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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA Departamento de Letras e Artes Especialização em Literatura e Diversidade Cultural.

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE ESTADUAL DE FEIRA DE SANTANA

Departamento de Letras e Artes

Especialização em Literatura e Diversidade Cultural.

JOÃO BOSCO DA SILVA

(prof.bosco.uefs@gmail.com)

UMA VIAGEM NO IMAGINÁRIO DE “MEU QUERIDO CANIBAL”

– de Antônio Torres

Trabalho apresentado à Universidade Es-tadual de Feira de Santana, como um dos requisitos de avaliação da disciplina Câ-nones da Literatura Brasileira, solicitado pela Profª. Elvya Shirley Ribeiro Pereira.

Feira de Santana

2011

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Era uma vez um índio. E era nos anos 500 [...] (TORRES, 2000, p. 9). Foi o mote que deu inspiração ao escritor baiano Antônio Torres para o livro Meu Queri-do Canibal, lançaQueri-do no ano de 2000, durante o períoQueri-do das comemorações Queri-dos 500 anos do descobrimento do Brasil, focalizando a violência e a arrogância dos primei-ros portugueses (“descobridores”) contra a brava resistência dos índios (“descober-tos”), na saga do líder indígena Cunhambebe (provavelmente morreu entre 1554 e 1560), considerado o mais valente entre os que lutavam contra a "escravidão ou morte" decretada pelos colonizadores. Para isso o autor mergulhou nos arquivos da história do Brasil, fez entrevistas e visitas aos locais históricos etc., descrevendo as facetas e o desenrolar dos fatos, até chegar ao massacre da Confederação dos Ta-moios e a fundação da cidade do Rio de Janeiro.

A história narrada dá conta do desaparecimento dos índios e as suas lu-tas nas coslu-tas paulista e carioca no séc. XVI, com um narrador comprometido em recuperar a memória indígena, trazendo para a discussão a problemática da repre-sentação nacional, questionando o discurso historiográfico oficial, revelando tam-bém, sob a suposta idéia de unidade nacional, a tentativa de apagamento das dife-renças.

A narrativa recorre largamente à intertextualidade e reconstrói dentro do estilo dramático, e ao mesmo tempo paródico, a história do Rio de Janeiro no século XVI, quando do episódio da conquista da cidade pelos franceses (1555-1560). O texto tenta “corrigir” a imagem marginal do índio Cunhambebe, criada pela versão oficial da história, transformando-o em herói nacional. A obra se divide em três pon-tos: “O canibal e os cristãos”, onde conta os acontecimentos do tempo da coloniza-ção brasileira. Na segunda parte, mostra que o deus criado por eles era o Monan, retrocedendo à criação do mundo, no seu tempo mítico tupinambá. Na terceira parte ocorre a “Viagem a Angra dos Reis”, no liminar do século do descobrimento do Brasil (1500) deslocando o leitor para uma fase mais atual.

O narrador é apaixonado, mas denuncia durante todo o texto o apaga-mento do lugar do índio na história e na sociedade brasileira, num tom polêmico e provocador do que se aprende de oficial nas escolas, num caminho perpassado por inúmeras narrativas latino-americanas e outras vezes com um tom eurocêntrico da história, como uma anti-história, construída a partir do ponto de vista dos vencidos. Ocorre ainda durante o romance uma relação de movimento dinâmico, que não se permite ter uma imagem definitiva, já que é por intermédio do seu imaginário que a

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imagem se mostra aberta e em transformação, questionando o conceito de identida-de nacional identida-dentro do foco da literatura brasileira contemporânea.

Cunhambebe é o chefe da Confederação dos Tamoios (guerra entre os anos de 1565 e 1567), sendo feita uma leitura mais acurada do choque cultural entre portugueses e tupinambás, além do registro da presença dos franceses (aliados dos tupinambás e inimigos dos portugueses), que somente pela importância histórica já se justifica. Como afirma a Professora Doutora Elvya Shirley em seu artigo Imagens inaugurais e cenas urbanas: recorrências identitárias em Meu Querido Canibal,

Se o motivo desencadeador de Meu querido canibal são as andan-ças e expedições do narrador em demanda de vestígios de Cunham-bebe [...] o alcance desta aventura plenifica-se na experiência do presente em que o narrador se locomove (PEREIRA, 2008, p. 25).

Percebe-se na obra uma confirmação das teorias pós-coloniais, que têm colocado como destaque a descoberta da manipulação da história por parte do colo-nizador, impondo a sua cultura frente às culturas autóctones (colonizados), inclusive para omitir o genocídio de suas populações locais e regionais. O processo põe em tensão permanente o discurso de unidade nacional e as diferenças estabelecidas por esse discurso, já que a identidade é um processo contínuo, quando aponta ver-tentes desconhecidas até então, da história indígena recontada pela literatura e re-velando o esforço do sujeito contemporâneo em buscar reconhecer o seu antepas-sado e revelar os paradoxos da sociedade ocidental.

Ernest Renan (1997, p. 39) em seu texto O que é Nação, afirma que “A nação, como o indivíduo, é o resultado de um longo passado, de esforços e de de-voções”. É peculiar nas pesquisas da narrativa da identidade, passar pela narrativa da nação e também pelo discurso historiográfico, em busca de uma origem, sendo que o resultado histórico é produzido por uma série de fatos, que convergem para um mesmo ponto, como nos lembra nas tribos e nas cidades antigas, o fato de que a raça tinha importância de primeira ordem. Exatamente essa verdade é que Antônio Torres vai desconstruir em seu romance, após estudo historiográfico brasileiro, pro-blematizando a visão do índio como um herói. O narrador faz relatos de trajetos que percorreu para tentar recompor as trilhas do herói Cunhambebe, num percurso geo-gráfico e ao mesmo tempo cronológico, em flashes de recuos temporais, deslocando imagens nacionais do imaginário através da anacronia, entre o passado e o presen-te, mostrando as diferenças que se apagaram na época em que aqui estiveram os

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índios, quando os brancos chegaram, passando novas informações e perguntando ao leitor: “presumivelmente foi assim”. Foi? Não foi? (TORRES 2000, p. 117). Pela falta de registros, tem momentos que a narrativa deixa o leitor em dúvida se os ín-dios realmente existiram. No trajeto até Angra dos Reis, o narrador tenta refazer as trilhas do querido canibal, questiona se na Ilha Grande (litoral sul do Estado do Rio de Janeiro) a história que se conta realmente aconteceu, ou a memória de Cunham-bebe foi exterminada juntamente com a sua nação indígena.

Está em Meu Querido Canibal um entrecruzamento da ficção e história, construído num espaço múltiplo, aflorando um novo olhar ideológico e uma reflexão sobre a narrativa da história oficial sobre as imagens que querem fixar uma ideia de nação e uma identidade cultural brasileira.

A obra é um romance épico, pois a exemplo de A Confederação dos

Ta-moios, de Gonçalves de Magalhães, também aborda uma literatura que narra

histó-rias de um líder indígena, seus costumes e modo de resistir à opressão dos coloni-zadores, apresentando a colonização do Brasil num texto repleto de fatos significati-vos e pouco conhecidos, da negação da cultura indígena ocultada pelos colonizado-res. Normalmente os colonizadores não gostam de discutir a história, para evitar abrir processos de esclarecimento da formação identitária com sensibilidade e res-peito, aceitando todos os fatos e não somente os que nos contam os vencedores. Sem deixar coisas ocultas, Antônio Torres fez uma reconfiguração das informações coletadas em seus estudos, notadamente adotando em determinados momentos certas estratégias de ficcionista, para dar ao leitor o gosto da leitura. Os amigos do autor, e entre eles estava Nelson Pereira dos Santos1, arranjaram vários registros

em materiais diversos. Além disso, buscou também relatos dos primeiros viajantes, que tinham uma visão muito idílica do Novo Mundo.

Gonçalves de Magalhães em seu poema épico A Confederação dos Ta-moios preteriu Cunhambebe como o maior líder dos Tupinambás, em prol de Aimbe-rê, simplesmente porque o maior destaque de sua personalidade histórica foi regis-trado pelos viajantes e cronistas como sendo um violento canibal.

O livro tem um caráter quase didático, pois Antônio Torres havia escrito outro sobre o Centro do Rio e começou a pesquisar a história da cidade, descobrin-do que o Rio de Janeiro tem um passadescobrin-do maravilhoso e pouco conhecidescobrin-do. A partir

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Cineasta brasileiro nascido em 1928, é ocupante da Cadeira 7 da Academia Brasileira de Letras, a partir de 2006, é diretor de filmes, inclusive do importante “Como era gostoso o meu francês”.

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de 1502, quando os brancos chegam à Guanabara, há grandes acontecimentos, mas o que lhe encantou foi a descoberta de que os grandes guerreiros índios do Brasil eram do Rio: Os tupinambás, que reuniram as outras nações indígenas na grande Confederação dos Tamoios, e o seu grande personagem foi Cunhambebe. Lima Barreto2 no livro “Triste fim de Policarpo Quaresma” enaltece e também

resga-ta a história do Canibal Cunhambebe, como ocorre nas obras de Antônio Torres, reconstituindo uma narrativa que, de vez em quando, se apresenta como

“presumi-velmente” para não assumir tudo como verossímil.

No romance o autor faz expedições narrativas na terceira pessoa, intensi-ficando a constatação de uma realidade desencontrada e sem órbita definida, a exemplo do que ocorre com o futuro de Cunhambebe, um herói da resistência do seu tempo, que reinou nas terras que deram origem ao Rio de Janeiro, acabando por vencido nos seus projetos de promessas de emancipação, vagando em parcos registros literários por caminhos incertos na história. Na última parte do romance, “A viagem a Angra dos Reis” o leitor faz uma viagem com o narrador e ao chegar em Angra busca vestígios do herói, encontrando a “Vila de Cunhambebe”. (todo mundo conhecia o local como Ilha dos Frades)

Em entrevista à Editora Record em 2000, Antônio Torres expressa sua opinião sobre o que vivenciou dos índios, vendo que a tribo fica num alto lá em An-gra; Que os brancos empurraram os índios para becos sem saída; Viu as crianças indígenas nuas e sujas e se lembrou da infância em Junco (hoje Sátiro Dias), na Ba-hia, onde nasceu, lamentando que o destino dos índios remanescentes no Brasil é ficar confinados, como estivessem num curral. Em Angra continuam lutando para preservar seus costumes. Eles criam peixe em tanque para as crianças conhecerem o bicho. O índio não entra e não aceita o sistema de produção capitalista. Disse Tor-res ainda que “É importante que a gente saiba o que aconteceu sem transformar tudo em enredo de escola de samba, um festival da Globo ou um oba oba na Bahia”. E conclui: “Acho que acabaram com eles”.

De certa forma o livro retoma um caminho da literatura brasileira que exis-te desde Gonçalves Dias e José de Alencar, mas o seu sentimento não é nacionalis-ta e sim nativisnacionalis-ta (anterior).

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O Afonso Henriques de Lima Barreto (Rio de Janeiro 13/05/1881 – 01/11/1922. Jornalista e cronista dos costu-mes da sociedade do seu tempo e um dos mais expressivos romancistas brasileiros.

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O narrador encerra o livro deixando uma inteligente mensagem de que a história não tem fim, mas é um fim em si mesmo quando serve para determinada finalidade: “Era uma vez uma autoridade portuguesa que disse – Não vamos discutir a História. Isto será perda de tempo. Ora, pois, pois. Perda de tempo para quem, cara-pálida? Conta outra, ó pá”. (TORRES 2000, p. 183).

Foi assim (presumivelmente) (p. 61)

REFERÊNCIAS

Entrevista à editora Record em:

http://www.record.com.br/autor_entrevista.asp?id_autor=2380&id_entrevista=75 > acesso em 23.08.2011

NOVAES, Claúdio Cledson; SEIDEL, Roberto Henrique (orgs). Espaço Nacional, fronteiras e deslocamentos na obra de Antônio Torres. Feira de Santana: Uefs Editora, 2010

PEREIRA, Elvya Shirley Ribeiro. Imagens inaugurais e cenas urbanas: recorrên-cias identitárias e Meu Querido Canibal. Légua e meia: Revista de Literatura e Diver-sidade Cultural (UEFS). Feira de Santana, v6, nº 4, p. 16-31, 2008.

RENAN, Ernest. O que é uma nação. In: ROUANET, Maria Helena. Nacionalidade

em questão. Rio de Janeiro: IL – Universidade do Rio de Janeiro, 1997.

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