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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE BELAS ARTES Graduação em Teatro - Licenciatura

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE MINAS GERAIS ESCOLA DE BELAS ARTES

Graduação em Teatro - Licenciatura

REGISTROS DA PERCEPÇÃO:

A materialização poética do processo de criação como metodologia para o ensino-aprendizagem em Teatro

Bruno Cesar Burin Maracia

Belo Horizonte Dezembro - 2018

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Bruno Cesar Burin Maracia

REGISTROS DA PERCEPÇÃO:

A materialização poética do processo de criação como metodologia para o ensino-aprendizagem em Teatro

Monografia apresentada ao Curso de Graduação em Teatro da Escola de Belas Artes da Universidade Federal de Minas Gerais, como requisito parcial para a obtenção do título de Licenciado em Teatro.

Orientação: Prof.ª Dr.ª Mônica Medeiros

Ribeiro

Coorientação: Prof. Dr. Ernani de Castro

Maletta

Universidade Federal de Minas Gerais Belo Horizonte – 2018

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Agradecimentos

À minha família e, especialmente, aos meus pais que sempre me apoiaram e incentivaram ir atrás dos meus desejos.

Aos professores do Teatro e da Dança - Belas Artes/UFMG e da Faculdade de Educação/UFMG por sempre serem solícitos e provocadores de questões.

A toda equipe (coristas e bolsistas) do Núcleo de Música Coral da UFMG por ter compartilhado grandes ensinamentos e momentos de alegria e, especialmente ao Prof. Ernani Maletta que sempre acreditou em minha proposta de trabalho com o coro.

À Ana Clara Bender, por compartilhar o mesmo apartamento a cinco anos repleto de amizade e afeto e, por partilhar a preparação corporal do NMC comigo.

À Ana Luisa Simões (Analu Simões), Júlia Campolina, Laura Araújo, Luisa Pacheco, Paulo Porto, Rafael Temponi e Wendel Francis que acreditaram na proposta da pesquisa e possibilitaram a criação do LEMOV.

À Marcela Talita e Nai Rezende por acreditarem e fazerem parte do desenvolvimento de pesquisa do LEMOV, contribuindo com a realização da produção e figurino, além da amizade e carinho diário.

Aos coristas que tiveram interesse no trabalho mais não puderam estar presente nos encontros do LEMOV e aos que tiveram que se afastar durante a pesquisa por motivos pessoais.

Ao Prof. Eugênio Tadeu pela sua disponibilidade, provocações e afeto comigo desde o início do curso se estendendo a trabalhos de pesquisa.

Ao grupo de pesquisa ‘Aquecimento vocal/corporal’, coordenado pelo Prof. Eugênio Tadeu, que sempre me instigava a pesquisar e, por ser um local de muito aprendizado.

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Ao Prof. Arnaldo Alvarenga, pelos ensinamentos nas áreas da Dança e dos Estudos Corporais.

À Prof.ª Carla Andréa, pelos ensinamentos de Dança-Teatro e por compartilhar a paixão pela dança de Pina Bausch.

Ao Rufo Herrera, por ter criado o GOM.

À Ione de Medeiros, pelos ensinamentos e pela forma tão admirável de pensar e fazer Teatro.

Ao Jonnatha Horta Forte por sempre compartilhar pensamentos sobre a preparação corporal.

Ao Grupo Oficcina Multimédia, pela disponibilidade, amizade e afeto.

À Mônica Ribeiro, pelas provocações e pelos porquês da pesquisa.

À Diretoria de Relações Internacionais e à Universidade de Coimbra pela oportunidade da realização de uma mobilidade acadêmica internacional.

Ao TEUC - Coimbra, pela companhia, amizade, e ensinamentos sobre um fazer teatral.

Aos meus amigos, Carol, Marcos, Maria e Patrick, pelo carinho e incentivo.

Aos meus amigos Isabela, Ludialem e Matheus, pelos cafés, conversas e viagens repletos de carinho e escuta.

Ao Everton Oliveira, pela presença, calma, afeto e disponibilidade de escuta diária comigo.

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Resumo

A utilização de cadernos de processo tem sido um objeto recorrente de estudo nas pesquisas de processo de criação das Artes da Cena. Ao lidar com esses documentos, estamos analisando os rastros do processo do artista que materializa sua percepção estética por meio do registro. Na pesquisa que deu origem a esta monografia, o autor buscou refletir, com base nos registros do processo de criação do Laboratório de Estudos do Movimento e da Voz (LEMOV), como esse material poético pode ser considerado um recurso metodológico que tece uma rede panorâmica aberta, impulsionada pela dinamicidade do movimento pedagógico. Por meio do registro e de sua performatividade, foi possível verificar procedimentos metodológicos que se encontram nas entrelinhas dos rascunhos do fazer criativo, contribuindo para o ensino-aprendizagem em Teatro. Na busca de exercitar a estruturação de um pensamento teórico sobre um fazer, foi compreendido que o processo de criação apresenta em si, traços pedagógicos.

Palavras-chave: Atores do cotidiano. Ensino-aprendizagem em Teatro. Movimento

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Resumen

El uso del proceso de contrato ha sido un recurrente objeto de estudio para proceso de creación de la escena artística. Cuando se trata con estos documentos, estamos analizando las huellas del proceso que se materializa su percepción estética a través del registro. En la investigación que dio origen a esta monografía, el autor pretendía reflejar, sobre la base de registros del proceso de la creación del Laboratorio de Estudios del Movimiento y la Voz (LEMOV), como material poético que puede considerarse como un recurso metodológico que teje una red abierta, impulsado por el dinamismo del movimiento pedagógico. A través del registro y su performatividad, fue posible comprobar procedimientos metodológicos que se encuentran entre las líneas de los bosquejos hacen creativo, contribuyendo al proceso de enseñanza-aprendizaje en el teatro. En la búsqueda de ejercer la estructuración de un pensamiento teórico sobre um hacer, se entendió que el proceso creativo, presenta indicios pedagógicos.

Palabras-clave: Actores de la vida cotidiana. Enseñanza y el aprendizaje en el teatro.

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Sumário

INTRODUÇÃO ... 09

CAPÍTULO 1 Fundamentos da polifonia cênica e do trabalho do GOM ... 23

1.1 - Conceito de Atuação Polifônica segundo Ernani Maletta ... 23

1.2 – O ensino-aprendizagem para uma atuação polifônica ... 26

1.3 – Grupo Oficcina Multimédia ... 34

1.3.1 – A pesquisa de Ione de Medeiros ... 34

1.3.2 – Breve história de Rufo Herrera e a criação do GOM ... 35

1.3.3 – A sistematização do trabalho do GOM ... 37

CAPÍTULO 2 Discussão e análise dos registros do processo criativo do LEMOV ... 45

2.1 - Contextualização: Influências e pensamentos para o início do trabalho.. 45

2.2 – Primeiros encontros ... 47

2.3 - Fase inicial do trabalho: Identidades do Corpo... 49

2.4 – Início dos registros: reflexos do Eu ... 51

2.5 – A fuga do Eu: Não queremos falar dos nossos devaneios ... 58

2.6 – Do registro do treinamento para a cena ... 63

CAPÍTULO 3 Fundamentos para a elaboração de uma estratégia metodológica para o processo de formação e criação com atores do cotidiano ... 71

3.1 – Nebulosidades dos registros: um novo recurso didático para proposições estéticas ... 71

3.2 – Sistematização metodológica: a prática criativa como metodologia para o ensino-aprendizado ... 82

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REFERÊNCIA BIBLIOGRÁFICA ... 96

ANEXO I – Relatos ... 99

ANEXO II – Questionários ... 112

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INTRODUÇÃO

A pesquisa realizada e aqui registrada surgiu no percurso de meus estudos no curso de Graduação em Teatro/Licenciatura com formação complementar em Licenciatura em Dança, na Escola de Belas Artes (EBA), da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Motivado pela minha práxis como preparador cênico-corporal, enquanto bolsista pelo Programa de Extensão - Núcleo de Música Coral da UFMG (NMC – UFMG), coordenado pelo Prof. Dr. Ernani Maletta, e da minha passagem como ator pelo Grupo Oficcina Multimédia (GOM), dirigido por Ione de Medeiros, apresento uma reflexão sobre uma possível abordagem pedagógica no processo de formação em Artes Cênicas, em especial nas artes do corpo.

As reflexões que fiz durante o meu percurso de estudo à docência me moveram a indagar como o processo criativo pode ser também considerado um processo pedagógico por meio de um viés interdisciplinar entre as multi-linguagens1 do campo artístico. Com isso, apresento como tema da monografia, o registro do processo de criação como movimento pedagógico, para identificar em que medida os registros em diários de bordo podem ser um dispositivo tanto para a criação cênica como material de ensino-aprendizagem em Teatro. Utilizo aqui o termo “movimento pedagógico”, pois, o compreendo como um sistema que opera no dinamismo da promoção de experiências estéticas2(PAREYSON, 1993) entre o fazer e apreciar, possibilitando uma tomada de consciência do sujeito-participante que realiza e/ou observa determinada ação no tempo-espaço a fim de elaborar e construir uma narrativa crítica sobre ele.

Impulsionado por esse tema e por minhas inquietações, enquanto docente-pesquisador em formação, apresento a pergunta central da pesquisa de conclusão de curso: Como a

1 A multi-linguagem está sendo entendida aqui como o cruzamento, apropriação e compartilhamento de

princípios e procedimentos de várias linguagens da arte, como: teatro, dança, música e artes plásticas, a fim de construir discursos simultâneos cênicos, como diz Maletta (2016).

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criação e a performatividade3 do registro potencializa a formação e a elaboração de uma estratégia metodológica em teatro com atores do cotidiano4 no âmbito do Laboratório de Estudos do Movimento e da Voz (LEMOV)?. Esse laboratório, que pertence ao contexto do ensino não-formal 5, foi criado por mim, como um desdobramento do Programa de Extensão NMC – UFMG. A criação do laboratório veio a partir do intuito de investigar o ensino-aprendizagem em processos criativos, por meio de práticas entre movimento e voz, e promover outras experiências estéticas cênicas para os coristas da comunidade interna e externa ao campus UFMG. Esse estudo se desdobrou nesta escrita com o objetivo de apresentar fundamentos por meio dos registros que contribuam para a elaboração de uma estratégia metodológica para processos formativos e criativos com atores do cotidiano, lançando, assim, uma possível abordagem rizomática6, a partir dos princípios da multi-linguagem, para o processo de ensino em Teatro.

3

A ideia de performatividade do registro parte do trabalho de pesquisa realizado pela Prof.ª Dr.ª Mônica Ribeiro no período de 2015 – 2017: O corpo em processo: a performatividade dos registros na gênese da cena, DEMANDA UNIVERSAL/ FAPEMIG. Descrição da pesquisa de Ribeiro: Analisar, sob os princípios da crítica genética, dos estudos contemporâneos sobre o corpo e a performatividade nas artes cênicas, os registros iconográficos nos cadernos de artista da diretora teatral Ione de Medeiros no período de trabalho é uma tentativa de teorização sobre um fazer criativo. Vimos neste trabalho que o processo de criação pertence à formação do artista, pois em todo desenvolvimento criativo tem em si traços pedagógicos, uma vez que exercitamos de diversas maneiras a reflexão sobre um fazendo de 2011 a 2013.trabalho é uma tentativa de teorização sobre um fazer criativo. Vimos neste trabalho que o processo de criação pertence à formação do artista, pois em todo desenvolvimento criativo tem em si traços pedagógicos, uma vez que exercitamos de diversas maneiras a reflexão sobre um fazer.trabalho é uma tentativa de teorização sobre um fazer criativo. Vimos neste trabalho que o processo de criação pertence à formação do artista, pois em todo desenvolvimento criativo tem em si traços pedagógicos, uma vez que exercitamos de diversas maneiras a reflexão sobre um fazer.

4 Termo emprestado da pesquisadora Julia Guimarães Mendes, à luz de diluir o tom pejorativo quando é

usado “não-atores” por não terem um registro profissional de ator (DRT) ou por virem de outras áreas do conhecimento. Uma vez que a pesquisadora, e eu também, vemos grande potencialidade estética e profissional nos trabalhos cênicos dos atores do cotidiano. Ou seja, nesse estudo não se confere fundamental importância ao registro profissional de ator, por mais que o mesmo se faça necessário nos dias atuais por uma questão política de reconhecimento da profissão (MENDES, 2017).

5 Conceito usado por Teixeira Coelho em seus estudos de ensino-aprendizagem, o qual defende processos

pedagógicos em outros espaços do que somente em espaços formais (reconhecido pelo MEC) (COELHO, 2006).

6 “Um agenciamento é precisamente este crescimento das dimensões numa multiplicidade que muda

necessariamente de natureza à medida que ela aumenta suas conexões. Não existem pontos ou posições num rizoma como se encontra numa estrutura, numa árvore, numa raiz. Existem somente linhas.[...] um rizoma não pode ser justificado por nenhum modelo estrutural ou gerativo. Ele é estranho a qualquer ideia de eixo genético ou de estrutura profunda. Um eixo genético é como uma unidade pivotante objetiva sobre a qual se organizam estados sucessivos; uma estrutura profunda é, antes, como que uma seqüência de base decomponível em constituintes imediatos, enquanto que a unidade do produto se apresenta numa outra dimensão, transformacional e subjetiva. [...]Um rizoma não começa nem conclui, ele se encontra

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A escrita desse trabalho é fruto de um percurso metodológico, que compreendeu:

 A criação e análise de registros de diários de bordo do mediador/propositor das atividades e dos sujeitos-participantes (atores do cotidiano), na exploração entre movimento e voz, com o uso de materiais cotidianos nas práticas cênicas do LEMOV;

 Conversas com os participantes;  Prática de criação cênica;

 Entrevistas sobre as metodologias desenvolvidas durante processos criativos dos seguintes pesquisadores e artistas, a fim de compreender em que medida os mesmos consideram o próprio processo de criação como um processo de ensino-aprendizagem: Ernani Maletta – professor da UFMG e atuante em processos criativos desenvolvidos com artistas e grupos cênicos do Brasil e da Itália; Ione de Medeiros – musicista e diretora do GOM.

Breve História do Núcleo de Música Coral da UFMG

O Núcleo de Música Coral da UFMG comemora em 2018 os seus 20 anos de existência e trabalho contínuo na promoção do canto coral com a comunidade interna e externa à UFMG. Segundo o atual coordenador geral do NMC, Prof. Ernani Maletta, uma das ações que estão sendo realizadas para a comemoração desse aniversário é o regaste dos registros da história do Núcleo, uma vez que, anteriormente à sua institucionalização como um Programa de Extensão da universidade, diversas atividades foram informalmente realizadas e não documentadas. Assim, fez-se necessária a busca de informações por meio de entrevistas com as pessoas então envolvidas, o que foi realizado neste segundo semestre de 20187.

No que diz respeito ao estímulo do canto coral no campus UFMG, o que sabemos, com base no que já foi coletado, é que, entre 1986 a 1990, a regente Maria do Carmo de

sempre no meio, entre as coisas, inter-ser, intermezzo” (DELEUZE e GUATTARI, 1995).

7 Tendo em vista essa carência de registros documentais, a maior parte das informações sobre as

atividades relativas ao Canto Coral na UFMG, anteriores a 1998, foram obtidas por meio de entrevistas realizadas para esse fim com o Prof. Ernani Maletta.

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Souza Campara (Cacá Campara) – naquele momento professora da Escola de Música da UFMG –, foi convidada pela então diretora, dessa unidade acadêmica, Prof.ª Sandra Loureiro, para promover o canto coral em algumas unidades do campus, como: o Instituto de Ciências Biológicas (ICB), a Faculdade de Letras (FALE), a Faculdade de Medicina, e a Escola de Engenharia (EE), além de um coral formado com servidores da UFMG, sediado na Reitoria. Ou seja, a prática do canto coral já era desenvolvida em algumas unidades da universidade antes mesmo do surgimento do NMC.

Nas buscas que vêm sendo feitas, de registros sobre o NMC e as atividades voltadas ao Canto Coral que o antecederam, foi encontrado o rascunho, escrito a mão, de um possível documento que teria sido redigido em dezembro de 1991 pela então coordenadora do CENEX da Escola de Música da UFMG, Prof.ª Virgínia Helena Bernardes. Nesse rascunho, Bernardes se refere a um Projeto8 denominado “Corais no Campus”, indicando a Prof.ª Ângela Pinto Coelho como sua coordenadora. Esse projeto, que oficialmente antecedeu o NMC e que já previa a participação de bolsistas de extensão como regentes dos Corais, consta no atual Sistema de Informação da Extensão (SIEX), porém tendo 1992 como ano de início9.

Em 1997, chega à ESMU/UFMG a Prof.ª Iara Fricke Matte, que propõe a criação do Programa10 Núcleo de Música Coral da UFMG. Com a proposição da Prof.ª Iara, o Núcleo, beneficiado por 20 bolsas de extensão, passaria a articular três projetos de extensão: o já citado Corais no Campus – com a difusão de corais pelo campus da UFMG; o Coro de Câmera – atividade coral regida pela própria Iara Matte, direcionado aos alunos da ESMU/UFMG; e o Saúde Vocal do Corista – com a parceria do Curso de Fonoaudiologia, que indicaria um aluno para atuar nos diversos corais.

8 Definição feita pela Pró-Reitoria de Extensão da UFMG sobre projeto de extensão: Ação com objetivo

focalizado, com tempo determinado, podendo abranger, de forma vinculada, cursos, eventos e prestação

de serviços. O projeto pode ser vinculado a um programa. Disponível em:

https://www2.ufmg.br/proex/Sistemas/SIEX/Concepcoes-de-Extensao

9 Segundo o Prof. Maletta, ainda não foram recolhidas informações sobre o funcionamento do Projeto

Corais no Campus entre 1992 e 1996. O SIEX só foi implantado em 1998 e as informações que constam são a partir dessa data.

10

Definição feita pela Pró-Reitoria de Extensão da UFMG sobre programa de extensão: Conjunto articulado de pelo menos dois projetos e outras ações de extensão (cursos, eventos, prestação de serviços), desenvolvido de forma processual e contínua e que deve explicitar, necessariamente, a metodologia de

articulação das diversas ações vinculadas. Disponível em:

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Em 2006, com o NMC ativo, a Prof.ª Iara se afasta de seu cargo até 2009, para se dedicar ao seu doutoramento fora do Brasil. Com isso, a Prof.ª Helena Freire, co-coordenadora desde o início do programa, assume seu posto dando continuidade aos trabalhos até o retorno de Iara Matte.

Em 2009, a Prof.ª Iara retorna ao Brasil e assume novamente o NMC. Suas atividades continuaram, como coordenadora, por mais quatro anos, convidando, o Prof. Ernani Maletta para assumir a sua posição, em novembro de 2013. Devido a questões administrativas, tendo em vista a mudança da sede do Programa para a Escola de Belas Artes, onde o Prof. Maletta é lotado, sua oficialização como coordenador geral do NMC só vai ocorrer em maio de 2014 – entre novembro de 2013 e maio de 2014, Maletta manteve-se vinculado ao Programa como observador das atividades, sob a coordenação pro tempori de Neylson Crepalde, então professor substituto da ESMU e que já atuava como assistente da Prof ª Iara Matte.

Desde 2014, com a entrada definitiva de Ernani Maletta como coordenador do NMC, tendo em vista a sua atuação nas Artes da Cena, o Núcleo vem apresentando um aumento significativo de suas atividades, que envolvem outras formas expressivas para além da Música. Em particular, destaca-se a elaboração do espetáculo ‘Carmina Burana: Uma cantata cênica’, que mobilizou o Núcleo como um todo, entre bolsistas e todos os coristas dos 6 corais que existiam até então, além de um grupo de alunos do Curso de Teatro da EBA/UFMG e profissionais colaboradores que não faziam parte do NMC.

Estreamos o referido espetáculo em dezembro de 2016 em um momento, de modo geral, difícil para a universidade e a comunidade, que lutavam, por meio de greves e ocupações, contra a PEC 55 ou 24111, proposta pelo Governo Federal. Em um momento

11 Explicação da Ementa: Institui o Novo Regime Fiscal no âmbito dos Orçamentos Fiscal e da

Seguridade Social da União, que vigorará por 20 exercícios financeiros, existindo limites individualizados para as despesas primárias de cada um dos três Poderes, do Ministério Público da União e da Defensoria Pública da União; sendo que cada um dos limites equivalerá: I - para o exercício de 2017, à despesa primária paga no exercício de 2016, incluídos os restos a pagar pagos e demais operações que afetam o resultado primário, corrigida em 7,2% e II - para os exercícios posteriores, ao valor do limite referente ao exercício imediatamente anterior, corrigido pela variação do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo – IPCA. Determina que não se incluem na base de cálculo e nos limites estabelecidos: I - transferências constitucionais; II - créditos extraordinários III - despesas não recorrentes da Justiça

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de luta política, conseguimos por fim, colocar em cena o nosso manifesto artístico-político a favor da ideia de que todos têm o direito ao fazer artístico.

Com o grande sucesso de nossa primeira temporada, no Grande Teatro do Sesc Palladium, em Belo Horizonte, permanecemos com o nosso manifesto cênico durante dois anos (2016 – 2018), em curtas temporadas a convite do próprio Sesc (março de 2017) e do Festival de Inverno da UFMG (julho de 2017) e da Campanha de Popularização de Teatro e Dança (março de 2018); destaca- se que, por essa última temporada, recebemos o prêmio de ‘Reconhecimento Cultural’ pelo desenvolvimento do projeto e do espetáculo, bem como pela ação promovida na cidade.

Ainda sobre o espetáculo ‘Carmina Burana’, é importante falar que houve um significativo aumento de interesse pela Arte por parte da comunidade interna e externa à UFMG, pois muitas pessoas vieram nos procurar para saber como poderiam participar de aulas de canto, teatro, e apresentações com os corais. Devido a essa grande demanda e com a empolgação de alguns bolsistas, a cada apresentação do Carmina, praticamente abríamos um novo coral. Com isso, o programa NMC passou de 06 grupos que se constituíam no final de 2016, a contar com 10 corais, “por enquanto”.

Atuação como Bolsista do NMC – UFMG

Enquanto bolsista-discente, sou preparador cênico-corporal do Núcleo de Música Coral da UFMG desde julho de 2016 até a atualidade. A minha função principal como bolsista é estimular o trabalho corporal dos coristas, cotidianamente, para que, ao se apresentarem, demonstrem uma qualidade expressiva diferente do que estamos acostumados a ver em corais estruturados de forma tradicional.

Quando digo corais tradicionais, refiro-me aos coros eruditos, que apresentam uma organização espacial específica para cada naipe vocal, uma vestimenta voltada para

Eleitoral com a realização de eleições; e IV - despesas com aumento de capital de empresas estatais não dependentes. Para a educação isso implica em mudar a regra que existe atualmente (e é determinada pela Constituição), que obriga o Estado brasileiro a investir a 13,2% de sua receita em saúde e 18% em educação, no mínimo. Segundo cálculos da liderança da oposição na Câmara, se essa regra nova regra da PEC 55 estivesse valendo desde 2005, cerca de R$ 350 bilhões teriam deixado de ir para a educação. (acesso ao: https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/127337 e

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cores neutras, como o preto, a utilização de pastas para acompanhamento da canção e a demonstração de uma “rigidez corpórea” que leva à inibição do movimento expressivo cênico.

Tomando como premissa a estética dos corais eruditos, o trabalho que o Prof. Dr. Ernani Maletta, coordenador do Núcleo, propõe, vai de encontro à estrutura dos corais tradicionais. Desde a entrada de Maletta no NMC, ficou estabelecido, como uma das metas do programa, o trabalho de rompimento da estrutura formal dos corais, para promover uma potencialidade cênica, tanto na parte do canto coral, quanto nos corpos dos coristas; além de proporcionar outras vivências estéticas no canto coral.

Desde 2016, com o primeiro e grande trabalho12 de rompimento da estrutura, os corais, vêm se apresentando em sua máxima potencialidade expressiva vocal-corporal. Com isso, identifiquei que a libertação, por meio da preparação corporal cênica, da estrutura formal na qual somente a voz cantada prevalecia, propiciou que a movimentação cênica começasse a se tornar um novo dispositivo de desenvolvimento pedagógico e estético para o Núcleo.

Antes de ter a consciência de que a movimentação cênica dos coristas poderia se tornar um dispositivo para as práticas de cada coro e do Núcleo como um todo, tive o desafio de pensar e elaborar práticas corporais para iniciar, aos poucos, o rompimento da estrutura formal, como citado anteriormente. Por ter formação livre em Dança13, além de cursar a Licenciatura em Teatro, o marcar do pulso musical em exercícios cênicos sempre foi muito presente em minhas práticas. Em razão de nunca ter trabalhado com canto coral e da disponibilidade de corpos tão diferentes no mesmo grupo, percebi que,

12

Apresentação do espetáculo Carmina Burana: Uma Cantata Cênica, no Sesc Palladium de Belo Horizonte/MG.

13 Comecei a dançar com 13 anos de idade, em aulas de street dance e dança contemporânea, como

formação extracurricular do ensino básico. Logo depois, tive aulas de dança contemporânea na Escola Ballet Vanessa Tremeschin, com Amanda Sabioni, hoje formada como bacharel e licenciada em Dança pela UNICAMP. Quando cheguei a Belo Horizonte, em 2014, iniciei ballet na Escola de ballet Paola Marques, com a própria Paola. Em 2015, iniciei o curso de dança no CEFART, com Maria Clara Salles, mas não cheguei a concluir o curso. De 2015 a 2017, fiz parte do Dança Jovem, coordenado pelo Coletivo Movasse, onde tive aulas de dança moderna com Pedro Romero e Regina Amaral, dança contemporânea com Ester França, Andrea Anhaia, Pedro Romero, Cristiano Reis (diretor da Cia de Dança do Palácio das Artes), Yasmin Almeida (bailarino do Grupo Corpo), Léo Garcia (bailarino do Palácio das Artes), Lucas Resende (na época, bailarino do Primeiro Ato e hoje da Cia de Dança do Palácio das Artes). Além disso, cursei a formação complementar em Licenciatura em Dança, com o Prof. Dr. Arnaldo Alvarenga, do qual fui monitor na disciplina “Domínio e consciência do movimento”, e com a Prof.ª Dr.ª Carla Andrea Lima.

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para obter uma qualidade de fortalecimento muscular, de movimento e de uma atenção cênica, exercícios rítmicos poderiam ser um ótimo começo. Comecei, então, a trabalhar com exercícios que exigiam dos coristas uma manifestação gestual e vocal, ao mesmo tempo em que se deslocavam pelo espaço. Algumas dessas atividades eram estruturadas por mim, do seguinte modo:

 Passar o pulso definido pelo grupo de um indivíduo para o outro, aleatoriamente, com todos dispostos em círculo (uma grande roda), com:

- Palma;

- Voz (com silabas de ataque – PÁ, TÁ, POW, TÓ, TÔ); - Palma e voz;

- Andando pelo espaço, passando palma e voz.

Andar no pulso e passar palma: - Andar (1, 2 e 3); - Parar (P). 1 - P - P14 1 - 2 - P 1 - 2 - 3  Sílaba e gesto:

TA-TA-TA * Estalo com os dedos ^ Bater na coxa TA*- PE^- TE´-TOº ´ Braço para cima º Soco no ar

TA*- PE^- TE´

TA*- PE^ - Variação: fazer andando TA*

TA-TA-TA

14

Estrutura rítmica vivenciada na disciplina “Rítmica Corporal”, no curso de Teatro EBA/UFMG, com a Prof.ª Dr.ª Mônica Ribeiro.

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Geralmente, conseguia desenvolver apenas três atividades rítmicas, em cada encontro15, pois o tempo que tínhamos disponível para trabalhar com o coro era compartilhado entre a preparação corporal, a preparação vocal e ensaio das peças musicais. Para além do curto tempo de ensaio, os coristas apresentavam muita dificuldade nos primeiros dias nos quais os exercícios eram propostos. Dificuldade essa que se apresentava em virtude de estarem acostumados a trabalhar somente o aparelho fonador, e não desenvolverem práticas simultâneas que envolvessem o corpo como um todo – gesto, som, memória, sensação, tempo e espaço.

Durante meu percurso de trabalho com os coros, aproximei-me bastante de Emanuelle Cardoso, que desenvolve no NMC funções de preparadora vocal e regente. Nossa proximidade dentro do Núcleo se deu por considerarmos que os coristas deveriam vivenciar atividades simultâneas durante a preparação corporal-vocal, para melhor desenvolvimento da expressividade corporal e sonora ao se apresentarem cenicamente.

A partir dessa aproximação, estabelecemos um trabalho de preparação em conjunto nos corais sob nossa responsabilidade. A cada encontro, íamos desenvolvendo atividades, nas quais um influenciava na proposta inicial do outro, proporcionando ao grupo práticas simultâneas entre gesto e som ritmicamente coordenadas que, por sua vez, forneciam condições e possibilidades para que cada corista harmonizasse as ações corporais-vocais de maneira individual e particular.

Com isso, observamos que trabalhando juntos conseguíamos progredir com os coristas, na relação da manifestação de um corpo-voz no tempo-espaço, e da melhoria da atenção sobre a ação proposta, resultando em um ganho potente na performance do canto coral. O ganho potente na manifestação vocal-corporal, ao qual me refiro, pode ser percebido pelo fato de que os coristas que começaram trabalhando a canção focalizando-a somente no aparelho fonador, hoje buscam trabalhar o envolvimento do corpo como um todo, na ação cênica. Os coristas também relatam, em conversas informais em nossos encontros que, a partir da criação de um subtexto de um acontecimento envolvendo e ou possibilitando o surgimento de gestos, sensações, memórias e espaços – ou seja, a articulação do corpo como um todo –, fica mais compreensível o entendimento do texto

15

Cada coral pertencente ao NMC tem autonomia sobre o gerenciamento do tempo e quantidade de dias para ensaio.

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da peça musical e a sua interpretação. Isso se torna importante, pois, muitas vezes, cantam em latim, alemão ou italiano, como na cantata Carmina Burana.

Não posso deixar de dizer também que, em meio a essas práticas simultâneas provocadas por mim e Emanuelle, nós também enriquecemos, particularmente, nossos repertórios como docentes e atuantes da cena.

Atuação no Grupo Oficcina Multimédia

Por eu não ser de Belo Horizonte, conheci o Grupo Oficcina Multimédia somente em 2014, quando ingressei no curso de Teatro na UFMG. Lembro-me que meu primeiro contato com o grupo foi como espectador, assistindo à peça ‘Aldebaran’. Ao acabar de assistir à peça, não conseguia, em um primeiro momento, formar uma opinião coesa sobre a forma com que o grupo havia se apresentado cenicamente. Somente sabia que aquilo tinha me causado um estranhamento.

No semestre seguinte, já na faculdade, tive meu primeiro contato com a Prof.ª Dr.ª Mônica Ribeiro na disciplina “Oficina de Improvisação Corporal”, quando soube que a professora havia sido atriz e preparadora corporal do GOM, por vários anos. No decorrer da disciplina citada e da disciplina “Rítmica Corporal”, ofertada pela mesma professora no semestre seguinte, comecei a entender o que teria me causado o estranhamento ao ter visto a peça um ano antes, uma vez que o GOM usa da rítmica corporal, desenvolvida por Ione de Medeiros, para treinamento e criação cênica. Por meio da prática com a professora Mônica, comecei a perceber que não era necessária uma interpretação literal, quando estamos trabalhando com um conto, fábula ou histórias mas, sim, localizar o que é essencial para se passar alguma ideia/mensagem a quem assiste, além de compreender que, quando estamos lidando com uma obra abstrata é preciso certa precisão nos movimentos para a efetiva construção dessa mensagem.

Em 2015, o GOM volta a apresentar ‘Aldebaran’ em BH, e para não perder a oportunidade de me aproximar do grupo fui assisti-lhes novamente. Como já havia estudado com a Mônica algumas práticas da rítmica corporal de Ione, diretora do GOM, pude identificar que a qualidade da atenção dos atores em cena e a prática da simultaneidade entre gesto-som-objeto apresentados ali naquele tempo-espaço, com

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muita precisão, era o que me causava o “estranhamento”, no sentido de que aquilo viria a ser o que eu buscaria como ator e professor futuramente.

Depois de dois anos, já com a participação em algumas oficinas ofertadas pelo GOM, em 2017, tive a oportunidade de ingressar no grupo, em um processo de substituição de um dos atores do espetáculo ‘Macquinária 21’. Então, toda aquela sensação de estranhamento que me deixava em ‘vibração’, na busca de compreender e localizar aquilo me impactava de maneira positiva em meu primeiro contato com o grupo, agora estava sendo vivenciado, por mim, corporalmente.

Nos ensaios diários do grupo, lidávamos com o espaço e com o companheiro de trabalho de uma forma que nunca tinha visto antes. Chegávamos todos os dias às 19h para ensaiar e, a nossa primeira tarefa era a de limpar o chão do galpão em conjunto. O impressionante, para mim, era que, a partir do momento em que pegávamos nas vassouras ou nos panos de chão, era estabelecido, sem nenhum comunicado explícito, que dali até às 23h, fim do ensaio, estávamos 100% concentrados no trabalho.

Além do trato singular que o grupo tem com o espaço de ensaio, o treinamento da rítmica de Ione, que apresenta uma hiper-complexidade, junto com a utilização de objetos cotidianos, como cadeira, papelão, carrinho de supermercado, bola, corda, tapetes e etc., faziam com que nós, atores, tivéssemos que estar com a atenção profundamente ampliada. Ao longo dos exercícios de rítmica corporal e do trato do objeto como parceiro de trabalho, comecei a perceber que estava mais atento e com maior facilidade de solucionar algum problema, tanto cenicamente, como cotidianamente em outras atividades. Segundo Ribeiro (2012), esse estado de alerta e de prontidão são resultados corporais que dizem respeito à alteração da atenção proporcionada pela prática rítmica de Ione, a qual possibilita que os atuantes trabalhem a coexistência da atenção sustentada, alterada e dividida. Essa coexistência de atenções nas propostas rítmicas de Ione permite que os participantes demonstrem maior grau de capacidade atencional após o treinamento16.

16 Tese de Ribeiro sobre a experiência corporal do ritmo no espaço-tempo por meio do movimento

expressivo na Rítmica Corporal de Ione de Medeiros, disponível no link:

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Por ter a possibilidade e a oportunidade de vivenciar corporalmente a prática rítmica de Ione, em uma substituição no elenco, pude observar, como docente em formação, que a abordagem de Ione, por mais complexa que seja em sua sistematização, causa em mim, uma influência direta nas minhas práticas, como docente, como preparador-cênico corporal do NMC e na possibilidade de promoção de práticas rítmicas entre gesto e som, para despertar essa alteração da atenção nos participantes dos corais.

Criação do LEMOV

Com o desejo de oferecer ao NMC a oportunidade de conhecer e experimentar outros registros estéticos, além do canto coral, o Laboratório de Estudos do Movimento e da Voz (LEMOV) nasce em março de 2018. Criado e coordenado por mim, o LEMOV tem o objetivo de ser um espaço de experimentação, entre movimento e voz, com o uso de materiais cotidianos, apoiado em uma abordagem híbrida, usando da multi-linguagem como fonte geradora de imagens, símbolos e signos, que não busca trabalhar na ilustração, mas na articulação de energia e ação recortada em um tempo-espaço, dando margem para diversas leituras sobre o gesto e som apresentados cenicamente (LEHMANN apud SILVEIRA E MUNIZ, 2013).

Hoje o LEMOV atende à comunidade interna e externa da UFMG, sendo composto em sua maioria por discentes da Universidade, com faixa etária entre 19 – 40 anos. Seus participantes advêm de diversos campos do conhecimento, como: Antropologia, Artes Visuais, Engenharia Química, Farmácia, Letras, Música e Teatro. Alguns participantes têm a pretensão de construir uma vida profissional nas artes e outros participam pelo desejo de conhecer e desenvolver outras formas de expressão.

É importante dizer, da forma como o laboratório é estruturado até hoje, a minha atuação, como docente-bolsista, se dá no âmbito da educação não-formal em Teatro. O LEMOV atua no campo da educação não-formal, pois pertence ao programa de extensão NMC da UFMG, que busca criar um espaço dialógico com maior grau de proximidade entre o pensamento acadêmico e a comunidade externa à Universidade. Com isso, procurei desenvolver um trabalho de formação em artes, com um entendimento mais amplo entre o processo de criação cênica e uma pedagogia interdisciplinar nas Artes da Cena, para a comunidade belorizontina.

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Todas as ações pedagógicas desenvolvidas, juntamente com os participantes do laboratório, vislumbram uma construção de um espaço de criação e reflexão, por meio da prática. Assim, os participantes poderiam vivenciar uma possibilidade de narração crítica sobre o que estão a fazer e a observar. Desse modo, a meu ver, as ações realizadas no laboratório possuem o intuito de ampliar, de certa forma, mesmo que minimamente, um dos paradigmas, eixo da Universidade, que se constitui na relação dialógica entre ensino e pesquisa acadêmica, por ser um processo educativo, artístico, cultural.

Como nos diz o professor Vinicius Lírio - da Faculdade de Educação (FAE/UFMG) e também atuante da cena, “todo processo de criação é atravessado por um movimento pedagógico (ou, ao menos, deveria ser)” (LÍRIO, 2015, p. 41). Essa afirmação vai ao encontro de minha perspectiva como docente, pois a ideia é que participantes do LEMOV passem pela experiência corporal e estética do fazer artístico, por uma abordagem de multi-linguagens. Para isso desenvolvi, junto a eles (sujeitos-participantes/atores do cotidiano), uma série de exercícios que por meio de dispositivos cênicos, possibilita a construção de dramaturgias e narrativas sobre eles mesmos. Ou seja, foi no próprio fazer cênico que o grupo foi inventando o seu próprio modo de fazer na criação de imagens dialógicas que advinham de suas questões individuais e coletivas (PAREYSON, 1993). Esse modo de fazer do LEMOV perpassa por exercícios rítmicos corporais, improvisações com e sem objetos cotidianos, registro de movimentos, sons, sensações e memórias e a performatização dos registros.

Em suma, o trabalho realizado e desenvolvido no laboratório atua na promoção de uma formação artística com a comunidade, na qual se verifica uma constante interdisciplinaridade17, a fim de elaborar uma possível estratégia metodológica de ensino-aprendizagem em teatro para atores do cotidiano. É na própria prática que vamos desenvolver um modo de fazer, uma vez que são nas práticas e manifestações

17

No capítulo 3 desta monografia será abordado como a interdisciplinaridade ocorre no processo de criação do LEMOV.

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corporais-vocais cênicas que se oferece, no âmbito da experiência e da estética, o objeto de reflexão e verificação do pensamento (PAREYSON, 2001). Contudo, a atividade do LEMOV possibilita promover experiências estéticas e construções narrativas sobre si, a partir do entendimento de narração de Walter Benjamin (GAGNEBIN, 1999), que se dá pelo cruzamento e a articulação entre identidade, memória e experiência do sujeito por meio de práticas cênicas18.

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CAPÍTULO 1: Fundamentos da polifonia cênica e do trabalho do GOM

1.1 – Conceito de Atuação Polifônica segundo Ernani Maletta

O termo Polifonia provém do grego polyphonía, que em sua origem etimológica se traduz sinteticamente como a manifestação de várias vozes. Trata-se de um conceito geralmente associado ao universo musical, porém é também legítimo de outros campos do conhecimento, na medida em que etimologicamente, o conceito de voz não é necessariamente a projeção de som, mas sim, a manifestação de um ponto de vista (MALETTA, 2016).

Partindo da etimologia do termo polifonia, considerando a sua apropriação pela Música e pela Literatura – tendo Mikhail Bahktin como referência para esse último campo – e buscando uma forma de ressignificá-lo para o teatro, Maletta (2016) define que a polifonia é constituída por três conceitos-pilares:

Multiplicidade de vozes ou de pontos de vistas;

Simultaneidade, isto é, o entrelaçamento desses pontos de vista que se manifestam ao mesmo tempo;

Não hierarquia dessas vozes manifestadas.

Maletta (2016) afirma que esses conceitos-pilares apresentados acima, são também próprios do Teatro, uma vez que não podemos encontrar na natureza – aquilo que tomamos como identidade essencial para identificação de algo – do Teatro uma única primordial matéria-prima na sua composição. Na Música podemos definir como matéria-prima primordial o som; nas Artes Visuais, a imagem; na Literatura, podemos eleger a palavra; e na Dança, o movimento corporal pelo espaço-tempo. No entanto, no Teatro é impossível selecionar uma matéria-prima-mãe ou protagonista, devido ao fato de que essa arte se manifesta por meio da apresentação simultânea de vários pontos de vista discursivos próprios da imagem, do movimento, da palavra e do som. Essa exposição simultânea não hierárquica é oriunda das provocações dos elementos sonoros,

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textuais, imagéticos e das movimentações corporais dos atores ou dos materiais cênicos que, entrelaçados promovem a construção do discurso cênico, que é portanto polifônico. E é importante ressaltar que, para se estabelecer um fenômeno polifônico, não basta a simples existência de elementos que se apresentam ao mesmo tempo, mas, sim, a articulação simultânea dos pontos de vista que esses elementos manifestam na elaboração de um único do discurso, fruto de seu entrelaçamento.

Com a apresentação simultânea de vários pontos de vista no fazer cênico, podemos entender aqui que a linguagem teatral ou cênica é um complexo sistema de signos, resultante do entrelaçamento de manifestações verbais, gestuais, plástico-visuais e sonoro-musicais, estando por isso diretamente ligada à noção de polifonia. Maletta faz questão de destacar que não se trata de definir o Teatro como a combinação ou cruzamento de várias linguagens da Arte, como: Dança, Música, Artes Plásticas e Literatura; os discursos expressivos que, entrelaçados, compõem o Teatro não são as manifestações das diversas Artes propriamente ditas, pois são discursos teatrais que, muitas vezes, compartilham com as outras Artes conceitos, princípios e procedimentos (MALETTA, 2016).

O que Ernani Maletta (2016) propõe em suas práticas e pesquisas sobre a polifonia permitiu-me perceber que são criadas novas configurações espaço-temporais para cada apresentação cênica, onde o espaço da representação é construído e desconstruído no próprio fazer cênico. Não há objetos cênicos fixos e espaços luminosos já definidos para o público de maneira unívoca. O espaço no evento polifônico ganha o dinamismo do caleidoscópio, no qual as estruturas espaciais são montadas e desmontadas em correspondência com o trabalho de texto e gesto, as quais as fragmentações, cortes, vazios e abreviaturas são traços fundamentais de uma prática da simultaneidade. Essas fragmentações ou mudanças dos espaços-temporais da cena induzem o público a uma troca de percepção estética cênica a todo o momento e “obriga” o sujeito-atuante a praticar uma multiperceptividade19 cênica.

19Maletta (2016) explora a ideia do artista multiperceptivo que é aquele que consegue perceber,

compreender, incorporar e se apropriar dos conceitos fundamentais que definem e sustentam cada forma de expressão artística.

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Ao meu ver, a natureza polifônica do Teatro, conforme as proposições de Ernani, contribui para o entendimento da ideia de Hans-Thies Lehmann (2007) sobre o espaço teatral pós-dramático, a qual estimula conexões perceptíveis imprevisíveis. Penso que o teatro pós-dramático esteja interessado em criar uma nova “arte de assistir”, com uma visão livre e ativa em uma articulação rizomática, sendo o espectador um co-autor estético e imaginário, no dinamismo de leitura e compreensão para si da estrutura apresentada.

Partindo da ideia do espectador como co-autor da cena, o evento polifônico permite ao mesmo criar diversas leituras do espaço-tempo devido há uma preocupação, por parte do grupo ou do diretor, em criar uma atmosfera, ou ambiência no local de apresentação, que integra sensorialmente o público na ação cênica, possibilitando a elaboração de um espaço-tempo-corpo que habita a instalação cênica. Como exemplo, temos o espetáculo ‘Macquinária 21’, do Grupo Oficcina Multimédia, no qual é construída uma atmosfera de guerra desde a entrada do público, fazendo com que vivenciem sensorialmente e inconscientemente um estado de alerta, prontidão e fúria para gerar um estado de habitação na guerra junto com os atores em cena. Não me surpreendeu quando um espectador desse espetáculo relatou a mim que teria experimentado uma alteração de sua pulsação cardíaca ao longo da peça.

Após o entendimento de que a polifonia viabiliza a criação de um espaço-tempo-corpo, proponho compreender a polifonia também como uma proposta estética, o que a meu ver se aproxima da ideia de experiência da ‘forma’ de Luigi Pareyson (1993). Tanto a experiência da forma, quanto o evento polifônico são vistos por mim como um organismo que se auto regula e goza de vida própria e de sua legalidade intrínseca: a simultaneidade das singularidades, uma estrutura fechada e aberta ao mesmo tempo, finita e encerrando o infinito, uma harmonização do “caos”, e a unidade de lei de coerência no tempo-espaço.

O modo em que Pareyson (1993) apresenta a ‘forma’ é, sem dúvida, direcionada a uma prática da simultaneidade, pois coloca em caráter dinâmico a necessidade de apresentar uma resultante do processo de formação e criação, para que a forma em si não seja vista

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como fixa e estagnada, mas como uma mola geradora de uma nova formulação da percepção estética da obra a partir do pensamento coletivo. Sobre a mesma ação de uma não separação do processo criativo do formativo, pode-se dizer que Maletta (2016) afirma que a construção de uma estratégia metodológica da formação polifônica do ator cria novas faculdades que harmonizam o trabalho sobre si e sobre o coletivo. Ou seja, é no próprio fazer com o coletivo que cada ator identifica o seu crescimento na aprendizagem, pois o processo criativo permite que ocorra uma autorregulação (PERRENOUND, 1999) 20 do seu processo de ensino-aprendizado.

1.2 – O ensino-aprendizagem para uma atuação polifônica

Ao expor as principais ideias de polifonia nas quais Ernani Maletta se baseia, estas não se referem exclusivamente à atuação cênica polifônica nos processos criativos, pois também podem referenciar uma proposta de ensino-aprendizagem tendo a mesma como a natureza dos recursos metodológicos. De fato, a construção da noção de atuação polifônica foi elaborada no próprio fazer de Maletta. Por essa razão, o pesquisador afirma que o próprio processo de polifonia ensina polifonia (MALETTA, 2016, p. 269). Nesse sentido o processo de construção do evento polifônico é causado pelo cruzamento de diversos discursos cênicos expressivos – que, como dito, compartilham conceitos com as múltiplas Artes – e, sobretudo, pela forma de articulação dos elementos a partir de um “olhar de mundo” dos sujeitos-participantes que atuam nesse processo.

Podemos identificar então que o ensino-aprendizagem por meio de estratégias que têm como fundamento a ideia da polifonia promove uma liberação da voz em fenômenos corporais-vocais que vão além dos aspectos sonoros, pois atuam na manifestação dos pensamentos, desejos, e necessidades do indivíduo. Ou seja, a prática polifônica possibilita o sujeito-atuante a se manifestar com o corpo como um todo, proporcionando uma estética cênica diferenciada, imersos em suas manifestações do inconsciente

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Ajuste das tarefas em determinadas situações, modificando o seu meio, entrando em interação com ele, segundo Philippe Perrenound (1995).

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inteligente21 – manifestação pelo impulso – uma vez que esse atuante tem que estar conectado com o tempo presente e em um trabalhado simultâneo, pois como diz Medeiros (2018) em entrevista, o artista e o seu fazer são instrumentos do seu inconsciente no processo de investigação.

Qualifico a metodologia de Maletta (2016) como uma liberdade “rigorosa” de descobertas. Tal liberdade permite o ator, em seu próprio fazer, criar faculdades para organizar e orientar o aprendizado de ritmo, melodia, estrutura harmônica, regularidade e irregularidade através de ações corporais pelo espaço-tempo para depois dirigir-se ao pensamento (MALETTA, 2016).

Essa liberdade rigorosa por meio das ações corporais e vocais criadas por Maletta (2016) é a demonstração de uma estratégia metodológica que facilita e amplifica a expressão vocal e gestual do atuante por meio de pequenas movimentações pelo espaço. Mas, como o pesquisador diz em seu livro, faz-se necessária uma prática cotidiana de exercícios de simultaneidade para que cada atuante incorpore a atenção das múltiplas ações. Ou seja, repetição de práticas simultâneas para a incorporação e compreensão do sujeito-participante se dá também pela memória procedural (RIBEIRO, 2012) a qual é o conhecimento motor a partir da repetição de determinada ação.

Em seu livro, Ernani, apresenta diversos exercícios simultâneos. Especificamente, no que se refere a um trabalho inicial focado na voz e no gesto com pequenos descolamentos pelo espaço, o pesquisador nomeou um exercício como “Som & Gesto”, que podemos ver a seguir:

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Para a diretora teatral Ione de Medeiros o ‘inconsciente inteligente’ se refere a uma tomada de decisões em coletivo sem combinação prévia.

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(Imagens do livro de Maletta, 2018)

Ao ver a descrição do exercício de Maletta (2016) fica evidente que em seu processo de ensino-aprendizagem há um trabalho artesanal de esmiuçar a base da música – o ritmo - sendo realizada no corpo do sujeito-atuante, a partir de uma dissociação de movimento no tempo-espaço. Ou seja, o exercício em si acaba por “obrigar” o sujeito-participante a exercitar uma simultaneidade de ritmos, mobilizando todo o corpo.

O uso de figuras geométricas desenhadas no espaço também é muito comum nas práticas de Ernani. O pesquisador aponta uma semelhança entre o desenho geométrico e o tempo rítmico, em que um triângulo representa uma estrutura de três tempos, o quadrado por quatro tempos e assim por diante. Junto com o desenho coreográfico pelo espaço-tempo, Maletta (2016) cria uma justaposição com a realização vocal de uma

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escala ou partitura musical. Podemos ver um exemplo bem nítido no exercício que o pesquisador chama de “Quadrados Sonoros”:

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(Imagens do livro de Maletta, 2018)

Esse treinamento de justaposição entre diferentes tempos-rítmicos, deslocamento pelo espaço-tempo, projeção de som, e imagem criada pelo movimento e posicionamento no espaço, cria relações espaciais do gesto ou do movimento com conceitos musicais, como: altura, intensidade, timbre, melodia e acorde.

O diretor cênico Gabriel Villela (apud MALETTA, 2016) diz, em entrevista para Ernani, que seus exercícios rítmicos de movimento e voz são capazes de “fazer que o ator enxergue pelos ouvidos, cante pelo umbigo e ande com a língua”. Ou seja, a experiência polifônica da música torna mais capaz o ator a se mover, falar, cantar, e mover objetos tudo simultaneamente, oferecendo ao ator o aprendizado de um olhar de 360º graus.

O olhar amplo que a polifonia proporciona em seu aprendizado é proporcional ao tempo de dedicação à pesquisa. Como já dito acima, faz-se necessário um trabalho cotidiano,

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pois uma possível matéria-prima da polifonia pode ser o fato de não fazer o que já se sabe, uma vez que isso vai contra a criatividade.

Partindo da premissa desse ator multipercetivo com um olhar de 360º e sempre em busca de se desafiar para estimular a criatividade, descrevo os 10 (dez) princípios para o processo de formação e de criação do artista cênico que Ernani Maletta apresenta em seu livro:

1- É fundamental a compreensão e assimilação de conceitos principais intrínsecos ao teatro, que foram também apropriados e sistematizados por diversas formas de expressão artística, como por exemplo, ritmo, andamento, altura e dinâmica no caso da Música; volume, cor, forma e contraste das Artes Visuais; direção, força, tempo, peso, espaço, das artes corporais; texto, discurso, poesia e semântica da Língua e Literatura. Tal compreensão é necessária para se ter o domínio de códigos e características de diversos campos das artes, para que se possa articulá-los e ressignificá-los no fazer teatral.

2- O entendimento e a compreensão de que há diversas metodologias para cada campo do conhecimento das Artes que se baseiam em um mesmo conceito. Por isso, cada campo deve tratar esse conceito conforme a sua natureza, em vez de reproduzir o que outros campos fazem.

3- É imprescindível a criação de estratégias pedagógicas próprias do discurso cênico. Ou seja, a utilização de recursos polifônicos para a cena, como o entrelaçamento de movimento, imagem, forma, sonoridade, uma vez que o Teatro também se apropria de conceitos que, mesmo desenvolvidos e sistematizados por outros campos do conhecimento, devem ser ressignificados em seu fazer teatral. Cabe destacar, em suas próprias palavras, a estratégia pedagógica desenvolvida por Ernani Maletta: “uma notação musical especialmente criada para o trabalho com os parâmetros rítmicos com atores, em que utilizam formas geométricas, cores e medidas, numa combinação dos

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discursos plástico, matemático e musical para o aprendizado da leitura e da escrita rítmica a serviço da cena teatral (MALETTA, 2016, p.364).

4- O artista a ser formado em um processo polifônico deve ser estimulado a atuar como coautor de seu próprio discurso polifônico de atuação. Pois, ao contrário disso, “corre-se o risco de “corre-se formar um artista porta-voz dos discursos alheios “corre-sem con“corre-seguir assumi-los como seus.” (MALETTA, 2016, p. 364).

5- Reconhecer o discurso musical, plástico, corporal e verbal como elementos autênticos do fazer teatral, e não como “emprestados” das outras Artes.

6- Reconhecer e respeitar a característica de cada expressão artística e como os seus conceitos são apreendidos. Por exemplo, a noção do que seria um bom cantor para a Música e um bom cantor para o Teatro não são necessariamente as mesmas, pois no Teatro nem sempre os conceitos de afinação e qualidade sonora devem ser os mesmos exigidos no universo musical.

7- É indispensável uma prática cotidiana em longo prazo para articular os diversos discursos promovidos pelas várias formas de expressão artística. Essa prática se dá por meio de exercícios simultâneos, os quais possibilitam:

 A interdisciplinaridade por meio da manifestação artística como no dialogo criado entre a plasticidade do movimento, a projeção sonora e na percepção do tempo-espaço.

 Criar memória procedural da execução simultânea dos exercícios e ações cênicas.

8- Praticar a polifonia coral como estratégia de estimular e apropriar a capacidade de percepção e gestão dos múltiplos discursos da polifonia cênica.

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9- Uma não-preocupação em atingir o virtuosismo técnico em todas as áreas de expressões artísticas, pois dançar, cantar, tocar instrumento, e desenhar são práticas basilares do teatro, que não dependem do virtuosismo próprio da Dança, Música e Artes Visuais, e que devem que estar a serviço de uma dramaturgia cênica.

10- O artista cênico deve ter o desejo e a liberdade de se expressar cenicamente; ao se expressar por meio do som ou do movimento deve buscar uma libertação plena da voz, que vai além dos seus aspectos sonoros, devendo ser considerada uma manifestação do pensamento, do desejo e das necessidades individuais ou coletivas.

 Em relação ao desejo, é fundamental valorizar qualquer resposta em som, movimento, desenho ou qualquer outra manifestação dos atores mesmo que seja a mais simples possível. É importante também o aproveitamento da dificuldade apresentada por parte dos atores, como impulso criativo de novas soluções cênicas.

Percebo que as propostas que Maletta (2016) lança para a formação de atores são potentes, na medida em que a prática polifônica mobiliza o ator a buscar, criar e desenvolver a manifestação de múltiplos pontos de vista simultâneos na cena. No inicio pode parecer confuso - e até mesmo um pouco contraditório, como se não houvesse um único discurso cênico autônomo e sim tantas manifestações de percepções específicas de cada artista -, mas, na prática, percebe-se que essa manifestações individuais vão criando uma manifestação única em função do entrelaçamento desses vários pontos de vista expostos durante o processo, por meio de ações, sons, músicas e danças – ou, como passei a chamar no LEMOV, de formulação do pensamento coletivo, - que está sempre aberto à (re)construção e é maior do que o pensamento individual dos envolvidos no processo.

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1.3 – Grupo Oficcina Multimédia

1.3.1 – A pesquisa de Ione de Medeiros

Com formação em piano erudito, desde os seis anos de idade, Ione de Medeiros chega na década de 1970 à Fundação de Educação Artística (FEA), em Belo Horizonte, para trabalhar, pela primeira vez, com o ensino de musicalização infantil. Um dos objetivos do curso era de “romper com uma visão musical voltada para parâmetros estritamente sonoros” (MEDEIROS, 2007, p. 13). Com o desafio de trabalhar com crianças Ione começa a buscar outros recursos para dar suas aulas, pois os parâmetros que tinha sobre a Música eram muito eruditos e não correspondiam com a expectativa das crianças e com o objetivo do curso. Assim, Ione passa a ser orientada pela professora, integrante do corpo docente da FEA, Lina Márcia Pinheiro Moreira, a qual começa a demonstrar para Ione procedimentos rítmicos que mobilizavam todo o corpo durante determinada ação. Junto à coordenadora, outras duas professoras, Maria Amélia Martins e Anita Patusco, que também pesquisavam como a Música podia ser vivenciada pelo corpo, passam a colaborar nas aulas, segundo Ione em entrevista a mim concedida (MEDEIROS, 2018).

Os procedimentos rítmicos passados para Ione pelas professoras colaboradoras pertencem a um processo de ensino-aprendizagem em que o corpo do sujeito-participante vivencia a experiência rítmica no espaço-tempo a partir de uma organização expressiva que inclui a percepção da forma, do movimento e do som que se encontram em nossa volta cotidianamente.

Durante suas aulas, Ione começa a perceber que antes mesmo dessa estrutura rítmica organizada, como é a Música, existe uma outra lógica da rítmica: a rítmica da natureza. Então, junto com seus alunos, a professora dá início ao desenvolvimento de uma outra percepção rítmica, pedindo a seus alunos que demonstrassem como eles enxergavam animais que são mais velozes, mais lentos, que saltam, que ficam mais parados, afim de

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despertar o entendimento rítmico no próprio corpo dos alunos. Já na segunda fase, Ione começa a pedir para seus alunos que demonstrassem o ritmo das paisagens, como o mar, a floresta, o cair das folhas, a chuva, porque tudo é ritmo. Essas indicações de animais e paisagens eram uma maneira mais livre de vivenciar o tempo-espaço, fora de uma estrutura mais formal da Música, conta Ione em entrevista a mim concedida (MEDEIROS, 2018).

Depois de começar a perceber o mundo a partir de uma visão rítmica por meio do trabalho com as crianças pequenas, Ione começa a ministrar aulas para crianças mais velhas e adolescentes. Foi nesse momento que Medeiros começa a organizar o ritmo em estruturas numéricas, pois a seu ver ainda estava trabalhando de uma forma abstrata, mas em perspectiva diferente à aquela dos animais e das paisagens. O ritmo trabalhado a partir da natureza é bom para perceber e vivenciar como você-sujeito acontece na relação tempo-espaço; mas, como dito anteriormente, para criar uma sistematização de treinamento e repetição a estrutura numérica dava mais organicidade ao trabalho.

Em entrevista com Medeiros (2018), ela afirma que todo esse processo de ensino-aprendizagem na FEA foi fundamental e serviu como uma espécie de laboratório para a construção de uma sistematização de trabalho da rítmica corporal, que hoje é o grande referencial de preparação corporal dos atores do Grupo Oficcina Multimédia.

1.3.2 – Breve história de Rufo Herrera e a criação do GOM

Nascido na Argentina, Rufo Herrera é radicado no Brasil desde 1963. Herrera é compositor, bandoneonista, educador musical e fundador do Grupo Oficcina Multimédia. Ao ser convidado em 1969 para ser membro do Grupo de Compositores, da Bahia, Herrera passa a fazer parte da Escola de Música e Artes Cênicas da Universidade Federal da Bahia. Tal oportunidade de integrar a Escola proporcionou a Herrera uma vivência próxima e íntima com as outras linguagens cênicas, como o

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Teatro e a Dança, na medida em que participava das realizações dos espetáculos para a composição de novas músicas.

À medida que Rufo ia se aprofundando na vivência com outros campos cênicos, ele começava a perceber o quanto de teatral tem o ato de tocar a música no palco, uma vez que para executar a música é necessário se posicionar em determinado espaço, o acompanhamento de uma iluminação, e, de uma forma menos evidente, de uma “representação” do músico. Partindo desse novo olhar para a Música, Herrera começa a compor peças musicais experimentais, dando-lhes o nome de “Teatro Instrumental” (Teatro para Músicos). Para a sua execução, os músicos passaram a realizar uma performance cênica com deslocamentos pelo espaço, manifestações gestuais, textos, e figurino, além de continuarem tocando (HERRERA in MEDEIROS, 2007).

Observando as apresentações dos músicos do Teatro Instrumental, Herrera percebe uma falta de preparação corporal dos atuantes. Com o intuito de resolver essa problemática, Herrera cria um grupo com músicos, atores, bailarinos, artistas plásticos e cantores, a fim de desenvolver um trabalho onde cada um possa transmitir para os outros a sua própria experiência, pois, assim, todos teriam a oportunidade e a possibilidade de vivenciar e de se expressar através das diversas linguagens do campo artístico. Em 1972 e 1973, o grupo constrói dois espetáculos multimeios apresentando ao público uma nova estética cênica, que foi divulgada também por meio de oficinas. A respeito disso, diz Herrera:

A repercussão desses trabalhos resultou no convite do Festival de Inverno da Universidade Federal de Minas Gerais (Ouro Preto, 1976), coordenado pela pianista Berenice Menegale, para que eu oferecesse uma Oficina de Arte Integrada visando iniciar jovens artistas de diversas áreas nessa nova linguagem, a que dei o nome de “Oficina Multimédia” (HERRERA in MEDEIROS, 2007, p, 10).

Em 1977, Herrera é novamente convidado para ofertar a Oficina de Arte Integrada no IX Festival de Inverno, tendo a presença de novos participantes interessados na proposta junto com alguns jovens que retornavam do ano anterior. Dentre os novos participantes

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estava Ione de Medeiros, que, na época, já atuava como professora na Fundação Educação Artística.

Na edição do evento do ano 1977 era muito nítido o interesse, por meio dos participantes, de uma continuidade do trabalho que Rufo estava propondo na oficina, de integralizar diversas formas de expressões artísticas. A partir do desejo dos participantes, Herrera criou o grupo dando nome de Grupo Oficcina Multimédia, que foi acolhido pela FEA, onde Ione e Berenice eram professoras.

Não chamava de multimídia, não: Multimédia. Ou seja, a média de cada integrante, a média do conhecimento, da técnica, da participação, de tudo aquilo que correspondia a cada integrante. Tomado uma ideia, tudo em função de uma ideia. Essa ideia podia nascer, podia inclusive ser improvisada, trabalhado com muita improvisação (HERRERA apud RIBEIRO, 2012, p, 132).

Após seis anos de direção do grupo, Rufo Herrera observa que os participantes amadureceram e tinham condições de dar continuidade no trabalho sem a presença dele como diretor. Com isso, de uma forma muito natural, Ione de Medeiros assume a direção do grupo, sempre na busca de uma concepção visual que traz, a partir da imagem, a dinâmica do movimento dos corpos, do espaço, da luz e dos sons.

Em 2018, Ione comemora seus 35 anos de direção do GOM, no qual proporciona a jovens artistas vivenciarem uma experimentação criativa por meio de um discurso polifônico ou multimeios, como diz Rufo.

1.3.3 – A sistematização do trabalho do GOM

A Rítmica Corporal, desenvolvida por Ione de Medeiros, manifesta-se por meio da experiência do corpo em movimento. Suas proposições advêm de uma pesquisa prática desde suas aulas na Fundação Educação Artística como professora de crianças até os

Referências

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