• Nenhum resultado encontrado

XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 28 a 31 de Julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho: [ SOCIOLOGIA DO ESPORTE E DO LAZER]

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 28 a 31 de Julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ) Grupo de Trabalho: [ SOCIOLOGIA DO ESPORTE E DO LAZER]"

Copied!
19
0
0

Texto

(1)

XIV CONGRESSO BRASILEIRO DE SOCIOLOGIA 28 a 31 de Julho de 2009, Rio de Janeiro (RJ)

Grupo de Trabalho: [ SOCIOLOGIA DO ESPORTE E DO LAZER] Título do Trabalho [ A atividade do jogador de futebol na perspectiva do trabalho imaterial]

(2)

A atividade do jogador de Futebol na perspectiva do trabalho imaterial

Aldo Antonio de Azevedo Universidade de Brasília (UnB)

Introdução

O presente texto tem por objetivo discutir a atividade do jogador de futebol profissional a partir do conceito de trabalho imaterial. Recorrendo a interpretações da teoria marxista, parte-se do pressuposto de que na atividade do jogador não existem apenas características quantificáveis e mensuráveis, típicas do chamado trabalho material; mas, elementos imateriais, não mensuráveis, não quantificáveis e subjetividades.

Desse modo, acredita-se que a atividade do jogador de futebol envolve, não apenas o trabalho físico do corpo, o que seria identificado com a noção de corporalidade, como treinamentos, uma jornada de trabalho, salário, um contrato, que envolve uma relação personalista na prestação do serviço, cumprimento de horários, produção de resultados objetivos; etc, que constituem, genericamente, bases do trabalho material; mas aspectos da subjetividade humana, como o talento ou dom, a imagem do jogador e o espetáculo, que caracterizam a imaterialidade do trabalho.

Para além da discussão teórica, tais características do trabalho imaterial, assumem relevância significativa no sucesso profissional do jogador e até predominam sobre a materialidade, como sugerem algumas informações empíricas produzidas numa breve pesquisa exploratória com jogadores profissionais de clubes de São Paulo e do Distrito Federal.

O interesse por este debate teve origem no estudo sobre a relação futebol - empresa no Brasil, realizado em nossa Tese de Doutorado1, em 1999, ocasião em que a temática da imagem do jogador de futebol e do seu trabalho surgiu como um dos elementos centrais para o sucesso do marketing empresarial e do próprio futebol. No entanto, só em 2007, o referido tema foi retomado no Grupo de Estudos e Pesquisas sobre o Trabalho (GEPT), do

1

- AZEVEDO, Aldo. Dos velhos aos novos cartolas: uma interpretação do poder e das suas resistências nos clubes, face ao impacto das relações futebol-empresa. Brasília, Universidade de Brasília, 1999. (Tese de Doutorado em Sociologia).

(3)

Departamento de Sociologia, da Universidade de Brasília (UnB), que se dedica, dentre outros temas, das discussões acerca da centralidade e transformações do trabalho na sociedade brasileira. Nesse contexto, foi inserido o debate em torno da materialidade e da imaterialidade do trabalho na ótica das análises marxistas.

No que diz respeito ao referencial teórico dessas análises, encontram-se nos Grundrisse algumas sinalizações de Marx acerca da socialização e intelectualidade do trabalho. De forma mais direta, recorreu-se às atuais interpretações sobre o trabalho imaterial, tido para muitos autores como uma nova vertente analítica das relações de trabalho, no contexto das atuais transformações do capitalismo, como identificado nos fundamentos dos estudos empíricos de Negri & Lazzarato (2001); nos debates de Gorz (2005) sobre as metamorfoses do trabalho na sociedade do conhecimento; além de Imbrizi (2005), Romero (2005), dentre outros.

Cabe ressaltar, ainda, que embora o esporte tenha uma gênese histórica e social, e sua origem “moderna” se encontre no século XIX, não há nos estudos de Marx qualquer referência a esse fenômeno. Portanto, o presente texto constitui também um esforço de interpretação do esporte, no caso do futebol, considerando alguns referenciais marxistas.

É sabido que o esporte possui relevância significativa nas sociedades em diversos setores, como cultura, grupos e classes sociais, organizações, instituições, relações sociais, etc.2 No Brasil, o futebol, de modo especial, vem sendo abordado por diversas áreas do conhecimento como as Ciências Sociais, além de ocupar espaço também em campos como cinema, teatro, música, política, economia, etc.

Alia-se, ainda, a esse contexto de interpretação, o fato do futebol, hoje, ser também um campo de trabalho para os jogadores, por razões históricas e sociais como, por exemplo, a popularização e até mesmo a democratização da prática por todo o país, independente de classe social, raça e sexo. Sabe-se que, historicamente, até a década de 30, do século XX, o futebol sempre foi um espaço de lazer dos aristocratas filhos de imigrantes europeus, que instalaram

2

- Estudo amplo e elucidativo sobre esse significado social do esporte encontra-se em McPHERSON, Barry, CURTIS, James E & LOY, John W. The social significance of sport: an introduction to the sociology of sport. Champaign, Illinois: Human Kinetics Books, 1989. 334 p.

(4)

suas fábricas e indústrias no início desse século. Só a partir de 1933, o futebol deixa de ser uma prática das elites, para se popularizar e se tornar, posteriormente, ofício, trabalho ou atividade profissional para os jogadores.

Enquanto, atividade profissional o futebol incorpora características conceituais do esporte, como rendimento, competição, regras codificadas internacionalmente, luta contra um oponente direto usando o corpo físico na busca por um resultado3, que traduzem, a princípio, uma interpretação sob a ótica do trabalho material, a medida em que, a princípio, constituem elementos reguladores daquela atividade. Mas, culturalmente, no caso brasileiro pode-se considerar o futebol muito mais como “jogo”.4 do que como um esporte formal propriamente dito, pois, elementos como sorte, azar, drama, emoções, por exemplo, constituem ingredientes do espetáculo que é produzido diretamente pelo talento e a inteligência coletiva, aqui entendidos como categorias estruturantes do trabalho imaterial do jogador.

Nesta perspectiva específica, o desenrolar desse texto sugere, inicialmente, uma indagação fundamental: O que é trabalho imaterial ?. A partir desse conceito, duas dimensões analíticas são elucidativas, a saber: a) a do sujeito que trabalha; e, b) a do produto do trabalho.

Sobre o Conceito de Trabalho Imaterial

O próprio Marx nos Grundrisse já havia feito uma previsão de mudanças no capitalismo e, em especial, na esfera do trabalho, idealizando o surgimento de uma forma avançada em relação ao trabalho abstrato simples, da época de Adam Smith, que era considerado como fonte de valor.5 Nessa ótica, a mensuração e a quantificação da produção em relação ao tempo gasto, paulatinamente, passariam a ser substituídos por uma complexidade crescente em temos de padrões. O conhecimento se tornaria a principal fonte de riqueza

3

- Essas características expressam o conceito crítico de esporte, do sociólogo marxista Jean-Marie BROHM, no seu estudo Sociologie politique du sport. Paris: Jean-Pierre Delarge éditeur, 1976. 357 p.

4

- Estudos como o do antropólogo Roberto Da Matta, intitulado Universo do futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Editora Pinakotheke, 1982; e o de Simone Lahud Guedes, O Brasil no campo de futebol. Niterói, RJ: EDUFF, 1998, por exemplo, apresentam elementos relevantes que nos permitem fazer interpretações e identificar significados do futebol como um "jogo" que se insere e explica o cotidiano da vida cultural e social do brasileiro.

5

(5)

e que o trabalho imediato, quantificável e mensurável deixariam de ser a medida dessa riqueza criada, e esta dependeria cada vez menos do tempo e da quantidade de trabalho requeridos, exigindo mais do nível geral da ciência e do progresso da tecnologia.

Cattani & Holzmann (2006:327), genericamente, entendem por trabalho imaterial, “o conjunto de atividades corporais, intelectuais, criativas, afetivas e comunicativas inerentes ao trabalhador...”, e disso resulta, além de produtos materiais, produtos intangíveis e subjetividades como sentimentos de confiança, segurança e conforto aos consumidores numa nova relação produção-consumo. Acrescenta-se a isso, ainda, o fato de que o produto do trabalho imaterial, ao ser consumido, não mais permanece com o seu consumidor como permaneceria o produto do trabalho material.

Com base no conceito acima, pode-se dizer que os campos midiáticos, como a televisão, a internet e os outros meios de comunicação que circundam e patrocinam o esporte da alta competição, como o futebol, por exemplo, constituem bases exteriores do trabalho imaterial do jogador, reforçando positivamente ou negativamente sua carreira e sucesso no mercado.

Para Lazarato & Negri (2001:45), a perspectiva da construção do conceito de trabalho imaterial encontra relações com o seu ciclo produtivo e com a subjetividade, entendendo esta última como estilos de vida ou modos de existência. O trabalho imaterial aqui é aquele que incorpora todas as características da economia pós-industrial, presentes tanto na indústria quanto no setor terciário. Tais características são acentuadas na forma da produção “imaterial” propriamente dita. Atividades como a produção audiovisual, a publicidade, a moda, a produção de software, a gestão do território, etc. são definidas e balizadas pela relação que a produção mantém com o mercado e os consumidores.

Sob o olhar de Gorz (2005:9), o trabalho imaterial apresenta-se como uma espécie de economia do conhecimento do capitalismo, onde o trabalho, a produção industrial e o setor de serviços, incorporam um componente de saber, de relevância crescente, que é responsável pela redefinição de categorias centrais como valor, capital e trabalho.

Este saber é sinônimo do chamado capital do conhecimento e não se permite ser manipulado como mercadoria; pois, os custos da sua produção

(6)

muitas vezes não podem ser determinados. Também, seu valor mercantil não pode ser mensurado de acordo com o tempo de trabalho necessário gasto em sua criação. Acrescenta, ainda, o autor que há uma indeterminação em relação à atividade onde esse saber pode ser encontrado:

“Ninguém é capaz de dizer com precisão onde, no contexto social, o inventivo trabalho do saber começa, e onde termina. Ele pode estar numa atividade de lazer, num hobby, num serviço extra. Aliás, não existe uma relação de equivalência entre formas de saber e conteúdos: eles são intercambiáveis. Todo saber pode valer por um valor particular único e incomparável. Porém é exatamente o que tem de incomparável que acaba sendo utilizado pelo capital”. GORZ (2005:10-11).

No que se refere ao saber do jogador que trabalha como profissional de futebol, o incomparável é o que distingue e se traduz como uma qualificação individual: o talento esportivo. É esse talento que converte o jogador em mercadoria e os elementos para mensurá-lo não são necessariamente materiais.

Embora seja inevitável dizer e admitir que o “corpo físico” é o fundamento do trabalho, por excelência, o que implica na pessoalidade do jogador na atividade; concorda-se com Gorz (2005:16), quando ele entende que:

”O valor encontra hoje sua fonte na inteligência e na imaginação. O saber do indivíduo conta mais que o tempo da máquina. O homem, carregando consigo seu próprio capital, carrega igualmente uma parte do capital da empresa”.

Embora não seja a pretensão aqui fazer a apologia do “treinar para quê, se eu já sei o que fazer”, em alusão a uma música que faz referência ao ex-jogador Romário; pode-se dizer que na perspectiva do trabalho imaterial não importa apenas o treinamento racional, intenso, metódico e progressivo, com suas bases científicas e padrões clássicos de medida do rendimento, mas o talento. Desse modo, a técnica, por si só, não é condição suficiente, sem se fazer acompanhar da inteligência (para jogar), imaginação, saber e criatividade, que caracterizam alguns jogadores brasileiros que são muito valorizados no mercado do futebol.

Talvez se encontre aqui a justificativa para a dificuldade com que se fixa o preço do passe de um jogador neste mercado. Para muitos, o atacante vale

(7)

mais que o defensor; pois, fazer gol é o objetivo do jogo ou do espetáculo. Do mesmo modo; além de ter boa técnica é preciso o talento.

Por último, a respeito do trabalho imaterial, Gorz (2005:19) é enfático ao expor suas características; e, ao mesmo tempo, admite que os jogos e esportes contém um conteúdo de saber, que é necessário ao trabalho social pós-fordista:

“O coração, o centro da criação de valor, é o trabalho imaterial. (...) ele repousa sobre as capacidades expressivas e cooperativas que não se podem ensinar, sobre uma vivacidade presente na utilização dos saberes e que faz parte da cultura do cotidiano. Essa é uma das grandes diferenças entre os trabalhadores de manufaturas ou de indústrias taylorizadas e aqueles do pós-fordismo. Os trabalhadores pós-fordistas, ao contrário, devem entrar no processo de produção com toda a bagagem cultural que eles adquiriram nos jogos, nos esportes de equipe, nas lutas, disputas, nas atividades musicais, teatrais, etc...É nessas atividades fora do trabalho que são desenvolvidas sua vivacidade, sua capacidade de improvisação, de cooperação. É seu valor vernacular que a empresa pós-fordista põe para trabalhar, e explora”.

Assim, há valores produzidos pelo esporte como a cooperação e a capacidade de improvisação que são necessários para a criação de valor , não só no campo das práticas esportivas, mas para uma nova fase do mundo do trabalho.

Como isso ocorre a partir do sujeito ?

A Perspectiva do Sujeito que Trabalha

Na esfera do sujeito não há como abstrair elementos da materialidade; pois, o trabalho envolve diretamente o corpo físico. Desse modo, o trabalho do jogador de futebol constitui uma atividade física, onde o uso do corpo físico nos treinamentos e nos jogos é condição primeira.

No entanto, há elementos imateriais, como o “afetivo” (grupos de jogadores em colaboração, cooperação e entre-ajuda) e o “intelecto” – (a inteligência esportiva que demarca a qualidade, a técnica e o estilo do jogador para atuar no campo de jogo, que pode-se denominar como “talento esportivo”). Cabe lembrar, porém, que existem jogadores no mercado e com sucesso profissional, sem ter necessariamente esses requisitos. Há casos em que a liderança, o desempenho e o comportamento exemplar do jogador, são

(8)

suficientes para a sua colocação no mercado de trabalho, ainda que não possuam “talento esportivo”.

Há uma estreita relação entre a concepção de subjetividade e a esfera do trabalho. Desse modo, entende-se com Imbrizi (2005), que a subjetividade do trabalhador incorpora em seu estudo as categorias expropriação e apropriação, advindas da teoria da revolução de Marx. Faz parte desse estudo, ainda, a noção de “afeto”, não no sentido freudiano do termo, mas com significado de mediação, vinculação e afetação no processo de produção.

Os estudos de Codo e colaboradores (1993:190), contrariamente, acrescentam que se, antes, nas comunidades primitivas e durante a escravidão, havia uma fusão entre afeto e trabalho, de modo que não se podia falar de uma distinção entre estrutura produtiva e reprodutiva, hoje, há, na verdade, uma cisão entre o afeto e o trabalho; pois, “existe sempre uma transferência de subjetividade ao produto: trabalhar é impor a nossa face, o mundo fica mais parecido conosco e, portanto, nossa subjetividade depositada ali fora de nós, nos representando”.

De qualquer forma, pode-se dizer que com o advento do capitalismo foram postas as condições desta cisão, a medida que as condições formais dessa ruptura entre sujeito e objeto e do sujeito consigo mesmo, também se estabeleceram por intermédio da mídia televisiva e da internet. É nesse contexto que surge o homem alienado. A alienação apresenta-se diretamente associada às relações entre o produtor e o produto e, conseqüentemente, entre o produtor e si mesmo.6

6

- A noção de alienação no trabalho na perspectiva de Marx se refere ao fato do objeto fabricado se tornar alheio ao sujeito criador. C.f. MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. Seleção de textos de José Arthur Giannotti. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1.Consultar também MARX, Karl. Elementos fundamentales para la critica de la economia política. Buenos Aires: Siglo XXI, 1974.Uma elucidativa explicação dessa gênese da alienação a partir dos fundamentos do sistema marxiano foi feita por Istvan Meszáros. Em síntese, esse autor aponta que o processo de alienação da humanidade, no sentido fundamental do termo, significa perda de controle, a medida em que sua corporificação numa força externa que confronta os indivíduos como um poder hostil e potencialmente destrutivo. Acrescenta, ainda, que quando Marx analisou a alienação nos seus manuscritos de 1844, fez uma indicação de quatro aspectos principais, a saber: a alienação dos seres humanos em relação à natureza; à sua própria atividade produtiva; à sua espécie, como espécie humana; e de uns em relação aos outros. E afirmou enfaticamente que isso não é uma “fatalidade da natureza”, mas resultado de um tipo determinado de desenvolvimento histórico, que pode ser positivamente alterado pela intervenção consciente no processo para transcender a auto-alienação do trabalho. C.f. Meszáros, Istvan. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006. 293p. Tradução de: Isa Tavares. (2006; p. 92-172)

(9)

No futebol, para reproduzir-se socialmente, ter ascensão social e sucesso na profissão, o jogador também passa a fazer parte do consumo do espetáculo. Embora seja um dos protagonistas desse espetáculo, este não lhe pertence. O espetáculo é um produto coletivo. Também, a questão do afeto não é a única a constituir a subjetividade humana do jogador no seu trabalho no futebol. A imagem que produz de si mesmo ou sua visibilidade na mídia, fazem parte desse espaço de produção e reprodução da sua identidade. Estas faces seriam funcionalizadas pela idéia de fetichismo da mercadoria7, aparentemente numa perspectiva mais individual do que coletiva, pois, a questão do talento e a visibilidade na mídia pertencem à subjetividade do indivíduo, ainda que este faça parte de um grupo esportivo (time de futebol). De qualquer forma, como veremos a seguir, o espetáculo é um produto coletivo de consumo que supera o indivíduo.

O que o jogador produz com seu trabalho ? O espetáculo consiste num produto imaterial do trabalho do jogador?

A Perspectiva do Produto do Trabalho Imaterial

Até aqui pode-se entender que o resultado do trabalho traduz-se por duas formas distintas: o produto material e o produto imaterial. De fato, no esporte e, em especial, no futebol, o mesmo pode ser dito. O treinamento físico, a participação em um jogo que resulta em vitória, derrota ou empate, seriam produtos materiais do trabalho de um jogador de futebol. O espetáculo, por sua vez, é o produto imaterial.

No que se refere ao ciclo da produção imaterial, (Lazzarato & Negri (2001:44), apontaram que a grande indústria, a empresa e a economia pós – industrial estão assentadas sobre o tratamento da informação. As características de uma nova integração entre consumo e produção, desenvolvem as chamadas “relações de serviço” como informação,

7

- Idéia marxista que expressa o fato da mercadoria parecer perder sua relação com o trabalho e ganhar vida própria. Em suma consiste no processo pelo qual a mercadoria, enquanto ser inanimado, é considerada como se tivesse vida, fazendo com que os valores de troca se tomem superiores aos valores de uso e determinem as relações entre os homens e não vice-versa. Em outras palavras, a relação entre os produtores não aparece como relação entre eles próprios (relação humana), mas entre os produtos de seu trabalho. C.f. MARX, Karl. O Capital. São Paulo: Centauro Editora, 2005.

(10)

necessidades dos consumidores, valores, interação entre os seres humanos, subjetividades, etc.

Hardt & Negri (2005:149), por sua vez, apresentam algumas características da produção do trabalho imaterial, que se divide em duas categorias, a saber: o trabalho intelectual ou lingüístico (idéias, símbolos, códigos, produtos culturais, etc); e, o trabalho afetivo (excitação, paixão, emoções, subjetividades, etc), onde podemos encontrar elementos que estão presentes na atividade do jogador de futebol e na própria produção do espetáculo.

Conforme Romero (2005:71), na explicação sobre o produto do trabalho, deve-se considerar a subsunção formal do trabalho ao capital e ao processo de “cooperação” que envolve a produção, como inserido no trecho abaixo:

“A categoria de trabalho social ganha uma dimensão mais abrangente e mais concreta. A socialização do trabalho já é realizada por meio do capital; a cooperação simples propicia num sentido fundante, a socialização do trabalho como socialização do capital, as forças produtivas do trabalho como forças produtivas do capital: como pessoas independentes, os trabalhadores são indivíduos que entram em relação com o mesmo capital, mas não entre si. Sua cooperação começa só no processo de trabalho, mas no processo de trabalho eles deixam de pertencer a si mesmos. Com a entrada no mesmo, eles são incorporados ao capital. Como cooperadores, como membros de um organismo que trabalha, eles não são mais do que um modo específico de existência do capital. A força produtiva que o trabalhador desenvolve como trabalhador social é, portanto, força produtiva do capital”.

No que se refere ao processo de cooperação é útil entender que, embora o resultado seja o trabalho social - produzido a partir da inserção do trabalhador assalariado no interior das unidades produtivas da socialização do trabalho – o que é efetivamente pago é o trabalho individual.

Daí, conforme Romero (2005:77), entende-se diretamente a subsunção do trabalho ao capital; pois:

“...como é o capitalista quem emprega os trabalhadores em grande número, concentra-os sob um mesmo teto e organiza a produção em seu conjunto; como também é o capitalista que tem a propriedade dos meios de produção e estes, por isso, aparecem frente ao trabalhador como condições alheias; por tudo isso, esta capacidade do trabalho se produzir mais mediante sua combinação parece como um fator que se origina não do próprio trabalho, mas, agora, do capital”.

(11)

Nestes termos, acredita-se que, na esfera da produção do espetáculo no futebol, a cooperação representa elemento essencial a esse processo de subsunção.

Gorz (2005:17) também identifica que neste novo processo do capital, na “sociedade da inteligência” (Knowledge society), o saber é feito de experiências e de práticas que se transformam em evidências intuitivas, hábitos; e a inteligência cobre todo o leque das capacidades que vão do julgamento e do discernimento à abertura de espírito, à aptidão de assimilar novos conhecimentos e de combiná-los com os saberes.

A partir de tais interpretações, percebe-se que o melhor jogador de futebol é aquele que combina capacidades, possui o saber; mas, o saber criativo que o insere numa espécie de sociedade da inteligência esportiva. O conhecimento cognitivo, a técnica, o estilo, a capacidade de criação e improviso no campo de jogo e na produção do espetáculo, são essenciais para se dizer que um jogador de futebol é um talento, de fato.

No que diz respeito ao produto do trabalho do jogador – o espetáculo – percebe-se que trata desta combinação de talentos individuais; mas, acima de tudo, o resultado final é de uma produção coletiva para o mercado. Desse modo, por analogia, a produção do espetáculo é coletiva e não é igual à soma dos talentos individuais, considerados isoladamente; mas, à combinação e à coordenação entre os jogadores. Esse resultado é imaterial, intangível; mas, produzido para o consumo.

Portanto, se, para um jornalista, por exemplo, o produto imaterial do seu trabalho seria a “idéia” ou o “sentido” que fica do seu texto material e jornalístico, e não todo o conjunto de letras gráficas; se, para um artesão, seria a satisfação pelo que produziu materialmente (uma cadeira artesanal, por exemplo) e que tem um “valor” imaterial para si mesmo; no caso do jogador, sua atividade material ou participação como um trabalhador da bola, durante um jogo de futebol, resulta na produção imaterial “espetáculo”. Sob essa forma, o esporte se converte em mercadoria para ser vendida e consumida.

Nesta combinação produtiva, há que se levar em conta a substituição do físico pelo imaterial e a imposição de uma nova divisão do trabalho. Isto tem uma relação de correspondência como o fato de mega-empresas, como a Nike, por exemplo, ao lançarem sua marca nos uniformes dos jogadores, estão

(12)

também promovendo sua marca pela substituição do físico pelo imaterial, a medida em que essa marca será divulgada gratuitamente pela visibilidade da camisa na mídia e isso tem um valor imensurável. Do mesmo modo, tem-se uma divisão de trabalho, transferindo para o jogador e para a televisão o trabalho de divulgação da marca.

Aliás, Gorz (2005:39) identifica estas mudanças fazendo referências à terceirização, a partir do abandono do capital material aos parceiros contratados pela firma-mãe, que os força a intensificar continuamente a exploração de sua mão de obra. Nos termos do futebol, tem-se os “pés-de-obra” (jogadores), que são explorados e expostos na televisão para intensificar a divulgação da marca e produzirem o grande espetáculo da firma-mãe: o consumo.

Nesta perspectiva, também os empresários que promovem o espetáculo (patrocinadores e parceiros), promotores de eventos, televisão, etc; como os empresários individuais de jogadores, que colocam suas mercadorias em exposição, para negociações com clubes nacionais e do exterior, atuariam como “empresários políticos”, que teriam o poder de controlar as subjetividades dos jogadores no processo da produção do espetáculo.

Segundo (Lazzarato & Negri (2001:27), dois elementos são relevantes para fundamentar teoricamente a nova ordem do trabalho: a) a transformação do trabalho em trabalho imaterial e da força de trabalho em intelectualidade de massa (os dois aspectos são chamados por Marx, de General Intellect); b) a intelectualidade de massas pode transformar – se em um sujeito social e politicamente hegemônico.

A idéia embutida na noção de General Intelect, nos Grundrisse8, de Marx, é aqui elucidativa, a medida em que permite interpretar o talento esportivo como algo vinculado à inteligência para jogar; ou seja, um fator que diferencia subjetivamente um jogador de outro, e faz dele uma mercadoria individual, que contribui para a criação de um produto imaterial do trabalho: o espetáculo.

As características principais inseridas no trabalho imaterial são: a autonomia das sinergias positivas; os produtos ideológicos se convertem em

8

(13)

mercadorias; o “público” assume relevância a medida que torna-se o modelo do consumidor (relação público/cliente) – novos valores são agregados a esse novo formato de trabalho. (Lazzarato & Negri, 2001:38-39).

Com base nestas observações, a transformação da atividade do jogador em trabalho imaterial e da força de trabalho em intelectualidade de massa, se opera a medida que o produto espetáculo para as massas resulta de uma composição de individualidades, que são os jogadores de talento, mas que os supera coletivamente.

Embora muitos interpretem o trabalho físico no esporte como uma prática marginal, que isola o saber em relação ao fazer, que não envolve, a priori, o saber ou o intelecto, é certo que para jogar bem, ser o melhor, ter qualidade, ser “craque”, é preciso inteligência esportiva, o que aqui denominamos “talento esportivo”.

Quais são as percepções dos jogadores acerca da sua atividade em termos de materialidade e imaterialidade ? O que entendem por talento esportivo no futebol ?

Pesquisa Exploratória: elementos materiais e imateriais da atividade do jogador de futebol

Na tentativa de aprofundar à discussão da atividade do jogador de futebol na ótica da materialidade e imaterialidade do trabalho, realizou-se uma pesquisa exploratória inicial cujo foco foi o sucesso dos jogadores na profissão.9 Desse modo, há no presente texto uma breve análise de conteúdo de entrevistas realizadas com jogadores, tanto em 1997, em São Paulo, extraídas de Azevedo (1999: 344p); quanto das realizadas em Brasília, em 2007, no sentido de identificar elementos estruturantes ou indicadores do trabalho material e do imaterial. As análises se balizaram não pela quantidade de entrevistados, mas pela qualidade e saturação (repetição) das informações dentre os jogadores.

9 -

Tomou-se como entendimento genérico de sucesso profissional para fins do presente texto, não apenas a colocação do jogador no mercado da bola, mas sua imagem ou visibilidade no mesmo.

(14)

Neste sentido, um dos indicadores centrais do sucesso identificados é o salário, tido como um requisito material exigido nos contratos de trabalho como meio de subsistência e de reprodução social do jogador:

“Salário é uma coisa sagrada. A gente que tem família e contas pra pagar é quem sofre, né. Aí, chega no final do mês não tem nada no bolso, fica difícil, né!”. ( Jogador 2 – DF)

Outro jogador acrescentou, ainda, a importância de outros elementos materiais para o sucesso, como o clube ter bons campos de futebol e não sofrer lesões físicas contínuas:

“(...) o time tem que possuir uns campos bons para treino e um estádio. (...) tem colega que se machuca, faz tratamento e quando volta não é o mesmo e aí o cara fica encostado, não joga e nem vai pro banco. Conheci muita gente que largou a bola depois que se machucou e não quis continuar!”(Jogador 6 – DF).

A vida social dos jogadores está relacionada com elementos materiais do trabalho, o que inclui regulações. Acerca do fato de estar jogando no Distrito Federal e as dificuldades aqui encontradas, um dos depoimentos resume bem o fato de que todos têm expectativas futuras, sonhos e dificuldades que fazem parte do “metier” da bola, que se deparam com as “regras” punitivas, como a “caixinha” de multas, como ocorre na maioria dos grandes centros. Além disso, o comportamento da cultura local é diferente e influi nos gostos e preferências dos jogadores:

“...o futebol aqui é bom, mas ainda paga mal e as vezes atrasa. Mas, se você não entrar pra valer, vem outro cara que quer jogar e toma sua vaga, né! Tem “caixinha” quando o cara atrasa no treino e faz besteira”. (Jogador 2 – DF)

“...a vida das pessoas aqui parece que é muito séria. Talvez por isso o futebol tenha demorado a pegar por aqui e pouca gente que jogou aqui tem sucesso! A gente que quase não sai, quando sai não vê muita “balada” e “festa” não. É cinema,tirar foto e ir na casa dos caras daqui quando não tem treino e jogo. Mas, muita gente tem família e vai se divertir por aí e em casa” (Jogador 4 – DF).

No que se refere aos dados coletados em São Paulo, um dos elementos apontados para o sucesso profissional, por alguns ex-jogadores entrevistados é o comportamento exemplar e o individualismo para se ter sucesso. Esse dado

(15)

reflete uma adesão silenciosa ou submissão para ser aceito ou mantido na equipe, como revela o conteúdo do seguinte depoimento:

“(...) eu sempre fui valorizado pelo meu comportamento dentro de campo, pelo técnico, e meu comportamento fora de campo. (...) nas ‘peneiras’ isso vale muito e manteve muita gente no clube” (Informante-chave n.º 1 - Ex-jogador do Sport Club Corinthians Paulista - SCCP)

Além do alto salário, fazer gol é requisito material de permanência do jogador no clube .

“A grande referência de sucesso de um jogador no mercado é o gol. Desde a ‘peneira’ um atacante goleador é mais visto e vale mais que um zagueiro (... ) ser de seleção brasileira, ter regularidade no seu trabalho em campo conta muito.” (Jogador 1 - São Paulo Futebol Clube- SPFC)

Dentre outros questionamentos, a pesquisa permitiu, por exemplo, comparar, ainda que de forma imediata, no caso do técnico da equipe, a predominância tão somente do caráter material, a medida em que sua permanência no clube depende de obter vitórias ou resultados nos jogos. Do mesmo modo, exige-se do jogador rendimento e resultados no campo de jogo.

A construção teórica e os dados de pesquisa, ainda que pouco aprofundados, indicaram para uma preferência por elementos do trabalho imaterial, como talento, inteligência coletiva na produção do espetáculo e a produção pela mídia televisiva no sucesso do jogador.

Nesta perspectiva, no que diz respeito ao trabalho imaterial alguns depoimentos tomados são elucidativos para entender a relevância de indicadores daquela forma de trabalho no sucesso do jogador. É o caso da aparição na televisão, que foi vista por muitos jogadores como um caminho rápido para o sucesso, ainda que o jogador não tenha talento:

“Esse negócio de sucesso no futebol é uma coisa difícil! (...)a televisão ajuda muito, porque eu já vi muito cara ruim de bola que joga em time grande e ganha bem! Isso tá cheio! (...)Então, só tem sucesso quem aparece!” (Jogador 4 – DF)

“(...) eu já joguei em times grandes, maiores que esse aqui, mas o meio do futebol é sujo em qualquer lugar. Tem muito “traíra” e muita panelinha! Pra ter sucesso é bom tá dentro da panela Outra coisa é ter um empresário para mexer os pauzinhos e te levar para time grande” (Jogador 5 – DF)

A imaterialidade do trabalho se traduz, portanto, como subjetividades imensuráveis, a saber: talento, inteligência coletiva, valorização no mercado do

(16)

futebol e visibilidade na mídia. Apesar disso, entende-se aqui que não há como abstrair tais elementos da perspectiva material do trabalho, já vistos anteriormente, como salário, estrutura do clube, fazer gol, cumprimento de horários e não ter lesões físicas freqüentes.

O sucesso profissional é, para alguns, um reflexo do que se faz em campo; mas, não se reduz a isso; pois, na prática o talento esportivo é fundamental, muito embora não seja um elemento estruturante comum a todos os que estão no metier do futebol. Basta ver que há casos de jogadores que atingiram um sucesso profissional “relativo”, sem ter talento esportivo. Isso implica que "talento esportivo" é essencial, mas a "inteligência coletiva" do grupo pode contribuir significativamente para o sucesso de um jogador:

“Para mim, para ter sucesso no futebol, o cara tem que ser bom de bola! Aqui no time a gente tem aí o Dimba e o Warley, que são os bons do time! E eles são os caras! (...) tem que ser bom pra garantir sucesso na bola!” (Jogador 3 – DF)

“...a gente tem aí o Cafu, que nunca foi craque; e ser craque não é fácil! Ou você é ou não é! E o cara jogou em seleção brasileira e foi até capitão que levantou a taça. Então, para mim ele só fez sucesso por que tinha um grupo que ajudou ele! (Jogador 1 – DF).

Uma questão central para complemento da análise sobre o trabalho imaterial do jogador se referiu ao conhecimento sobre a idéia de talento. Desse modo, perguntou-se: O que é o talento ? É uma qualidade que já vem do berço e nasce com o jogador ou é adquirida na formação da categoria de base ?

"Acho que é um coisa que poucos jogadores podem fazer dentro de campo! O cara que sabe fazer um lançamento e colocar a gente na cara do gol é craque e tem talento!"(Jogador 4 - DF)

"Talento para mim é ser bom de bola; pois, isso é o que aparece na televisão!Cabeça-de-bagre não aparece e ainda é mal visto pelos comentaristas e pela torcida! "(Jogador 3 - DF)

"Talento é uma característica dos jogadores que aprecem mais. Esses caras que estão na TV o tempo todo, como o Romário, Ronaldo o Taffarel e muita gente boa que tá por aí na televisão!"(Jogador 1 - DF)

"Talento é saber jogar futebol, não só usando o corpo; mas pensando dentro de campo. Agente vê aí que tem cara que é alto e forte, mas não pensa!

É bruto! Só dá pancada!"(Jogador 2 - DF)

"O talento do jogador só aparece quando ele dá espetáculo dentro de campo!Quem joga só feijão com arroz não vai ser descoberto nunca!" (Jogador 2 - DF)

(17)

"Futebol é complicado! Para ter talento o cara tem que nascer com ele! O cara pode aprender a jogar na escolinha, nos treinos dos clubes, mas tem que ter o dom, senão não vai chegar longe! Esse dom é de quem nasce com ele! Não adianta querer fazer um jogador ser craque sem isso!" (Jogador 4 - DF)

"Talentoso é o cara que faz a diferença! É o cara! É o que sabe o que fazer com a bola quando o time precisa dele! Já vi muito jogo virar o placar por que um jogador assim mudou o jogo!" (Jogador 4 - DF)

"Em qualquer time você tem pelo menos um jogador de talento,que sabe o que faz com a bola no pé, que arma a jogada e faz gol bonito; mas a maioria, as vezes, não acompanha a visão de jogo dele! Aí fica difícil! Já vi muito jogador ruim estragar o que o jogador talentoso faz no campo!" (Jogador 2 - São Paulo Futebol Clube- SPFC)

"Talentoso é o jogador que assume a responsabilidade na hora que a coisa pega dentro de campo! Aí é que você vai saber quem é bom e quem é ruim! Quem resolve a parada e quem se esconde em campo!"(Jogador 1 - DF) "Para mim existe pouca gente com isso no futebol brasileiro. Sei que o Zico, do Flamengo, foi feito lá na categoria de base deles! Então, existe alguns "gênios" que apareceram no profissional desse jeito!" (Jogador 2 - DF)

As respostas acima são elucidativas e corroboram com a discussão teórica sobre os elementos componentes da imaterialidade do trabalho e do talento esportivo como produtor de riqueza. Essa riqueza se reverte para o para a produção do espetáculo de futebol. Desse modo, nas percepções de alguns jogadores entrevistados há uma relação de convergência, a medida em que elementos imateriais, imensuráveis e individuais caracterizam o talento, a saber: “fazer a diferença”, “ser bom de bola”, “saber jogar”; e, só aparece quem dá “espetáculo”.

Ressalta-se, ainda, que há divergências no que se refere à origem desse talento; pois, se para alguns o talento é um dom que nasce com o próprio indivíduo, para outros é uma qualidade que pode ser aperfeiçoada nas escolinhas.

De qualquer forma, as percepções deixam claro que o talento é uma qualidade rara e poucos jogadores possuem.

Considerações Finais

A análise teórica das relações entre o trabalho do jogador de futebol e o trabalho imaterial, nos permitiu, inicialmente, apontar algumas questões relevantes, a saber: a) na atividade do jogador a materialidade ou imaterialidade do trabalho estão presentes; b) o trabalho imaterial incorpora o

(18)

talento, ainda que este seja uma característica individualizada e atemporal, que sempre marcou os grandes ídolos do futebol e os distinguiu em relação aos demais. Porém, entende-se que esse talento também passa a fazer parte de uma produção coletiva ou o produto de uma “intelectualidade de massa”, que é o espetáculo. O "talento individual" imaterial depende da " inteligência coletiva" do grupo.

Fica claro, ainda, na análise, que existe uma relação de complementação ou dialética entre o trabalho material e imaterial para a produção do espetáculo. No caso da atividade do jogador de futebol, a construção teórica e os dados de pesquisa, ainda que pouco aprofundados, indicaram para uma predominância de elementos do trabalho imaterial, mas em contraponto com o trabalho material.

À medida que valoriza novas subjetividades, a visibilidade na televisão (necessários à conversão do jogador em mercadoria) e a produção do espetáculo, a forma da imaterialidade do trabalho se realiza. E, sob o signo da mercadoria, pode-se compreender, ainda, como o jogador transforma-se num patrimônio dos clubes e de empresários particulares. Essa é a lógica que predomina hoje, em razão do grande volume de negócios que permeiam o futebol e seus espetáculos no mundo, muito embora o trabalho corporal do jogador, dialeticamente, também seja necessário à imaterialidade da sua imagem no mercado.

O talento esportivo é uma qualidade individual que permite distinguir um jogador de outro e incorpora critérios como conhecimento, genialidade, habilidade, criatividade, estilo, técnica, etc; que se identificam aos requisitos exigidos hoje no mundo do trabalho. Desse modo, quando produz o espetáculo, o talento constitui parte de um produto coletivo, que se assemelharia à inteligência coletiva ou General Intellect.

No que se refere à pesquisa exploratória realizada em São Paulo e no Distrito Federal com jogadores profissionais, percebe-se que existem alguns requisitos de imaterialidade a serem considerados no sucesso profissional: talento, ser atacante, ter a confiança do técnico, aparecer na mídia e ter um empresário particular. Pelo lado da materialidade do trabalho, o desempenho no campo de jogo, o salário em dia e a estrutura física do clube de futebol constituem elementos fundamentais.

(19)

Os breves resultados dessa pesquisa demonstram que existe todo um conjunto de subjetividades características do sucesso. Tais subjetividades se traduzem como comportamentos que são controlados para a produção do espetáculo. Desse modo, não é apenas o trabalho corporal de um jogador na prática do futebol; mas, principalmente, sua imagem de mercadoria, sua visibilidade no espetáculo e no mundo dos negócios, estão diretamente relacionadas ao trabalho imaterial.

Referências Bibliográficas

AZEVEDO, Aldo. Dos velhos aos novos cartolas: uma interpretação do poder e das suas resistências nos clubes, face ao impacto das relações futebol-empresa. Brasília, Universidade de Brasília, 1999. (Tese de Doutorado em Sociologia).

BROHM, Jean-Marie. Sociologie politique du sport. Paris: Jean-Pierre Delarge éditeur, 1976. 357 p.

CATTANI, Antonio & HOLZMANN, Lorena. Dicionário de trabalho e tecnologia. (Org.). Porto Alegre: Ed. Da UFRGS, 2006.

CODO et al. Indivíduo, trabalho e sofrimento: uma abordagem interdisciplinar. 2ª.ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

DA MATTA, Roberto. Universo do futebol: esporte e sociedade brasileira. Rio de Janeiro: Editora Pinakotheke, 1982.

GUEDES, Simone L. O Brasil no campo de futebol. Niterói, RJ: EDUFF, 1998. GORZ, André. O imaterial: conhecimento, valor e capital. São Paulo: Annablume, 2005. Tradução de: Celso Azzan Júnior.

IMBRIZI, Jaquelina Maria. A formação do indivíduo no capitalismo tardio: uma análise de estudos que vinculam a esfera subjetiva ao mundo do trabalho. São Paulo: Hucitec, 2005. 322p.

LAZZARATO, Maurizio & NEGRI, Antonio. Trabalho imaterial: formas de vida e produção de subjetividade. Rio de Janeiro: DP&A Editora, 2001. Tradução de: Mônica Jesus.

McPHERSON, Barry, CURTIS, James E & LOY, John W. The social significance of sport: an introduction to the sociology of sport. Champaign, Illinois: Human Kinetics Books, 1989. 334 p.

MESZÁRIOS, Istvan. A teoria da alienação em Marx. São Paulo: Boitempo, 2006. 293p. Tradução de: Isa Tavares.

MARX, Karl. Grundrisse. Berlin: Dietz Verlag, 1953.

MARX, Karl. Elementos fundamentales para la critica de la economia política. Buenos Aires: Siglo XXI, 1974.

MARX, Karl. Manuscritos econômico-filosóficos e outros textos escolhidos. Seleção de textos de José Arthur Giannotti. 2ª ed. São Paulo: Abril Cultural, 1 MARX, Karl & ENGELS, Friedrich. A ideologia alemã..São Paulo: Martins F NEGRI, Antonio & HARDT, Michel. Multidão. guerra e democracia na era do império. Rio de Janeiro: Record, 2005.

Referências

Documentos relacionados

No primeiro, destacam-se as percepções que as cuidadoras possuem sobre o hospital psiquiátrico e os cuidados com seus familiares durante o internamento; no segundo, evidencia-se

Our contributions are: a set of guidelines that provide meaning to the different modelling elements of SysML used during the design of systems; the individual formal semantics for

The challenges of aging societies and the need to create strong and effective bonds of solidarity between generations lead us to develop an intergenerational

O relatório encontra-se dividido em 4 secções: a introdução, onde são explicitados os objetivos gerais; o corpo de trabalho, que consiste numa descrição sumária das

Outras possíveis causas de paralisia flácida, ataxia e desordens neuromusculares, (como a ação de hemoparasitas, toxoplasmose, neosporose e botulismo) foram descartadas,

Ressalta-se que mesmo que haja uma padronização (determinada por lei) e unidades com estrutura física ideal (física, material e humana), com base nos resultados da

Neste capítulo foram descritas: a composição e a abrangência da Rede Estadual de Ensino do Estado do Rio de Janeiro; o Programa Estadual de Educação e em especial as

de professores, contudo, os resultados encontrados dão conta de que este aspecto constitui-se em preocupação para gestores de escola e da sede da SEduc/AM, em