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O PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL COMO EXCLUDENTE DE TIPICIDADE

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ISSN 2178-3314 Ano: 2018 O PRINCÍPIO DA ADEQUAÇÃO SOCIAL COMO EXCLUDENTE DE TIPICIDADE

Brayn Isly da Silva (UEPG) E-mail: braynisly@hotmail.com Matheus Palhano Mendes (UEPG) E-mail: palhano.math@gmail.com

Orientador: Eliezer Gomes da Silva (UEPG) E-mail: eliezergomesdasilva@uepg.br Resumo: Este trabalho tem a finalidade de abordar os aspectos relacionados à aplicação do princípio da adequação social, que é considerado uma excludente de tipicidade, mais especificamente de tipicidade material. É inegável que, na sociedade, existem determinados comportamentos taxados de comuns e normais, mas que seriam considerados crimes se apenas a letra fria da lei fosse levada em conta. Para contornar tal situação, deve ser analisada a realidade social, decifrando quais condutas são realmente inaceitáveis, sendo estas as que devem ser coibidas e reprimidas. Nesse contexto, o princípio da adequação social mostra-se muito útil, haja vista que por meio dele é possível aferir quais comportamentos são socialmente adequados, não merecendo punição, e quais são os reprováveis, que devem ser punidos por ofenderem os bens jurídicos penalmente tutelados.

Palavras-chave: Princípio da adequação social, excludente, tipicidade material. Introdução:

A convivência social, para que possa ser harmônica e pacífica, necessita que o direito penal tutele os bens jurídicos mais importantes da coletividade, cominando sanções a quem não os respeitar. Por conseguinte, esse ramo do direito é responsável por regular as condutas dos indivíduos, impondo proibições e deveres aos seus destinatários.

Assim, se determinado comportamento é taxado de inaceitável pela sociedade, o direito penal, se valendo de tipos penais, impõe a sua proibição. Logo, se alguém desrespeitar tal proibição, transgredindo as normas de convivência, será responsabilizado criminalmente por sua conduta.

Contudo, na vida social algumas vezes nos deparamos com situações que, juridicamente falando, à primeira vista se enquadrariam perfeitamente em tipos penais incriminadores, gerando por consequência a tipicidade penal, entretanto são situações toleráveis pela maioria da sociedade, não configurando violação de norma penal.

Isso ocorre porque determinadas condutas, em tese típicas, são aceitas como normais e corriqueiras pelas pessoas, motivo pelo qual seria contraditória a aplicação de punições aos indivíduos que as praticam, além disso, uma eventual

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imposição de reprimenda nesses casos, seria um desvirtuamento das reais finalidades do direito penal.

Esse fenômeno, inclusive elevado à categoria de princípio no direito penal, recebe o nome de adequação social, sendo exatamente este o objeto deste trabalho, notadamente no que tange às possibilidades de sua aplicação.

Objetivos:

Este trabalho tem por objetivo tratar dos aspectos que rodeiam as possibilidades de utilização do princípio da adequação social. Para tanto, serão abordados os pontos mais relevantes da temática, os quais são fundamentais para o bom entendimento da questão. Por meio de exemplos correntes na atualidade, busca-se demonstrar os requisitos que devem ser atendidos para a correta aplicação do referido princípio, que tem a caraterística de excluir a tipicidade penal de comportamentos socialmente adequados.

Método e Técnicas de Pesquisa:

Para a realização do presente trabalho utilizou-se o método dedutivo, uma vez que os resultados foram obtidos partindo-se de entendimentos gerais para casos específicos. A técnica de pesquisa empregada foi predominantemente bibliográfica, especialmente a doutrina relacionada ao tema.

Resultados:

Antes de tratar especificamente do princípio da adequação social, faz-se necessário esclarecer o conceito de tipicidade, tendo em vista ser justamente este o elemento analítico do crime a ser excluído em uma eventual aplicação do referido princípio. Segundo Rogério Greco (2015, p. 212), a tipicidade pode ser entendida como “a subsunção perfeita da conduta praticada pelo agente ao modelo abstrato previsto na lei penal, isto é, a um tipo penal incriminador”. No mesmo sentido, Cezar Roberto Bitencourt (2015, p. 346) a define como “a conformidade do fato praticado pelo agente com a moldura abstratamente descrita na lei penal”.

A tipicidade é uma decorrência lógica do princípio da legalidade, posto que, somente quando configurada determinada conduta prevista em lei como crime ou contravenção penal, estará o Estado autorizado a fazer valer o jus puniendi. Entretanto, esta intervenção estatal apenas será permitida quando estiverem presentes tanto a tipicidade formal quanto a tipicidade material, assim é importante esclarecer essa distinção.

A tipicidade formal é o próprio enquadramento de uma ação ou omissão em uma conduta tipificada em lei penal, ou seja, a subsunção do fato à norma. Por sua vez, a tipicidade material se caracteriza quando certa conduta, comissiva ou omissiva, afeta significativamente determinado bem jurídico, causando um resultado inaceitável pela coletividade, o que acarreta uma reprovação social maior.

Assim, afere-se que um comportamento, mesmo sendo descrito em norma penal, poderá ser considerado materialmente atípico pelo fato de não comprometer gravemente o bem jurídico, ou seja, a configuração da tipicidade formal nem sempre

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ensejará a configuração da tipicidade material. Nesse ponto, cumpre destacar que a presença da tipicidade material sempre depende da existência da tipicidade formal (legalidade).

Feitas essas considerações, é possível constatar que o princípio da adequação social não tem o condão de afastar a tipicidade formal da conduta, mas sim a tipicidade material, o que já é suficiente para descaracterizar o crime em tese praticado. Nota-se, também, que essa excludente tem íntima ligação com os princípios da ofensividade e da intervenção mínima (ultima ratio).

Importante destacar que não se deve confundir o princípio da adequação social com o princípio da insignificância (ou bagatela), pois, embora ambos tenham o poder para excluir a tipicidade material, na insignificância existe certa injustiça na conduta, ainda que mínima, todavia na adequação social a conduta injusta não se faz presente.

O princípio de adequação social tem como seu progenitor Hans Welzel, o qual afirma que uma conduta somente pode ser considerada típica se houver ofensa social. Logo, uma conduta amplamente aceita pela sociedade e não ofensiva aos bens jurídicos, não pode ser taxada como crime, evidenciando ser a adequação social um freio ao arbítrio estatal.

Fernando Capez (2011, p. 35), compartilhando do mesmo entendimento, afirma: “todo comportamento que, a despeito de ser considerado criminoso pela lei, não afrontar o sentimento social de justiça (aquilo que a sociedade tem por justo) não pode ser considerado criminoso”. Assim determinado ato, apesar de formalmente típico, desde que não seja danoso à sociedade, carecerá de tipicidade material. Cabe esclarecer, no entanto, que algumas práticas até certo ponto habituais da nossa sociedade, a exemplo da comercialização de produtos “piratas” e a prática do “jogo do bicho”, por mais que sejam repetidas, inclusive sendo consideradas normais por muitos, não perdem o seu caráter típico, segundo o posicionamento majoritário da doutrina e da jurisprudência.

O Superior Tribunal de Justiça, tratando da comercialização de produtos “piratas”, mais especificamente de CDs e DVDs, inclusive já editou a súmula 502, que possui o seguinte teor: “Presentes a materialidade e a autoria, afigura-se típica, em relação ao crime previsto no art. 184, § 2º, do CP, a conduta de expor à venda CDs e DVDs piratas”.

Com relação ao “jogo do bicho”, por ser uma atividade desregulamentada e se enquadrar como um jogo de azar clandestino, não perde a sua condição de contravenção penal (art. 58, Decreto-Lei 3.688/41), o que impede a aplicação do princípio da adequação social.

Por outro lado, condutas corretes no meio social, que em tese configurariam o crime de lesão corporal (art. 129, CP), como a mãe que, na intenção que a filha use brincos, fura a orelha desta; a prática da circuncisão pelos judeus; e a pessoa que, para ser tatuada, permite que outrem lesione sua integridade física, são exemplos em que ocorre o perfeito enquadramento do princípio da adequação social, uma vez que são situações comuns e normais em uma sociedade como a nossa.

Todavia, deve-se falar em ponderação na aplicação do princípio, pois os atos praticados devem estar dentro da normalidade, ou seja, o princípio é relativo as circunstâncias da execução, assim, retomando o último exemplo, não se pode

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admitir que alguém seja compulsoriamente tatuado, deve haver anuência expressa nesse sentido.

Ponto polêmico, que gera controvérsias acerca da aplicação do princípio da adequação social, diz respeito aos “trotes acadêmicos”. Como é sabido, essa prática é uma tradição entre os universitários, entretanto também é do conhecimento de todos que algumas vezes ela chega ao campo da violência desmedida, lesionando gravemente bens jurídicos, perdendo os caracteres de uma conduta socialmente adequada, o que enseja a responsabilização daqueles que excederam os limites aceitáveis.

Assim, a adequação social somente é compatível com trotes que causem mínima ou nenhuma ofensividade aos bens jurídicos tutelados. Portanto, é incabível a aplicação do princípio nas situações onde há flagrante desrespeito e desconsideração pelo ser humano. É necessário e imprescindível que os atos mais degradantes, humilhantes e violentos sejam coibidos, sob pena de ocorrerem graves violações aos bens jurídicos tutelados.

Discussão:

Analisando as possibilidades de aplicação do princípio da adequação social, depreende-se que a sua principal função é restringir o alcance de alguns tipos penais incriminadores, de modo que determinadas condutas que já aderiram ao meio social continuem permitidas, evitando uma desnecessária interferência estatal, a qual somente se legitimaria quando o bem jurídico tutelado fosse efetivamente atacado ou posto em considerável risco.

Entretanto, como já dito anteriormente, nem sempre haverá espaço para a utilização dessa excludente, pois em determinados casos, por mais que haja repetição e, algumas vezes, até tolerância por parte das autoridades públicas (na venda de CDs e DVDs “piratas”, por exemplo), não se afigurará a atipicidade material, ou seja, a conduta continuará sendo considerada crime.

Por mais costumeiro que seja se deparar com um “cambista” portando e vendendo produtos clandestinos, e mesmo pelo fato da aceitação popular, ainda assim não é possível falar em adequação social, haja vista que tal atitude causa dano econômico aos titulares dos direitos autorais. Ora, entende-se que uma atitude ofensiva, por mais reiterada que seja, não deve ser admitida, não sendo tal proibição abuso do poder do Estado, mas sim uma defesa do direito à propriedade autoral.

De fato, nesses casos muitos advogados insistem na tese defensiva da adequação social, a qual tornaria atípica a conduta que viola direitos autorais, todavia não conseguem sucesso, tendo em vista que a questão já se encontra pacificada nos tribunais, inclusive sendo sumulada pelo STJ, como já fora citado anteriormente. Por consequência, a jurisprudência pátria mostra-se totalmente contrária a aplicação da excludente.

O fato de uma autoridade pública tolerar a prática de alguns crimes, nos quais inexiste possibilidade de aplicação do princípio da adequação social, fazendo “vista grossa” aos indivíduos que os praticam, poderia até criar nas pessoas o sentimento de que realmente tratam-se de condutas válidas, todavia é inconcebível tal hipótese. Além disso, o princípio da adequação social, por si só, não tem o poder para revogar

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tipos penais, haja vista que isso somente é possível com o surgimento de uma lei nesse sentido (art. 2º, LINDB).

Excluindo as hipóteses que se mostram incompatíveis com o princípio da adequação social, denota-se que comportamentos socialmente adequados, amplamente aceitos pela coletividade, estão aptos a serem amparados por essa excludente de tipicidade, uma vez que seria ilógico aplicar punições nesses casos, considerando os fins do direito penal.

Considerações Finais:

Embora o princípio da adequação social seja, por alguns, considerado relativamente inseguro, nota-se, pelo exposto neste trabalho, que ele é fundamental para o intérprete do tipo penal, especialmente o julgador, pois, na ausência desse princípio, sem dúvida haveriam de ser aplicadas punições desnecessárias e desproporcionais às pessoas, que muitas vezes nem saberiam que cometeram um crime, o que acarretaria um grave problema de ordem valorativa e principiológica para o direito penal.

Destaque-se que o referido princípio serve de orientação para o legislador melhorar o sistema normativo penal, o que o torna um instrumento de grande valia para lidar com a evolução e a dinamicidade da sociedade, de forma a adaptá-la as constantes alterações dos valores cultivados, contribuindo para que haja correspondência entre a lei e a realidade social.

Assim, o princípio da adequação social mostra-se extremamente útil, uma vez que as aspirações e os anseios sociais serão preservados, gerando a certeza de que comportamentos socialmente adequados continuem a acontecer de forma livre e sem embaraços, pois já são situações plenamente consolidadas que não sofrem nenhum tipo de oposição.

Referências:

BITENCOURT, Cezar Roberto. Tratado de Direito Penal: Parte Geral. 21. ed. São Paulo: Saraiva, 2015.

BRASIL. Decreto-lei nº 2.848, de 7 de dezembro de 1940. Código Penal. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del2848compilado.htm>.

Acesso em: 29 mai. 2018.

BRASIL. Decreto-lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941. Lei das Contravenções Penais. Disponível em:

<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm>. Acesso em: 29 mai. 2018.

BRASIL. Decreto-lei nº 4.657, de 4 de setembro de 1942. Lei de Introdução às normas do Direito Brasileiro. Disponível em:

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<http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm>. Acesso em: 29 mai. 2018.

BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula nº 502. Disponível em:

<http://www.stj.jus.br/SCON/sumulas/enunciados.jsp>. Acesso em 30 mai. 2018.

CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 15. Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.

GOMES, Luiz Flávio. Trotes violentos: retrocesso civilizatório. Disponível em

<https://lfg.jusbrasil.com.br/noticias/1010608/trotes-violentos-retrocesso-civilizatorio>. Acesso em: 30. mai. 2018.

GRECO, Rogério. Curso de Direito Penal: Parte Geral. 17. ed. Rio de Janeiro: Impetus Ltda, 2015.

NAGIMA, Irving Marc Shikasho; HAIDUK, Bernardo. A aplicação do princípio da adequação social e a venda de produtos piratas. Disponível em

<https://jus.com.br/artigos/42134/a-aplicacao-do-principio-da-adequacao-social-e-a-venda-de-produtos-piratas>. Acesso em: 31. mai. 2018.

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