEIDA, Maria Hermínia Tavares de (orgs.).

Sociedade e política no Brasil pós-64. São Paulo: Brasiliense, 1983, pp.14/15: “Os momentos de intensificação do autoritarismo como, por exemplo, a edição do AI-2, em 65, ou a do AI-5, em 68, não decorrem em linha direta do golpe de 64. Apesar de sua inegável importância, o movimento de março não pode ser erigido em principal fator explicativo das eclosões autoritárias posteriores, como se, no interior daquele, estas já estivessem dadas, tal qual bombas de ação retardada.”

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CAPÍTULO I

O GOLPE DE 1964 E O ATO INSTITUCIONAL ORIGINAL (“AI-1”)

O Golpe de 1964

"Ressurge a Democracia! Vive a Nação dias gloriosos. Porque souberam unir-se todos os patriotas, independentemente das vinculações políticas simpáticas ou opinião sobre problemas isolados, para salvar o que é de essencial: a democracia, a lei e a ordem. Graças à decisão e ao heroísmo das Forças Armadas que, obedientes a seus chefes, demonstraram a falta de visão dos que tentavam destruir a hierarquia e a disciplina, o Brasil livrou-se do governo irresponsável, que insistia em arrastá-lo para rumos contrários à sua vocação e tradições.Como dizíamos, no editorial de anteontem, a legalidade não poderia ter a garantia da subversão, a ancora dos agitadores, o anteparo da desordem. Em nome da legalidade não seria legítimo admitir o assassínio das instituições, como se vinha fazendo, diante da Nação horrorizada.”4

O texto acima reproduzido, que foi o Editorial do Jornal “O Globo”, do Rio de Janeiro, em quatro de abril de 1964, retrata bem o clima existente no Brasil durante os dias em que se deu o Golpe de 1964: uma sociedade dividida, em que muitos setores exigiam a derrubada do Presidente João Goulart, e, efetivamente, se empenharam para a consecução de tal objetivo, além de terem se regozijado com a sua realização.

Assim, o Golpe de 1964, que derrubou o governo constitucionalmente instalado no poder por meio das eleições de 1960, representa o resultado de um processo histórico complexo, havendo considerável número de trabalhos e análises sobre as razões que levaram amplos setores (civis e militares) da sociedade brasileira a desejarem e a diretamente se engajarem na derrubada do Presidente João Goulart.

Deste modo, é possível enumerar na historiografia acerca do tema, várias hipóteses que, por vezes contraditórias, por outras passíveis de serem complementares, podem auxiliar a compreensão das motivações golpistas, as suas perspectivas de poder (e de projeto de poder, inclusive quanto à sua longevidade), cujos reflexos se farão observar nos Atos Institucionais, cujas análises constituem o objeto principal do presente trabalho.

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Daniel Aarão Reis parte de análises estruturais externas (o contexto da guerra fria pós Segunda Guerra Mundial, especialmente na conjuntura americana após a eclosão da Revolução Cubana)5 e internas (a crise do

projeto político nacional-estatista em oposição à proposta de um desenvolvimento dependente e associado aos capitais internacionais)6, para

em seguida observar as posições antagônicas que já haviam se defrontado quando do impasse da posse do Vice-Presidente João Goulart, em razão da renúncia do Presidente Jânio Quadros (em agosto de 1961), e iriam recrudescer a partir do Programa das Reformas de Base propostos por Jango (reformas agrária, urbana, bancária, universitária, tributária, eleitoral e do estatuto do capital estrangeiro), com maior ênfase e crescente radicalização, a partir de 1963.

Em fins do primeiro semestre de 1963, o programa reformista, que redesenhava a perspectiva nacional-estatista em um novo patamar de incorporação popular, aprofundando uma proposta de inserção autônoma nas relações internacionais, estava atolado em um impasse histórico. A sociedade dividira-se. De um lado, amplos contingentes de trabalhadores urbanos e rurais, setores estudantis de algumas grandes universidades públicas, além de muitos graduados das forças armadas. O movimento pelas reformas lhes conferira uma importância política considerável, e percebiam, com razão, que a concretização delas haveria de consolidar uma repartição de poder e de riqueza que certamente lhes traria grandes benefícios, materiais e simbólicos. Por isso mesmo, acionavam os mecanismos do pacto nacional - estatista, tensionando-os ao máximo, exigindo as reformas. Contudo, na medida em que estas não se concretizavam, desiludiam-se com a lei e passavam, crescentemente, a defender o recurso à força, sintetizado na agressiva palavra de ordem: reforma agrária na lei ou na marra. De outro lado, um processo de condensação de várias correntes de oposição às reformas: das elites tradicionais a grupos empresariais favoráveis a projetos modernizantes... e algumas profissões e atividades beneficiadas pelo dinamismo da economia brasileira... Nesse conjunto extremamente heterogêneo, muitos haviam acumulado riquezas, privilégios e favores no interior do nacional-estatismo. 5 REIS, Daniel Aarão. Ditadura militar, esquerdas e sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2000, pp.27/28.

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Não desejavam destruí-lo, mas não suportavam a irrupção das lideranças populares que se faziam cada vez mais atuantes. Todos sentiam obscuramente que um processo radical de redistribuição de riqueza e poder na sociedade brasileira, em cuja direção apontava o movimento reformista, iria atingir suas posições, rebaixando-as. E nutriam um grande medo de que viria um tempo de desordem e de caos, marcado pela subversão dos princípios e dos valores, inclusive dos religiosos. A idéia de que a civilização ocidental e cristã estava ameaçada no Brasil pelo espectro do comunismo ateu invadiu o processo político, assombrando as consciências.7

E, conclui Reis que

os movimentos e lideranças partidários das reformas, que haviam originalmente construído sua força na luta pela posse de Jango e, em seguida, pelo restabelecimento dos plenos poderes presidenciais – em outras palavras, na defesa da ordem constituída e da legalidade – tinham evoluído, progressivamente, para uma linha ofensiva em que inclusive se contemplava o recurso à violência “revolucionária”... Enquanto isso, do outro lado, notórios conspiradores de todos os golpes... encontravam-se defendendo a Constituição e a legalidade da ordem vigente.8

A questão da radicalização também foi observada pelo jornalista Elio Gaspari em sua obra sobre o regime militar, em que defende a tese golpista de João Goulart, cuja primeira tentativa havia acontecido quando da solicitação ao Congresso Nacional da decretação do Estado de Sítio no país, e que fora rechaçada, inclusive por setores da esquerda9, seguida do abandono do tom

conciliatório e das articulações políticas para um alinhamento com os setores reformistas radicais de esquerda, cuja agenda incluía, se necessário, a desobediência às normas constitucionais vigentes10.

A tese de golpe preventiva também é analisada em um dos estudos pioneiros sobre o golpe, de autoria de Hélio Silva, em que se esmiúçam vários acontecimentos preparatórios para a derrubada de João Goulart e que pode ser classificado como um trabalho de História Política tradicional (factual), em que pese haver as condicionantes de lutas de classes (estruturais), também abordadas pelo autor.11

7 REIS, op. cit., pp.26/28 8 Idem p.29.

9 GASPARI, Elio. A ditadura envergonhada. São Paulo: Companhia das Letras, 2002, p. 47.

10 GASPARI, op. cit., p. 48.

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A sociedade estava dividida: enquanto os defensores das reformas pretendiam organizar uma série de comícios para sua divulgação e aceleração, como, por exemplo, o Comício da Central do Brasil, realizado a 13 de março de 1964, os setores da sociedade civil contrários a Jango responderam imediatamente com outra ruidosa manifestação, a Marcha da Família com Deus pela Liberdade, acontecida em São Paulo, seis dias depois.

Além disso, tanto Reis como Gaspari ressaltam a importância que sucessivas crises na área militar como o episódio de insubordinação na Marinha e o discurso no Automóvel Clube no Rio contribuíram decisivamente para aglutinar as forças contrárias a Jango, especificamente os militares receosos da corrosão da hierarquia e, consequentemente, da unidade das Forças Armadas.12

Com efeito, formara-se para derrubar o governo Jango, uma ampla e diferenciada frente, cujos propósitos (ao menos, os declarados) eram salvar o país da subversão e do comunismo, da corrupção e do populismo. E restabelecer a democracia.13

Ligada por tais objetivos e motivações, e escaldados pelo fracasso golpista de 1961, essa frente era formada por uma base social abrangente e heterogênea, tanto em seu meio civil, contando com apoio de facções significativas das classes dominantes, juntamente com parcelas da pequena-burguesia, da classe média, profissionais liberais e a maioria da imprensa, e também em seu seio militar, onde agregava legalistas históricos, como o marechal Humberto de Alencar Castelo Branco, com conspiradores históricos como os generais Albuquerque Lima e Cizeno Sarmento.14

Em artigo sobre a historiografia relativa ao Golpe de 1964, Carlos Fico propõe três correntes explicativas principais: as tentativas de teorização da Ciência Política, as análises marxistas e a valorização do papel dos militares.15

Como será possível observar pelo breve resumo que será apresentado em seguida, as três correntes explicativas, em que pese a existência de diferenças importantes entre si, contribuem, cada qual à sua maneira, para a compreensão do triunfo do movimento golpista.

12 GASPARI, op. cit., p. 91 e REIS, op. cit., pp. 31/32. 13 REIS, op. cit., p 33.

14 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.16. 15 FICO, op.cit., p.08.

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A primeira delas pode ser caracterizada pelo esforço da Ciência Política em apontar uma “mudança de padrão” no comportamento do setor militar em relação às suas intervenções na vida institucional do país16, especificamente na

conjuntura da crise de 1964: se até ela, os militares eram chamados para depor algum governo e depois devolver o poder aos civis, a partir dela, a classe castrense (não interessa, neste momento, as divisões nela existentes), irá julgar-se apta não só a derrubar o regime legalmente instituído, como irá se investir da prerrogativa de efetivamente governar, acreditando-se apta ao desempenho de tal função, especialmente pelos fundamentos teóricos e doutrinários desenvolvidos na, e pela, Escola Superior de Guerra (ESG).17

Essa mudança de padrão terá reflexos importantes na discussão acerca do papel reservado às Forças Armadas após a vitória do golpe e será retomada quando da análise dos textos dos Atos Institucionais.

Nessa mesma vertente se enquadram os trabalhos de Wanderley Guilherme dos Santos18, que sugere a necessidade de se introduzirem

variáveis políticas específicas para a compreensão da conjuntura da crise, apontando, em sua tese, a radicalização política do Congresso Nacional brasileiro e a sua quase paralisia na tomada de decisões e votação de projetos de governo.

Desta forma, a degradação de tão importante instituição política também deve necessariamente ser considerada na conjuntura que levou ao desmoronamento do regime constitucional vigente no país, ao denotar uma situação de “falência” do sistema político brasileiro, que deveria ser combatida através de uma intervenção direta.

Na visão de Carlos Fico:

A melhor contribuição do trabalho é chamar a atenção para a importância das questões parlamentares, do Congresso, dos partidos políticos. Tal foco foi sistematicamente desprezado pela maioria dos analistas do regime militar. De fato, a literatura especializada, tendo enfatizado o papel dos empresários ou dos militares no golpe de 64, tendeu, salvo raras exceções, a não considerar a dimensão político-institucional das crises do período no plano parlamentar.19

16 STEPAN, A.C. Os militares na política: as mudanças de padrões na vida brasileira. Rio de Janeiro: Artenova, 1975, p.140.

17 SKIDMORE, op.cit., p.22.

18 SANTOS, W.G. Paralisia da decisão e comportamento legislativo: a experiência brasileira,

1959-1966. In: Revista de Administração de Empresas, v.13, n.2, abr/jun 1973, e SANTOS W.G. O cálculo do conflito: estabilidade e crise na política brasileira. Belo Horizonte, Rio de Janeiro: Ed.UFMG, Iuperj,

2003.

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As análises marxistas enfatizavam as determinações econômico-estruturais e os condicionamentos de classe como explicativos do golpe,20

destacando-se, por mais conhecida, a análise de Jacob Gorender21, em que

propugna como determinantes para a eclosão do golpe o estágio em que se encontrava o capitalismo brasileiro e a relação com a necessidade da existência de um governo forte que pudesse controlar e garantir a sua inserção no capitalismo internacional, e também a necessidade de se evitar a subida ao poder de setores populares e radicais de esquerda, impulsionados pelo programa de reformas pretendido pelo Presidente João Goulart.

Também a essa corrente, Carlos Fico irá incluir o prestigiado trabalho de René Dreifuss22, onde o autor parte do pressuposto de que o domínio do capital

multinacional na economia brasileira não encontrava uma correspondente liderança política23, sendo a busca por esta proeminência no campo das

decisões de governo o que irá impulsionar a luta e a pressão que estes setores irão empreender para a consecução de seu projeto, que incluiria, sem nenhuma objeção ética, política ou jurídica, a derrubada do governo legalmente constituído, uma vez que a falta de apoio popular tornava inviável a sua chegada ao poder pela via eleitoral.

A esse grupo também poderíamos incluir o já citado autor Daniel Aarão Reis, que, conforme já exposto, observa claramente uma divisão de classes e projetos políticos, e a luta pela hegemonia política, como estrutura determinante do golpe de 1964, com a vitória dos setores associados ao capital internacional, apoiados, sem dúvida alguma, por amplos setores (civis e militares) da sociedade brasileira.

E, ainda, Caio Navarro de Toledo:

O movimento político-militar de abril de 1964 representou, de um lado, um golpe contra as reformas sociais que eram defendidas por setores progressistas da sociedade brasileira e, de outro, um golpe contra a incipiente democracia política nascida em 1945.24

20 Idem.

21 GORENDER, Jacob. Combate nas Trevas - A Esquerda Brasileira: das Ilusões Perdidas à Luta

Armada. São Paulo: Editora Ática, 1987.

22 DREIFUSS, René Armand. 1964, a Conquista do Estado – Ação Política, Poder e Golpe de Classe.

Rio de Janeiro: Editora Vozes, 1981. 23 FICO, op.cit., p.11.

24 TOLEDO, Caio Navarro de. “1964: o golpe contra as reformas e a democracia”. In: Revista Brasileira de História, São Paulo, v.24, nº 47, 2004, p.13.

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A terceira e última corrente historiográfica analisada por Carlos Fico defende a ideia de que não seria possível a realização do golpe de estado contra Jango sem a participação dos militares, e, além disso, desde os primórdios do governo golpista, observa a preponderância das lideranças militares sobre os golpistas civis proeminentes.

Se a preparação do golpe foi de fato civil-militar, no golpe, propriamente, no momento da consumação da derrubada do governo de João Goulart, sobressaiu o papel dos militares. Assim, se é possível afirmar que o golpe foi civil-militar, parece muito mais apropriado falar-se que o regime implantado foi um regime militar25, que haveria de encaminhar-se para uma ditadura militar.

Também nesse sentido, Gláucio Ary Dillon Soares, em seu artigo em obra sobre a memória militar do golpe, afirma, em oposição às análises que privilegiam as explicações estruturalistas, especialmente as econômicas:

O golpe, porém, foi essencialmente militar: não foi dado pela burguesia ou pela classe média, independentemente do apoio que estas lhes prestavam.26

O citado autor enumera, inclusive, as razões dos militares para derrubarem Jango: o caos administrativo e a desordem política, o perigo comunista e esquerdista em geral e os ataques à hierarquia e à disciplina militares.27

Também é essa a percepção de Thomas Skidmore, para quem a destituição de Jango foi primeiro, e, sobretudo, uma operação militar, vislumbrando ainda que, ante a fraqueza das lideranças civis de oposição ao governo trabalhista, somente a sua intervenção, e via de conseqüência, o comando das instituições políticas, poderia corrigir os rumos desviados pelo governo deposto, unindo novamente o país e o guiando para o desenvolvimento.28

A decisiva importância dos militares para o golpe de 1964, onde, como já demonstrado, incorreram condicionantes estruturais, processos conjunturais e episódios imediatos (factuais)29, é ponto fundamental para a compreensão das

medidas normativas que serão tomadas para a consolidação do projeto 25 FICO, op.cit.,, p.13.

26 SOARES, G.A.D. O Golpe de 64. In: D´ARAUJO, M.C. et alli (Org.). Visões do golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p.27.

27 Idem, p.32.

28 SKIDMORE, op.cit., p.44. 29 FICO, op.cit., p.15.

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golpista uma vez consolidada a chegada ao poder, e a redação do preâmbulo e dos artigos do primeiro Ato Institucional podem indicar algumas hipóteses relacionadas àquele projeto.

O Ato Institucional Original (“AI-1”)30

Uma questão relevante e que ainda hoje divide a historiografia sobre o golpe de 1964 diz respeito às intenções e projetos efetivos de governo (se é que eles haviam) dos líderes do movimento golpista.

Afinal, obtida a vitória, o que fazer?

Uns desejavam simplesmente remover Jango, legitimar o golpe por meio de expediente jurídico qualquer, aprovado pelo Parlamento, com o retorno das Forças Armadas aos quartéis e a volta da vida institucional nos padrões anteriores; alguns queriam uma Operação Limpeza mais profunda, enquanto outros (especialmente pessoal ligado ao IPES31) imaginavam possuir um

projeto alternativo global à situação existente.32

As controvérsias dizem respeito maior ainda aos militares, que, conforme já visto, foram os que diretamente, pelo uso da força, derrubaram o Presidente João Goulart, declarando-se desde logo os líderes da revolução vitoriosa empreendida.

De todo modo, o objetivo principal e imediato de todos os setores contrários ao governo era tirar Jango, para, em seguida, fazer uma “limpeza” nas instituições.33

Uma vez vitorioso o golpe, fazia-se necessária, portanto, a tomada de medidas que desmantelassem o aparato governamental deposto, justificando a posição adotada, bem como indicando minimamente a direção política desejada para a nação, pelo grupo agora investido no poder, especialmente o setor militar, que direta e efetivamente depusera o Presidente da República.

30Nota do Autor: Todos os textos legais, a não ser que haja indicação em contrário, foram extraídos de

CAMPANHOLE, Adriano e CAMPANHOLE, Hílton Lobo. Atos Institucionais, Atos

Complementares, Leis Complementares. São Paulo: Editora Atlas, 1971.

31 Instituto de Pesquisa e Estudos Sociais. 32 REIS, op. cit., p 34.

33 D´ARAUJO, M.C. et alli (Org.). Visões do golpe: a memória militar sobre 1964. Rio de Janeiro: Relume-Dumará, 1994, p.18.

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A legislação de emergência que deveria conferir legalidade e legitimidade ao novo regime apresentou como marco inicial, um “Ato Institucional”, sem numeração, mas que, em função da edição posterior de novos Atos similares, acabaria se tornando conhecido pela historiografia como “Ato Institucional nº 01”, ou, simplesmente “AI-1”.

O Ato Institucional nº 01 foi assinado no dia nove de abril de 1964 pelo general Arthur da Costa e Silva, o tenente-brigadeiro Francisco de Assis Correia e Melo e o vice-almirante Augusto Hamann Rademaker Grunewald,34

que constituíam a liderança do Comando Supremo Revolucionário, anunciado como o novo poder de facto no país após a queda de Jango, e que foram efetivamente nomeados como os três novos ministros militares pelo Presidente da Câmara Ranieri Mazzili, que era o substituto legal de João Goulart, nos termos da Constituição vigente, datada de1946.

A sua elaboração é atribuída ao jurista Francisco Campos, que havia sido autor da Constituição de 1937, na consolidação ditatorial do Estado Novo de Getúlio Vargas, e cuja experiência legislativa e autoritária se faria novamente presente35, e por Carlos Medeiros da Silva, um advogado de posições

extremamente conservadoras.36

Em seu preâmbulo, o AI-1 afirmava que o movimento civil e militar que derrubara o governo João Goulart era uma autêntica revolução e que representava o interesse e a vontade de toda a nação brasileira e que se destinava a assegurar ao novo governo os meios indispensáveis à obra de reconstrução econômica, financeira, política e moral do Brasil.37

Além disso, segundo os autores do Ato, a nova legislação era necessária porque os processos constitucionais vigentes até então não foram funcionais o suficiente para derrubar um governo que se dispunha a bolchevizar o país.38

Em relação à legalidade do Ato, que se constituía em preocupação dos novos dirigentes, receosos de parecerem estar utilizando de instrumentos não previstos no ordenamento jurídico brasileiro, e que seriam, portanto, ilegais, a solução encontrada foi no sentido de que a revolução vitoriosa se investia no 34 ALVES, Maria Helena Moreira. Estado e oposição no Brasil (1964-1984). Editora Vozes: Petrópolis, 1984, p..53.

35 GASPARI, op. cit., p.123. 36 SKIDMORE, op.cit., p.48. 37 CAMPANHOLE, op.cit., p.09. 38 Idem, p.10.

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exercício do Poder Constituinte e, assim, detinha a força normativa inerente àquele poder, podendo editar normas jurídicas, sem que nisto estivesse limitada pela normatividade anterior à sua vitória.39

Uma vez legitimado, o Ato exprimia seu conteúdo através de artigos que, em síntese, podem ser resumidos por meio das seguintes medidas40:

- Ficava mantida a Constituição de 1946, com as modificações feitas pelo Ato (artigo 1º);

- O Congresso permaneceria em funcionamento, com as limitações elencadas no Ato (artigo 1º);

- Ficariam suspensas as garantias de estabilidade e vitaliciedade (artigo 7º, que teria validade pelo período de seis meses, contados da publicação do Ato), artigo que serviu de base aos expurgos de funcionários públicos civis e de pessoal militar identificados com o regime deposto;

- Seriam instaurados inquéritos e processos visando à apuração da prática de crimes contra o Estado (artigo 8º - na prática, esse artigo originou os IPMs - Inquéritos Policiais-Militares, utilizados, sobretudo, contra pessoas ligadas ao governo João Goulart e aos movimentos sociais a ele ligados);

- A previsão da possibilidade de suspensão de direitos políticos e cassação de mandatos a nível federal, estadual e municipal (artigo 10º, válido pelo período de sessenta dias, contados da publicação do Ato).

Uma vez vistos o preâmbulo do Ato Institucional, que continha as suas justificativas e diretrizes, e também parte substancial de seus artigos, faz-se importante listar algumas observações já feitas pela historiografia estudiosa do tema, a fim de se procurar alguns indícios de projeto de poder nele contidos, inclusive quanto à longevidade do grupo militar ora no poder.

Para Adriano Codato, as Forças Armadas, ao tomarem o poder, não possuíam um projeto de governo para o país, mas simplesmente tomaram as medidas excepcionais necessárias para a destruição do populismo, representado pelo governo de João Goulart.41

Assim, em tese, e em princípio, a tarefa dos militares deveria limitar-se a promover a exclusão política das classes populares, desarticulando, pela 39 Ibidem p.09.

40 Ibidem, pp.10-12

41 CODATO, Adriano N. O golpe de 1964 e o regime de 1968: Aspectos conjunturais e variáveis

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repressão, suas instituições de organização sindical (o CGT, principalmente) e participação autônoma (como foi o caso das “Ligas Camponesas”), além do partido de sua base de sustentação parlamentar (o PTB).42

Assim também pensam Sebastião Velasco e Cruz e Carlos Estevam Martins, para quem o Ato Institucional, apesar de conter medidas destinadas a “drenar o bolsão comunista”43, e com isso ter promovido expurgos no

Congresso, Poder Judiciário, funcionalismo público civil e nas Forças Armadas, além de intervir em sindicatos, não representou uma medida legislativa fundamentadora de um Estado de exceção total, mas sim um decreto de emergência necessário para a situação excepcional que ali se apresentava, e que, vislumbrava a possibilidade de um retorno a médio prazo da normalidade democrática no país.

Em defesa desta posição, que preconiza não ter havido uma ruptura completa com o ordenamento jurídico anterior, que era reconhecidamente democrático, os autores enumeram alguns pontos do “AI-1” que supostamente iriam nessa direção44:

- Foi mantida a Constituição de 1946;

- O Congresso Nacional permaneceu em funcionamento (embora depurado);

- Enquanto instituições, a liberdade de imprensa, as associações representativas e os partidos políticos não foram diretamente atingidos;

- O calendário eleitoral não foi alterado;

- Não se alterou a Lei de Segurança Nacional, elaborada pelo Congresso em 1953;

- Os artigos mais draconianos, o sétimo e o décimo (já citados) expirariam em seis meses e sessenta dias, respectivamente;

- O Ato foi editado sem numeração, o que indicaria que não se cogitava de uma série legislativa com atos similares, mas, ao contrário, que ele fosse único. Além disso, ele tinha vigência limitada, expirando em menos de dois anos (em 31 de janeiro de 1966), juntamente com o mandato presidencial.

Há autores, entretanto, que reputam já haver no Ato Institucional, indícios da intenção dos militares em continuar no poder por um período maior do que o 42 Idem, pp. 18-19.

43 CAMPANHOLE, op.cit., p.10. 44 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.18.

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estritamente necessário para expurgar da vida pública os setores ligados a Jango, denotando a existência de um projeto de poder longevo.

Neste sentido, a afirmação de Aarão Reis acerca do preâmbulo do Ato: Os homens do Comando Supremo falavam em nome de uma revolução, querendo explicitar a perspectiva de que não tinham promovido uma intervenção de caráter passageiro, mas algo mais profundo.45

Do mesmo modo, Maria Helena Moreira Alves, para quem a decretação do Ato Institucional, com o objetivo de uma busca da segurança interna pela eliminação do “inimigo interno”, nos moldes estabelecidos pelas doutrinas da Escola Superior de Guerra, entrou em conflito com os objetivos declarados de restabelecimento da legalidade e fortalecimento das instituições democráticas anunciados pelos golpistas. Em seu lugar, com as medidas adotadas para expurgar os que estavam associados a movimentos sociais e ao governo anterior, o que houve foi a institucionalização do Estado de Segurança Nacional com a necessidade de um novo aparato que apoiasse a “Revolução”46, o que implicaria, necessariamente, em um governo duradouro, e

não transitório, para a efetivação de seu projeto.

E prossegue a autora, ressaltando que o conteúdo do Ato foi, desde logo, o início de um processo de insatisfação e questionamento por parte da sociedade civil que apoiara o golpe, pois

como a doutrina (de Segurança Nacional) não era amplamente conhecida do público na época, o Ato Institucional surpreendeu os que haviam apoiado a intervenção dos militares na crença de que sua intenção era restaurar a democracia. A reação da imprensa foi quase unanimemente negativa. E, com efeito, o Ato Institucional nº 1 rompeu o apoio tácito à coalizão civil-militar, dando origem à dialética Estado/oposição.47

Por fim, mas de grande relevância, releva Alves que o “AI-1” já apresentava uma característica que seria comum aos outros Atos Institucionais, qual seja, a de institucionalizar o mecanismo de transferência do Poder Executivo (por meio de eleições indiretas)48 e, ainda, de hipertrofiá-lo,

usurpando funções dos outros poderes da república (Legislativo e Judiciário). Ela aponta que, o Ato Institucional, em seu artigo 2º, marcava a eleição para Presidente da República (e do Vice-Presidente), cujos mandatos terminariam em 31 de janeiro de 1966, seria decidida pela maioria absoluta dos 45 REIS, op. cit., p 36.

46 ALVES, op. cit., pp.52-54. 47 ALVES, op. cit., p.54. 48 Idem, p.55.

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membros do Congresso Nacional, dentro de apenas dois dias da publicação do Ato.

Como observa Thomas Skidmore, com essa manobra, e a exigüidade de prazo para a formação de qualquer candidatura oposicionista, o Ato do Comando Supremo Revolucionário tornou inevitável a eleição do candidato de consenso dos militares e dos governadores anti-Goulart.49

À guisa de conclusão, e apontando para indícios da existência de um projeto de governo, com a intenção de continuidade no poder dos militares nele investido, vale lembrar a declaração do próprio autor do Ato Institucional, Carlos Medeiros, para quem a importância fundamental do Ato se dava em razão de que

sem ele, o movimento civil e militar de março se confundiria com um golpe de Estado ou uma revolta destinada apenas a substituir ou afastar pessoas dos postos de comando e influência do governo (deposto).50

Para uma análise dos efeitos práticos do Ato Institucional original, onde as suas medidas efetivamente atingiram a sociedade e se fizeram sentir, é necessário abordarmos o governo de Castelo Branco, seus desdobramentos políticos e institucionais, que é o que se passa a fazer.

49 SKIDMORE, op. cit., p.50.

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CAPÍTULO II

O GOVERNO CASTELO BRANCO E O ATO INSTITUCIONAL Nº 2 (AI-2)

O general Castelo Branco foi eleito indiretamente pelo Congresso Nacional, em 11 de abril de 1964, nos termos publicados dois dias antes, pelo “AI-1”, em seu artigo 2º. Ele obteve 361 votos, contra 72 abstenções e 5 votos destinados a outros militares participantes do golpe.51

O começo de seu governo foi caracterizado pelos expurgos nos setores políticos, com cassações de parlamentares ligados ao janguismo e aposentadorias compulsórias e depurações nas Forças Armadas, no Judiciário e no funcionalismo público, utilizando os instrumentos constantes do “AI-1”, e que ficaram conhecidos como “Operação Limpeza”, tendo por base doutrinária a Doutrina de Segurança Nacional.52

Essa fase de eliminação de figuras ligadas ao governo deposto representa, no plano prático, o objetivo primordial declarado no Ato Institucional, que se propunha a alijar da vida pública, os elementos ligados ao comunismo, à subversão e à corrupção, segundo os golpistas.

Nas semanas seguintes à deposição de João Goulart, prenderam-se cerca de cinco mil pessoas. Nas Forças Armadas, 421 oficiais foram punidos com a passagem para a reserva. 53 Até o final de 1964, cerca de 1200 militares

de diversas patentes, das três armas haviam sido retirados da ativa.54

No funcionalismo público, no mesmo ano, houve 1408 casos de afastamento, a maior parte nos três primeiros meses do novo governo.55

Com fundamento no artigo 10º do “AI-1”, que previa a possibilidade de cassações de mandatos de parlamentares, 40 membros do Congresso Nacional e 43 deputados estaduais foram atingidos na publicação do Ato Institucional.56

51 SKIDMORE, op. cit., p.50. 52 ALVES, op.cit., p. 56. 53 GASPARI, op. cit., p.130. 54 ALVES, op.cit., p. 65. 55 Idem, p. 63.

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Outro instrumento importante para a perseguição aos integrantes ou simpatizantes do regime deposto foram os Inquéritos Policial – Militares (IPMs).

Com sua base legal no artigo 8º do “AI-1”, que visava à apuração da prática de crimes contra o Estado, eles se tornaram uma espécie de poder paralelo para o grupo de coronéis designados para coordenar ou chefiar as investigações57, dada a possibilidade de inobservância das leis durante a sua

condução, motivada, muitas vezes, pela intenção de vendetas pessoais.

Segundo Gaspari, sua base espalhava-se pelos quartéis, e sua articulação agrupava os descontentes à direita do regime,58 desejosos de

mecanismos mais duros e duradouros de repressão, e que haveriam de se opor tenazmente contra qualquer projeto de retorno, a curto prazo, à normalidade democrática.

E ainda:

A vitória de 1º de abril canalizou para outra direção os planos e fantasias do radicalismo da direita militar. Alguns oficiais foram para comandos prestigiosos, outros meteram-se nos labirintos dos IPMs, e quase todos passaram-se a sentir-se parte daquele ente vago que se denominava “linha dura”. Quem queria caçar esquerdistas podia agora fazê-lo dentro da máquina do Estado.59

Em relação à sua relação com a sociedade que em sua grande maioria apoiara o golpe, analisa Aarão Reis o governo Castelo Branco:

Do ponto de vista do ideário liberal, o governo ia muito mal das pernas... A repressão desatada punha em frangalhos os valores liberais e democráticos com os quais o governo dizia-se comprometido. As centenas de cassações e as operações desastradas de censura causavam escândalo e desgaste, sem falar no cortejo de Inquéritos Policial-Militares (IPMs), completamente inócuos do ponto de vista da eliminação das raízes do regime anterior.60 Da perspectiva da economia, o governo Castelo Branco pode ser classificado como revelador de um modelo de programa internacionalista-liberal, influenciado pelos políticos e tecnocratas ligados à UDN (União Democrática Nacional), que participaram ativamente do golpe contra Jango e agora desejavam modificar as bases econômicas brasileiras, inserindo o país no modelo econômico associado ao grande capital internacional.

Nos planos dos grupos instalados no poder por meio do golpe, se essa inserção fosse bem sucedida, estaria dado um golpe mortal às estruturas do 57 ALVES, op.cit., p. 57.

58 GASPARI, op. cit., p.135. 59 Idem, pp. 252-253. 60 REIS, op. cit., pp. 39-40.

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nacional- populismo e do clientelismo, enterrando de vez o modelo político-econômico de que sempre foram adversários, e que não lhes dava a oportunidade de conquista do poder.

É importante destacar que o programa de política econômica que o novo governo pretendia implantar, com a adoção de medidas antiinflacionárias e de controle fiscal, foi facilitado pelos artigos 3º, 4º e 5º do Ato Institucional.

Estes artigos, além de conferir poderes ao Presidente da República para enviar projetos de lei sobre qualquer matéria ao Congresso Nacional (e também estipular prazos curtos para suas votações), previa que caberia exclusivamente ao Executivo federal a iniciativa legislativa acerca de aumento de despesas e de emissão de títulos da dívida pública.

O programa econômico do governo, baseado na redução do déficit público, no controle do crédito e no arrocho dos salários, embora tenha alcançado êxito em parte de suas expectativas, demonstrou-se extremamente recessivo, o que trouxe insatisfação popular, e mesmo entre setores econômicos e políticos que haviam apoiado o golpe.

Além disso, poucas semanas após o início da implementação do programa, a equipe econômica do novo governo concluiu que não seria possível atingir as metas programadas nos exíguos dezoito meses de que dispunha até o final do mandato de Castelo Branco. Pior, a impopularidade das medidas poderia ter influência decisiva nas eleições marcadas para novembro de 1965, com a derrota do candidato governista, e, em última análise, da própria “Revolução”.61

Assim, em julho de 1964, o Congresso Nacional aprovou uma emenda à Constituição de 1946 (Emenda Constitucional nº 09), prorrogando o mandato de Castelo Branco até março de 1967, com as eleições que haveriam de eleger seu sucessor sendo marcadas para novembro de 1966.

A emenda também continha um dispositivo que exigia maioria absoluta dos votos dos eleitores para a eleição presidencial. Essa fora uma sugestão oriunda da UDN62, que vira muitos de seus adversários vencerem eleições

presidenciais, obtendo, apenas, a maioria simples dos votos (fora assim com Getúlio Vargas, em 1950, e Juscelino Kubitschek, em 1955).

61 SKIDMORE, op. cit., p.90. 62 Idem, p. 91.

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De todo modo, Castelo Branco, mesmo enfrentando severa resistência pelos setores militares desejosos da ampliação, ou, ao menos, a manutenção dos poderes mais draconianos do Ato Institucional (contidos em seus artigos 7º e 10º), respeitou os prazos neles estabelecidos, gerando grande insatisfação entre os membros daquela corrente das Forças Armadas, que acreditavam não ter sido suficiente o expurgo até então realizado.

Ao final do ano de 1964, portanto, a situação política do Presidente da República enfrentava dificuldades internas e externas, mas o pior já parecia ter passado.63

Castelo Branco procurava conciliar interesses opostos, na expectativa de um cenário político e institucional que se aproximasse gradualmente da normalidade constitucional, desde que atendidas as reformas estruturais por ele planejadas.

Ele estava, inclusive, respeitando o calendário eleitoral, com a manutenção da realização de eleições diretas para a escolha de 11 governadores, entre eles os dos estados da Guanabara e de Minas Gerais, em outubro de 1965.64

Para Sebastião Cruz e Carlos Martins

o grande passo seguinte, no caminho da recuperação da normalidade, seria dado se a sociedade civil, organizada nos diversos partidos políticos, conseguisse atravessar as eleições de outubro de 65 sem se chocar contra a resistência das forças radicais.65

Os estrategistas políticos do governo sabiam que a repressão política e a recessão econômica seriam fatores de descontentamento para muitos eleitores, que provavelmente votariam nos candidatos da oposição.

As eleições de outubro começaram a assumir um caráter de plebiscito sobre as diretrizes econômicas, sociais e políticas do novo governo.66

Para alguns setores militares, a solução era suspender as eleições diretas para evitar a derrota do governo.67

Na tentativa de aumentar as chances dos candidatos governistas, o governo alterou o sistema eleitoral, aprovando no Congresso uma emenda constitucional relativa ao domicílio eleitoral dos futuros candidatos, em que se 63 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.22.

64 ALVES, op.cit., p. 80.

65 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.22. 66 ALVES, op.cit., p. 81.

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exigia domicílio eleitoral de quatro anos nos estados onde pretendessem concorrer.

Além disso, aprovou uma “Lei de Inexigibilidade” que dispunha, dentre outras coisas, sobre a impossibilidade de concorrer ao pleito, a qualquer político que tivesse servido ao governo deposto, depois de dezembro de 1963.68

A campanha explícita de apoio aos candidatos oposicionistas, feita pelo ex-Presidente Juscelino Kubitschek, irritou profundamente os militares mais conservadores, que julgaram o ato como uma afronta aos ideais revolucionários,69 dada a grande exposição pública obtida por um político que

fora cassado pela “Revolução”, que havia sido necessária justamente por haver políticos como Juscelino.

O resultado das urnas, com a derrota do governo para políticos identificados com o projeto político derrubado em 1964 nos estados mais importantes, especialmente Guanabara e Minas Gerais, levou os militares da linha dura a apresentarem um ultimato ao presidente: Só poderia continuar como chefe de governo se vetasse a posse dos dois governadores pessedistas eleitos.70

O ultimato dado, aliado às derrotas governistas no Congresso Nacional e a elevação do tom das críticas da oposição, além da pressão de setores militares pela volta dos poderes de exceção previstos no “AI-1” e já extintos, com a finalidade de “garantir o êxito da Revolução”71, levaram o General

Castelo Branco a decretar o Ato Institucional nº 2, em 27 de outubro de 1965. 72

O Ato Institucional nº 2 (AI-2)

68 SKIDMORE, op.cit., p. 94. 69 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.24. 70 SKIDMORE, op. cit., p.99.

71 Idem, p. 96: Afinal, As medidas políticas radicais não conseguiram impedir a volta de políticos do PSD

do tipo que tornaram a Revolução necessária.

72 CODATO, op. cit., p.19: A causa direta para a edição do Ato 2 foi a vitória de políticos tradicionais do PSD nas eleições para os governos da Guanabara e Minas Gerais, e representou, para os “revolucionários” mais radicais, a rearticulação das forças políticas populistas recém-derrotadas em abril de 1964.

(27)

O preâmbulo do Ato Institucional nº 2 procurava justificar a necessidade das medidas dele constantes, como a ameaça e o desafio à ordem revolucionária conduzida por “agitadores de vários matizes e elementos da situação eliminada”, que se aproveitavam do fato de a “Revolução” ter reduzido a apenas um curto espaço de tempo as limitações a certas garantias constitucionais.73

Quanto à preocupação ao aspecto legal deste segundo Ato Constitucional, faz-se a afirmação de que

não se disse que a Revolução foi, mas que é e continuará. Assim, o seu poder Constituinte não se exauriu, tanto é ele próprio do processo revolucionário que tem de ser dinâmico para atingir os seus objetivos.74 E ainda, a consideração de que

o poder Constituinte da Revolução lhe é intrínseco, não apenas para institucionalizá-la, mas para assegurar a continuidade da obra a que se propôs.75

Assim, a “Revolução” é considerada como um processo contínuo, estando investida, desde a sua institucionalização, do Poder Constituinte que lhe permite editar normas a qualquer tempo, sobre qualquer matéria e sem obediência ao ordenamento jurídico já existente.

Não se cogita mais da defesa da excepcionalidade da situação para a tomada de medidas excepcionais. Estas podem e devem ser utilizadas sempre que houver a necessidade de proteger os ideais “revolucionários”, vale dizer, toda alteração normativa seria passível de ser editada pelo Poder Executivo quando este pura e simplesmente achasse adequado.

Longe de haver regras e condições preestabelecidas, a legislação brasileira ficou à mercê do arbítrio e da discricionariedade dos mandatários de plantão, não havendo sequer a necessidade de submeter as leis ao Congresso Nacional, tampouco ser possível o seu questionamento junto ao Poder Judiciário.

Registre-se, entretanto, como um sinal de reconhecimento da excepcionalidade normativa representada pelo AI-2, que ele, a exemplo do Ato

73 CAMPANHOLE, op.cit., pp. 14. 74 Idem, p. 13.

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anterior, não se pretendia infindável. Sua vigência expiraria em 15 de março de 1967, juntamente com a posse do novo presidente.76

As medidas adotadas no AI-2 podem dividir-se em três categorias: aquelas destinadas a controlar o Congresso Nacional, com o conseqüente fortalecimento do Poder Executivo, as que visavam especialmente o Judiciário, e as que deveriam controlar a representação política.77

No primeiro caso, podemos citar o artigo 2º, que reduzia de dois terços para maioria simples, a aprovação de emenda constitucional enviada ao Congresso pelo Poder Executivo; o artigo 5º, que reduzia os prazos de discussão de projetos de lei de iniciativa da presidência da república; o artigo 13º, que transferia ao Executivo a prerrogativa para decretação ou prorrogação do “estado de sítio”; o artigo 30 que concedida competência ao Executivo para editar atos complementares e decretos-leis; e o artigo 31, no qual se dispunha que o Executivo poderia decretar o recesso do Congresso Nacional, período no qual aquele Poder poderia legislar sobre qualquer matéria, através de decretos-leis.78

As principais medidas que visavam especialmente o controle do Poder Judiciário estão contidas no artigo 6º, que, emendando a Constituição de 1946, aumentava o número de ministros do Supremo Tribunal Federal, cujas indicações eram de competência do Presidente da República, além de estipular que a este também caberiam as nomeações dos juízes federais; o artigo 8º, que dispunha acerca da a extensão do foro militar aos civis nos crimes contra a segurança pública;

o artigo 14º, que suspendendo as garantias de estabilidade e inamovibilidade dos juízes permitiu um novo expurgo no Poder Judiciário; além da previsão (artigo 19), copiada do primeiro Ato Institucional, que determinava que não seriam passíveis de apreciação judicial as medidas baseadas no Ato Institucional nº 2.

Em relação ao controle da representação política constantes do AI-2, destacam-se o artigo 9º, que previa a adoção de eleições indiretas para a Presidência da República; o artigo 15 que possibilitou o retorno do poder de

76 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.23. 77 ALVES, op.cit., p.91.

(29)

cassar mandatos e suspender direitos políticos e o artigo 18, que extinguiu os partidos políticos existentes no país.79

Qualquer análise, ainda que superficial, do conteúdo normativo do Ato Institucional nº 2 chega à inevitável conclusão do aumento repressivo do aparato estatal sobre a vida institucional da nação e cotidiana de seus cidadãos, e a hipertrofia do Poder Executivo federal e de sua máquina de repressão.

Se em relação ao primeiro Ato Institucional, há uma certa discussão na historiografia acerca da natureza das medidas tomadas, e do caráter de excepcionalidade que “justificaria” a necessidade daquela legislação de emergência para preencher o vácuo de poder após a derrubada do governo constitucional de João Goulart, em relação ao AI-2, os autores estudiosos do tema parecem apresentar poucas divergências e uma conclusão quase unânime: o sistema encaminhara-se para uma efetiva ditadura, com a inviabilização de qualquer projeto político que não se coadunasse com a proposta do governo.

Assim, na visão de Sebastião Cruz e Carlos Martins, sobre a inflexão do regime:

Instigada além dos limites, a direita fortaleceu-se a ponto de impor a edição do Ato Institucional nº 2. Só então, e não antes, o regime mudou no sentido do autoritarismo recrudescido. A ditadura, que parecia caminhar para o recesso, estava de volta mais forte do que antes.80

No mesmo sentido, Aarão Reis:

Com o novo Ato (AI-2), reinstaurou-se o estado de exceção, a ditadura aberta. O governo aparentava um ar de fracasso. Associado à repressão e à recessão, tornara impopular, sobretudo nos grandes centros urbanos, um movimento, que, no nascedouro, dispunha de substancial apoio, embora heterogêneo.81

Para Maria Helena Moreira Alves, o ano de 1965 que começara com uma tentativa de volta à normalidade democrática e um relativo afrouxamento da repressão estatal, uma vez findado o prazo de vigência do primeiro Ato Institucional, e que por ela é chamado de primeiro ciclo de liberalização,82

79 CAMPANHOLE, op.cit., pp. 14-22, e ALVES, op.cit., pp. 92-93. 80 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.22.

81 REIS, op. cit., pp. 43-44. 82 ALVES, op.cit., pp. 94-95.

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termina com uma vitória dos setores militares para quem a busca da segurança nacional era incompatível com o retorno à legalidade.

Com a edição do Ato Institucional nº 2, foi possível dar prosseguimento à eliminação das antigas estruturas de poder dentro do Estado, para a construção de novas, inclusive com a desarticulação da oposição política, por meio da extinção dos partidos determinada pelo AI-2.83

Thomas Skidmore e Elio Gaspari enaltecem a importância da vitória da oposição nas eleições da Guanabara e Minas Gerais como fator decisivo para a edição do AI-2.

Para o primeiro, o principal propósito do Ato era tornar mais difícil qualquer vitória eleitoral da oposição.84

Para o segundo, o sucesso dos candidatos oposicionistas nos pleitos estaduais indicava que o regime, em eleição direta, não elegeria seu candidato à Presidência da República.85 Por isso, a necessidade de mutilar o alcance do

voto popular86, transferindo ao Congresso Nacional, o poder de escolher o

próximo presidente.

Mesmo a historiografia produzida por militares (a grande maioria partícipe direta do regime militar) concorda com o endurecimento representado pelo AI-2, ainda que, por óbvio, procure justificar a necessidade da sua edição.

Assim, para Adolpho João de Paula Couto

o prazo das punições estabelecidas pelo AI-1 - seis meses – que terminava em outubro de 1964, revelou-se logo insuficiente para coibir a ação desagregadora (dos inimigos da Revolução), cuja desenvoltura era crescente. Assim, impôs-se a edição do AI-2, que reafirmava a vitalidade da Revolução, cuja tolerância vinha sendo confundida com fraqueza.87

Para o citado autor, não fora possível conciliar, em curto espaço de tempo, a Revolução e a legalidade formal, cabendo ao governo (por meio do Ato Institucional nº 2), garantir a conquista de seus objetivos, sobretudo por estes serem coincidentes com os da nação.88

83 Idem.

84 SKIDMORE, op. cit., p.101 85 GASPARI, op. cit., p.239. 86 Idem, p.259.

87 COUTO, Adolpho João de Paula. Revolução de 1964: a versão e o fato. Porto Alegre: Editora Gente do livro, 1999, p. 194.

(31)

O Ato Institucional nº 2, além de representar por si só um retorno à violência e à repressão política, policial e institucional, ainda apresentou o início de um período em que o regime militar produziu uma série de normas com o intuito da criação de um ordenamento jurídico que correspondesse ao seu projeto de governo.

Assim, não tardariam a vir novos Atos Institucionais, agora acompanhados de outra figura jurídica, os Atos Complementares, que davam a regulamentação aos Atos Institucionais, detalhando-os e indicando o seu modo de execução e operação (durante o período de vigência do Ato Institucional nº 2, o Presidente da República baixou 36 Atos Complementares).89

Em fevereiro de 1966, em nome dos “superiores objetivos da Revolução”, foi editado o Ato Institucional nº 3, que previa a eleição indireta também para os governadores de estado e nomeação dos prefeitos das capitais por aqueles.90

Antes do término do seu governo, Castelo Branco, através do Ato Institucional nº 4, convocou o Congresso Nacional devidamente depurado, a votar seu projeto constitucional, que originou a Constituição de 1967.

As justificativas para a necessidade de uma nova Constituição estão expostas no preâmbulo do AI-4, como o fato da Constituição antiga já ter sofrido numerosas emendas e não atender às exigências nacionais, além de ser imperioso dar ao país uma Constituição que representasse a institucionalização dos ideais e princípios da Revolução, e que pudesse assegurar a continuidade da obra revolucionária.91

Em essência, a nova Constituição era uma síntese dos três Atos Institucionais e leis correlatas.92

Também foram elaboradas durante esse período as novas Lei de Imprensa e de Segurança Nacional.

Ao final de seu mandato, o presidente Castelo Branco, que prometera entregar a presidência a um candidato democraticamente eleito, legou ao seu sucessor um conjunto de normas voltado cada vez mais ao aparelhamento repressivo do Estado, e muito distante do esperado retorno à normalidade democrática.

89 ALVES, op.cit., p. 101. 90 CODATO, op. cit., p.19. 91 CAMPANHOLE, op.cit., pp. 25. 92 SKIDMORE, op. cit., p.119.

(32)

De todo modo, a análise do seu governo, o primeiro do regime militar que se efetivou durante vinte e um anos no poder, é fundamental para a compreensão de todo o processo que lhe sucedeu, especialmente o governo seguinte, presidido por seu Ministro do Exército, general Arthur da Costa e Silva, que sempre se identificou com os setores nacionalistas da força castrense, e, muitas vezes, alinhou-se às facções mais radicais do regime, e será objeto de análise do capítulo seguinte.

Na acurada conclusão de Sebastião Cruz e Carlos Martins,

a consideração do período Castelo Branco é crucial para a análise do regime autoritário no Brasil, não só porque nele estão postos quase todos os elementos que, exacerbados em seu grau máximo nos anos seguintes, conformariam a conjuntura que veio a desaguar na crise de 68 e na edição do AI-5, mas também porque nele já está claramente colocado o dilema que perpassa toda a história desse regime: a disputa pela definição do rumo a ser imprimido ao processo político.93

(33)

CAPÍTUL0 III

O GOVERNO COSTA E SILVA E O ATO INSTITUCIONAL Nº 5 (AI-5)

O general Arthur da Costa e Silva tomou posse em 15 de março de 1967 (havia sido eleito por um colégio eleitoral em 3 de outubro de 1966), prometendo um governo de restabelecimento dos processos político-representativos normais.94

Poderiam ser feitas concessões limitadas à classe política, desde que se conseguisse apoio para “reconstitucionalizar” o regime e ampliar sua legitimidade.95

Em verdade, os dispositivos da Carta Magna de 1967, adicionados à legislação editada desde 1964, conferiam enorme poder ao Presidente da República, tanto para repressão política e garantia da segurança pública, como para tratar de matéria econômica (a política econômica de Costa e Silva seria conhecida como modernização conservadora96, retomando o

desenvolvimentismo, junto a metas de integração nacional e promoção social). Apesar da presença do extenso e severo aparato normativo, o período que então começava caracterizava-se por uma tênue abertura política.97

O partido único de oposição, MDB, se baterá, até a crise que irá irromper no AI-5, pela revogação da legislação de segurança nacional, pelo restabelecimento das eleições diretas e pela concessão da anistia aos presos políticos e aos políticos cassados.98

Além disso, a oposição procurava instrumentos de aumentar sua participação política, resistindo a votar incondicionalmente a todos os projetos de lei oriundos do governo.

A marginalização política que o golpe impusera a antigos rivais - Carlos Lacerda, Juscelino Kubitschek, João Goulart (este, no exílio), tivera o efeito de associá-los, ainda em 1967, na Frente Ampla, cujas atividades somente seriam 94 CODATO, op. cit., p. 20.

95 Idem.

96 REIS, op. cit., p. 45.

97 CRUZ e MARTINS, op.cit., p.31. 98 CODATO, op. cit., p. 21.

(34)

suspensas pelo ministro da Justiça, Luís Antônio da Gama e Silva, em abril de 1968.

Também já é possível acompanhar o ressurgimento do movimento estudantil, com suas reivindicações políticas, que não encontraram respaldo na propalada abertura do início do governo Costa e Silva.

Nesse sentido, afirma Aarão Reis, que

já em 1967, primeiro ano do governo Costa e Silva, o diálogo prometido não funcionou face às pressões do único movimento social ativo – o estudantil. Sucederam-se as manifestações reivindicatórias, de modo geral acompanhadas por uma repressão desproporcional. Parecia, às vezes, haver uma espécie de emulação entre, de um lado, a grande imprensa liberal, que passara a fazer oposição ao governo, e a polícia, de outro, no sentido de exagerar a força do movimento estudantil, uns querendo enfraquecer o governo, outros, provar que eram indispensáveis99.

Nessa conjuntura confusa e tumultuada se inicia o ano de 1968, em que se definiriam os rumos da política do regime militar, sendo uma data fundamental na evolução política do regime ditatorial-militar brasileiro.100

O ano de 1968, "o ano que não terminou",101 ficou marcado na história

mundial, e na do Brasil, como um momento de grande contestação da política e dos costumes.

O movimento estudantil celebrizou-se como protesto dos jovens contra a política tradicional, mas principalmente como demanda por novas liberdades. O radicalismo jovem pode ser bem expresso no lema "é proibido proibir".

Esse movimento, no Brasil, associou-se a um combate mais organizado contra o regime: intensificaram-se os protestos mais radicais, especialmente o dos universitários, contra a ditadura.

O enfrentamento entre estudantes e forças da repressão se intensificou após a morte do estudante secundarista Edson Luis de Lima Souto, em uma reivindicação pela melhoria das condições de alimentação no restaurante do Calabouço, na cidade do Rio de Janeiro, onde se alimentavam estudantes universitários e secundaristas.

Ele foi morto em 28 de março de 1968, por um tiro disparado por um policial militar, que supostamente reagia a pedras atiradas pelos estudantes contra a Polícia Militar.102

99 REIS, op. cit., pp. 48-49. 100 CODATO, op. cit., p. 15.

101 VENTURA, Zuenir. 1968 – O ano que não terminou. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1988.

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