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Perturbações Alimentares

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Academic year: 2021

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UNIVERSIDADE DE COIMBRA

FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIÊNCIAS DA EDUCAÇÃO

Perturbações Alimentares

A visão da Psicopatologia Desenvolvimental

Mestrado Integrado em Psicologia – 4.º ano

Disciplina: Psicopatologia Cognitivo-Desenvolvimental Docente: Prof. Doutora Maria Cristina Canavarro Discentes: Daniel Ruivo Marques; n.º 20041471

Danielle Karen Hipólito Bettencourt; n.º 20041576 Sara Filipa Dias Ferreira; n.º 20041479

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Índice

1. Conceptualização dos distúrbios alimentares ... 1

1.1. Definição de anorexia nervosa ... 1

1.2. Definição de bulimia nervosa ... 1

1.3. A visão nosográfica do D.S.M. IV-TR ... 2

1.4. A perspectiva da psicopatologia desenvolvimental ... 3

2. Trajectórias do processo da adolescência ... 5

2.1.Tarefas desenvolvimentais da adolescência ... 5

2.2. Implicações dos distúrbios alimentares nas tarefas desenvolvimentais ... 7

3. Variáveis etiológicas e desenvolvimentais nos distúrbios alimentares ... 8

4. Distúrbios alimentares: Da avaliação à intervenção ... 16

4.1. A proposta de Achenbach (ASEBA) ... 17

4.2. Linhas de intervenção ... 18

5. Conclusão ... 19

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RESUMO

Neste artigo são focadas algumas potencialidades da psicopatologia do desenvolvimento na leitura compreensiva dos distúrbios alimentares. Num primeiro momento, demonstra-se a superioridade hermenêutica da visão desenvolvimental sobre a visão tradicional ou nosográfica, de seguida analisam-se as tarefas desenvolvimentais que os doentes enfrentam no seu momento do ciclo de vida, depois aprofundam-se as variáveis que influenciam de uma maneira relevante a etiologia da perturbação e por fim esboçam-se aspectos relacionados com a avaliação e a intervenção.

PALAVRAS-CHAVE: Distúrbios alimentares; Psicopatologia desenvolvimental

ABSTRACT

In this article are focused some of the potential of developmental psychopathology in reading understanding of eating disorders. Initially, is demonstrated the hermeneutic superiority of developmental vision on the traditional or nosographic vision, then it is analysed the developmental tasks that patients face in their moment of the life cycle, then there deepen the variables that influence significantly the etiology of disorder and finally outline itself aspects related to assessment and intervention.

KEY-WORDS: Eating disorders; Developmental psychopathology 1. Conceptualização dos distúrbios alimentares

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A anorexia nervosa é um distúrbio alimentar caracterizado por uma preocupação exacerbada com o peso e com o receio de engordar, procurando-se emagrecer (Halmi, 1987). Algumas anorécticas consideram ter o peso normal, mas outras acham que têm um peso excessivo e vêem-se como sendo gordas. Segundo Muuss (1990), há o desejo de alcançar um corpo magro e a crença de que o mundo é caótico e incontrolável, daí a necessidade de controlo sobre o próprio corpo. As anorécticas não reconhecem o seu problema, recusam-se a falar sobre o assunto e de acordo com Lock & Grange (2006), com o passar do tempo as dietas tornam-se cada vez mais rigorosas e com metas cada vez mais distantes. Evitam alimentos calóricos, recusam-se a fazer todas as refeições, escondem a comida e sentem grande satisfação por constatarem que estão a perder peso, sendo que o acto de comer se faz acompanhar de sentimentos de culpa, raiva e ansiedade. Esta perturbação é mais comum nas raparigas, sobretudo adolescentes. Algumas recuperam completamente desta perturbação, enquanto que outras manifestam oscilações sucessivas de peso.

1.2. Definição de bulimia nervosa

Esta perturbação pode ocorrer em comorbilidade com a anorexia nervosa e em situações em que existe sintomatologia psicológica, mas em que o peso é normal (Halmi, 1987).

Esta perturbação é mais frequente na adolescência, nomeadamente na faixa etária dos 18 anos. Apesar disso, na maioria das vezes as bulimicas já têm alguns indícios da perturbação, nomeadamente a grande ingestão de alimentos a meio da adolescência. Enquanto crianças, manifestam grande preocupação com o peso tentando controlá-lo. (Lock & Grange, 2006).

Há uma grande insatisfação com a forma corporal e é comum a tentativa de fazer dietas, que depois são abandonadas, daí que sintam necessidade de comer em excesso. Como isso lhes causa grande ansiedade, evitam ganhar peso a partir da indução do vómito laxantes e diuréticos (bulimia do tipo purgativo) ou a partir do exercício físico ou jejum (bulimia do tipo não purgativo). (DSM-IV TR).

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De acordo com o DSM-IV-TR (2000), para que a anorexia possa ser diagnosticada, é necessário o preenchimento de quatro critérios, a saber:

A: Recusa em manter um peso corporal igual ou superior ao minimamente normal para a idade e altura; B: Medo intenso de ganhar peso ou engordar, mesmo quando o peso é insuficiente; C: Perturbação na apreciação do peso e forma corporal, indevida influência do peso e forma corporal na auto-avaliação, ou negação da gravidade do grande emagrecimento actual e D: Nas jovens após a menarca, amenorreia, ou seja, ausência de pelo menos 3 ciclos menstruais consecutivos. Nesta perspectiva, a psicopatologia é vista numa dimensão categorial em que a perturbação está ou não presente consoante os critérios sejam ou não preenchidos.

Adoptando esta mesma dimensão categorial, os critérios a considerar no diagnóstico da bulimia, de acordo com a DSM. IV – TR, são os seguintes:

A: Episódios recorrentes de ingestão alimentar compulsiva. Um episódio é caracterizado por dois critérios: 1) comer, num período curto de tempo, uma quantidade de alimentos que é definitivamente superior à que a maioria das pessoas comeria num período de tempo semelhante e nas mesmas circunstâncias; 2) sensação de perda de controlo sobre o acto de comer durante o episódio. B: Comportamento compensatório inapropriado recorrente para impedir o ganho ponderal, tal como vomitar; usar laxantes, diuréticos, enemas ou outros medicamentos; jejum; ou exercício físico excessivo; C: A ingestão compulsiva de alimentos e os comportamentos compensatórios inapropriados ocorrem ambos, em média, pelo menos duas vezes por semana em 3 meses consecutivos; D: A auto-avaliação é indevidamente influenciada pelo peso e formas corporais; E: A perturbação não ocorre exclusivamente durante os episódios de Anorexia Nervosa.

1. 4. A perspectiva da psicopatologia desenvolvimental

A Psicopatologia do Desenvolvimento encara as perturbações alimentares numa perspectiva dimensional e contínua (Tyrka, Graber, Brooks & Gunn, 2000). Isto porque,

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se situa na fronteira entre as formas patológicas e não patológicas de funcionamento e conceptualiza a patologia como um desvio ao desenvolvimento normal. (Soares, 2000). Assim, a patologia é encarada como um desvio ao funcionamento adaptativo, ocorrendo num dado período de tempo. Se encaramos esta perspectiva dimensional, então podemos assumir que inadaptações passadas podem favorecer o surgimento de inadaptações futuras, ainda que em todas as fases da vida existam vulnerabilidades e forças. Segundo Soares (2000), a Psicopatologia do Desenvolvimento não pretende descrever sintomas, como acontece noutras abordagens (cf. ponto 1.1.), mas sim compreender as trajectórias de vida, as adaptações e inadaptações, que fenómenos normais podem constituir uma fonte de interpretação dos anormais e vice-versa. Esta disciplina, não se centra somente no indivíduo, mas também nas interacções que este estabelece com outros indivíduos e contextos, o que permite compreender as alterações ocorridas com o passar do tempo e como é que as exigências que surgem em cada fase da vida, podem levar a novos factores de risco e perturbações. Mais concretamente, no caso da anorexia, como é que as variáveis individuais, familiares e biológicas podem conduzir a esta perturbação e como é que esta última pode comprometer as tarefas desenvolvimentais típicas da idade. Todavia, não se pretende com esta abordagem desenvolvimental, uma explicação causal ou apresentação de resultados perante uma dada perturbação, mas sim abordá-la sob um ponto e vista físico, cognitivo, sócio- -emocional e educacional. Para os principais autores desta disciplina, o desenvolvimento dá-se de uma forma organizacional, dependendo das interacções entre o indivíduo e os contextos envolventes, numa integração de sistemas. Assim, o desenvolvimento caracteriza-se por uma complexidade crescente. Segundo o princípio

ortogenético, o desenvolvimento faz-se a partir de uma progressiva diferenciação e

integração hierárquica, com níveis de controlo superiores. De acordo com esta integração, as estruturas já formadas vão ser assimiladas pelas novas estruturas que forem surgindo, daí que a história individual, as vulnerabilidades e as forças do passado, estejam sempre presentes. Isto não significa que influenciem o indivíduo de uma forma constante e directa, mas podem sim ser activadas por determinadas circunstâncias de vida e conduzir a uma inadaptação. Isto sucede porque o indivíduo não consegue lidar com as questões que a sua fase desenvolvimental lhe coloca.

No caso da anorexia, de acordo com Thyrka, Graber, Brooks e Gunn (2000), sabe-se que esta pode ter um desenvolvimento contínuo, com indicadores prévios noutras etapas anteriores da vida. O facto de se comer pouco enquanto criança e ter

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dificuldades digestivas, podem constituir preditores deste distúrbio, ainda que não haja preocupação com o peso ou dietas. No caso de existirem essas preocupações e desordens alimentares parciais há maior probabilidade de evolução para uma anorexia. Compreende-se que há assim um contínuo que se arrasta nas diversas fases desenvolvimentais, podendo culminar numa desadaptação, que é a anorexia. Há um desenvolvimento constante com questões e tarefas específicas de cada etapa desenvolvimental, em que adaptações passadas podem também predizer adaptações futuras.

A patologia, na perspectiva cognitivo-desenvolvimental, pode resultar assim de dificuldades de integração nos vários domínios ou devido a um padrão demasiado rígido e pouco adaptativo. Uma vez que não existem determinismos, várias trajectórias podem levar a uma adaptação ou desadaptação (Soares, 2000), daí que seja relevante compreender como é que uma só trajectória leva a uma desordem e como e que um desvio a uma trajectória normal, leva a uma adaptação. É importante também averiguar quais os factores implicados na escolha de uma trajectória desenvolvimental e como é que variáveis ambientais e biológicas explicam isso em termos causais e interaccionais.

Feitas estas considerações introdutórias acerca dos princípios de base que sustentam a psicopatologia congnitivo-desenvolvimental passaremos, de seguida, a abordar a temática das perturbações alimentares focando-nos nas variáveis desenvolvimentais que podem influenciar o seu aparecimento e as limitações que uma perturbação deste género pode trazer a uma adolescente no desempenho das suas tarefas desenvolvimentais.

2. Trajectórias do processo da adolescência

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A adolescência é um estádio de desenvolvimento que se insere no ciclo de vida de qualquer indivíduo marcado por inúmeras mudanças quer do ponto de vista físico, quer a nível psicológico e social. Estas apoiam-se na evolução anterior e podem não ser simultâneas (Claes, 1985). As mudanças ao nível das estruturas física e mental fazem com que o sujeito passe a interagir com os outros e o meio de forma diferente. Progressivamente vai conquistando novos espaços de autonomia e as relações que estabelece com os outros alargam-se a novos contextos sociais. É na interacção com os outros que vai definindo os seus valores ao mesmo tempo que começa a afirmar a sua individualidade. Adicionalmente conquista a sua autonomia e vai-se tornando pouco a pouco um adulto capaz de fazer as suas próprias escolhas e projectos (Eiras, 1995). Assim, segundo Claes, (1985), as modificações na adolescência marcam essencialmente quatro esferas do desenvolvimento: o corpo, o pensamento, a vida social e a representação de si. Cada uma destas transformações é acompanhada de um certo número de tarefas desenvolvimentais, ou seja, de realizações psicológicas que se revestem de um carácter imperativo e de um aspecto de urgência nesse momento do crescimento (idem). O conceito de tarefa desenvolvimental diz respeito às realizações psicossociais efectuadas por todos os indivíduos em diferentes momentos do ciclo de vida sendo estas necessidades ditadas pelas exigências de um crescimento isento de limitações maiores nos planos sexual, social e pessoal.

No que diz respeito ao desenvolvimento pubertário, durante um período relativamente curto (em média, quatro anos), o corpo da criança sofre diversas alterações sexuais fundamentais. Este facto traduz-se em duas tarefas desenvolvimentais: por um lado, a necessidade de reconstruir a imagem corporal sexuada e de assumir a identidade de género (masculina ou feminina) e, por outro, ascender progressivamente à sexualidade genital adulta, caracterizada pela partilha do erotismo com um parceiro sexual e a conjugação de dois desejos complementares.

No que toca às alterações corporais convém referir que as raparigas se sentem mais insatisfeitas devido, sobretudo, ao peso que ganham na adolescência. São muitas vezes são influenciadas pelo ideal de beleza aceite culturalmente, tendo por isso maior probabilidade de vir a desenvolver distúrbios alimentares. Relativamente à identidade de género, as raparigas têm mais tendência a ficar ansiosas, auto-focadas e inseguras em relação ao seu corpo. Começa a dar-se importância aos padrões a seguir enquanto homem ou mulher, assumindo o grupo de pares um papel fulcral nesta altura. (Attie & Brooks-Gunn, 1995).

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O desenvolvimento cognitivo caracteriza-se por um conjunto de modificações quantitativas e qualitativas no pensamento do adolescente. Esta evolução traz consigo duas aquisições principais: o aumento das capacidades de abstracção e o alargamento das perspectivas temporais (o acesso ao pensamento formal, embora não seja uma tarefa desenvolvimental generalizada).

A adolescência também comporta modificações na socialização e, neste sentido, existem transformações importantes ao nível das relações sociais e dos agentes de socialização. A ascendência predominante da família vai ser progressivamente substituída pelo grupo de pares embora não se possa dizer que existe uma ruptura das relações familiares mas sim uma transformação (Sprinthall & Collins, 2003). O grupo de pares passa a ser a fonte de referência das normas de conduta e da atribuição de estatuto. Esta evolução traduz-se em duas outras tarefas desenvolvimentais: a libertação da tutela dos pais e a substituição gradual dos pares como agente de socialização. Isto implica e exige a organização de relações de competição e de cooperação com os companheiros de ambos os sexos. O controlo sobre o peso corporal pode funcionar como forma de colmatar as vulnerabilidades em termos de auto-estima e competência social, o que se constitiu um factor de risco para o desenvolvimento de um distúrbio alimentar. Isto, muitas vezes, resulta de comentários desagradáveis tecidos pelos pares. (Attie & Brooks-Gunn, 1995). Por outro lado, a família pode também contribuir para o desenvolvimento de um distúrbio alimentar. Sabe-se que muitas anorécticas podem desenvolver um falso self devido a cuidados insuficientes da família. Para além disso, mães super protectoras, intrusivas e dominadoras podem também levar a este tipo de problemas. No caso da bulimia, o excesso de comida ingerida pode ser uma forma de compensar a falta de suporte materno.

Finalmente, o indivíduo ao longo da adolescência vai adquirindo progressivamente uma nova subjectividade que modifica a representação de si próprio e do outro, ou seja, vai construindo a sua identidade. Esta transformação passa por três tarefas desenvolvimentais: a aquisição de uma continuidade temporal do eu, que assume o passo da infância e detém as capacidades de projecção no futuro; a afirmação de um eu que se demarca das imagens parentais interiorizadas e o comprometimento em escolhas que garantem a coerência do eu (por exemplo através de opções profissionais, da polarização sexual e do comprometimento ideológico). Independentemente da perspectiva teórica que adoptam todos os investigadores da área da adolescência têm salientado a conquista da autonomia como a tarefa mais importante desta etapa do ciclo

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de vida. A autonomia resulta não só de todo o processo de desenvolvimento individual mas também da interacção com o meio sendo a construção da identidade indissociável da conquista da autonomia (Eiras, 1995). O adolescente vai quebrando a dependência infantil e aventuram-se fora da matriz familiar, sem no entanto, cortar abruptamente com os laços familiares e o suporte que eles lhe fornecem (Relvas, 2000).

As mudanças físicas colocam em questão a referência de base que é o corpo uma vez que o adolescente tem de o redescobrir. Assim, o corpo e a identidade pessoal são socialmente indissociáveis. O corpo modifica-se profundamente quando surge a puberdade. No entanto, esta transformação ocorre segundo uma programação genética e não por vontade ou deliberação própria (Eiras, 1995).

Perante isto, o jovem pode não lidar ou aceitar essas mudanças, incorrendo num distúrbio alimentar que sabemos ter consequências nefastas em termos de saúde física e psicológica.

2. 2. Implicações dos distúrbios alimentares nas tarefas desenvolvimentais

O que nos propomos agora, é analisar até que ponto os distúrbios alimentares interferem com o cumprimento das tarefas desenvolvimentais já referidas.

Em termos de desenvolvimento pubertário, algumas das transformações típicas desta etapa, não se verificam. Como tal, a jovem pode não conseguir alcançar a imagem corporal que se vai delineando nesta altura (caracteres sexuais secundários, menstruação, ancas). Nesse sentido, aquilo que a define como mulher pode ser comprometido. Para além da amenorreia, constatam-se outras transformações como a alteração da voz e crescimento de pelos no corpo.

No que concerne ao desenvolvimento cognitivo, verificam-se dificuldades, nomeadamente em termos de acesso ao pensamento formal (Gouveia, 2000), como consequência há maior probabilidade de haver défices de concentração, atenção e memória; há assim uma maior tendência para o pensamento concreto.

Estas dificuldades referidas, podem ser justificadas com base na restrição alimentar voluntária que impede a ingestão de substâncias essenciais à sua maturação.

Passando agora para a esfera familiar e social, é comum nos jovens com perturbações alimentares estarem inseridas em famílias problemáticas que não lhe permitem aventurarem-se fora da matriz familiar. Como tal, existe uma maior

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probabilidade das jovens não atingirem adequadamente o processo de separação e de individualização, bem como da autonomia (Relvas, 2000).

Por outro lado, a aceitação de padrões sociais e familiares, faz com que tenha dificuldades em termos de escolhas e opções individuais e afirmação de si próprios. Assim, a identidade fica pouco desenvolvida e distorcida pela perturbação, visto que há uma centração excessiva na imagem corporal e esquecimento das outras áreas que compõem o self.

No que toca à socialização, como a jovem tem complexos com o seu corpo, vai evitar situações de interacção social. Este isolamento vai comprometer a maior ligação com o grupo de pares que é suposto acontecer na adolescência (Gouveia, 2000). Este factor vai comprometer também a autonomia porque não vai haver a exploração do ambiente necessária para o efeito.

3. Variáveis etiológicas e desenvolvimentais nos distúrbios alimentares

Existe, actualmente, um largo consenso entre investigadores e clínicos no que concerne à multideterminação etiológica dos distúrbios alimentares, derivando estes de uma interacção entre diferentes variáveis – psicológicas, biológicas, familiares e socioculturais (Andersen, 1985; Casper, 1982; Garfinkel & Garner, 1982; Garner et al., 1982 Garner & Bemis, 1985; Strober, 1980, 1981, cit in Ferreira, 2003). Nesta linha orientadora, salienta-se também a importância dos distúrbios alimentares serem concebidos como o resultado final de um processo que se desenvolve ao longo do tempo e em várias fases, onde interagem de forma específica factores precipitantes, predisponentes, de manutenção e de protecção. Esta constelação de factores e variáveis deve ser entendida segundo múltiplas ópticas de acordo com um período de desenvolvimento específico, pois só assim se poderá perceber o efeito etiológico destes factores e variáveis. Por exemplo, a dieta é uma causa necessária mas não suficiente nos distúrbios alimentares, e será a sua interacção com outros factores como os precipitantes e de vulnerabilidade, que determinará se a dieta vai ou não originar o distúrbio. A estes factores juntar-se-ão as consequências biológicas e psicológicas, que poderão agravá-los e torná-los factores de manutenção (Gouveia, 2000).

No que concerne às varáveis socioculturais, podemos salientar que a cultura desde sempre assumiu um papel de grande impacto na determinação do peso, das

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formas corporais e na promoção de determinados padrões alimentares desejáveis. Nas últimas décadas, as alterações nos padrões de beleza feminina socialmente valorizados têm sido acompanhados por uma massificação dos media, resultando daí uma globalização da relevância da magreza como sinónimo de beleza (Ferreira, 2003). As modificações do ideal de beleza, os estereótipos sociais em relação aos novos papéis da mulher na sociedade ocidental e a significação da magreza, a mensagem médica em prol de uma alimentação saudável e baixa em calorias e a expansão das indústrias alimentares e cosméticas constituem factores que potencializam a pressão cultural actual para a magreza (idem). Esta pressão conduziu então à construção de atitudes culturais negativas em relação a uma forma corporal gorda e a uma idealização do corpo magro. Não obstante os factores socioculturais aumentarem a pressão para as dietas, não é linear a relação entre os mesmos e a emergência dos distúrbios alimentares, visto que esta mensagem culturalmente veiculada não é interiorizada da mesma forma por todas as jovens. Desta forma, é preciso considerar que a pressão sociocultural para a magreza, só por si, não explica os mecanismos através dos quais ela influencia em algumas jovens o desenvolvimento do distúrbio alimentar (Gouveia, 2000). O estereótipo da aparência física é mais comum nas mulheres, conduzindo-as à percepção da aparência física como factor fundamental na sua vida. Este estereótipo assenta na crença de que os indivíduos com uma aparência física atraente possuem um conjunto de características de personalidade desejáveis, tendo mais sucesso e uma vida mais feliz que os indivíduos menos atraentes (Feingold, 1992, cit. in Gouveia, 2000). Este estereótipo parece contribuir, segundo algumas investigações, para o aumento da bulimia nervosa (cit. in Gouveia, Garner, Rockert, Olmsted, Johnson & Coscina, 1985; Johnson, Lewis & Hagman, 1984; Rodin et al., 1985, Russel, 1979). Porém, nem todas as mulheres interiorizam este estereótipo da mesma forma, diferindo na importância que dão à aparência física na construção da identidade pessoal. Contudo, uma vez internalizado constitui um factor de risco para a bulimia como mostram os estudos de Striegel-Moore, Silberstein & Rodin e os de Williamson, Kelley, Davis, Rigiero & Blouin, 1985, cit. in Gouveia (2000). Estes resultados apoiam uma associação entre o grau em que a jovem enfatiza a sua importância e o risco de desenvolver um distúrbio alimentar. No que concerne ao ideal contemporâneo de beleza, este tem sofrido profundas alterações ao longo dos tempos. O facto de actualmente o ideal de beleza feminino se ter aproximado de um corpo eminentemente magro, tem sido apontado como um dos aspectos mais relevantes para a compreensão do crescente número de casos de perturbações do

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comportamento alimentar. Este ideal de beleza é bastante visível no peso médio das concorrentes aos concursos de beleza e das modelos que se encontram nas revistas de moda (Garner, Garfinkel, Schwartz & Thompson, 1980; Silvertstein, Peterson & Perdue, 1986, cit. in Gouveia, 2000). No entanto, apenas uma minoria das mulheres consegue ter uma figura corporal semelhante ou aproximada ao padrão de beleza culturalmente valorizado. Estes dados demonstram uma crescente discrepância entre o corpo ideal e o real, resultando assim numa insatisfação corporal generalizada denominada de “descontentamento normativo”. Por sua vez, este descontentamento leva as mulheres ao esforço da realização de dietas. É de salientar que esta insatisfação corporal é maior nas mulheres que nos homens (Gouveia, 2000). O estereótipo do papel feminino centra-se na preocupação com a aparência e esforço em aumentar e preservar a beleza (Brownmiller, 1984, cit. in Gouveia, 2000). Algumas investigações que apoiam este estereótipo salientam que a percepção da magreza e feminilidade parece estarem interligadas. No que diz respeito ao comportamento alimentar, este também parece relacionar-se com a feminilidade (Chaiken & Pliner, 1987), isto é, ser magra e fazer contenção alimentar (dieta) assegura a identidade feminina. O comportamento alimentar pode ainda estar relacionado com o desejo de provocar uma impressão positiva nos homens (Mori Chaiken & Pliner, 1987). Como explicar, por exemplo, que a bulimia nervosa tenha aumentado numa época em que aconteceram profundas transformações nos papéis sociais da mulher (carreira, interesses pessoais)? Duas razões podem estar na base desta realidade: razões que estão associadas aos estereótipos sociais que associam a forma do corpo a determinados papéis femininos, como por exemplo a magreza representar o contrário de um corpo arredondado associado ao papel de mãe e esposa e razões que estão associadas à própria orientação da mulher para a competição e o sucesso. Estas mulheres colocaram a si mesmas elevados padrões de exigência e perfeccionismo, controlo e obtenção de um corpo magro por representar uma realização pessoal importante para a sua auto-estima. Ainda relacionado com os distúrbios alimentares parece encontrar-se o mito da “supermulher” (Rodin, Striegel-Moore, & Silberstein, 1990, cit. in Gouveia, 2000). Os dados supracitados sugerem que as mulheres procuram os ideais de beleza culturalmente veiculados, e esta procura leva algumas jovens mais vulneráveis a uma obsessão com o peso e a dietas restritivas que facilitam o desenvolvimento de distúrbios alimentares. Estes dados sugerem ainda que a importância destes factores parece ser maior na bulimia nervosa. Todavia, esta pressão cultural pode estar aumentada em alguns grupos ou actividades. Por exemplo, mulheres

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com carreiras relacionadas mais directamente com a aparência física, na área da música, dança, moda entre outras apresentam maior risco de desenvolverem anorexia nervosa e patologia alimentar (Crago, Yakes, Beutler, & Arizmendi, 1985; Garner & Garfinkel, 1978; Joseph, Wodd & Goldberg, 1982). A influência do grupo pode constituir um factor de risco ou protecção, através de processos de reforço ou modelamento, consoante o valor que é dado à aparência física.

O ideal da figura corporal esbelta ou “impulso para a magreza” tem sido amplamente difundido pelos media que transmitem a ideia de que a beleza está ao alcance de qualquer mulher, assumindo que todas poderão alcançar o corpo ideal. Esta mensagem pode adoptar contornos intrusivos para aquelas mulheres que possuem maior grau de insatisfação corporal, na medida em que aderem facilmente a estratégias veiculadas para a magreza. Ao ideal de magreza difundido pelos media e pelas indústrias alimentares e de cosmética junta-se o estereótipo contra os “gordos” (os gordos estão associados a características negativas: preguiça, gulodice, etc.) e a mensagem veiculada pela classe médica. Nas últimas décadas, as preocupações médicas em relação aos efeitos negativos da obesidade e aos riscos para a saúde associados à ingestão de alimentos gordos foram sobrevalorizados. Paralelamente a isto, junta-se a pressão médica em prol de um corpo magro e sem gorduras como um corpo saudável (Ferreira, 2003).

Seguidamente, passaremos à análise de uma perspectiva de desenvolvimento que permite explanar a interacção dos factores socioculturais com diferentes aspectos do processo de desenvolvimento e a sua contribuição relativa nas diferentes fases do ciclo de vida. A preocupação com a aparência física e o peso inicia-se na infância sendo maior nas raparigas que nos rapazes. Nesta óptica, constata-se uma maior vulnerabilidade destas jovens para os distúrbios alimentares, o que torna a adolescência especialmente difícil para algumas devido à conjugação de mudanças cognitivas, biológicas e afectivas que ocorrem neste período de desenvolvimento. Eizaguirre (1998) destaca a adolescência como um momento crucial do desenvolvimento no qual as influências sociais desempenham um valor importantíssimo, pois é nesse momento que a mudança corporal acompanha e simboliza a passagem da infância para a idade adulta e a aprovação do seu corpo está associada à sua aprovação enquanto pessoa (Ferreira, 2003). Deste modo, o adolescente à procura da sua identidade, é particularmente vulnerável e sente se fortemente pressionado pelas mensagens “esbelto”, “elegante” e “magro” que o transportam para o ideal que ambiciona alcançar (Sampaio, 1998, cit. in

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Ferreira, 2003). A nível cognitivo destaca-se uma maior diferenciação e complexidade na visão de si mesmo. Esta maior diferenciação é resultado do desenvolvimento mas também é fruto de uma pressão social que exige que o adolescente diferencie o seu eu em relação aos papéis sociais em função das diferentes expectativas dos outros que são significativos na sua vida (Gouveia, 2000). No que concerne à auto-reperesentação, nesta fase diferenciam-se dois aspectos; por um lado, a valorização e preocupação com a opinião dos outros e por outro, a necessidade de integrar visões de si por vezes antagónicas e conflituosas (Harter, 1990). Nesta fase, as raparigas mais que os rapazes, estão muito preocupadas com a sua imagem e com o feedback que sobre ela recebem dos outros, sentindo-se mais inseguras A aparência física é uma componente bastante evidente no seu auto-conceito e está associada à popularidade entre os pares e à atracção heterossexual. No que toca à puberdade precoce, esta situação torna-se mais complicada, pois as adolescentes sentem-se mais gordas que as colegas, o que gera uma insatisfação corporal (Simmons et al, 1983, cit. in Gouveia, 2000).

Embora tenhamos focado o período da adolescência como o período onde a preocupação com a aparência física é mais evidente, isto não significa que a ela seja exclusiva desta fase ele estende-se da infância à terceira idade, variando hierarquicamente na constelação das preocupações.

Os aspectos familiares são de extrema importância para a compreensão do desenvolvimento e manutenção das perturbações do comportamento alimentar (PCA). No entanto, além dos dados empíricos apresentarem algumas discrepâncias, é preciso termos em conta que estes intervêm em interacção com outras variáveis individuais e culturais, sendo apenas um dos factores predisponentes ou precipitantes PCA. As características familiares que têm sido apontadas como um factor de risco para os distúrbios alimentares referem-se especialmente à existência de problemas psiquiátricos nos pais, às atitudes de outros familiares relativamente ao peso, aparência física e alimentação e à estrutura e interacção familiar.

No que diz respeito às doenças psiquiátricas, um estudo de revisão teórica da literatura de Gouveia (2000), demonstra que os pais das jovens com bulimia, apresentam significativamente uma maior frequência de problemas psiquiátricos, particularmente, depressão, alcoolismo e abuso de drogas relativamente aos controlos normais, e uma maior frequência de alcoolismo que os controlos psiquiátricos. Os distúrbios afectivos nos familiares de doentes bulímicas parecem ser sobretudo um factor de risco geral, mais que um risco específico para a bulimia nervosa, enquanto o

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alcoolismo parece estar mais associado aos familiares de jovens com bulimia que aos dos controlos normais e psiquiátricos, podendo ser um factor de risco mais específico. Existe ainda uma maior prevalência de problemas de alcoolismo nos familiares de doentes bulímicas com peso normal e de anorécticas bulímicas relativamente aos familiares de doentes anorécticas restritivas.

Os resultados de um prolongamento do estudo de Fairburn, Welch, Doll, Davies, & O’Connor, 1997 cit. in Gouveia (2000), mostraram que em relação à doença psiquiátrica nos familiares como factor de risco para o distúrbio de ingestão compulsiva (DIC), os pais das jovens com DIC apresentavam uma maior prevalência de depressão relativamente aos controlos normais, mas não de alcoolismo ou de abuso de drogas, não existindo diferenças relativamente aos controlos psiquiátricos no que respeita a este nível. Os resultados destes estudos referem que as doentes com DIC apresentam menos história familiar de problemas psiquiátricos do que as jovens com BN. A família, como agente de socialização e de transmissão de mensagens socioculturais, tem um importante papel nas atitudes relativamente ao peso, à aparência física e à realização de dietas. A mãe destaca-se particularmente uma vez que o desenvolvimento de perturbações alimentares pode ser influenciado pelo facto destas jovens terem mães que se preocupam muito com o seu próprio peso e aparência física, fazem dieta e valorizam excessivamente a aparência física das filhas. Na clínica é frequente jovens com PCA relatarem outros casos de preocupações com o peso e realização de dietas noutros membros da família.

A hipótese de que os comportamentos alimentares das jovens bulímicas são modelados pelas mães é confirmada num estudo de Pike & Rodin, 1991 cit. in Gouveia (2000). Os resultados mostraram que as mães das jovens bulimicas, relativamente às mães das jovens sem PCA, achavam que as filhas deviam perder mais peso e avaliavam-nas como menos atraentes que as filhas se avaliavam a si mesmas, tinham começado a fazer dieta mais cedo, apresentavam mais patologia alimentar e estavam menos satisfeitas com a coesão familiar. A existência de comentários negativos acerca do peso, aparência corporal ou alimentação é assim um factor de risco para a bulimia nervosa. Segundo Yates, 1989 cit. in Vilarinho (2003) as mães das bulímicas, comparativamente às mães das anorécticas, são emocionalmente mais distantes, com elevadas expectativas face aos filhos, dominadoras e muito controladoras, o que leva a que as suas filhas sejam crianças normalmente mais ansiosas, desligadas, desorganizadas e submissas, embora reajam frequentemente com raiva nas interacções

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com pais rejeitantes e negligentes. De acordo com Vandereycken, 2002 cit. in Vilarinho (2003), quer os pais das anorécticas, quer os pais das bulímicas enfatizam o sucesso, a aparência física e objectivos de realização muito elevados, em detrimento de suporte emocional e da promoção da autonomia.

O desenvolvimento de patologias alimentares está assim relacionado com a valorização familiar de um ideal de magreza. A mãe é um membro que pode influenciar particularmente as preocupações com o peso e a dieta das filhas modelando passivamente atitudes e comportamentos alimentares disfuncionais e tendo uma atitude negativa no que respeita à aparência física da filha ou mesmo exercendo pressão directa para que esta perca peso.

No que concerne à estrutura e interacção familiar de doentes com distúrbios alimentares os estudos têm demonstrado que existem diferenças entre as famílias das anorécticas restritivas e as famílias das anorécticas do subtipo bulímico e bulímicas de peso normal. Gouveia (2000) num estudo de revisão da literatura acerca da estrutura e interacção familiar, concluiu que as famílias das anorécticas restritivas se caracterizam por uma estrutura familiar rígida, com fronteiras interpessoais menos claras e com uma maior tendência para evitar discussões relativamente às famílias normais. Contrariamente, as famílias das anorécticas bulímicas e bulímicas de peso normal são mais conflituosas, hostis, críticas, com fronteiras entre os seus membros muito fortes e com menor coesão e estabilidade, apoio e ajuda mútua comparativamente às famílias normais e às famílias das anorécticas restritivas. O autor refere ainda que as interacções das doentes anorécticas bulímicas com os pais têm sido descritas por observadores como distanciadas e caracterizadas por uma submissão ressentida ou hostil.

A família das bulímicas tem pais mais hostis, impulsivos e ansiosos (Ferreira, 2003). Existe menos suporte familiar assim como trocas afectivas positivas. O ambiente familiar tende a ser adverso e inadequado, caracterizando-se por níveis elevados de rejeição e discórdia familiar. Segundo Espina et al. 1995, cit. in Vilarinho (2003) as famílias dos sujeitos com bulimia nervosa parecem ser as mais patológicas, apresentando grande distanciamento, problemas em torno da alimentação, impulsividade e ausência de empatia parental. Normalmente as doentes bulímicas descrevem as suas famílias como negligentes, mal organizadas, pouco coesas e carinhosas e mais dadas ao conflito e à negatividade Humphrey, 1986 cit. in Ferreira (2003). Já nas famílias das anorécticas restritivas existe uma mistura de mensagens afectivas positivas e negação das necessidades da jovem (Gouveia, 2000). O ambiente

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familiar das anorécticas tende a ser emaranhado, estável, superprotector, rígido, com grande evitamento de conflitos e pobre resolução dos mesmos (Minuchin et al., 1978; Palazolli, 1978 cit. in Vilarinho (2003). De um modo geral, as famílias dos sujeitos com distúrbios alimentares são pouco coesas, desorganizadas e emocionalmente pouco expressivas (Vilarinho, 2003). Fica por resolver a questão da contribuição dos padrões de interacção familiares como factores etiológicos para os distúrbios alimentares ou como a consequência da existência de um distúrbio alimentar na família. Tal questão só poderá ser analisada, segundo Gouveia (2000) através de estudos longitudinais.

Algumas características psicológicas têm sido frequentemente associadas às perturbações alimentares. Segundo Vilarinho (2003) vários teóricos têm argumentado que as PCA são acompanhadas por um número de características de personalidade problemática embora a sua relação não seja clara e nem sempre se possam tirar conclusões seguras. No entanto, de uma maneira geral, Gouveia (2000), num estudo de revisão da literatura acerca das características individuais associadas aos distúrbios alimentares, salienta que a restrição alimentar voluntária em indivíduos com um funcionamento ajustado previamente, induz depressão, rigidez, ansiedade, obsessividade, tendência para o pensamento concreto e isolamento. O facto de algumas características psicológicas consideradas como possíveis predisponentes para o distúrbio se manter passados vários anos após a sua recuperação sugere o seu possível papel como factor de risco. Por outro lado, a identificação de padrões psicológicos ou de personalidade associados aos diferentes subtipos diagnósticos dos distúrbios alimentares não é clara devido à grande heterogeneidade entre as doentes dos vários subtipos e à mobilidade entre os subtipos ao longo da evolução da doença.

As características mais associadas à anorexia nervosa e bulimia nervosa são: baixa auto-estima, impulsividade, perfeccionismo e traços obsessivos. Segundo o mesmo autor, as doentes com bulimia nervosa estão mais associadas a baixa auto-estima, perfeccionismo, timidez, auto-avaliações negativas, poucos amigos íntimos, mais depressão, comportamentos impulsivos de roubo, comportamentos autolesivos, maior frequência de parasuicídio e abuso de substâncias. Quer as anorécticas restritivas quer as bulímicas parecem ter valores elevados de tradicionalismo, o que pode traduzir a sua elevada aceitação de padrões familiares e sociais. As anorécticas restritivas parecem ser jovens com traços obsessivos, perfeccionistas, tímidas, introvertidas concordantes, dependentes, inseguras, ansiosas, concordantes e tradicionalistas, predominando no que se refere aos distúrbios do Eixo II os diagnósticos de personalidade obesessivo-

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-compulsivo, dependente e evitante (Ferreira, 2003). Quanto às bulímicas de peso normal e às doentes com anorexia bulímica, os dados, embora menos consistentes, parecem demonstrar que estas possuem níveis mais elevados de sociabilidade e instabilidade afectiva. Em termos de distúrbios do Eixo II, parece existir uma maior frequência de distúrbios histriónicos e os distúrbios de estado limite da personalidade (mais frequentes), embora os distúrbios da personalidade evitante e dependente não sejas raros (Vitousek & Manke, 1994 cit. in Gouveia, 2000).

4. Distúrbios alimentares: Da avaliação à intervenção

Ao longo deste trabalho temos visto que a abordagem da Psicopatologia do Desenvolvimento fornece grelhas de interpretação bastante úteis para a leitura dos distúrbios alimentares. Deste modo, e no dizer de alguns autores, a abordagem desta disciplina nasce da integração e não da especialização e representa um (macro)paradigma sem especificar teorias acerca da etiologia das diferentes perturbações (Soares, 2000; Cicchetti, 1990). Veremos, de seguida, o modelo de avaliação de Achenbach mais em pormenor e tentaremos oferecer uma visão alternativa sobre modos de intervenção.

4.1. A proposta de Achenbach

O modelo de Achenbach acerca do processo de avaliação em crianças e adolescentes representa uma alternativa à visão mais tradicional e nosográfica de ler as psicopatologias, que assenta numa visão eminentemente biomédica. Como refere Achenbach (1991) este é um modelo que permite ultrapassar as três principais limitações do D.S.M. IV, a saber: a comorbilidade frequente, a natureza categorial e a adaptação de estruturas diagnósticas de adultos para crianças. Neste sentido, esta é uma proposta que, independentemente da gravidade ou intensidade dos sintomas, consegue dar resposta às diferentes situações (Gonçalves & Simões, 2000). Achenbach propõe assim que a avaliação clínica se estruture em cinco eixos distintos. O eixo 1 engloba

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uma entrevista clínica, o relato dos pais e a administração do CBCL1; o eixo 2 abarca o relato dos professores, uma entrevista aos mesmos e a resposta ao TRF2; o eixo 3 refere a pertinência de uma avaliação cognitiva, incluindo testes da linguagem e inteligência; o eixo 4 engloba uma avaliação física e médica3 e por fim o eixo 5 abarca a observação directa da criança (DOF4), uma entrevista semi-estruturada, testes de personalidade e a administração do YSR5. Como podemos verificar, há dois aspectos que se salientam após a conceptualização de todos eixos e que são o privilegiar de uma avaliação multi- -informadores e multi-métodos (op. cit., p. 61). Ora, a maioria dos instrumentos construídos por Achenbach e a sua equipa, abrange uma faixa etária vasta, indo aproximadamente dos 4 anos até aos 18 anos. Contudo, o mesmo autor, tem construído outras escalas análogas mas com o intuito de abarcar idades quer mais precoces (e.g., 2 anos) quer mais avançadas (e.g., 30 anos).6 Esta é uma proposta que pode revelar-se muito profícua no despiste e avaliação precoce de uma criança ou adolescente com distúrbios alimentares na medida em que abrange as idades em que a incidência desta perturbação é maior7 e destaca, enfaticamente, a possibilidade de avaliar outras perturbações associadas ou comórbidas, como é o caso das perturbações do controlo de impulsos ou a depressão.

4.2. Linhas de intervenção

1

CBCL – Child Behavior Checklist. Este inventário encontra-se aferido para o nosso país, no entanto o seu uso deve circunscrever-se somente à investigação dadas as limitações metodológicas dos estudos efectuados (Albuquerque, Fonseca, Simões, Pereira & Rebelo, 1999).

2

TRF – Teacher Report Form. Este inventário encontra-se igualmente aferido para Portugal, todavia sofre das mesmas limitações já enunciadas para o CBCL (Fonseca, Simões, Rebelo, Ferreira & Cardoso, 1995).

3

Esta avaliação do estado físico deve ser efectuada por um médico. Note-se aqui a importância das equipas multidisciplinares e dessa confluência de áreas do saber que é enfatizada pela Psicopatologia do Desenvolvimento (Soares, 2000).

4

DOF – Direct Observation Form.

5

YSR – Youth Self Report.

6

Deve referir-se que estes instrumentos não têm ainda quaisquer estudos de aferição e validação no nosso país (Gonçalves & Simões, 2000).

7

Refira-se, a este propósito, que a anorexia nervosa é cada vez mais precoce nas sociedades ocidentais levantando questões relevantes acerca dos seus percursos desenvolvimentais e etiologias possíveis (Ferreira, 2003).

(21)

É sabido dos estudos empíricos que a anorexia mental é uma perturbação do comportamento alimentar que, tal como a bulimia nervosa, é de difícil tratamento e recuperação total. Muitas doentes chegam a uma cronicidade de 20 ou 30 anos, sendo a média de 6 anos de tratamento (Gouveia, 2000). A investigação tem demonstrado, de igual modo, a eficácia das psicoterapias cognitivo-comportamentais enquanto recurso psicossocial no manejo de cognições distorcidas e comportamentos inadapatativos. Neste sentindo e não negando a utilidade das terapias supracitadas, a Psicopatologia Desenvolvimental tem proposto um conjunto vasto de leituras alternativas para as trajectórias de vida da anoréctica, ainda que num segundo plano, possa recorrer com grande pertinência a estratégias cognitivo-comportamentais. Há autores que destacam a importância que uma visão mais desenvolvimental pode acarretar na própria delineação e conceptualização do processo terapêutico:

“Paralelamente, se os sintomas se transformam, a intervenção terapêutica com a criança não pode ser pontual, ou restringir-se ao período de maior intensidade ou extensibilidade sintomática. Uma vez que pode haver, posteriormente uma ou mais “reemergências” dos sintomas sob outras formas. Não seria preferível uma acção terapêutica mais prospectiva, isto é, com uma periodicidade menos frequente do que a habitualmente seguida, mas processando-se ordenadamente ao longo do tempo de crescimento?” (Joyce-Moniz, 1993, p. 16).

Esta visão mais desenvolvimentista pressupõe um conceito muito relevante no âmbito da Psicopatologia do Desenvolvimento e que se designa por estabilidade heterotípica. Refere-se, grosso modo, à continuidade da desorganização de uma perturbação ao longo da trajectória de vida de uma pessoa, pese embora o facto da sintomatologia objectiva ser manifestamente diferente (Canavarro, 1999).

5. Conclusão

As perturbações do comportamento alimentar caracterizam-se pela complexidade ao nível da sua compreensão e tratamento. A visão da psicopatologia desenvolvimental enriquece de maneira iniludível a perspectiva que os técnicos de

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saúde (e.g., psicólogos) podem ter em relação à sua formulação. Assim, pode-se compreender este tipo de distúrbios conjugando várias ideias fundamentais: (i) o trajecto ou percurso desenvolvimental das doentes é multideterminado, (ii) existência de relações interactivas entre todos os factores relacionados, (iii) contextualização dos vários sistemas e sub-sistemas do indivíduo, (iv) a forma como os sintomas se desenvolvem com as reorganizações quantitativas e qualitativas adentro do processo desenvolvimental e (v) identificação dos factores de protecção, de risco e manutenção inerentes a cada distúrbio alimentar (neste caso) especificamente.

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