• Nenhum resultado encontrado

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: AS RELAÇÕES E CONTRADIÇÕES ENTRE A SOLIDARIEDADE E O CAPITALISMO 1

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "RELATOS DE EXPERIÊNCIAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: AS RELAÇÕES E CONTRADIÇÕES ENTRE A SOLIDARIEDADE E O CAPITALISMO 1"

Copied!
14
0
0

Texto

(1)

RELATOS DE EXPERIÊNCIAS DE ECONOMIA SOLIDÁRIA: AS RELAÇÕES E CONTRADIÇÕES ENTRE A SOLIDARIEDADE E O CAPITALISMO1

Queite Marrone Soares da Silva2 Rômulo Soares Barbosa3 UNIMONTES – MG/BRASIL Resumo: O presente trabalho propõe análises acerca dos dilemas vivenciados pelos trabalhadores perante as alternativas de geração de renda, especificamente caracterizadas no âmbito da Economia Solidária. Através dessas experiências, pretende-se fomentar as discussões sobre as contradições vivenciadas nos movimentos e articulações surgidas no seio do próprio capitalismo, apontando as possibilidades de relações e contradições entre a solidariedade e a dinâmica do capitalismo. O campo de pesquisa em questão foi a Unidade de Beneficiamento do coco macaúba – UBCM, localizado na Comunidade do Riachão, no município de Montes Claros/MG, nesta comunidade, aproximadamente 240 famílias agricultoras extrativistas da Bacia do Rio Riachão são beneficiadas com a geração de trabalho e renda, por meio de iniciativas pautadas nos princípios da economia solidária, sendo atividades centradas no associativismo, cooperativismo e coletivismo. Utilizamos a metodologia qualitativa, por meio da revisão bibliográfica, tendo como instrumento de coleta de dados a entrevista semi-estruturada compostas de quinze perguntas e entrevistas livres, além das observações, diálogos, participação nas assembléias e reuniões de rotina. Existem muitos desafios para a permanência dessas novas formas de organização e 1

1

Trabalho apresentado na 29ª Reunião Brasileira de Antropologia, realizada entre os dias 03 e 06 de agosto de 2014, Natal/RN.

2 2

Mestranda no Programa de Pós Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros – PPGDS/UNIMONTES; Bacharel em Ciências Sociais pela UNIMONTES.

3 3

Doutor em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Mestre em Ciências Sociais pelo Programa de Pós-Graduação de Ciências Sociais em Desenvolvimento Agricultura e Sociedade da Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro. Bacharel em Ciências Sociais pela Universidade Estadual de Montes Claros. Professor do Departamento de Ciências Sociais e Coordenador do Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento Social da Universidade Estadual de Montes Claros.

(2)

relações de trabalho, visto que se trata de um modelo de economia diferenciado, dentro de um sistema capitalista arraigado na sociedade.

Palavras-chave: Economia Solidária, Capitalismo, Trabalho.

Introdução

A precarização do trabalho e o desemprego ocasionaram uma série de fatores sociais, entre eles se destaca o crescimento do trabalho informal relevante para compreendermos as estratégias de enfrentamento do desemprego que foram surgindo em nossa sociedade, como resposta a crise do emprego e as dificuldades para ingresso no trabalho formalizado. Nesta conjuntura de busca de alternativas à subsistência, surgem iniciativas voltadas para novas formas de organização da produção e do trabalho, apresentando caráter de coletividade.

As diversas transformações que ocorreram no mundo do trabalho tornam-o a condição de subsistência e sobrevivência dos trabalhadores. Neste artigo, pretendemos apresentar um olhar sobre a Unidade de Beneficiamento do Coco Macaúba – UBCM, uma cooperativa localizada na comunidade rural de Riacho D’Antas Município de Montes Claros no norte de Minas Gerais, onde apontamos alguns dos dilemas vivenciados pelos trabalhadores perante as alternativas de geração de renda. Através dessas experiências, pretende-se fomentar as discussões sobre as contradições vivenciadas nos movimentos e articulações surgidas no seio do próprio capitalismo, apontando as possibilidades de relações e contradições entre a solidariedade na perspectiva da economia solidária e a dinâmica do capitalismo.

Na perspectiva da Economia Solidária, surgem grupos de trabalhadores que buscam alternativas para a geração de renda através da associação e das práticas coletivas. São denominados de Empreendimento Econômico Solidário – EES, onde a administração é feita de forma coletiva pelos próprios trabalhadores, por meio de uma gestão participativa e democrática. Para além destas relações de trabalho e produção, se articulam com as questões políticas, sociais, ambientais, tanto no campo comunitário como das redes sociais.

Existem diversos problemas no que concerne a participação dos indivíduos neste tipo de organização. No campo econômico, muitas vezes a renda gerada a partir do trabalho coletivo não é suficiente para garantir as necessidades básicas de sobrevivência

(3)

dos participantes. No campo sócio-político e o do bem estar social4, deparamos com resquícios da cultura capitalista onde predomina o individualismo e o consumismo. Esses grupos estão engatinhando em busca de espaços para a produção, comercialização e escoamento dos produtos. Neste sentido, pretendemos apresentar o contexto histórico do surgimento da Unidade de Beneficiamento do Coco Macaúba, a sua forma de organização interna, produção e comercialização que se inserem em uma nova forma de trabalho baseada em valores éticos e morais consolidados numa economia diferenciada e solidária, mas que enfrenta freqüentes embates diante da vigente economia capitalista.

As relações de Trabalho na perspectiva da produção Capitalista e na Economia Solidária

No sistema capitalista, o excedente produzido pelo proletariado é então apropriado pelos burgueses, significando a exploração invisível que ocorre através do próprio processo de trabalho. Nesta perspectiva, onde o sistema de produção é capitalista, encontramos também a alienação, visto que a divisão do trabalho causa o total estranhamento do homem em relação ao seu trabalho e a sua produção; Além disso, o capitalismo contribuiu para o surgimento de diversos problemas sociais, políticos e econômicos, uma vez que os meios de produção pertencem a uma minoria e a força do trabalho apenas o que possui a maioria.

Uma das maneiras de distinguir o trabalho é por meio da oposição de Arendt (1958) apud Keith Grint (1998) dos conceitos de “labor” e “trabalho”, sendo assim, o labor se refere à atividade corporal concebida para assegurar a sobrevivência, em que os 4

4

Entende-se por bem-estar o conjunto de factores de que uma pessoa precisa para gozar de uma boa qualidade de vida. [...] O bem-estar social engloba, portanto as coisas que incidem de forma positiva na qualidade de vida: um emprego digno, recursos econômicos para satisfazer as necessidades, um lar para viver, acesso à educação e a saúde, tempo para o lazer, etc. Apesar de a noção de bem-estar ser subjectiva (aquilo que é bom/favorável para uma pessoa pode não sê-lo para outra), o bem-estar social está associado à factores económicos objectivos.

Conceito de Bem Estar Social. Disponível em: <http://conceito.de/bem-estar-social>. Acesso em: 11 nov. 2012.

(4)

resultados são gastos imediatamente; já o trabalho é a atividade empreendida com as nossas mãos que dá objetividade ao mundo.

De acordo com Albornoz (1988) a palavra trabalho apresenta muitos significados na linguagem cotidiana, contudo existe uma oscilação em seu conteúdo. A palavra trabalho envolve características subjetivas como: emoção, dor, tortura, suor do rosto e fadiga; em outros momentos “designa a operação humana de transformação da matéria natural em objeto de cultura.” Desta forma, a ação do homem significa a sua sobrevivência.

Para Oliveira (2000) Marx destaca o caráter central do trabalho na constituição humana. Ressalta que no liberalismo “o trabalho é libertador, fiador das escolhas individuais competentes e racionais.” Porém destaca que para Marx “o trabalho deixou de ser a escolha e a autonomia para transformar-se numa total submissão ao capital.”

De acordo com Sennett (1999) apud Cardoso (2005) houve uma época em que o trabalho e a vida eram lineares, fundamentados em relações sociais e em valores como a ética. Contudo, os laços sociais estão fragilizados, em conseqüência da flexibilidade exaltada no modelo atual. Afirma ainda que a nova economia baseada na extinção da rotina, na flexibilização do tempo e dos processos, trai o desejo de liberdade do homem, pois em vez de libertar, criaram novas formas de controle, mais sutis.

O trabalho deixa de ser livre e passa a ser alienado, pois neste, os homens não mais se reconhecem no produto final criado, este não mais o pertence, e a divisão do trabalho interrompe o processo de criatividade do homem empregado no processo produtivo. Marx (1974) apud Antunes (1999) afirma ainda que

De fato, o reino da liberdade começa onde o trabalho deixa de ser determinado por necessidade e por utilidade exteriormente imposta; por natureza, situa-se além da esfera da produção material propriamente dita. O selvagem tem de lutar com a natureza para satisfazer as necessidades, para manter e reproduzir a vida, e o mesmo tem de fazer o civilizado, sejam quais forem a forma de sociedade e o modo de produção. (p.173).

Para Antunes (1999) o capital é um modo totalizante e dominante de mediação reprodutiva, o qual subordina todas as funções reprodutivas sociais. Lucena (2006) afirma que o trabalho é central para analisar as transformações da sociedade capitalista.

(5)

Neste sentido, não faltam riquezas na sociedade, o que ocorre é que o seu domínio é privado. “Em outras palavras, o capitalismo produziu e produz muitas riquezas, mas não consegue distribuí-las de forma igualitária, pois se assim fizesse estaria negando a sua principal característica: a acumulação crescente do capital.” O trabalho é uma forma de existência exclusivamente humana, desta forma, Marx (1985) afirma que,

Antes de tudo, o trabalho é um processo entre o homem e a Natureza [...] Ele mesmo se defronta com a matéria natural como uma força natural. Ele põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural como uma forma útil para a sua própria vida [...] ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. (p. 149)

De acordo com Polanyi (2000) as engrenagens do sistema capitalista, de tão insaciável em seu apetite de acumular riqueza abstrata, seriam um “moinho satânico”, pois tritura as condições de vida dos indivíduos concretos. Destaca que o trabalho é uma atividade humana que está unida a própria vida, não devendo ser vendida, sendo que a transformação da terra, da mão de obra e do dinheiro em mercadorias, significa subordinar a própria “substância da sociedade às leis do mercado” Desta forma, o capitalismo contemporâneo teria causado intensas transformações e inseguranças no mundo do trabalho.

De acordo com Robert Kurz (1997) apud Lucena (2006) o trabalho aos moldes do capitalismo apresenta caráter de negatividade, pois provoca a perda da liberdade e identidade humana. Ressalta ainda que “Ele é a dimensão do sofrimento, sendo condição fundamental para a felicidade, a liberdade do próprio trabalho.”.

Nas discussões teóricas, abordadas neste artigo, nota-se que a precarização nas relações de trabalho no âmbito do sistema econômico capitalista e o aumento do desemprego contribuíram para o crescimento das ações coletivas voltadas para a geração de trabalho e renda. Dentre elas, o nosso olhar se foca em iniciativas de geração de trabalho e renda que são sustentadas em relações solidárias, coletivas e democráticas, que no âmbito da economia solidária se encontra nos Empreendimentos Econômicos Solidários- EES.

(6)

De acordo com Singer (2003) a economia solidária, por meio do seu surgimento, reforça o poder de luta de todos os trabalhadores assalariados diante da exploração capitalista, visto que diminui o exercito de reserva de mão de obra. Assim, demonstra através de novos princípios a luta contra o capitalismo e as suas ideologias. Trata-se de um fenômeno novo, baseado numa outra lógica econômica, fundamentada na busca de novas relações de trabalho, e numa sociedade que não seja marcada pelo individualismo contemporâneo.

De acordo com Gaiger (2009) os EESs se referem às organizações econômicas que se originaram da livre associação dos trabalhadores, sendo a cooperação a base do seu funcionamento. Estão presentes em setores populares onde os arranjos coletivos permeiam as relações de trabalho minimizando a presença de relações assalariadas. O termo empreendimento econômico solidário foi introduzido pelas formulações de Luis Razeto (Chile) acerca das formas de economia popular, no início dos anos 1980, o autor apontava grupos que se organizavam em torno de organizações econômicas, tendo em sua consolidação recursos pessoais, postos em comum, e alternativas de ajuda mútua, visando à satisfação das necessidades básicas. Suas raízes remetem ao século XIX europeu, quando a proletarização do mundo do trabalho provocou o surgimento de um movimento operário associativo e das primeiras cooperativas autogestionárias de produção.

Desta forma, trata-se de formas democráticas de organização da produção, onde todos participam, organizam, votam e decidem à gestão do empreendimento, se reconhecendo no produto final que foi produzido por todos, por meio de uma prática coletiva; são estes que constituem a Economia Solidária. Surgem como uma necessidade de subsistência de uma parcela significativa da população trabalhadora, que se encontra à margem do mercado de trabalho formalizado, e excluída das empresas capitalistas. “Existem milhares de empreendimentos em todo o país, produzindo, vendendo, comprando solidariamente, gerando trabalho e renda.” (CAPRARIO, 2009).

Os EESs se formaram e se formam a partir de diferentes circunstâncias, seja de uma massa falida ou de um grupo de desempregados, assim são oriundos de movimentos distintos e vivências diferentes, não seguindo a mesma ordem de uma empresa capitalista, “a economia solidária apresenta dinâmica diferenciada do que aceita o capitalismo, possibilitando práticas emancipadoras capazes de promover uma outra relação de trabalho.” (SANTOS, 2004).

(7)

Procedimentos Metodológicos

Este trabalho é composto de experiências adquiridas a partir das práticas de Ensino, Pesquisa e Extensão vivenciadas na Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares – ITCP da Universidade Estadual de Montes Claros – UNIMONTES5 a partir do ano de 2010, na função de bolsista, especialmente junto a este Empreendimento que durante o processo de incubação observamos, dialogamos, e participamos de assembléias e reuniões de rotina, o que foi extremamente importante.

Assim, a pesquisa de campo aconteceu ora simultaneamente às visitas de acompanhamento técnico, ora separadamente, entre o pesquisador e os colaboradores da pesquisa. A metodologia utilizada para alcançar os objetivos propostos nesta pesquisa, se alicerçou na metodologia qualitativa, por meio da revisão bibliográfica que forneceu o arcabouço teórico para as discussões e análises do tema proposto. E como instrumento de coleta de dados utilizou a entrevista semiestruturada compostas de quinze perguntas e entrevistas livres aplicadas entre os meses de abril, maio e junho, do ano de 2013, com os participantes da UBCM.

O Contexto Histórico Da Unidade De Beneficiamento Do Coco Macaúba

Um intenso crescimento econômico marcou o final da década de 1960 e inicio da década de 1970, onde ocorreram transformações em vários setores da sociedade. A instalação de indústrias em Montes Claros, uma cidade de porte médio, localizada no 5 O projeto de criação da ITCP/Unimontes foi apresentado à Pró-Reitoria de Extensão através do Departamento de Ciências Sociais, no final de 2006 e foi institucionalizada no mês de março de 2007, através de resolução do CEPEX nº 077/2007. A equipe é multidisciplinar formada por professores e acadêmicos de diversas áreas. Desenvolve atividades com grupos urbanos e rurais que se propõe a organizar-se em Empreendimentos Econômicos Solidários, no âmbito da economia solidária.

(8)

Norte de Minas Gerais, divide o espaço agrário do espaço urbano-industrial, assim, o crescimento da cidade ganha impulso em decorrência do grande número de imigrantes que passa a atrair. Neste contexto, grande parte dos imigrantes vinha da zona rural de Montes Claros e de várias cidades vizinhas, devido à precariedade de vida no campo, porém a cidade não conseguia absorver todo esse contingente de mão-de-obra desqualificada, o que gerou uma série de problemas urbanos, e um crescimento do êxodo rural. Esta cidade desempenha o papel de centro regional e se localiza na bacia do São Francisco, numa área de transição entre o domínio do cerrado e da caatinga, sendo o comércio, os serviços, a indústria e a agropecuária as atividades econômicas mais expressivas deste município, que atualmente ocupa uma área de 97 km², onde vive uma população de aproximadamente 289.183 habitantes. (LEITE e PEREIRA, 2004).

A partir dos anos de 1844 que o movimento cooperativo começou a se estruturar e expandir, sendo pioneira a associação de tecelões. “O objetivo era formar organizações nas quais os indivíduos, através da adesão livre, estivessem em situação de igualdade e compartilhasse os mesmos valores de camaradagem e fraternidade”. Nestas as relações de poder não tem mais razão de ser, porém o exercício da democracia diária encontra uma série de obstáculos, mas o objetivo final da cooperação é a transformação de toda a sociedade. (ENRIQUEZ, 2000).

A Unidade de Beneficiamento do Coco Macaúba - UBCM é vinculada a Associação Comunitária dos Pequenos Produtores Rurais de Riacho D’Antas, localizada na fazenda Santa Cruz, Município de Montes Claros – MG. A Associação surgiu no ano de 1995, tendo como principal função a de desenvolver projetos de combate à pobreza, além de buscar alternativas para a melhoria de vida de seus associados, a partir da promoção da geração de renda.

O surgimento da UBCM foi marcado pelas iniciativas da comunidade em busca de alternativas para conservação e restauração do rio Riachão e das áreas degradadas, visto que neste havia vários pivôs em sua nascente. Desta forma, sessenta e duas associações da sub-bacia do Rio Riachão, se reuniram juntamente com quatro municípios: Montes Claros, Mirabela, Brasília de Minas e Coração de Jesus, e os agricultores se articularam junto às entidades de apoio: Federação dos Trabalhadores na Agricultura do Estado de Minas Gerais - FETAEMG, o Centro de Agricultura alternativa - CAA, Cooperativa grande sertão, e Sindicatos dos trabalhadores rurais da região, no sentido de “salvar” aquele rio. Logo em seguida, surge na comunidade do

(9)

Riacho D’Antas, diversas preocupações acerca da geração de renda, neste sentido, os moradores buscaram o apoio de algumas entidades pra que pudessem fazer um aproveitamento dos frutos da região, uma vez encontrando em abundância o coco macaúba, coquinho azedo, mangaba, cagaita, pana e o pequi.

A Unidade de beneficiamento do coco macaúba surge no ano 2000 quando um grupo de agricultores elaborou um projeto para fazer um aproveitamento dos frutos da região. Em 2011 surge a Cooperativa do Riacho D’Antas - Cooper Riachão devido à demanda da formalização da unidade de beneficiamento, acompanhada de uma proposta de parceria, desta forma, a UBCM e a Cooper Riachão trabalham em conjunto funcionando no mesmo local, sendo o papel da associação fazer o processamento e a cooperativa à comercialização. Atuando juntas, possuem aproximadamente cinqüenta e seis associados. O coco macaúba é o fruto principal, pois gera a torta, a ração animal, o endocarpo, o óleo da polpa para a produção do biodiesel, o óleo da semente, o sabão, o detergente, o sabonete, e diversos outros, assim, é aproveitado em sua totalidade.

[...] Atualmente a Associação Riacho D’antas é gestora de uma Unidade de Beneficiamento do Coco Macaúba – UBCM produzindo produtos de limpeza, óleo vegetal e ração animal. Para tal, processam cerca de 12.000 (doze mil) caixas de coco macaúba por ano, produção esta toda advinda da Agricultura Familiar. 6

Neste sentido, evidenciamos aspectos culturais, políticos e sociais em meio a um projeto de conscientização ambiental, que se tornou contínuo diante da criação da UBCM, com a finalidade de gerar trabalho e renda e desenvolver a comunidade para a melhoria de vida das famílias locais. Estes elementos permeiam as relações sociais estabelecidas no grupo, trata-se de uma organização composta de novos valores éticos, diferentes daqueles cultuados na economia capitalista.

6 6

Unidade de Beneficiamento de Coco Macaúba: Empreendimento Incubado pela ITCP / Unimontes.

(10)

Um Olhar sobre a Unidade de Beneficiamento do Coco Macaúba

Vivenciar o cotidiano dos trabalhadores do meio rural, especialmente destes agricultores agroextrativistas, nos possibilita pensar nos dilemas e desafios que surgem no cumprir de suas práticas tradicionais e compostas de valores e princípios fundamentados na solidariedade. Estas experiências foram importantes para compreender a dinâmica de suas relações de trabalho, pautadas em ações democráticas, coletivas e autogestionárias.

A preocupação da comunidade em conter o êxodo rural e oferecer estrutura para que os moradores não saiam de suas terras, é um elemento que acompanha os discursos dos associados, sendo justificado pelo desejo de manter a tradicionalidade herdada da família, onde afirmam que sempre houve ajuda mútua. Desta forma, o processo de articulação da população local é reforçado pelas relações amigáveis, que estimulam e intensificam nos envolvidos o caráter de solidariedade, e de participação dentro das questões políticas e sociais de interesse da comunidade. Assim, estas características são percebidas no cotidiano dos associados e na gestão da UBCM.

Neste sentido, a solidariedade, é o elemento essencial para o EES e para a economia solidária, é o que diferencia da economia capitalista, e caminha junto com todas as outras representações citadas, assim, um EES consegue consolidar a democracia. (SANTOS, 2004)

Os associados apontam que entre as conquistas obtidas durante o processo de implantação da Cooperativa, se destaca a as parcerias com entidades de apoio que contribuem para a comercialização, especialmente nos espaços de feiras e eventos, e a facilitação da captação de recursos; entre outras conquistas, destacam os projetos que apóiam os agricultores; a expansão da comercialização e da procura pelos produtos; a participação dos associados; a aquisição de maquinários, pois quando começaram o processo era todo artesanal; a permanência dos trabalhadores em suas terras e na comunidade, e o retorno de muitas pessoas que foram para as cidades. Além disso, destaca que o produto que comercializam foi analisado em laboratório e comprovado a qualidade, conforme parcerias com as universidades ao redor.

Além de participar na cooperativa, os associados trabalham em sua propriedade, durante os finais de semana e as horas de folga, lavrando as suas terras, plantando e colhendo. Todos que trabalham sejam associados ou prestadores de serviços recebem

(11)

repassadas para cada pessoa que está trabalhando, sendo as atividades fundamentadas no princípio da solidariedade, coletividade e cooperação. Desta forma, todas as decisões são tomadas em assembléias e reuniões quinzenais, onde todos têm o direito de expor sua opinião, baseado na gestão democrática participativa. Sendo assim, todos são donos, todos os associados trabalham, e a renda varia em torno de um a dois salários mínimos.

De acordo com o presidente da Cooper Riachão, uma das principais dificuldades enfrentadas é o mercado, pois apesar dos produtos terem qualidade, existe diversas restrições que impedem o trabalho eficaz com o marketing, que facilitaria a comercialização. Desta forma, os produtos são pouco conhecidos no mercado, tendo como conseqüência um processo de comercialização lento.

Neste sentido, a Unidade de Beneficiamento possui uma nova forma de organização da produção, baseada no trabalho coletivo, na propriedade comum dos meios de produção, e na divisão justa dos produtos produzidos e comercializados. Além disso, a gestão do empreendimento é realizada de forma democrática e participativa, de forma que todos possuem a liberdade de expor as suas opiniões e sugestões.

Para algumas pessoas, parece irrealista a possibilidade de uma economia baseada nos princípios da solidariedade, porém ela é mais realista do que os antigos modelos econômicos, que desprezam alguns fatos básicos sobre a existência humana, e que diferencia o tratamento às atividades econômicas. Desta forma, temos como desafio, o desenvolvimento de uma economia solidária que se preocupe com a conservação do nosso ambiente, e que valorize a criatividade, as necessidades e capacidades humanas. (EISLER, 2008).

Considerações Finais

O processo de aumento do desemprego e da precariedade nas relações de trabalho atuou como um fator que desencadeou as iniciativas coletivas voltadas para a geração de trabalho e renda. Neste sentido, o crescimento do desemprego teria provocado uma diminuição do número de trabalhadores assalariados, aumentando o número de trabalhadores autônomos.

A Economia Capitalista apresenta as relações verticalizadas, através das relações de exploração entre o patrão e o empregado no âmbito do trabalho, traz com a sua efervescência, diversos problemas sociais para toda a sociedade, enquanto que na

(12)

Economia Solidária, as relações são horizontais e estabelecidas a partir da reciprocidade, solidariedade, cooperação, democracia e coletividade;

Destaca-se que a principal motivação que desencadeou o surgimento da UBCM, foi de cunho tradicional, por meio do propósito de conservação e restauração do Rio Riachão e das áreas degradadas, além da preservação do meio ambiente. A geração de trabalho e renda foi uma conseqüência da ação que estava sendo articulada a favor da comunidade, não sendo a intenção do grupo no primeiro momento. Entre as motivações dos sujeitos pesquisados, podemos destacar em quase todas as falas a preocupação com o êxodo rural, assim, este propósito esteve atrelado ao objetivo secundário de criarem alternativas de geração de trabalho e renda, para que os trabalhadores permanecessem com suas famílias em suas terras.

Os aspectos ligados a tradicionalidade da comunidade Riacho D’Antas contribuíram para o entendimento das suas crenças empregadas nas articulações em torno dos objetivos comuns e da melhoria da qualidade de vida das famílias que ali vivem. Estas características estão arraigadas nos indivíduos, assim valorizam o convívio das famílias em união.

Em relação à UBCM, foi possível constatar as dificuldades encontradas na falta de investimentos, de infra-estrutura, e de capital de giro para aplicar no Empreendimento Econômico Solidário. Neste sentido, o estudo nos possibilitou compreender que existem fraquezas ligadas à presença efetiva do poder público para apoiar essas novas formas de organização do trabalho, que cultivam valores diferentes da economia capitalista, desta forma, o movimento de economia solidária ainda encontra muitos desafios.

Destacamos por outro lado, que esta nova lógica de organização do trabalho vem conquistando espaços e pessoas, por meio da articulação nos Fóruns de Economia Solidária, Plenárias, Eventos, além dos avanços conquistados por meio da articulação do movimento de um modo geral, inclusive com a criação da Secretária Nacional de Economia Solidaria – SENAES e o apoio das Universidades no processo de articulação.

Dentre as conquistas obtidas de um modo geral, podemos citar a autonomia dos trabalhadores nas relações de produção, a valorização do trabalho humano, a igualdade no processo de tomadas de decisões, a autogestão de um EES onde todos são donos, o envolvimento sociopolítico com as questões voltadas para a preservação do meio ambiente e para o desenvolvimento da localidade, a solidariedade, a coletividade, além dos sentimentos de realização e pertencimento ao grupo. Apesar de todas as

(13)

solidariedade e pela participação democrática que possibilita a vivencia de novas relações de trabalho e a geração de renda.

É inegável que existem muitas dificuldades para a permanência dessas formas de organização da produção, visto que se trata de um modelo de economia alternativa dentro de um sistema capitalista que está arraigado na sociedade. Para a consolidação de um EES é necessário que ocorra mudanças na subjetividade dos trabalhadores, a Economia Solidária por meio dos empreendimentos, apresenta um papel importante para a geração de trabalho e renda, visto que os EESs se apresentam em forma de grupos de produção coletiva, associações, cooperativas, entre outras, de forma que as atividades são realizadas a partir de uma prática democrática e autogestiva, ou seja, sem a presença das relações patrão/empregado.

Assim, através das várias formas de organizações econômicas, originadas da livre associação de trabalhadores, nas quais a cooperação é a base, reproduziremos ações que não mais esgote o capital humano, tendo como objetivo final a transformação da sociedade por meio de práticas emancipadoras capazes de promover uma outra relação de trabalho.

REFERÊNCIAS

ALBORNOZ, Suzana. O que é Trabalho. São Paulo: Brasiliense, 1988.

ANTUNES, Ricardo. Sentidos do trabalho: ensaios sobre o trabalho. São Paulo: Boitempo Editorial, 1999.

CAPRARIO, Sara. Feira Sustentável 2009 reúne Economia Solidária, Agricultura Familiar e Pesca. Fórum Brasileiro de Economia Solidária. 2009. Disponível em: <http://www.fbes.org.br/index.php?

option=com_content&task=view&id=4772&Itemid=1>. Acesso em: 23 mar. 2012. CARDOSO, Glauco Barbosa. A corrosão do caráter: as conseqüências pessoais do trabalho no novo capitalismo. Contemporânea, Rio Grande do Sul, n.5. 2005. CATTANI, Antônio David. LAVILLE, Jean-Louis. GAIGER, Luiz Inácio.

HESPANHA, Pedro. Dicionário Internacional de uma outra Economia. São Paulo: Gráfica de Coimbra, 2009.

(14)

EISLER. Riane. A verdadeira Riqueza das Nações. São Paulo: Editora: Cultrix, 2008. ENRIQUEZ, Eugêne. Vida Psíquica e organização. In: MOTTA, Fernando C. P.;

FREITAS, Maria Ester de. Orgs. VIDA PSÍQUICA E ORGANIZAÇÃO. Rio de Janeiro: Editora FGV, 2000.

GRINT, Keith, Sociologia do trabalho, Lisboa, Piaget, 1998.

LEITE, Marcos Esdras. PEREIRA, Anete Marília. A Expansão Urbana de Montes Claros a partir do processo de industrialização. In: PEREIRA, Anete Marília; ALMEIDA, Maria Ivete Soares de. Leituras geográficas sobre o Norte de Minas Gerais. Montes Claros, MG: Ed. Unimontes, 2004.

LUCENA, Carlos. A Humanidade, a Natureza e o Trabalho. Revista HISTEDBR On-line, Campinas, n.24, p. 51-63, dez. 2006.

MARX, Karl. O Capital: Crítica da Economia Política. Tradução por Regis Barbosa e Flávio R. Kothe. 2 ed. São Paulo: Ed. Nova Cultural,1985. Livro I, vol. I.

POLANYI, Karl. A grande transformação: as origens da nossa época. Rio de Janeiro: Campus, 2000.

SANTOS, Aline Mendonça dos. Representações sociais dos trabalhadores nos empreendimentos de economia solidária. Cascavel: III Seminário do Centro de Ciências Sociais Aplicadas, 2004.

SINGER, P. e SOUZA A R., A economia solidária no Brasil: a autogestão como resposta ao desemprego. São Paulo: Contexto, 2003.

Referências

Documentos relacionados

*Repasse de todas as ações do curso em horário que o professor estava na unidade escolar e acompanhamento das atividades seguintes, tendo em vista que algumas

Quando trata Gestão da Qualidade, a Administração dos Portos de Paranaguá e Antonina (APPA) está preparada para superar um novo desafio: implementar a

A presente pesquisa foi elaborada no Programa de Pós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente (PRODEMA) da Universidade Federal de Pernambuco (UFPE), que tem

A primeira etapa do trabalho foi um levantamento de informações sobre as antocianinas, sua estabilidade e uso como corante. A segunda etapa do trabalho foi

2 - OBJETIVOS O objetivo geral deste trabalho é avaliar o tratamento biológico anaeróbio de substrato sintético contendo feno!, sob condições mesofilicas, em um Reator

Essa antena pode ser aplicada em dispositivos que utilizam essa frequência como referência, mas também pode ser construída para outras frequências como é o caso

These constraints imply a small value for the mixing angle φ or, similarly, a large value to the energy scale, generically de-.. noted by Λ, related with the