• Nenhum resultado encontrado

Cistectomia radical precoce no tratamento das neoplasias vesicais superficiais

N/A
N/A
Protected

Academic year: 2021

Share "Cistectomia radical precoce no tratamento das neoplasias vesicais superficiais"

Copied!
8
0
0

Texto

(1)

Cistectomia radical precoce no tratamento

das neoplasias vesicais superficiais

Resumo

Objectivo: Revisão da evidência clínica actual sobre

o papel da cistectomia radical precoce no trata-mento do carcinoma urotelial vesical superficial.

Materiais e Métodos: Revisão dos artigos publicados

mediante pesquisa na MEDLINE, via Pubmed.

Resultados: Cerca de 70-80 % dos carcinomas

uro-teliais vesicais são superficiais à data de diagnóstico, dos quais 20% são T1 e 10% carcinoma in situ. Se o principal problema associado à doença superficial de baixo grau é a recorrência, na doença de alto grau e no carcinoma in situ o maior risco é o de pro-gressão – até 50%. O sub-estadiamento na ressec-ção transuretral pode atingir os 50% e o envolvimen-to ganglionar pode estar presente em 10-15% dos casos. A cistectomia radical precoce associa-se a taxas de sobrevida de cerca de 80-90% nos casos de doença inicial T1G3.

Conclusões: O doente com doença superficial de

alto risco, correctamente informado, que conhece e compreende o risco da sua doença parece ser o candidato ideal a uma cistectomia radical precoce.

Palavras-chave: Neoplasias vesicais superficiais,

cistectomia radical precoce.

Abstract

Objective: To review the clinical evidences about

the utility of early radical cystectomy in the treat-ment of superficial urothelial bladder carcinoma.

Material and Methods: MEDLINE search of

publi-Autores:

Tiago Neves1, Pedro Monteiro2, Artur Canhoto2, Hélder Monteiro3

Instituições:

1Interno de Urologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE – Hospital de Egas Moniz; 2Assistente Hospitalar de Urologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE – Hospital de Egas Moniz;

3Director de Serviço de Urologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental, EPE – Hospital de Egas Moniz.

Correspondência:

Tiago Rafael Rodrigues das Neves Serviço de Urologia do Centro Hospitalar de Lisboa Ocidental E.P.E. – Hospital de Egas Moniz.

Rua da Junqueira, 126, 1349-019 Lisboa, Portugal. Telemóvel : 914209170; e-mail: Tiagorafaelneves@gmail.com

Results: Between 70 to 80% of urothelial bladder

carcinomas are superficial at time of diagnosis, being 20% of this T1 and 10% carcinoma in situ. With low grade superficial tumors the main pro-blem is recurrence but in high grade superficial and carcinoma in situ progression is a dilem-ma – up to 50%. Understaging can be present in up to 50% of the initial transurethral ressection specimens and lymph node metastasis can be as high as 10-15%. Early radical cystectomy in T1G3 tumors is associated with 80-90% disease specific survival rate.

Conclusions: The patient with high risk

super-ficial bladder cancer correctly informed that understands de risk inherent to his disease may be the ideal patient to perform an early radical cystectomy.

Keywords: Superficial bladder cancer, early radical

cystectomy.

Introdução

As neoplasias vesicais são a 2ª neoplasia mais fre-quente do aparelho urinário e, em absoluto, cons-tituem a 4ª neoplasia mais frequente no homem e a 8ª no sexo feminino. São mais frequentes a par-tir dos 60 anos de idade, sendo a idade média de aparecimento 65 anos. Estima-se que sejam res-ponsáveis por 3% das mortes por cancro no sexo masculino e 1,5% no sexo feminino1.

A forma histológica mais comum mantém-se o carcinoma de células de transição (CCT) represen-tando mais de 90% das neoplasias vesicais, excep-ção feita às zonas endémicas de S. haematobium onde o carcinoma pavimento-celular assume clara

Data de Submissão: 2 de Fevereiro de 2011 | Data de Aceitação: 16 de Março de 2011

Early cystectomy in the treatment of superficial bladder Cancer

(2)

41

transuretral (RTU) mantém-se como elemento diagnóstico fundamental, permitindo o tratamento eficaz de grande parte dos tumores superficiais, complementado ou não com terapêutica adjuvante intra-vesical.

“Doença superficial”

Historicamente o prognóstico do CCT não músculo-invasivo foi considerado bom mas, apesar das tera-pêuticas locais, muitos dos CCT ditos superficiais, sofrem recorrência ou progressão para a invasão da camada muscular própria. Na realidade, em cerca de 30 a 80% dos casos existirá recorrência, estimando-se que entre 30 a 50% das neoplasias T1 irão progredir7. Para além disso, até 80% dos doentes com CCT T1 de alto grau, submetidos a RTU sem terapêutica intravesical adjuvante sofrem recorrência e 60% progressão8,9. No global, 50% dos doentes com doença T1 de alto grau podem ser tratados com RTU e terapêutica intravesical com Bacilo Calmette-Guérin (BCG) de forma eficaz e conservadora do órgão.

A recorrência assume-se assim como o principal problema em doentes com classificação Ta, sendo a progressão a maior ameaça para os doentes com doença T1 e/ou Cis. A recorrência precoce nos CCT de alto grau superficiais é também um factor a considerar, uma vez que está associado a taxas de progressão aos 5 anos que podem alcançar os 82% o que é manifestamente pior quando comparado com 25% no caso da mesma não ocorrer precocemente10. Estima-se ainda que até 10% das neoplasias vesicais superficiais T1 apresentem à data de diagnóstico micrometastização7,11.

Desta forma, pode afirmar-se que o CCT não múscu-lo-invasivo constitui uma doença crónica, com um espectro de evolução oncológica muito heterogéneo, exigindo um follow-up apertado bem como vários procedimentos terapêuticos, tornando esta doença uma das patologias oncológicas com maiores custos associados.

Segundo o estudo prospectivo de Cookson e cola-boradores onde foram incluídos 86 doentes com doença definida como superficial T1 de alto grau após RTU e com 15 anos de follow-up, 53% dos doentes sofreram progressão para doença invasiva, 36% foram submetidos a cistectomia radical dife-rida e 34% morreram por CCT (nível de evidência clínica Ib). Segundo o autor, um dado interessan-te registado nesinteressan-te estudo foi que apenas 26% dos doentes permaneceram com uma bexiga intacta e funcional7.

Por seu turno, Shahin e colaboradores num estudo com 153 doentes com CCT T1G3 submetidos ou não a terapêutica intravesical verificaram uma taxa de mortalidade de cerca de 30% por progressão de doença aos 10 anos de follow-up. Nos doentes superficiais à data de diagnóstico. Se na doença

superficial de baixo grau a recorrência tumoral se assume como o principal problema a considerar, na doença de alto grau e no Carcinoma in situ a progressão é uma realidade por vezes difícil de evitar. Com a evidência crescente do risco de sub-estadiamento na ressecção transuretral inicial e do envolvimento ganglionar precoce num número considerável de doentes, a realização da cistectomia radical mais precoce, no decurso da doença, pode ser uma alternativa a considerar para melhorar o prognóstico do CCT vesical superficial5-11.

O presente artigo reflecte uma revisão sistematizada da literatura publicada, até à data, sobre a evidên-cia clínica do papel da cistectomia radical precoce (CRP) no tratamento do carcinoma de células de transição vesical superficial. Pretende-se ainda incluir na revisão as principais limitações inerentes ao diagnóstico, estadiamento e terapêutica do CCT vesical superficial e em particular os principais factores de prognóstico existentes.

Materiais e Método

A revisão bibliográfica foi efectuada mediante pes-quisa na MEDLINE, via Pubmed utilizando como palavras-chave: neoplasias vesicais superficiais e cistectomia radical precoce. Foram incluídos na revisão artigos publicados em Inglês, no período decorrente entre Janeiro de 1979 a Dezembro de 2010. Com o termo cistectomia radical precoce foram encontradas referências de 456 artigos, dos quais 74 são artigos de revisão. Posteriormente realizou-se pesquisa com referência cruzada de cistectomia radical precoce e neoplasias vesicais superficiais tendo sido encontradas 48 referências bibliográficas, 15 das quais de artigos de revisão. Pela ausência de estudos prospectivos randomizados e meta-análises de estudos randomizados, foram privilegiados os trabalhos publicados por autores de centros de referência na área oncológica, baseados em revisões de séries com maior volume de doentes e preferencialmente multicêntricos.

Foram assim objecto de utilização para esta revisão 37 artigos, um dos quais com nível de evidência clí-nica Ib e a maioria com nível de evidência clíclí-nica IIb (com base nos Níveis de Evidência do Oxford Centre for Evidence-based Medicine).

Resultados e discussão

Cerca de 70-80 % dos CCT vesicais são superficiais à data de diagnóstico, ou seja, pela classificação TNM - Ta, T1 ou Carcinoma in situ (Cis)5. Dos doentes com CCT não músculo-invasivo, aproxi-madamente 70% apresentam classificação Ta à data do diagnóstico, 20% apresentam classificação

(3)

submetidos a terapêutica adjuvante com BCG, 33% sofreram progressão da doença, sendo o tempo médio para recorrência de 38 meses e 29% acabaram por ser submetidos a cistectomia radical diferida (CRD). No grupo de doentes sem terapêutica adjuvante, a taxa de progressão foi de 36% e 31% foram subme-tidos a CRD sendo o tempo médio para recorrência de 22 meses12.

Hans-Martin Fritsche e colaboradores13 realizaram o maior estudo retrospectivo publicado, até à data, de doentes com CCT T1G3 tratados inicialmente com cistectomia radical precoce (CRP). No seu es-tudo multicêntrico, internacional, foram revistos os dados de 1136 doentes com CCT T1G3 tratados inicialmente com cistectomia radical e linfadenec-tomia bilateral, sem terapêutica neo-adjuvante prévia e durante o período compreendido entre 1979 e 2008. Dos 1136 doentes, 33,4% tinham doença não confinada ao órgão na peça de cistectomia (>pT2) e 16,2% apresentavam metastização ganglionar (≥N1). Em 51,4% dos doentes o estadiamento foi revisto para doença músculo-invasiva (>pT1) sen-do que 21,4% apresentavam sub-estadiamento em relação a RTU inicial (<pT1). Deve ser salientado o facto de que 70% dos doentes incluídos neste estudo tinham sido submetidos a Re-RTU e que foram excluídos todos os doentes que não apre-sentavam camada muscular própria incluída na ressecção transuretral. Refira-se que o follow-up médio obtido foi de 48 meses, sendo que 35,5% dos doentes morreram por doença metastática. É interessante que no Cis a resposta inicial à te-rapêutica intra-vesical com BCG pode atingir os 80%. Porém, na recorrência de Cis após terapêu-tica, o risco de progressão e potencial de morte específica por doença pode alcançar os 50% sendo que, no global, 20% dos doentes com Cis morrerão da doença aos 10 anos14,15,16.

Masood e colaboradores num estudo com doentes com CCT T1G3 e Cis associado submetidos a CRP constataram um subestadiamento de 55% contra 6% no grupo CCT T1G3 sem Cis17.

De que forma estaremos assim a subestimar uma “doença superficial”?

História natural da doença superficial

Neste sentido, provavelmente o principal problema que se coloca é o do conhecimento da história na-tural dos tumores superficiais, nomeadamente, o conhecimento dos factores de risco para o seu su-bestadiamento, recidiva/recorrência e progressão. Na doença não músculo-invasiva diversos factores de risco para recorrência e progressão estão esta-belecidos e documentados: número de tumores, tamanho dos tumores, taxa de recorrência prévia,

comitante e o grau histológico, este ainda baseado na classificação World Health Organization (WHO) 1973 (tabela I).

Pode assim ser estimado o risco individual para a recorrência e progressão, em que as taxas de recorrência aos 5 anos podem ir de 31% no grupo de doença de baixo risco a 78% no grupo de alto risco e a probabilidade de progressão pode ser de 0.8% no grupo de baixo risco até uns preocupantes 45% no grupo de alto risco (tabela II)18.

Microestadiamento

Fica implícito que a doença T1, não músculo-invasiva, apresenta um prognóstico muito hete-rogéneo, reforçando-se assim as limitações ine-rentes ao estadiamento convencional e ao grau histológico. A associação de múltiplas variáveis clínicas (multifocalidade, tamanho inicial, recor-rência prévia) e histológicas (grau e presença de Cis) pode ajudar a uma melhor individualização do prognóstico da doença superficial mas, ainda

Factor de risco Recorrência Progressão

Número de tumores Único 0 0 2-7 3 3 ≥8 6 3 Diâmetro tumoral <3 0 0 ≥ 3 3 3 Taxa de Recorrência Primário 0 0 <1 recorrência / ano 2 2 ≥ 1 recorrência / ano 4 2 Categoria Ta 0 0 T1 1 4 Carcinoma in situ concomitante Sim 1 6 Não 0 0 Grau histológico (1973 WHO) G1 0 0 G2 1 0 G3 2 5 Score total 0-17 0-23

Tabela I) Ponderação dos factores de risco para recorrência e progressão Adaptado de Guidelines on Ta-T1 (Non Muscle-Invasive) Bladder Cancer EAU 200918

(4)

43

Van der Aa e colaboradores23, por seu turno, tenta-ram redefinir o microestadimento na forma de T1 com micro-invasão ou T1 com invasão extensa. A doença T1 micro-invasiva refere-se aos tumores T1 com um único local de invasão do tecido conjuntivo subepitelial num único campo de alta ampliação do microscópio, sendo os restantes tumores T1 con-siderados extensamente invasivos. Em 53 casos estudados este microestadiamento correlacionou-se directamente com a progressão e foi reprodutível em 81% dos casos.

Apesar dos vários estudos que na última década demonstraram o pior prognóstico associado aos tumores T1 com invasão mais profunda da lâmina própria, não existe actualmente nenhum estudo prospectivo randomizado a comparar estas três formas de microestadiamento. A maior limitação associada ao microestadiamento continua a ser a discrepância intra e inter-observador, facto pelo qual não foi ainda alcançado consenso quanto à sua utilização, apesar de ser actualmente uma recomendação da WHO19. Em 1998, no Bladder Consensus Conference Commitee decidiu-se que o microestadiamento não deve ser adoptado uni-versalmente mas que o patologista deve tentar providenciar uma avaliação da extensão do envol-vimento da lâmina própria24.

Re-RTU

O papel da Re-RTU está actualmente bem esta-belecido na medida em que permite melhorar o estadiamento inicial e aumentar a probabilidade de sucesso terapêutico. As indicações para a sua rea-lização são relativamente consensuais e incluem: a ressecção incompleta inicial, a ressecção sem en-volvimento da camada muscular, a doença de alto grau não invasiva e a doença T118.

Herr e colaboradores constataram, num estudo com 71 doentes com doença T1 submetidos a Re-RTU, que 25% dos mesmos tinham doença residual. Se na primeira ressecção não estivesse incluída a camada A profundidade da invasão tumoral (caracterização

pT) permanece como um dos factores prognósticos mais importantes para a progressão19. Surge desta forma o conceito de lâmina própria, zona extre-mamente rica em vasos linfáticos e sanguíneos com enorme potencial para uma disseminação linfática e hematogénea precoce, facto que po-derá transformar a doença superficial T1 em “T1 invasiva”, na qual, a muscularis mucosae (MM) é referência. Parece assim razoável sub-agrupar as neoplasias T1 quanto ao grau de micro-invasão deste tecido conjuntivo sub-epitelial.

Uma das formas de microestadiamento reflecte a invasão tumoral da lâmina própria tomando como referência a muscularis mucosae, sendo o subes-tadiamento da doença T1 em pT1a – invasão do tecido conjuntivo subepitelial superficial à MM; em pT1b – invasão até ao nível da MM ou da própria MM; e pT1c – se a invasão ultrapassa a MM. Orsola e colaboradores20 identificaram uma dife-rença significativa na sobrevida livre de progressão na doença T1a vs T1b+c. Orsola estudou a invasão da camada profunda da lâmina própria em 97 doentes com doença T1, conseguindo executar microesta-diamento em 87% dos doentes sendo que no subtipo T1a o risco de progressão foi de 8% contra 34% no subtipo T1b e T1c.

Mhawech e colaboradores21 referem que a reprodu-tibilidade do microestadiamento pT1a/b/c pode ser melhorada se for utilizada a imunohistoquímica e juntando os pT1b e c, ou seja, redefinindo o mi-croestadiamento em micro-invasão (pT1a) e pT1 invasivos (pT1 b+c).

Uma outra forma de microestadiamento mede a in-vasão directa em profundidade utilizando uma escala milimétrica. Cheng e colaboradores22, no seu estudo com 83 amostras de RTU, conseguiram microesta-diar desta forma 100% das amostras. A estratificação da profundidade de invasão em <1.5mm e >1.5mm revelou uma diferença significativa das taxas livres de progressão de 93% para 67% respectivamente.

Grupo Risco de Recorrência Score factores risco Recorrência 1 ano (%) Recorrência 5 anos (%)

Baixo Risco 0 15 31

Risco Intermédio 1-4 24 46

5-9 38 62

Alto Risco 10-17 61 78

Grupo Risco Progressão Score factores risco Progressão 1 ano (%) Progressão 5 anos (%)

Baixo Risco 0 0.2 0.8

Risco Intermédio 2-6 1 6

Alto Risco 7-13 5 17

14-23 17 45

Tabela II) Probabilidade de recorrência e progressão com base nos factores risco descritos na tabela I Adaptado de Guidelines on Ta-T1 (Non Muscle-Invasive) Bladder Cancer EAU 200918

(5)

muscular a probabilidade de doença residual seria de 49% contra 19% no caso de estar englobada a ca-mada muscular25.

Do mesmo autor, em 2007, foi publicada uma série com 352 doentes em que na Re-RTU de doença T1, 58% apresentavam doença residual. Nestes, a taxa de recorrência aos 5 anos podia chegar aos 66% e a de progressão aos 35%. Apenas 19% dos Ta na Re-RTU sofreram progressão, mas 82% dos T1 em Re-RTU vieram a sofrer progressão aos 5 anos26.

A Re-RTU assume-se como variável independente mais significativa na predição da progressão, melhora a resposta inicial à terapêutica intravesical, reduz a probabilidade de recidiva e poderá eventualmente prevenir ou atrasar a progressão da doença26.

Outros factores de mau prognóstico

Deve ser salientado que na avaliação complementar do risco de progressão do CCT devem ainda ser tidos em consideração a presença de variantes específicas como a variante de pequenas células ou neuroendó-crina, os T1 micropapilares ou a presença de invasão linfovascular, determinantes de mau prognóstico.

Cistectomia Radical Precoce (CRP)

Entende-se por cistectomia radical precoce aquela que é realizada antes da existência da indicação formal clássica para a execução da cistectomia ra-dical, ou seja, antes de existir invasão da camada muscular própria. O principal dilema que se coloca perante a sua utilização é claramente o da identi-ficação dos doentes que beneficiarão da CRP em detrimento da terapêutica conservadora do órgão.

Claramente o candidato ideal parece ser o doente com doença T1 de alto grau, particularmente na presença de vários factores de risco, doença que se associa a maiores taxas de progressão e recorrência. São várias as vantagens associadas à cistectomia radical precoce.

Em primeiro lugar permite melhor controlo local da doença com melhor resultado oncológico e melhor sobrevida a longo prazo, sendo a opção terapêutica que melhor oportunidade curativa oferece, associan-do-se a taxas de sobrevida específica livre de doença que rondam os 80-90% aos 5 anos (tabela III e IV). Em segundo lugar é a única que permite o estadia-mento definitivo, nomeadamente, no que se refere ao estadiamento tumoral (pT) e ao estadiamento ganglionar (N).

Em terceiro lugar pode associar-se a menor morbili-dade cirúrgica, quer porque em regra o doente tem melhores condições físicas que o doente submetido a CRD, quer porque possibilita com maior frequência a realização de derivações ortotópicas, bem como de técnicas de preservação do nervo (nerve-sparing). Apesar disso, a morbilidade e a mortalidade associadas à CRP não são desprezíveis, correspondendo a 30% e 1-6% respectivamente31.

Por outro lado, não pode ser desvalorizado o facto de pelo menos 50% dos CCT T1 de alto grau poderem ser eficazmente tratados de forma conservadora do órgão mediante RTU e terapêutica com BCG intravesical. Esta terapêutica, no entanto, tam-bém não é isenta de morbilidade, nomeadamente pela necessidade de cistoscopia de follow-up pe-riódica, por estar associada a sintomatologia do

Autor Período Número de doentes médio (meses)Follow-up BCG prévio(%) Up-staging pT (%) (%)N+

Sobrevida específica de doença (%) Dutta et al27 1995-1999 78 ND 37 40 12 78 Bianco et al28 1990-2000 66 48 27 27 9 78 Gupta et al29 1984-2003 167 34 44 50 18 82 Denzinger et al30 1984-2003 54 61 0 26 ND 78 Fritsche et al 13 1979-2008 1136 48 0 51.4 16.2 71.2

Tabela III) Algumas Séries de doentes com CCT T1 G3 submetidos a CRP ND – não determinado

Autor, Ano Cistectomia Número de doentes Follow-up (meses) Sobrevida específica livre de doença (%)

Stöckle34, 1987 Precoce 55 60 90 Diferida 39 60 61 Volkmer33, 2006 Precoce 135 ND 80 Diferida 60 ND 58 Denzinger30, 2008 Precoce 54 60 83 Diferida 51 60 67

Tabela IV. Séries comparando cistectomia precoce com cistectomia diferida

(6)

45

a doentes com doença não músculo-invasiva com elevado risco de progressão e que de acordo com as tabelas de risco da European Organisation for Research and Treatment of Cancer (EORTC) são: múltiplos tumores superficiais alto grau, tumores T1 de alto grau e tumores de alto grau com Cis associado18. A cistectomia radical precoce está particularmente indicada em doentes com doença não músculo-invasiva recidivante, mesmo no caso do doente estar a realizar terapêutica intra-vesical com BCG. Neste grupo particular de doentes, atrasos de decisão cirúr-gica radical são acompanhados de diminuição signifi-cativa da sobrevida específica livre de doença. Stein acrescenta ainda outros factores que recomen-dam esta opção: a invasão na profundidade da lâmina própria, doença de alto grau com invasão linfovascu-lar, o envolvimento da uretra prostática, doença com componente de pequenas células ou neuroendócrina, doença micropapilar, doença de alto grau em diver-tículos e claro a doença irressecável35.

Talvez o principal factor a considerar seja o doente in-formado que compreende a sua doença e o deseja35. Um facto curioso foi o inquérito promovido por Joudi e colaboradores em 2009 a urologistas americanos para conhecer quais os colegas que propunham a CRP ao doente com doença T1G3 e Cis recorrente após 2 ciclos de BCG (risco de progressão 80%) e apenas 1 em cada 5 assumiram ser essa a sua primeira opção a propor ao doente36.

Conclusões

Apesar das neoplasias vesicais superficiais respon-derem bem à terapêutica intravesical e existirem métodos relativamente acessíveis para vigiar de forma apertada o comportamento destas ao longo do tempo, não pode ser negligenciado o facto de a “doença superficial” estar associada a risco estabe-lecido de recorrência e progressão, particularmente a doença T1 de alto grau. Ainda que a biologia tumo-ral destas neoplasias seja pouco conhecida, existem já critérios importantes que permitem identificar a doença com maior risco de recorrência e progres-são. Não pode ser esquecida a baixa sobrevida livre de doença aos 5 anos da doença músculo-invasiva. O doente com “doença superficial” de alto risco, correctamente informado, que conhece e compre-ende o risco da sua doença é o candidato ideal a uma cistectomia radical precoce35. Parafrase-ando Chang e Cookson, o termo mais correcto a utilizar poderá ser “timely cystectomy”37.

Bibliografia

1. Johansson SL, Cohen SM. Epidemiology and

etiology of bladder cancer. Semin Surg Oncol 1997;13(5):291-8.

baixo aparelho urinário e pelo risco de infecção disseminada. Neste contexto, deve ser referido o trabalho de Schrier e colaboradores que evidenciou uma diferença muito significativa na sobrevida específica de doença aos 3 anos em doentes que sofreram progressão para doença músculo-inva-siva ao longo da sua terapêutica conservadora, quando comparado com doentes que apresentam doença músculo-invasiva ab initio (37% versus 67%, respectivamente)32.

Talvez a maior dificuldade actual para a opção de uma CRP seja a inexistência de estudos prospecti-vos randomizados que comparem eficazmente a abordagem conservadora versus a CRP, bem como a CRP versus CRD. Porém uma série de estudos válidos retrospectivos, oferecem-nos um conjunto de dados que favorecem em muito a CRP.

Segundo os trabalhos de Bianco e colaboradores com 66 doentes com CCT T1 submetidos a cistec-tomia radical, e após 10 anos de follow-up, o su-bestadiamento inicial foi de 27%, e a sobrevida livre de doença aos 10 anos foi de 92% contra os 64% correspondentes à cistectomia radical diferida28. Numa das mais completas revisões da literatura sobre os resultados da CRP versus CRD, Weiss e colaboradores encontraram valores de sobrevida livre de doença aos 5 anos de cerca de 80-90% na CRP contra 58-67% na CRD (tabela IV)33.

Stöckle e colaboradores34 num estudo retrospectivo com 246 doentes submetidos a cistectomia radical identificaram 55 doentes submetidos a CRP por doença T1 obtendo uma sobrevida livre de doença de 90% aos 5 anos. Em 39 doentes submetidos a CRD por progressão de doença inicialmente superficial constata-se que a sobrevida livre de doença se reduz significativamente aos 5 anos. Também importante é o facto de no total dos 246 doentes, para o mesmo estádio T e grau histológico, a sobrevida livre de doença ser melhor para os doentes inicialmente tratados com CR versus os que o foram por re-corrência ou progressão após o tratamento inicial. Igualmente interessante o facto de doentes inicial-mente T2 terem melhor sobrevida com a CR que doentes inicialmente T1 e que foram submetidos a CRD por progressão de doença.

Denzinger e colaboradores30 analisaram retrospecti-vamente 105 doentes com doença T1G3 com 2 ou mais factores de risco (>3cm, multifocalidade ou Cis), aos quais fora proposto CRP ab initio. No grupo de doentes que inicialmente aceitou a CRP (n=54) regis-tou-se uma sobrevida livre de doença de 78% aos 10 anos, estatisticamente muito superior aos 51% dos 51 doentes que foram submetidos a CRD por progressão de doença ou recorrência de doença de alto grau. É com base nestes pressupostos que as recomenda-ções da Associação Europeia de Urologia de 2009 reconhecem o papel da CRP, devendo ser proposta

(7)

2. Lynch CF, Cohen MB. Urinary system. Cancer 1995;75(1 Suppl):316-29.

3. Costello AJ, Tiptaft RC, England HR, et al. Squamous cell carcinoma of bladder. Urology 1984;23(3):234-6.

4. Chevlen EM, Awwad HK, Ziegler JL. Cancer of the bilharzial bladder. Int J Radiat Oncol Biol Phys 1979;5(7):921-6.

5. Ro JY, Staerkel GA, Ayala AG. Cytologic and histologic features of superficial bladder cancer. Urol Clin North Am 1992;19(3):435-53.

6. Kirkali Z, Chan T, Manoharan M, et al. Bladder cancer: epidemiology, staging and grading, and diagnosis. Urology 2005;66(Suppl 6A):4-34. 7. Cookson MS, Herr HW, Zhang ZF, Soloway S,

Sogani PC, Fair WR. The treated natural history of high risk superficial bladder cancer: 15-year outcome. J Urol 1997;158(1):62-7.

8. Heney NM. Natural history of superficial bladder cancer. Prognostic features and long-term diea-se courdiea-se. Urol Clin North Am 1992;19:429-33. 9. Heney NM, Ahmed S, Flanagan MJ, et al.

Super-ficial bladder cancer: progression and recurren-ce. J Urol 1983;130:1083-6.

10. Rhijn B, Burger M, Lotan Y, et al. Recurrence and progression of disease in non-muscle-inva-sive bladder cancer: from epidemiology to tre-atment strategy. Eur Urol 2009(56):430-42. 11. Herr HW, Donat SM. Outcome of patients with

grossly node positive bladder cancer after pelvic lymph node dissection and radical cystectomy.J Urol 2001;165(1):62-4.

12. Shahin O, Thalmann GN, Rentsch C, Mazzuc-chelli L, Studer UE. A retrospective analysis of 153 patients treated with or without intravesi-cal bacillus Calmette-Guerin for primary stage T1 grade 3 bladder cancer: recurrence, progres-sion and survival. J Urol 2003;169(1):96-100. 13. Fritsche HM, Burger M, Svatek R, et al.

Charac-teristics and outcomes of patients with clinical T1 grade 3 urothelial carcinoma treated with radical cystectomy: results from an internatio-nal cohort. Eur Urol 2010(57):300-9.

14. Catalona WJ. Surgical staging of genitourinary tumors. Cancer 1987;60(3 Suppl):459-63. 15. Catalona WJ, Hudson MA, Gillen DP,

Andrio-le GL, Ratliff TL.Risks and benefits of repeated courses of intravesical bacillus Calmette-Gue-rin therapy for superficial bladder cancer. J Urol 1987;137(2):220-4.

16. Herr HW. Tumour progression and survival in patients with T1G3 bladder tumours: 15-year outcome. Br J Urol 1997;80(5):762-5.

17. Masood S, Sriprasad S, Palmer JH, Mufti

cystectomy. Int Urol Nephrol 2004;36(1):41-4. 18. Babjuk M, Oosterlinck W, Sylvester R, et al.

EAU Guidelines on TaT1 (Non-muscle invasi-ve) Bladder Cancer. European Association of Urology 2009.

19. Egle Jn, Sauter G, Epstein JI, Sesterhenn IA, editors. World Health Organization Classifica-tion of Tumors. Tumors of the urinary system and genital organs. Pathology and genetics. Lyon: Iarc Press; 2004. 90-109.

20. Orsola A, Trias I, Raventós CX, Español I, Cec-chini L, Búcar S, Salinas D, Orsola I. Initial high-grade T1 urothelial cell carcinoma: feasi-bility and prognostic significance of lamina pro-pria invasion microstaging (T1a/b/c) in BCG-treated and BCG-non-BCG-treated patients. Eur Urol 2005;48(2):231-8.

21. Mhawech P, Iselin C, Pelte MF. Value of immu-nohistochemistry in staging T1 urothelial blad-der carcinoma. Eur Urol 2002;42:459-63. 22. Cheng L, Weaver AL, Neumann RM, et al.

Subs-taging of T1 bladder carcinoma based on the depth of invasion as measured by micrometer: a new proposal. Cancer 1999;86: 1035-43. 23. van der Aa MN, van Leenders GJ, Steyerberg

EW, et al. A new system for substaging pT1 pa-pillary bladder cancer: a prognostic evaluation. Hum Pathol 2005;36:981-6.

24. Epstein JI, Amin MB, Reuter VR, Mostofi FK. The World Health Organization/International Society of Urological Pathology consensus clas-sification of urothelial (transitional cell) neo-plasms of the urinary bladder. Bladder Consen-sus Conference Committee. Am J Surg Pathol 1998;22(12):1435-48.

25. Herr HW. Surgical factors in the treatment of superficial and invasive bladder cancer. Urol Clin North Am 2005;32(2):157-64.

26. Herr HW, Donat SM, Dalbagni G. Can restaging transurethral resection of T1 bladder cancer se-lect patients for immediate cystectomy? J Urol 2007;177(1):75-9.

27. Dutta SC, Smith Jr JA, Shappell SB, Coffey CS, Chang SS, Cookson MS. Clinical under staging of high risk nonmuscle invasive urothelial car-cinoma treated with radical cystectomy. J Urol 2001;166:490–3.

28. Bianco FJ Jr, Justa D, Grignon DJ, Sakr WA, Pontes JE, Wood DP Jr. Management of clinical T1 bladder transitional cell carcinoma by radi-cal cystectomy. Urol Oncol 2004;22(4):290-4. 29. Gupta A, Lotan Y, Bastian PJ, et al. Outcomes of

patients with clinical T1 grade 3 urothelial cell bladder carcinoma treated with radical

(8)

47

diochemotherapy. Strahlenther Onkol. 2008 Sep;184(9):443-9.

34. Stöckle M, Alken P, Engelmann U, et al. Ra-dical cystectomy – often too late? Eur Urol 1987;13:361-367.

35. Stein JP, Penson DF. Invasive T1 bladder can-cer: indications and rationale for radical cys-tectomy. BJU Int 2008;102(3):270-5.

36. Joudi FN, Smith BJ, O’Donnell MA, Konety BR.Contemporary management of superficial bladder cancer in the United States: a pattern of care analysis. Urology 2003;62(6):1083-8. 37. Farnham SB, Cookson MS, Alberts G, Smith JA

Jr, Chang SS. Benefit of radical cystectomy in the elderly patient with significant co-morbidi-ties. Urol Oncol 2004;22(3):178-81.

30. Denzinger S, Fritsche HM, Otto W, et al. Early versus Deferred Cystectomy for initial high-risk pT1G3 urothelial carcinoma of the bladder: do risk factors define feasibility of bladder-sparing approach? Eur Urol 2008;53:146-52.

31. Birkmeyer JD, Siewers AE, Finlayson EV, et al. Hospital volume and surgical mortality in the United States. N Engl J Med 2002;346:1128-37. 32. Schrier BP, Hollander MP, van Rhijn BW, et al.

Prognosis of muscle-invasive bladder cancer: difference between primary and progressive tumours and implications for therapy. Eur Urol 2004;45:292-6.

33. Weiss C, Ott OJ, Wittlinger M, et al. Treat-ment options for high-risk T1 bladder can-cer: status quo and future perspectives of

Referências

Documentos relacionados

H´a dois tipos de distribui¸co˜es de probabilidades que s˜ao as distribui¸c˜oes discretas que descrevem quantidades aleat´orias e podem assumir valores e os valores s˜ao finitos, e

À Deus pelo dom da vida, pela fé e perseverança para vencer os obstáculos. A minha mãe, pela orientação, dedicação e incentivo nessa fase do curso de pós-graduação e

Traçar um perfil das mulheres trabalhadoras não trata apenas de definir características dessas mulheres, mas também de compará-las aos homens trabalhadores, para

Trabalhar com as diferenças, com a diversidade, com o “novo” não é uma tarefa, e somos conscientes, principalmente de que não é apenas o professor que irá conseguir abolir

O planejamento para esta etapa é apresentado no Quadro 4: Quadro 3 - Planejamento para implantação do teste piloto do Protocolo de banho na UTI Adulto do Hospital Centenário,

From 1982 to 2001, the Central Laboratory of Food Microbiology of Instituto Adolfo Lutz, SP, received samples for the investigation of botulinum toxin from different states of

Representação dos valores de índice de temperatura de globo negro e umidade (ITGU), em função dos horários, correspondente a cada tipo de cobertura, ao nível das aves,

Contudo, não é possível imaginar que essas formas de pensar e agir, tanto a orientada à Sustentabilidade quanto a tradicional cartesiana, se fomentariam nos indivíduos