História, gênero e trajetórias biográficas. ST42 Elizabeth Ângela dos Santos
Faculdade de Ciências e Tecnologia – UNESP
Palavras-chave: Histórias de Vida – Gênero – Profissão Docente
Histórias de Vida, Gênero e Profissão Docente: as representações sociais das alunas egressas do curso de pedagogia da FCT – UNESP.
O presente estudo busca aprofundar reflexões sobre formação docente, refletindo sobre a concepção de profissão e profissionalidade de professores do ponto de vista histórico/sociológico analisando as questões relativas a feminização do trabalho docente. A partir destas reflexões intentaremos compreender o processo de feminização da profissão docente e suas relações com a identidade de gênero desta categoria profissional.
Desta forma, pretendemos identificar que representações sociais as alunas egressas do curso de Pedagogia da Faculdade de Ciências e Tecnologia da Universidade Estadual Paulista – Presidente Prudente, constroem sobre a profissão docente, buscando analisar detalhadamente os percursos individuais e sócio-culturais destas alunas, visualizando os aspectos determinantes de suas escolhas e de suas trajetórias profissionais. Para a consecução dos objetivos propostos optamos pelo uso da metodologia baseada nas histórias de vida das ex-alunas do Curso de Pedagogia da FCT/UNESP.
Ao optarmos por esse caminho, estamos elegendo o indivíduo na sua singularidade, como sujeito central do processo de investigação. Para tanto, adotaremos o levantamento das histórias de vida das alunas através de autobiografias e outras fontes de informação similares que nos permitam reunir um volume suficiente de informações para análise e interpretação das representações sociais construídas por elas.
Para a compreensão do trabalho docente é de extrema relevância compreender como esta profissão, ao longo do tempo, tornou-se um trabalho feminino. Por isso, identificar como as professoras percebem a feminização de sua profissão, que foi caracterizada socialmente como um trabalho de mulher, torna-se um ponto norteador para a redefinição de sua profissionalidade e solidificação da carreira e identidade docente, apontando para novos rumos quanto ao seu status profissional, sua situação social e, até mesmo, suas condições de trabalho.
A identidade não é algo que se atribui ao sujeito e nem é também um processo passivo de pertença, mas sim uma edificação de caráter biográfico e relacional, ou seja, o indivíduo constrói para si uma identidade (identidade pessoal) a partir dos elementos que recebem dos diferentes grupos sociais
dos quais faz parte, e concebe uma identidade para os outros (identidade social), isto é, ele é aquilo que os outros esperam que ele seja.
Da mesma forma se dá a construção da identidade profissional docente que pode ser definida como uma identidade social particular, que provém do local das profissões, do trabalho no conjunto social e do estilo de vida do sujeito. Essa identidade social é articulada entre uma transação interna ao indivíduo e uma transação externa entre o indivíduo e as instituições com as quais ele mantém contato. Moita apud Papi (2005, p. 51) afirma que “o processo de formação da identidade profissional própria
não é estranha a função social da profissão, ao estatuto da profissão e do profissional”.
Para Nóvoa apud Almeida (1999, p.19) no desenvolvimento desta identidade deve-se levar em consideração três aspectos: “produzir a vida do professor (desenvolvimento pessoal), produzir a profissão docente (desenvolvimento profissional), produzir a escola (desenvolvimento organizacional)”. Esta proposta de Nóvoa tem um olhar voltado para o campo profissional, que não pode ser dissociado da idéia de que a discussão sobre a identidade dos professores tem se pautado pela idéia de que não se pode ignorar a forma como se constituiu o sistema de educação de massas de cada país.
Quando falamos sobre o Brasil, não podemos então, ignorar que somente a partir da república (1889) é que se fala em ampliação de oportunidades escolares e que isso só se concretiza a partir da segunda metade do século XX. Em decorrência dessa publicização tardia da educação básica no Brasil, também foi tardia a profissionalização do professor marcada inicialmente por uma feminização acentuada, que contraditoriamente assegurava um certo “armadorismo profissional”.
Assim, a definição e consolidação da identidade professoral esta articulada conjuntamente com a busca de profissionalidade desta categoria. Segundo Costa (1995) os sindicatos se constituem em um espaço privilegiado da construção da identidade docente e deveriam ser uma das instâncias de reivindicação de um controle sobre a profissão e uma forma de solidificação da carreira docente. Conforme a autora, o profissionalismo passa a ser uma forma de poder social, assim os profissionais passam a ser uma classe fortalecida.
De acordo com COSTA (1995 p.89):
... a profissão não é uma ocupação, mas um meio de controlar uma ocupação e profissionalização é um processo historicamente específico desenvolvido por algumas ocupações em um determinado tempo; é uma forma de controle político do trabalho, conquistado por um grupo social, em dado momento histórico.
Esta preocupação tem comparecido em algumas investigações como uma das condições para a melhoria da atuação docente. Podemos citar como exemplo, ALMEIDA (1999, p.16) que acredita que a
partir de meados do século XVIII, com a consolidação do Estado Nacional, a escola passou por um processo de secularização com a instituição do sistema de ensino estatal.
Os docentes que se ocupavam do ensino institucionalizado passaram a viver processos de profissionalização e de funcionarização1. Esta constatação de ALMEIDA (1999) confirma a tese de que a profissionalização docente no Brasil tem como marco histórico o século XIX, quando surgiram as primeiras Escolas Normais, que passaram a preparar os professores para a atividade docente e constituiu-se no espaço de produção/reprodução dos saberes e das normas da profissão docente.
Este grande avanço na elaboração de uma concepção de ser professor foi a base da construção da consciência profissional do professor brasileiro. A influência que as Escolas Normais adquiriram ao selecionarem e formarem os futuros professores foi um passo fundamental para a definição dessa identidade profissional.
Tais conquistas possibilitaram a ampliação dos espaços de formação profissional para além dos limites das Escolas Normais. Os novos espaços de formação abriram-se com o advento da universidade no segundo quarto do século XX através do curso de Pedagogia.
E paralelamente a essa discussão sobre a profissionalidade e identidade docente é fundamental referirmo-nos à grande feminização da profissão, que é vista como um dos fatores de desvalorização profissional da carreira docente. Michael Apple (1998) foi o primeiro a definir a categoria de gênero como um elemento indispensável para a compreensão do trabalho docente. Para o autor classe, sexo e ensino são indissociáveis.
E neste estudo o gênero deve ser entendido conforme a definição de Scott (1990) que propõe uma nova abordagem para o estudo do gênero, que passa a ser visto como um elemento constitutivo das relações sociais fundadas sobre as diferenças percebidas. O gênero é nomeado e classificado dentro de uma cultura que o torna histórico e situado, e por isso são partes de uma rede de relações de poder que são construídas pelos usos e significados desta categoria. E conforme esta abordagem podemos definir o gênero como uma construção social e histórica , e que por isso as práticas sociais masculinizantes e feminizantes são estabelecidas conforme as concepções de cada sociedade.
A história das mulheres vista por este ângulo demonstra que a diferença sexual serve para confirmar e justificar a discriminação. Sendo assim, se torna necessário a compreensão desta grande feminização da profissão docente e como este processo poderá influenciar na construção da profissionalidade e identidade desta categoria.
A feminização da profissão docente tem se pautado em dados quantitativos que indicam o grande contingente de mulheres que atuam no magistério primário, segundo dados da UNESCO “No
âmbito da educação Básica registra-se 85,7% de mulheres e 14,1% de homens entre os professores...”,
apontando este fator como o principal contribuinte para o desprestígio social da profissão.
Campos (2002) ao discutir a gênese histórica do magistério salienta também que a feminização deste teve início no final século XIX e seu desprestígio social inicialmente esta relacionado também com a baixa remuneração e qualificação, assim como a forte presença de moças das camadas mais pobres da sociedade neste curso.
Há muitas representações sociais sobre a figura do professor (a) que associam a prática docente como algo natural, que é próprio da mulher, e neste processo de feminização do magistério houve um transporte dos atributos considerados de natureza feminina para o magistério, tais como a semelhança da docência com o trabalho doméstico, fragilidade e dependência. E por isso esta atividade é considerada uma continuidade da educação primária. Segundo Louro apud UNESCO (2004, p. 45) “o
professor sempre foi associado à autoridade no conhecimento, enquanto a professora sempre foi – e ainda é – vinculada ao apoio e a cuidados dirigidos aos alunos”.
Vianna (2002) destaca que as questões de gênero na profissão docente ultrapassa a mera quantidade de mulheres que exercem a profissão, e que o sentido feminino esta presente em todos os espaços e práticas docentes mesmo quando ocupados por homens . Desta forma, fica evidente que a profissão docente tornou-se uma profissão feminina ao longo do tempo devido às atribuições sociais, que são independentes do sexo de quem a exerce.
Por ser um trabalho que esta em andamento e ainda não possuir resultados pretendemos suscitar reflexões que possam extrapolar as linearidades explicativas sobre as questões de gênero na profissão docente e refletir mais profundamente sobre as complexidades que envolvem estas questões. Desta forma, será possível pensar na profissão docente com um olhar mais crítico, possibilitando o esclarecimento de algumas dificuldades atuais da profissão.
Referências:
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