BANDEIRA
Vera Lucia Massoni XAVIER DA SILVA (Universidade Estadual PaulistalSao Jose do Rio Preto)
ABSTRACT: In this paper we examine the temporal systems: enunciative and enuncive in "Momento num cafr, by Manuel Bandeira. Our purpose is to find out whether the use of the enunciative system or enuncive system is linked to the discoursive organization mode.
No presente trabalho, efetuamos uma analise dos sistemas de tempos verbais no texto "Momento num cafe", de Manuel Bandeira, segundo os pressupostos desenvolvidos por Fiorin (1996), com 0 objetivo de verificar se 0 emprego de urn sistema temporal ou outro esta ligado ao modo de organiz~ao discursiva.
Partindo de duas singularidades que assinalam 0tempo lingii!stico: - seu eixo gerador e axial e0momento da enuncia~ao;
- relaciona-se a estados e transform~oes representados no texto, mostrando quais sao anteriores e posteriores a partir de marcos temporais instaurados no enunciado,
Fiorin (1996) estabelece dois sistemas de tempos verbais: enunciativo e enuncivo No sistema enunciativo, os acontecimentos estao relacionados diretamente ao momento da enuncia~ao (ME), enquanto, no sistema enuncivo, os acontecimentos sao ordenados em fun~ao de momentos de referencia explicitados no enunciado.
o
ME e 0eixo gerador e axial da temporalidade, mas esta refere-se tambem aestados e transforma~oes enunciados no texto, da! a necessidade de aplic~ao das categorias topologicas de concornitlincia X nao-concornitlincia ao ME para obtermos tres momentos de referencia (MR): concomitante, MR Presente, nao-concornitante (anterioridade, MR Preterito, e posterioridade, MR Futuro).
o
MR presentee
concornitante ao ME, que e sempre pressuposto, s6 explicitado em casos especiais, isto e, quando a recep~ao nao e simultlineaa
produ~ao, como uma carta, por exemplo. Diferentemente, os MRs Preterito e Futuro, por serem nao-concomitantes ao ME, necessitam de marcos temporais no texto.895
o
MR Presente, concomitante ao ME, caracteriza 0 emprego do sistema enunciativo, enquanto 0MR Preterito e 0MR Futuro evidenciam dois subsistemas dosistema enuncivo.
Alem do ME e do MR, devemos considerar tambem 0 momento do acontecimento (MA) para a constitui~ao do sistema temporal.
0
MA e ordenado, aplicando-se aos MRs as categorias topol6gicas de concomitlincia e nao-concomitlincia (anterioridade e posterioridade).Com rela~ao ao MR presente, podemos ter uma coincid@ncia, anterioridade, e posterioridade do acontecimento, 0 que nos permite falar em MA presente
=
concomitlincia; MA preterito
=
anterioridade; MA futuro=
posterioridade. Os tempos verbais do sistema enunciativo sao 0 presente, perfeito I' e futuro do presente.Esquematizando, temos: ME CONCOMITANCIA MRPRE~ENTE
/
"-"A_.
concomlU1nCla nao-conco~CluclaI
coincid@ncia MA presente Presente anterioridade MA preterito Perfeitol posterioridade MA futuro Futuro do Presenteo
MR preterito e 0 MR futuro necessitam de marcos temporais explicitados no texto e constituem 0 sistema enuncivo, caracterizado, como vimos acima, pela niio-concomitlincia em rela~iio ao ME.A partir do MR preterito, podemos ter acontecimentos coincidentes, anteriores e posteriores 0 que nos remete a MA presente
=
concomitlincia; MA preterito=
anterioridade; MA futuro = posterioridade. Os tempos verbais apropriados
a
expressao da coincid@ncia, siio 0 Perfeito 2 e 0 Imperfeito, enquanto 0 Mais-que-perfeito e 0Futuro do Preterito indicam a anterioridade e posterioridade, respectivamente, como podemos verificar no esquema abaixo:
NAO-CONC1:ITANCIA MRPRE~RITO concomit~ MAlesente Perfeito 2 Imperfeito
~
,0-concomlU1n~·.A·
anterioridadtf" posterior~de MA preterito MA futuroacontecimentos, portanto, MA presente
=
concomit~ncia; MA pret6rito=
anterioridade e MA futuro=
posterioridade. 0 tempo verbal que expressa a coincidencia e 0 Futuro do Presente de estar+
genindio, a anterioridade e posterioridade siio indicadas, respectivamente, pelo Futuro do Presente de ter+
particfpio passado e Futuro do Presente. Esquematizando, temos:ME
I
NA.O-CONCOMITANCIA MRJTURO
concomr:a:cia na~mcomit~ncia
MA Jresente ante~de pos~ade
Fut. Pr de estar
I
I
+
gerundio MA preterito MA fubJro Fut. Pr. de ter Futuro do presente+
particfpioQuando 0enterro passou
Os homens que se achavam no cafe Tiraram 0chapeu maquinalmente Saudavam 0morto distra(dos Estavam todos voltados para a vida Absortos na vida
Conflantes na vida.
Um no entanto se descobriu num gesto largo e demorado Olhando 0esquife longamente
Este sabia que a vida e traifiio E saudava a materia que passava Liberta para sempre da alma extinta.
(Manuel Bandeira - in Antologia Poetica, Jose Olfmpio Editora. Rio De Janeiro,1986:96)
o
texto em questao obedece a um modo de organiza~iio discursiva em quehIi
predomfnio da narra~iio, pois alem do emprego de figuras como homem, enterro, chapeu, temos uma serie de verbos no perfeit02 que indicam uma transforma~ilo explfcita.
897
o
MR e preterito, instaurado explicitamente (quando
0enterro passou),
revelando uma niio-concomitancia em rela~iio ao ME,
0que caracteriza
0sistema
enuncivo..
Concomitantes ao MR preterito, temos vlirios MAs (passou, tiraram, saudavam,
estavam, achavam) que se encontram empregados no perfeito 2 e imperfeito e, por isso,
remetem a aspectos diferentes. Assim, em "passou" e "tiraram", temos urn aspecto
concluso e descontfnuo, enquanto
"achavam" e "estavam", remetem a urn
acontecimento niio concluso, portanto, contfnuo.
Os acontecimentos apresentados na primeira estrofe revelam estados e
transforma~oes referentes a uma totalidade dos homens. Essa totalidade encontra-se
explicitada no emprego do artigo definido "Os" que, por sua natureza, nos remete a algo
dado, quer dizer, todos os homens que se achavam, naquele MR, no cafe, agiram
maquinalmente, isto e, saudaram
0morto sem se preocupar com
0significado daquele
acontecimento.
Na segunda estrofe, porem, temos uma particulariza~iio explicitada pelo
elemento lingiifstico "urn" que nos indica urn elemento novo introduzido no texto. Na
verdade, a partir da totalidade (os homens no cafe)
0locutor opoe e particulariza "urn"
que, naquele MR preterito, comportava-se diferentemente dos demais. Trata-se da
oposi~iiodas a~oes dos homens, isto e, da maneira diferente de os homens agirem diante
de uma mesma situa~iio. 0 elemento lingiifstico que permite essa oposi~iio e "no
entanto".
Assim, temos
em que
0emprego do perfeito 2 "descobriu", de aspecto concluso, indica urn MA
concomitante em rela~iioao MR instaurado no primeiro verso.
No decimo verso, observamos
0emprego do imperfeito "sabia" que remete a
urn acontecimento tambem contfnuo e niio-concluso, porem, no complemento direto
deste verbo (que a vida e uma agita~iio feroz e sem finalidadeJque a vida e trai~iio),
temos
0emprego do presente omnitemporal "e", caracterizando a mudan~a para
0sistema enunciativo.
E
gra~as a este emprego do sistema enunciativo que
0locutor se
aproxima do enunciado e julga as a~oes desempenhadas pelos homens, isto e, homens
que saudam
0morto maquinalmente, distrafdos (totalidade) e urn homem, refletindo
sobre a vida e a morte (particulariza~iio). Nessa interpreta~iio, dos atos dos homens,
constatamos
0modo de organiza~iiodiscursiva pr6prio da disserta~iio.
o
locutor acentua a oposi~iio mencionada acima com rela~iio aos tipos de
homens e passa, no sistema enuncivo, a descrever as a~oes que caracterizam
0homem
particularizado,como se constata em:
E saudava a materia que passava Liberta para sempre da alma extinta.
Os verbos desse enunciado estiio no imperfeito, indicando, portanto, aspecto
contfnuo e niio-concluso.Chama nossa aten~iioa repetiliiiodo verbo "saudar" (40. e 110.
versos), pois entendemos que
0valor que hli em cada verso e diferente; no quarto, hli a
urn ato imbufdo de sabedoria e reflexiio (este sabia que a vida e uma agita~iio feroz e sem finalidade/que a vida e uma trai~iio). Alem desse valor, 0verbo citado, na terceira pessoa do plural (saudavam) e terceira do singular (saudava) corrobora a afirma~iio que diz respeito
a
totalidade e particulariza~iio dos atos dos homens.Na primeira estrofe, 0 locutor dli 8nfase
a
vida e situa a morte como urnacontecimento do cotidiano e que niio requer por parte dos homens qualquer reflexiio como bem nos demonstram os enunciados:
"Tiraram 0chapeu maquinalmente Estavam todos voltados para a vida Absortos na vida
Confiantes na vida".
Portanto, evidencia-se claramente, nessa estrofe, a rela~iio mais vida e menos morte, opondo-se
a
rela~iio expressa pelos enunciados constitutivos da segunda estrofe em que se verifica menos vida e mais morte."E saudava a materia que passava Liberta para sempre da alma extinta"
Assim, partindo de uma oposi~iio basica Totalidade X Particulariza~ao, 0 locutor inicia 0 texto com uma narra~iio, cujo efeito de sentido e 0 de recurso
argumentativo para a exterioriza~iio de seu ponto de vista sobre a maneira diferente de os indivfduos agirem diante da vida e da morte. Para isso, emprega os dois sistemas de tempos verbais: 0enuncivo e0enunciativo.
o
sistema enuncivo, verbos no perfeito 2 e imperfeito, caracterizam 0modo de organiza~iio discursiva pr6prio da narra~iio; diferentemente, 0 sistema enunciativo, verbo no presente omnitemporal, evidencia 0modo especffico da dissert~iio. Portanto,a mudan~a do sistema enuncivo para 0 enunciativo implica a mudan~a do modo de
organiza~iio discursiva, no texto analisado, corroborando 0consenso de que 0perfeito e
imperfeito siio os tempos apropriados
a
narr~iio e0presentea
disserta~iio.1. Segundo Fiorin (1966:152), ha dois perfeitos em portugu8s: 0 perfeito I, que indica
uma anterioridade do acontecimento em rela~iio ao MR Presente, e 0 Perfeito 2, que
expressa uma coincid8ncia do acontecimento em rela~iio a urn MR Preterito. Assim, 0 perfeito 1 e urn tempo verbal do sistema enunciativo, enquanto 0 perfeito 2 e do enuncivo.
RESUMO:
Nesse trabalho examinamos os sistemas temporais enunciativo e enuncivo, no texto "Momento num calr, de Manuel Bandeira, com 0objetivo de verificar se 0 emprego de um ou de outro sistema liga-se ao modo de organiZOfiio discursiva.BARROS, Diana Luz Pessoa de (1988) Teoria do discurso: fundamentos semi6ticos. Silo Paulo, Atuat.
BENVENISTE, Emile (1966) Problemes de linguistique generale. Paris, Gallimard, voU.
_. (1974) Problemes de linguistique generale. Paris, Gallimard, vol.II.
BRANDA.o, Helena H. Nagamine (1993) Introdu~iio
a
Analise do Discurso. Campinas, Editora da UNICAMPCERVONI,Jean (1987) L'enonciation. Paris, PUF.
NUNES, Benedito (1988) 0 tempo na narrativa. Silo paulo, Atica.
ORECCHIONI, Catherine Kerbrat (1980) L'enonciation. De la subjectiviti dans Ie langage. Paris, Armand Colin.