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UMA ETNOGRAFIA SOBRE TRANSEXUALIDADE E SAÚDE

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Academic year: 2021

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Anne Rafaele Telmira Santos/ UFAL/ Annerafa_2@hotmail.com Orientação: Prof. Dr. Pedro Francisco Guedes do Nascimento/UFAL /pedrofgn@uol.com.br

O presente estudo provém do trabalho de conclusão de curso em Ciências Sociais. Tendo como tema a transexualidade e a política de saúde na cidade de Mació/AL. Pretendeu analisar a produção e as mudanças acarretadas na política de saúde para os transexuais com a inserção do projeto da cirurgia de redesignação de sexo pelo SUS na cidade de Maceió. Analisando como os discursos recorrentes atingem diretamente os transexuais. Tendo como sujeitos os transexuais e os profissionais envolvidos na normatização da transexualidade e no “processo transexualizador” do SUS na cidade de Maceió, no âmbito do Hospital Universitário do Estado de Alagoas Professor Alberto Antunes (HUPPA), no GGAL (Grupo Gay de Alagoas) e na ONG Pró-vida. Numa perspectiva etnográfica fez uso de entrevistas semi-estruturadas e através de fontes bibliográficas e da legislação onde estão dispostas todas as normas para a legitimação do processo da normatização da transexualidade. Os resultados são os discursos diferenciados acerca da significação da transexualidade o que torna a saúde como diferenciada.

Palavras-chave: Transexualidade; Saúde; SUS

A presente pesquisa está sendo realizada a partir de uma etnografia tendo como espaços de referências aos transexuais em Maceió - no Estado de Alagoas. Tendo como sujeitos as transexuais e os profissionais envolvidos na normatização da transexualidade e no “processo transexualizador” do SUS na cidade de Maceió. Tendo a política do SUS (Sistema Único de Saúde), como norteadora no processo de normatização da transexualidade, com a Portaria GM nº 1.707(BRASIL, 2008a) e a Portaria n. 457(BRASIL, 2008b), onde coloca em pauta a instituição e toda a regulamentação e a monitoração do “Processo Transexualizador”, desde a autorização para a cirurgia de transgenitalização do hospital ao processo de atenção continuada. Seguindo os princípios de universalidade, igualdade e equidade, torna em 18 de agosto do ano de 2008 com a Portaria GM n º 1.707(BRASIL, 2008a) o processo transexualizador possível dentro da lógica do SUS. Esta é uma regulamentação do projeto de redesignação de sexo implantada como experiência em 1997, pelo Conselho Federal de Medicina com a resolução 1482/97. Tendo com locais de referências o âmbito do Hospital Universitário do Estado de Alagoas Professor Alberto Antunes (HUPPA), situado na parte alta da cidade, nas imediações da

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mesma; na ONG Pró-vida e no GGAL (Grupo Gay de Alagoas), ambos situados no centro da cidade, em prédios diferentes. E o segundo durante a pesquisa perdeu o espaço cedido pela prefeitura, ficando assim a maioria do campo centralizado na ONG Pró-vida. Mas, considero que isso não foi prejudicial á pesquisa, pois tive contato com os integrantes do GGAL em outros espaços. Estes são os locais de referência recortados para a pesquisa na cidade, sendo o primeiro local da execução do projeto transexualizador do SUS e os dois últimos, locais de referência para as transexuais, pois são grupos militantes LGBT atuantes no Estado. Deixo claro que foram a partir destes recortes locais que iniciaram minha etnografia através das redes de contatos que foram iniciadas a partir dos locais citados. Com base em uma perspectiva etnográfica, a pesquisa de campo incluiu a realização de observação participante nos espaços acima mencionados. Tendo uma abordagem qualitativa, fez uso de entrevistas semi-estruturadas, pois possibilitaram uma maior avaliação das questões em pauta. A pesquisa também está sendo produzida através de fontes bibliográficas e da legislação onde estão dispostas todas as normas para a legitimação do processo da normatização da transexualidade, bem como os recursos também dos jornais, Internet, periódicos e de documentos cedidos pelo Hospital HUPPA. Foram feitas entrevistas ao longo de alguns encontros com duração em média de duas horas, com exceção das realizadas no âmbito do hospital que tiveram no máximo uma hora, devido à dinâmica do hospital. Como a etnografia não foi realizada apenas nesses lugares fechados, foi importante observar as transexuais em outros lugares, como nos eventos observados, em uma faculdade privada, em uma pública e na residência de uma delas. Tais lugares que não eram em instituições formaram uma espécie de observação menos intimidatória. Pois, me possibilitou uma abordagem mais íntima, não precisando me valer do ambiente legitimado politicamente, no caso as ONGs e o hospital. Ao todo foram cinco transexuais H-M, três delas militantes do movimento social e que foram candidatas à cirurgia de redesignação sexual no Núcleo de apoio aos transexuais em Maceió. Dois representantes do movimento social LGBT não transexuais e dois profissionais de saúde que atuaram na equipe do Núcleo de apoio aos transexuais em Maceió. Alguns encontros foram feitos nos locais de referência aos transexuais, na residência de uma das informantes, em duas instituições de ensino, em dois eventos organizados pelo movimento social LGBT em Alagoas e em um evento realizado por uma instituição de ensino privada, todos os locais realizados na cidade de Maceió - AL.

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O fenômeno transexualidade foi escolhido para o tema do projeto, depois de um ciclo de debates acerca de filmes que envolvia aspectos de gênero sexualidade e educação na Universidade Federal de Alagoas. Em um dos debates foi discutido o tema da transexualidade a partir do filme Transamérica. Contribuíram para essa definição também a veiculação de noticias na mídia referente aos conceitos de transexualidade e a cirurgia de redesignação sexual, vindo à tona então as várias opiniões formuladas na sociedade a respeito dos sujeitos transexuais. A questão da transexualidade é algo que torna visíveis vários embates em vários âmbitos do conhecimento como nas ciências sociais como um todo a exemplo da antropologia social, a política, bem como a psicologia, ciências jurídicas e a medicina. O presente estudo provém de uma inquietação acerca de tantas dúvidas e teses referentes ao tema. O debate na antropologia referente à questão das transformações de gênero surge no início do século XX com interpretações acerca das berdaches em uma sociedade na América do norte. Estes eram indivíduos biologicamente homens que adotavam comportamentos ditos femininos, desde as vestimentas ao ato sexual (BENEDETTI, 2005). A pesquisa visa o estudo do processo da normatização da mesma na cidade de Maceió. Com a construção de várias opiniões, pode acarretar em políticas de saúde divergentes dos objetivos reais da demanda, entendendo saúde como o bem-estar social, físico e mental. O acesso aos serviços de saúde aos transexuais é relevante, pois não é apenas o cuidado do processo saúde-doença que está em pauta, como também a estratégia de edificação de si mesmo (ARÁN, 2007), pois o sujeito não se encaixa socialmente em nenhuma das duas categorias do gênero. O fenômeno da transexualidade no mundo foi iniciado como um debate, após uma intervenção cirúrgica de um soldado em 1952 na Dinamarca. Um ano depois o conceito de transexualismo é criado por Harry Benjamin na década de 50, para este o sexo seria composto por diversos itens como componentes genéticos, anatômico, endócrino, legal, social e psicológico, sendo que com exceção do genético, os demais poderiam ser passiveis de modificações por meio de intervenções cirúrgicas ou hormonais (ARÁN, MURTA & ZAIDHAFT, 2008). Atualmente transexuais são os sujeitos que segundo a psiquiatria, área da medicina onde as políticas de saúde para este segmento se pautam possuem um transtorno de identidade ou disforia de gênero ou disforia geriforme, como afirma no DSM. IV (Manual Diagnóstico e Estatístico de Desordens Mentais), onde há uma insistência do indivíduo em se identificar com o sexo oposto ao seu biológico. No CID -10 (Código Internacional de Doenças) ocupa o número CID- 10- f.64.0, também como um Transtorno da identidade sexual. Ainda do

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ponto de vista da psiquiatria a transexualidade se apresenta quando a identidade sexual do sujeito não condiz com as identidades sexuais biológicas, como o aspecto primário (genitália), bem como os aspectos secundários (mama, voz, pelos), considerando a necessidade de submeter-se a cirurgia e terapia hormonal. Estes são conceitos estritamente de caráter médico. De acordo com a antropóloga Elizabeth Zambrano:

“Assim, o estudo da construção da identidade transexual tem de levar em conta ser ela o resultado de um diagnóstico médico, utilizado como discurso pelos indivíduos para justificar a sua condição, utilizando-se, para isto, dos parâmetros sociais atuais de uma normalidade, doença ou desvio”. (2003, pág.37)

O discurso médico apresenta então, a intenção de padronizar o conceito de normal, colocando como referência a dicotomia de gênero onde os transexuais são excluídos dos parâmetros sociais ditos normais. Logo, a cirurgia de redesignação de sexo, garantida por lei aos transexuais, aprovada em 1997 pelo CFM (Conselho Federal de Medicina), na resolução nº 1482/97, de início a título experimental, é mostrada como a única via de acesso terapêutico junto com o tratamento hormonal. Pois, seguindo os preceitos médicos, a transexualidade seria uma doença, onde a cura estaria possibilitada através da cirurgia de troca de sexo e há outra discussão acerca da terminologia, pois o sufixo grego “ismo” concebe a ideia de doença. Então ao mesmo tempo em que o diagnóstico do transexualismo insere esses sujeitos no contexto da agenda de saúde do Estado, os mesmos são considerados como anormais e/ou doentes. Conforme afirma Butler (2009) receber o diagnóstico de transtorno de identidade de gênero – TIG – é ser, de certa maneira, considerado doente, errado, disfuncional, anormal e sofrer certa estigmatização em consequência desse diagnóstico. Há outras opiniões referentes ao debate como da psicanalista francesa Catherine Millot, afirma que a cirurgia não seria a resolução, pois sendo o problema oriundo da ordem psíquica, seria então, “troca de uma mentira por outra” (apud 2002), ou seja, seria uma transformação física inútil, pois o sujeito sempre irá conviver com a ideia de que nasceu diferente, a solução estaria no psíquico. A despatologização da transexualidade também pode ser vista de caráter político, como defende a socióloga Berenice Bento:

“Sugiro, ao contrário, que eles/as não solicitam as cirurgias motivados/as pela

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sexualidade, tampouco são assexuados/ as: querem mudanças em seus corpos para ter inteligibilidade social. Se a sociedade divide-se em corpos-homens e corpos-mulheres, aqueles que não apresentam essa correspondência fundante tendem a estar fora da categoria do humano” (2006, pág. 25).

Então, com base na construção de várias explicações acerca do tema da transexualidade, torna - se importante o debate a respeito da diversidade, gênero e sexualidade no âmbito da saúde. Os transexuais - dentro do movimento LGBT - entram no contexto da agenda do SUS apenas em 2004, depois da proposta do Conselho Nacional de Combate à discriminação (CNCD), onde é lançado o programa Brasil sem Homofobia, Programa de combate à violência e à Discriminação contra LGBT e a promoção da cidadania homossexual. É iniciado um comprometimento do Estado com a elucidação de políticas públicas para esse segmento da população brasileira. De acordo com a psicóloga Tatiana Lionço (2009) há duas correntes paralelas de inserção do debate sobre saúde de transexuais no Ministério da Saúde; a judicialização e o compromisso com o programa de governo Brasil sem Homofobia. Para a sociedade os transexuais são confundidos muitas vezes com os travestis, não sabendo ao certo a construção dos significados em relação aos transexuais e as dificuldades enfrentadas pelos mesmos, no sentido de conformidade com as regras dicotômicas do gênero. As políticas públicas lançadas no Brasil possuem a intenção de um caráter descentralizado que dependa de um controle social, e os desafios que este modelo enfrenta para ser bem sucedido são inúmeros (TORRES, 2004), podendo gerar a construção de políticas públicas de saúde amplas demais, deixando de fora as necessidades mais triviais para a categoria. É importante então, enfatizar que há diferenças acerca das terminologias utilizadas corriqueiramente, a fim de lograr políticas mais efetivas. Os transexuais se constituem em um grupo historicamente marginalizado e estigmatizado pela sociedade, pois implica numa transgressão da regra social dicotômica do gênero. Aqui, entende-se o conceito de estigmatizado onde segundo Goffmam (1981), é aquele que possui algum aspecto diferenciado que teríamos previsto e marginalizado, pois ao fugir da regra social de gênero imposta é necessário, segundo a visão da medicina, instituir a patologização da transexualidade a fim de se assegurar os instrumentos necessários para a vigência das normas e assegurar a introdução dos transexuais na política do SUS (Sistema Único de Saúde). Neste segue o preceito constitucional da equidade,

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onde esta visa à garantia de serviços (ABC do SUS,1990) a todos os níveis de acordo com a complexidade que cada caso requeira, more o cidadão onde mora, sem privilégios, sem barreiras. Todo cidadão é igual perante o SUS e será atendido conforme suas necessidades até o limite do que o sistema puder oferecer a todos.

Ao longo de toda a pesquisa de campo foram feitos os diários de campo, os quais me ajudaram a repensar todo o caminho trilhado ao escrever a presente pesquisa. E entender o que significa de fato etnografia. Na etnografia, o autor é, simultaneamente, o seu próprio cronista e historiador; e embora as suas fontes, sem dúvida, facilmente acessíveis, elas são também altamente dúbias e complexas; não estão materializadas em documentos fixos e concretos, mas sim no comportamento e na memória dos homens vivos (MALINOWSKI, 1922. Pág. 19). Ao refletir sobre etnografia, volto a Malinowski e sua metodologia acerca da etnografia. Minha entrada em campo foi um tanto de apreensão porque apesar de ter utilizado espaços definidos a princípio para os meus contatos iniciais eu sabia que iria ser difícil encontrar interlocutores que aceitasse me conceder uma entrevista. A etnografia é entendida como o cerne primordial da ciência antropológica. Tal método investigativo se caracteriza pela observação participante na pesquisa de campo, a qual se dá a partir da entrada no campo de pesquisa. Segundo Victora, Knauth e Hassen (2000) tal abordagem é baseada na lógica no qual os comportamentos humanos apenas são compreendidos e explicados se o contexto social atuante é tomado como referência. Recebida como “método” por excelência da disciplina, como “rito de passagem” a formação dos especialistas ou, ainda, como meramente técnica de coleta de dados, a pesquisa de campo é o procedimento básico da antropologia há séculos (PEIRANO, 1922: 4). Logo, se faz necessário entender tal método com clareza. Foi o que foi feito antes de entrar em campo. Apesar disto, a dificuldade de estabelecer um contato mais efetivo com meus informantes foi grande. Não generalizado, mas muitos deixaram - me esperando pelo encontro nos lugares marcados, aguardando um telefonema e até mesmo “nãos” totalmente desmascarados, principalmente na ala médica, a qual foi um de meus direcionamentos na pesquisar em campo. Então, Pensar em Malinowski é conceber todas as dificuldades de se fazer etnografia no cenário contemporâneo. A partir de Os Argonautas do Pacífico Ocidental, de Malinowski, publicado em 1922, ocorre a divisão na Antropologia entre antes e depois e o mito da pesquisa de campo (PEIRANO, 1992). Mito este baseado nas idéias de Malinowski. Em sua introdução em Os Argonautas do Pacífico Ocidental, o qual

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explica todo o passo do que se deve ou não fazer do antropólogo em campo. O autor explica que o pesquisador deve permanecer em campo por um longo tempo, longe de qualquer sujeito que possa dividir sua mesma cultura, deve aprender a língua nativa, enfim, procurar o contato intimista com os informantes e manter o mais longe possível de seus antigos hábitos (MALINOWSKI, 1922). Um dos meus primeiros questionamentos foi em relação a esta metodologia, lógico que condensada. Seguir a etnografia guiada pelos nossos clássicos ou não? Esta foi uma de minhas dúvidas ao fazer ao iniciar a pesquisa de campo. Ao discorrer sobre as novas formas de se fazer etnografia e a emergência de novos campos CORRÊA (2005) diz que o que é atípico é a insistência de operar num mundo contemporâneo como se ainda vivêssemos no mundo etnográfico dos Azandes ou dos Trobiandeses. Estudar saúde e transexualidade através de relatos, tendo por base o Núcleo de Apoio aos Transexuais, que se encontra desativado foi difícil, pois como diz MALINOWSKI (1922: 19) na frase inicial do subtítulo nossas fontes “não estão materializadas em documentos fixos e concretos, mas sim no comportamento e na memória dos homens vivos” Eu não tinha um campo fixo e então tive que me valer dos relatos e notícias divulgadas nos jornais e alguns documentos cedidos pelo Hospital HUPPA. Logo, entendo assim meu campo com características do vem sendo chamados na antropologia como “Up”, sendo um campo intermediado pelo saber-poder. O qual o desconforto se insere e revivemos as relações estreitas entre antropologia e Estado (JARDIM, 2010:26). No meu caso vivenciado tanto através da medicina. À priori fui ao hospital a fim de saber a respeito do Núcleo de Apoio aos Transexuais. Fui ao HU no começo de março de 2010 com a intenção de saber acerca da cirurgia de redesignação de sexo. Se lá tinha ou não. Fui indicada ao local de cirurgia geral, aonde fui recebida por um enfermeiro que me afirmou que existia o serviço de readequação sexual. E me explicou como seria o procedimento para mim como se eu fosse uma possível candidata ao Núcleo. Enquanto enfermeiro me explicava, percebi o olhar do outro enfermeiro, me analisando, olhando meu corpo dos pés à cabeça. Veio a minha mente como os transexuais se sentiriam ao procurar o serviço. Não me identifiquei como estudante. Senti-me invadida e constrangida com esse olhar inquisidor do enfermeiro. O outro, o primeiro a me receber explicou que eu teria que preencher uma ficha, me encaminhou para o setor de serviço social. Neste me identifiquei como estudante e expliquei que eu queria informações a cerca da cirurgia de redesignação social. Afirmaram-me que tinha a cirurgia e me explicou o porquê que o setor não participava do processo (Devido à falta de pessoal). Orientaram-me

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a procurar a médica geneticista e me entregaram os dias e horários em que a mesma estaria. Saí da sala insatisfeita e me perguntando como as transexuais faziam para obter informações e como se sentiam perante tamanha desinformação. Retornei em outro dia no horário me informado da médica e não a encontrei, cada setor me dizia uma informação. Fui embora sem sucesso. Voltei na semana seguinte, perguntei na recepção e me indicaram ir ao setor de psicologia. Lá me disseram para voltar pela manhã. Fui embora sabendo que eu deveria procurar outra fonte de informação. Enfim, não consegui falar com a médica, mas descobri o email dela por meio de uma professora que fazia pesquisa no mesmo departamento. Enviei o email falando de minhas intenções e a tal médica, que tanto procurei não era a pessoa que eu procurava. Entretanto, foi ela quem me passou o email de um dos profissionais que participou do Núcleo de Apoio aos Transexuais. E assim foi minha entrada no hospital. As tensões geridas em campo podem ser entendidas como uma agência para o conhecimento (SCHUCH, 2010). E foi assim que as fiz, tento ao longo do presente trabalho problematizar essas agruras de meu campo no hospital. A minha entrada nas ONGs, foi bem menos tensa, porem não menos enriquecedores quanto ao do hospital. O difícil foi durante a pesquisa, por motivos particulares das duas instituições, não encontrava as mesmas abertas. Várias idas sem sucesso. Depois fui saber os reais motivos, em relação ao GGAL que perdeu o local em que abrigava a ONG cedida pela prefeitura. Quanto a ONG - PRÓ vida, por motivos semelhantes manteve-se fechada por alguns tempos para evitar a perda da estrutura cedida pelo governo.

A pesquisa me mostrou as dificuldades do fazer etnográfico. E os primeiros resultados que são os discursos e o processo de normatização da transexualidade no Estado. Estes são importantes a fim de identificar a polêmica da inclusão de cirurgia de mudança de sexo na lista de procedimentos pagos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) e tentar analisar o papel do Estado com as possíveis intervenções a fim de lograr o bem estar dos transexuais. O que o campo mostra é que esses discursos são diferenciados, tendo em parte o embasamento do discurso da medicina, que coloca a transexualidade como doença; as experiências dos sujeitos transexuais frente à cirurgia; a política de saúde sendo mais abrangente, tanto para os transexuais, quanto para as travestis, não diferenciando/as mesmo/as, segundo os militantes; e as dificuldades de conseguir seguir toda a rigidez do processo transexualizador, pautado pela medicina. Esses variados discursos sugerem a impossibilidade de apenas uma definição acerca do fenômeno da transexualidade, pois o

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significado atribuído pela medicina, o que fundamenta toda a proposta de saúde coletiva referente aos sujeitos transexuais como Transtorno de identidade de gênero, não perpassa

em todos os sujeitos pesquisados, resta saber quais as conseqüências desta impossibilidade. Deixo claro que essas são as observações iniciais do trabalho em campo da pesquisa,

centralizando as dificuldades do fazer etnográfico e os discursos variados dos sujeitos como tema neste trabalho para refletir a proposta acerca da significação da transexualidade e saúde a partir dos discursos. A análise quanto ao sentido negativo ou positivo referente aos sujeitos transexuais está sendo lograda. As variabilidades dos discursos trazidos durante a ida em campo já sugerem um eixo de questionamentos e ponderações a seguir. Referencias Bibliográficas

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Referências

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