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Enny José Pereira Parejo

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Academic year: 2019

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Enny José Pereira Parejo

ESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinar

ESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinar

ESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinar

ESCUTA MUSICAL: uma estratégia transdisciplinar

privilegiada para o Sentipensar

privilegiada para o Sentipensar

privilegiada para o Sentipensar

privilegiada para o Sentipensar

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para obtenção do título de Doutor em Educação-Currículo.

Orientador: Profª Dra. Maria Cândida Moraes.

Pontifícia Universidade Católica

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Folha de Aprovação

Folha de Aprovação

Folha de Aprovação

Folha de Aprovação

Aprovado em ___/___/_______

Banca Examinadora

___________________________________________ Ecleide Cunico Furlanetto

Profa. Dra. em Educação-Currículo (UNICID)

___________________________________________ Sonia Regina Albano de Lima

Profa. Dra. em Comunicação Semiótica (UNESP)

___________________________________________ Lucila Maria Pesce de Oliveira

Profa. Dra. em Educação-Currículo (PUC)

___________________________________________ Ivani Catarina Arantes Fazenda

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Dedicatória

Dedicatória

Dedicatória

Dedicatória

Dedico este trabalho à minha Mestra e orientadora Maria Cândida

Moraes, por tudo o que me tem dado, tanto que as palavras

sozinhas não conseguem dizer.

A Luiz Carlos, meu marido; Nilo, meu filho; e a meu pai, que

durante todo esse processo suportaram pacientemente tantas

ausências.

À minha mãe que, de algum lugar nesse imenso cosmo, deve

estar vendo e vibrando, pois sempre vibrou mais que eu, e antes

de mim em tudo o que me foi importante.

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Agradecimen

Agradecimen

Agradecimen

Agradecimentos

tos

tos

tos

Agradeço aos sujeitos dessa pesquisa, Matheus, Adriana, Giba,

Liebe, Jaques e Rodrigo, que tão generosamente aceitaram estar

comigo nessa jornada, descortinando sua intimidade e

construindo um processo que para mim será inesquecível.

Agradeço à Adriana Rocha Bruno pelas sábias orientações dadas,

inclusive fora dos momentos previstos.

À Yonne Santiago, um anjo de última hora, pela iluminação de

meu trabalho com sua revisão dedicada, que vai muito além do

texto.

À Tatiane Clauzet, que gentilmente cedeu o uso das imagens de

suas maravilhosas obras plásticas que tanto enriqueceram meu

escrito.

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Sintonia

Sintonia

Sintonia

Sintonia

Estar sempre perto das invenções. Gostar das coisas impossíveis e Estar sempre aqui e agora. Fertilizar corações Adubar as razões Amar as sementes e Semear raízes caules folhas flores e frutos. Solfejar palavras e gritar canções. Lamber os dias as noites os sóis as luas Varrer calçadas e ruas Sonhar a vida e a morte Romper os laços de azar e sorte Vacinar todas as intrigas Sorrir em paz a paz Ironizar as brigas Fermentar anseios e Idolatrar as mãos amigas Cismar as mesmas encimesmações Renovar os foliões e Perfurar atrizes nos seus atos mais tácitos ou sublimes. Enfeitar as fantasias com seus crimes Enfeitiçar feitiços alucinantes Alucinar os céus mais deslumbrantes E deslumbrar os ais Dos pensamentos mais fulgurantes Vencer os invencíveis medos em todos os instantes e Amar amores... os mais significantes ... Pois que todos são... E estar sempre por perto nas horas das invenções.

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Resumo

Resumo

Resumo

Resumo

O presente estudo tem por finalidade investigar o Sentipensar, ou seja, a maneira pela qual sentimento e pensamento bem articulados, adquirem uma dimensão passível de contemplar as necessidades de uma Educação mais abrangente, destinada a um ser humano multidimensional.

A proposta de Sentipensar emerge do trinômio Sentir-Pensar-Agir e, se viabiliza na prática a partir da Aprendizagem Integrada, na qual, impacto emocional, multissensorialidade, ambientes e climas favoráveis – entre outras características – possibilitam uma aprendizagem vívida e significativa para o sujeito, capaz de ‘reencantar’ o processo educacional.

Neste estudo, a Escuta Musical é apresentada como uma atividade integrativa, uma estratégia didática privilegiada para o Sentipensar, dentre outras estratégias possíveis. A pesquisa partiu do pressuposto que a Escuta Musical – por suas características intrínsecas que afetam ao ser humano de diversas formas, algumas bastante prazerosas – pode promover a reintegração das dimensões humanas e reinserir organicidade no processo educacional, por meio da articulação entre razão e sensibilidade, pensamento reflexivo e vivência. O interesse pela temática partiu de minhas experiências pessoais e da observação atenta de centenas de alunos que tiveram o mesmo tipo de experiência. O foco central é descobrir se, a estratégia de Escuta Musical efetivamente tem, e por quê, o poder de potencializar o pensamento reflexivo, como parece ser o caso.

Historicamente, somos seres cindidos; desde que Descartes afirmou “penso, logo existo”, e antes dele, Platão enalteceu o mundo das idéias em oposição ao mundo dos sentidos; e antes ainda, os estóicos adotaram por ideal “a imperturbabilidade da alma por paixões” (ataraxia); o corpo foi para um lado – res extensa –, a alma para o outro – res cogitans. Estas idéias proferidas por grandes pensadores, plasmaram visões de mundo que estavam em curso, em suas respectivas épocas; e, implantaram-se firmemente em nossas concepções mais íntimas, tornando-se “o paradigma” da cultura ocidental, para os últimos trezentos anos.

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e Relatividade –, o pensamento sistêmico integrativo se alastrou por todas as áreas – da biológica à social, do infinitamente pequeno ao infinitamente grande.

Este movimento, em busca da totalidade e de uma concepção unificadora de mundo, está nos convidando a assumir uma nova perspectiva: o paradigma Eco-sistêmico. O caminho iniciado nos confins inacessíveis da ciência começa, paulatinamente, a passar pela vida das pessoas comuns, pela história do cotidiano. As resistências são muitas, mas os primeiros passos foram dados.

As teorias que fundamentam esta pesquisa preparam a concretização de um novo projeto: a Complexidade nos oferece a possibilidade de lidar com o paradoxo e incorporá-lo; a Transdisciplinaridade, através da lógica aberta do Terceiro Incluído, orienta a expansão do olhar sobre o mundo e sobre o indivíduo; o Sentipensar insere estas idéias no ambiente educacional. Todas juntas, nos conduzem à era da consciência planetária.

Palavras Palavras Palavras

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Abstract

Abstract

Abstract

Abstract

This study aims to investigate Sentipensar, that is, the way in which feelings and well articulated thinking acquire a dimension which is capable of contemplating the needs of a multidimensional human being’s broader education.

The proposed Sentipensar comes from the trinomial Feel-Think-Act [in the Portuguese language, Sentir-Pensar-Agir]. In practice, it makes Integrated Learning possible, in which, emotional impact, multi-sensoriality, favorable climates and environments, among other features, enable a vivid and significant learning situation for the subject, capable of 're-enchanting' the educational process.

In this study, Musical Listening is presented as an integrative activity, a privileged didactic strategy of Sentipensar, among other possible strategies. The search started with the assumption that Musical Listening – through its intrinsic characteristics that affect human beings in various ways, some quite pleasant - can promote the reintegration of human dimensions and reinject organicity in the educational process, through the link between reason and sensitivity, reflexive thinking and experience. Interest in this theme began with my personal experiences and careful observation of hundreds of students who had the same kind of experience. The main focus is to discover whether the strategy of Musical Listening effectively has the power to enhance reflexive thinking, as seems to be the case, and to discover why it has such power.

Historically, we are separate and distinct beings; since Descartes said "I think, therefore I am", and before him, Plato praised the world of ideas as opposed to the world of the senses, and even before Plato, the Stoics adopted as their ideal the "imperturbability of the soul by desire" (ataraxia), the body going to one side - res extensa - the soul to the other - res cogitans. These ideas proffered by great thinkers developed visions of the world that were current in their respective times, and established themselves firmly in our most intimate concepts, becoming the paradigm of Western culture for the last three hundred years.

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of the whole began, and a little later, with the beginning of the scientific revolution of the twentieth century - Relativity and Quantum Theory - integrative systemic thinking was spread to all areas - from biological to social, from the infinitely small to the infinitely large.

This movement, in search of totality and a unifying concept of the world, is inviting us to take a new perspective: the Eco-systemic paradigm. The journey that started in the inaccessible frontiers of science begins, slowly, to affect the life of common people in their everyday life. There is much resistance, but the first steps have been taken.

The theories underlying this research prepare the way for the implementation of a new project: Complexity gives us the opportunity to deal with paradox and incorporate it; Transdisciplinarity, through open logic of the Included Third, guides the expansion of a look at the world and at the individual. Sentipensar inserts these ideas in the educational environment. All together, it leads us to the era of planetary consciousness.

Keywords: Keywords: Keywords:

Keywords: Musical Listening. Integrated Learning. Complexity.

Transdisciplinarity. Sentipensar.

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Sumário Sumário Sumário Sumário Introdução Introdução Introdução

Introdução...11113333 Mapa Conceitual (Revisão da Literatura)

Mapa Conceitual (Revisão da Literatura) Mapa Conceitual (Revisão da Literatura)

Mapa Conceitual (Revisão da Literatura)...202020 20

1. O Problema de Pesquisa 1. O Problema de Pesquisa 1. O Problema de Pesquisa 1. O Problema de Pesquisa...25....252525 1.1 A trajetória: de algumas inquietações ao problema...26

1.2 Objetivos da tese...31

1.3 Justificativa...32

1.4 Enquadramento teórico...33

1.4.1 A Teoria da Complexidade de Edgar Morin...34

1.4.2 O Paradigma Educacional Eco-sistêmico de Maria Cândida Moraes...35

1.4.3 Sentipensar - teoria e prática para reencantar a Educação...37

1.4.4 A concepção de emoções e sentimentos de Antonio Damásio...39

1.4.5 Basarab Nicolescu e a Transdisciplinaridade...40

2. Metodologia 2. Metodologia 2. Metodologia 2. Metodologia...42...42...42...42

2.1 Abordagem da pesquisa...43

2.2 Breve histórico da abordagem qualitativa...44

2.3 Um novo enfoque de pesquisa: A Metodologia de Desenvolvimento Eco-sistêmico...48

2.3.1 Princípios filosóficos na metodologia de Desenvolvimento Eco-sistêmico...51

2.3.2 Questões metodológicas na pesquisa de Desenvolvimento Eco-sistêmico...54

2.3.3 Instrumentos de coleta de dados na pesquisa de Abordagem Eco-sistêmica...57

3. A Complexidade: um novo paradigma 3. A Complexidade: um novo paradigma 3. A Complexidade: um novo paradigma 3. A Complexidade: um novo paradigma para reencantarpara reencantarpara reencantar a Educaçãopara reencantara Educaçãoa Educaçãoa Educação...60606060 3.1 Um mundo fragmentário...64

3.1.1 Mas... O que é Complexidade?...66

3.1.2 Inteligência cega: O paradigma simplificador...67

3.1.3 Século XVI - uma revolução paradigmática: o paradigma tradicional mecanicista...70

3.2 Fragmentação e mecanicismo na situação escolar...74

3.2.1 Análise dos problemas educacionais à luz dos operadores cognitivos da Complexidade...76

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4. 4. 4.

4. SentipensarSentipensarSentipensarSentipensar:::: por uma educação qpor uma educação qpor uma educação qpor uma educação que religue Razão,ue religue Razão,ue religue Razão,ue religue Razão,

Emoção e SensibilidadeEmoção e Sensibilidade ...Emoção e SensibilidadeEmoção e Sensibilidade...99992222

4.1 O que é Sentipensar?...96

4.2 Educar para Sentipensar: princípios filosóficos básicos...98

4.3 Aprendizagem integrada: estratégias e práticas do Sentipensar...103

4.3.1 Características metodológicas da aprendizagem integrada...106

4.4 Ser humano multidimensional...110

4.4.1 Circuitos integradores...111

4.4.2 O corpo como possibilidade de renovação da experiência humana...113

4.5 Fundamentos neuropsicológicos do Sentipensar: interdependência entre regiões subcorticais e neocorticais na racionalidade...116

4.5.1 Emoções e Sentimentos...120

4.5.2 A cadeia Emoção-Sentimento...122

4.6 A Escuta Musical...126

4.6.1 Ouvir ou escutar música?...126

4.6.2 Como processamos os sons?...127

4.6.3 De onde provêm a força emocional da música?...130

4.6.4 Benefícios neuropsicológicos da Escuta Musical...132

4.6.4.1 Memória emocional...132

4.6.4.2 Música e relaxamento...135

4.6.4.3 Ação anti-estresse da música...136

4.6.4.4 Arrepios musicais...137

4.7. Música e cognição...138

4.7.1 Efeitos de transferência...138

4.7.2 A sintaxe musical e a cognição...140

4.7.3 A teoria dopaminérgica dos sentimentos positivos...141

5. Transdisciplinaridade: Abertura 5. Transdisciplinaridade: Abertura 5. Transdisciplinaridade: Abertura 5. Transdisciplinaridade: Abertura do do do Olhar sobre o Mundodo Olhar sobre o MundoOlhar sobre o MundoOlhar sobre o Mundo ...14141414555 5

5.1 O espírito transdisciplinar: comentário de uma experiência...147

5.2 A trindade transdisciplinar: Complexidade, Níveis de Realidade e o Terceiro Incluído...152

5.3 A Escuta Musical como estratégia transdisciplinar...162

6. A Pesquisa de Campo 6. A Pesquisa de Campo 6. A Pesquisa de Campo 6. A Pesquisa de Campo...11116666444 4 6.1 Uma experiência de Sentipensar em sala de aula...168

6.2 A disciplina Didática do Ensino Musical...170

6.3 Perfil dos participantes...173

6.4 Descrição da pesquisa...176

6.4.1 A estratégia inicial de Escuta Musical...178

6.4.2 Instrumentos de coleta de dados...181

7. Análise dos Dados 7. Análise dos Dados 7. Análise dos Dados 7. Análise dos Dados...18...18...18...18777 7 7.1 Categorias para análise dos dados...188

7.1.1 Abertura do olhar...189

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7.1.3 Dialogicidade processual...205

7.1.4 Transcendência...212

7.1.5 Percepção da estratégia de Escuta Musical pelos sujeitos...217

Conclusão e Considerações Finais Conclusão e Considerações Finais Conclusão e Considerações Finais Conclusão e Considerações Finais ...22...22...22...22222 2

Epílogo Epílogo Epílogo Epílogo...2...2...241...2414141 Referências Bibliográficas Referências Bibliográficas Referências Bibliográficas Referências Bibliográficas ...24...24...24...24333 3

Anexos Anexos Anexos Anexos...248...248...248...248

Anexo 1 - A música do grupo (Áudio)...250

Anexo 2 – Relação das músicas utilizadas na estratégia de Escuta Musical ao longo da pesquisa...250

Anexo 3 – Transcrição da fita da avaliação final do curso de Didática do Ensino Musical...251

Anexo 4 - Respostas ao questionário semi-estruturado...260

Anexo 5 – Letras de músicas...263

Anexo 6 – Historinha para ouvir – Estória da Estrelinha (Áudio)...265

Anexo 7 – Carta da Transdisciplinaridade...265

Anexo 8 - Partitura gráfica e Pentagrama...268

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Introdução

Introdução

Introdução

Introdução

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Cenário transdisciplinar Cenário transdisciplinarCenário transdisciplinar Cenário transdisciplinar

Fim de tarde. O universo parecia conspirar para que tudo fosse perfeito: o azul profundo – do céu e do mar; uma brisa cálida, quase uma carícia – de olhos fechados, eu poderia me sentir na intimidade da cozinha, com o forno ligado preparando alguma coisa gostosa que em seguida eu comeria; a temperatura era muito agradável, uma espécie de útero materno, azul, envolvente; as crianças corriam, era o epílogo da brincadeira, a noite viria e iríamos embora, talvez por isso brincassem ainda mais intensamente.

Dentro de mim havia alguma sombra indefinível, um certo não sei quê – medo, dúvida, incerteza? – que se insinuava, turvando a perfeição do momento. As crianças brincam com uma intensidade que somente elas conseguem experimentar, eu pensava, enquanto percebia que o teatro de meu corpo era diferente do grande teatro da natureza que estava em volta de mim.

Num instante quase precipitado, fui até a beira da água – ela também estava quase morna, deliciosa; pude sentir seu toque de forma prazerosa, nos pés. Deitei-me. Abri e soltei braços e pernas. Fechei os olhos. No vai-e-vem suave das pequenas ondas, pude sentir aquela mornidão tomar conta do meu corpo, a sensorialidade se intensificou esvaziando a minha mente. Agora eu vivia apenas para esperar a próxima carícia.

Abri os olhos. Eu estava no azul. Eu não podia ver mais nada, apenas o azul. Minha visão periférica não percebia montanhas, pedras ou pessoas. De fato não havia coisa ou objeto que eu pudesse ver. Até o limite só havia o azul; percebi que o azul do mar se fundia com o azul do céu e, pouco a pouco, algo se delineou – um contorno, redondo, ligeiramente fluorescente: as bordas da Terra!!

Pude perceber que a Terra é redonda. Não, isso é muito pouco, pude sentir com meu corpo que a Terra é redonda, e muito além disso; pude me dar conta naquele momento que nada me separava da imensidão, minhas partículas estavam vagando pelo cosmo e as deleestavam entrando em mim, eu fazia parte de tudo aquilo... eu faço parte de tudo isso.

Naquele dia percebi, pela primeira vez, que eu estava à beira do oceano cósmico, em contato direto e carnal com a imensidão do espaço infinito!!

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A experiência sensorial total, como a que acabo de descrever, sempre atraiu minha atenção. Possivelmente, por ser musicista e ter iniciado minha formação com uma professora marcante, com quem pude ter os mais variados tipos de experiências criativas e vivenciais. O conservatório tomou o lugar dessa pessoa extraordinária, com sua carga de tecnicismo mecanicista – além da cultura totalmente européia – que lhe é peculiar.

Tecnicismo1 e Mecanicismo2 não são prerrogativas especiais da formação musical, mas permeiam nosso sistema educacional como um todo, o que faz com que o pensamento racional – e mais que isso, racionalista –

seja a meta a alcançar. Isso quer dizer que os estudos assumem características de esterilidade, no que diz respeito à possibilidade de encantamento para o ser humano. A forma de estudar, as estratégias e técnicas utilizadas, não são apenas mecanicistas, mas também, em geral, reducionistas3; tomam a parte pelo todo, currículos e seres humanos se reduzem a apenas um ou a alguns de seus aspectos. A maneira de estar em uma sala de aula se torna desincorporada, afastada da experiência concreta; pois, a possibilidade da experiência concreta e significativa só passa a existir quando se considera o indivíduo multidimensional que é o aluno e a realidade multidimensional na qual nos inserimos todos.

Falar da incorporação de experiências vivenciais, em uma sala de aula comum, significa falar da reconciliação de todas as dimensões humanas e do reconhecimento de um ser humano não apenas racional, mas também

1

Predomínio da técnica em detrimento da expressividade.

2

Concepção de mundo segundo a qual o cosmos e os seres humanos são máquinas dependentes de mecanismos para seu funcionamento. Não há outra explicação possível, e nenhum sentido de finalidade.

3

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sensível, e ainda, de estratégias didáticas que possam contemplar a todas as vertentes desse ser.

Sensibilidade, emoção e corpo andam juntos; e, juntos permanecem à margem do processo educacional. A questão é intrincada; ao excluir o corpo, excluímos emoção (não nos esqueçamos que a emoção é um produto da fisiologia) e, conseqüentemente, a sensibilidade e os sentimentos (que nada mais são do que a experiência consciente de nossas emoções); tudo isso dá margem a processos educacionais desencantados, e a relações humanas autoritárias, nas quais é possível tornar-se insensível ao ser do outro.

Eis o grande problema da visão ocidental: fragmentar e sempre fragmentar. A cisão cartesiana veio corroborar nossa mania fragmentadora e reafirmou a supremacia da racionalidade sobre todas as outras dimensões. O ser humano se tornou fragmentário.

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vida, sentindo-me cada vez maior (e menor): a Teoria Quântica4, a Teoria dos Sistemas5, a Teoria da Autopoiese6, a Teoria da Complexidade, o Pensamento Eco-sistêmico7, a Transdisciplinaridade e a Teoria do

Sentipensar. Todas essas teorias, de uma maneira ou de outra, nos acenam para a mudança de paradigma, pois trazem em seu bojo a conexão, uma concepção integradora de ser humano e a consciência de que fazemos parte de um todo muito maior.

Meu desejo de transformação e o instrumental de que dispunha me fizeram chegar ao Doutorado com o tema da Escuta Musical, como uma estratégia de Sentipensar, pois a música sempre foi meu porto seguro e o

sentipensamento me ofereceu a possibilidade de reunir as dimensões dicotomizadas do ser humano – sentir e pensar.

Ao longo de minha trajetória, estive muitas vezes à beira de cair num extremo, o da vida sensorial pela vida sensorial, ao concentrar toda aminha energia no aspecto vibratório e sensível da música. Minha experiência pessoal, tanto quanto a de meus alunos, acenaram para uma abrangência muito maior; os relatos de transformações pessoais e profissionais, o desenvolvimento de faculdades de reflexão e sociabilidade, me fizeram ver que a música poderia contribuir muito mais do que eu havia pensado. Em meio ao caos dos pensamentos, conheci minha orientadora, o pensamento sistêmico e as idéias do Sentipensar, e percebi que esse era o caminho.

4

A teoria quântica estuda o mundo infinitamente pequeno das partículas subatômicas e suas propriedades. Será abordada com mais detalhes ao longo deste estudo.

5

A teoria dos sistemas estuda todos os seres, objetos e processos do ponto de vista da totalidade. Ter uma concepção sistêmica de alguma coisa, significa ter uma visão global, integrada.

6

Do grego: auto = próprio, poiesis = criação; a palavra autopoiese significa autocriação. A Teoria é de autoria de Humberto Maturana e Francisco Varela, e nos explica que todos os seres vivos são autocriadores, no sentido de que, na interação com o ambiente, são capazes de renovar suas estruturas continuamente, garantindo a manutenção da vida.

7

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A Escuta Musical poderia ser uma estratégia de conciliação entre razão e emoção, entre experiência sensível e cognição, entre vivência e reflexão; poderia ser um meio eficiente para promover essas conciliações em sala de aula, em qualquer sala de aula; não somente na sala de música; não somente na educação infantil ou no ensino fundamental, mas na faculdade, na pós-graduação ou em qualquer outro lugar no qual acontecesse a relação formal de ensino-aprendizagem. Logo, percebi que a Escuta Musical poderia ser uma estratégia privilegiada para o Sentipensar. E esse foi um grande e iluminado momento de minha existência.

No primeiro capítulo deste escrito, abordarei a origem do problema de pesquisa, delimitarei o tema, os objetivos, a relevância pessoal e social das temáticas abordadas e o enquadramento teórico, através do qual pretendo fundamentar minhas hipóteses.

No segundo capítulo, apresentarei a metodologia de pesquisa. Trata-se de uma nova abordagem dentro da pesquisa qualitativa, a Metodologia de Desenvolvimento Eco-sistêmico, cujos princípios e procedimentos se adequam perfeitamente a um mundo compreendido como processo e transformação.

O terceiro capítulo trará o pano de fundo essencial para esta pesquisa – a Teoria da Complexidade – através da qual se torna possível o questionamento do paradigma mecanicista vigente e a análise de suas conseqüências para o processo educacional.

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viabilizar o sentipensamento, a fundamentação neuropsicológica do

Sentipensar e dos efeitos da Escuta Musical.

O quinto capítulo, sobre a Transdisciplinaridade, apresenta o trinômio de sustentação da teoria: complexidade, níveis de realidade e terceiro incluído, e analisa a escuta musical sob o ponto de vista de uma lógica ternária, com aberturas consistentes para regiões íntimas da subjetividade humana.

O sexto capítulo explica e descreve a dinâmica da pesquisa de campo, seu espaço concreto de realização, os instrumentos utilizados para a coleta de dados e o perfil dos participantes.

A análise dos dados obtidos tem lugar no sétimo capitulo, a partir de alguns focos específicos de observação, que emergiram do arcabouço teórico utilizado, e também do processo vivenciado durante o tempo da pesquisa.

(20)

Mapa Conceitual

Mapa Conceitual

Mapa Conceitual

Mapa Conceitual

Abertura

Incorporação do paradoxo Multidimensionalidade Ética e valores

Sentir Criatividade Emoção Corpo

Pensar Agir

Reflexão Aprendizagem Integrada Brecha microfísica (Quântica) PARADIGMA ECO-SISTÊMICO PARADIGMA MECANICISTA Fragmentação Mecanicismo Tecnicismo Reducionismo Causalidade Não-fragmentação Organicidade Expressividade Abrangência Não-linearidade COMPLEXIDADE EDUCAÇÃO SENTIPENSAR TRANSDISCIPLINARIDADE ESCUTA MUSICAL Cisão Cartesiana:

anulação do sujeito Ressurreição do Indivíduo

(21)

R

R

R

Revisão da Literatura

evisão da Literatura

evisão da Literatura

evisão da Literatura

Não sou um ser acadêmico. Isto é certo. Nunca projetei – como tantos e tantas – minha entrada nesse mundo mais formalizado dos estudos. Quando li pela primeira vez as normas da ABNT, senti a mesma sensação descrita ao início – “um certo não sei quê – medo, dúvida, incerteza?”. O que para tantas pessoas nada mais é do que uma necessidade, uma pequena pedra a mais do caminho escolhido, para mim representava um enorme desafio. No entanto, por ter sempre amado a escrita, salvei-me na jornada. Escrevo um diário, escrevo confidências ao meu filho, escrevo enquanto espero alguma coisa. E assim, o ato de escrever me inseriu no mundo acadêmico.

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O tema de minha pesquisa é imenso, macroconceitual8, reúne o

Sentipensar e a Transdisciplinaridade. Seria perfeitamente possível escrever uma tese inteira tendo por base única, a Teoria do Sentipensar, ou a Teoria da Transdisciplinaridade. Tudo é grandioso: o tema, as teorias e suas implicações; foi difícil fazer um recorte nessa imensa teia, mas eu preferi assim, e preferi porque sei que esse trabalho será utilizado por muitos que pouco conhecem de tudo isso, mas que querem muito conhecer; e também, para apresentar mais uma idéia pouco acadêmica: eu diria que, para um educador, é melhor voltar ao humanismo, é melhor tentar saber um pouco de tudo o que existe, pelo menos até que se possa escolher um ponto focal.

Meu tema de pesquisa parte da necessidade de conceber o aluno, o processo educacional e a realidade a partir de uma perspectiva multidimensional. Todas as teorias que estão em jogo neste trabalho me oferecem essa possibilidade, porém parece-me que, nenhuma de forma mais completa que a da Complexidade; essa teoria oferece uma base filosófica muito consistente, para que se possa unir conceitos aparentemente opostos, mas complementares, como é o caso de ‘sentir e pensar’ (nesse sentido, considero-a também como base de fundamentação do Sentipensar); nos oferece solução de continuidade entre a vida biológica, a vida social e a vida planetária, e – muito importante – nos ensina a ver o mundo de forma não-fragmentária. Ao incorporar toda a transformação que adveio das brechas microfísica (Teoria Quântica) e macrofísica (Teoria da Relatividade), como nos ensina Morin em diversas de suas obras. A Complexidade pode constituir uma base filosófica sólida que fundamenta qualquer fenômeno que

8

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ocorra em nosso mundo e que aspire, de alguma forma, ser compreendido como totalidade integrada.

A meu ver, Sentipensar está para o processo educacional assim como a Complexidade está para a vida, unindo opostos, abrindo fronteiras para um mundo mais integrado, consciente e adequado para a vida. No Sentipensar, reunimos todas as facetas cindidas do aluno, do professor e do processo educacional: contemplamos o ser sensível, criativo, e também o ser cognitivo; consideramos o indivíduo e sua subjetividade, mas também o ser relacional; abordamos conteúdos inovadores e, coerentemente, estratégias de aprendizagem integrada multissensoriais e impactantes; tratamos do conhecimento, mas também dos ambientes, espaços e climas que favorecem sua construção.

E a Transdisciplinaridade? O que dizer sobre ela? Ela poderia nem estar nesta tese (seria mais ou menos como ser criança e dispensar a sobremesa). A Transdisciplinaridade é uma licença poética? Sim, eu a considero dessa forma, neste contexto. Porém, é através dela que o encantamento se efetiva, pois, através de sua lógica aberta, todas as peculiaridades mais íntimas da subjetividade se reafirmam; através dela, se torna possível a grande viagem por mares interiores, por dimensões até bem pouco tempo negadas; através dela, acessamos o ser interior mais profundo, a autodescoberta, e também aprendemos o respeito às alteridades. A Transdisciplinaridade é o espaço privilegiado do indivíduo, e eu não desejei privar meu leitor desse espaço.

(24)

atuar sobre mim de alguma forma); encontraremos então, em especial no Capítulo 4, a descrição de uma série de estudos neurológicos atuais, que me auxiliaram na fundamentação dos processos de emoção, sentimento, cognição musical e efeitos da escuta musical.

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1. O Problema de Pesquisa

1. O Problema de Pesquisa

1. O Problema de Pesquisa

1. O Problema de Pesquisa

Lua Subindo no Sertão

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1.1 1.1 1.1

1.1 A trajetória: de algumas inquietações ao problemaA trajetória: de algumas inquietações ao problemaA trajetória: de algumas inquietações ao problemaA trajetória: de algumas inquietações ao problema

Desde a infância me dedico aos estudos musicais. Graduei-me e atuo profissionalmente há vinte e cinco anos. Minha área específica de interesse é a formação e atualização de professores de música, professores de educação infantil e demais profissionais interessados na utilização da música como recurso para o desenvolvimento da criança.

Durante os últimos dezoito anos – período que abrange minha atividade como formadora de professores de música e educação infantil, na Espanha e no Brasil – tive como preocupação básica a necessidade de levar os professores à consciência da importância da música como fenômeno essencialmente sensível, ou seja, música como som, freqüência vibratória e, portanto, como fenômeno sensorial, fisiológico e emocional, antes de ser um fenômeno de linguagem. Essa tomada de consciência me pareceu fundamental como forma de oposição a um sistema de ensino/aprendizagem musical extremamente racionalista, mecanicista e reducionista, baseado quase que exclusivamente no tecnicismo da prática instrumental, na decodificação e codificação da linguagem, e na comunicação verbal.

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Uma das primeiras percepções que o contato com os professores espanhóis me proporcionou foi a de que o processo de formação musical era, na verdade, bem pouco musical, centrado na teoria, na leitura de partituras e negligenciando o principal para uma arte dos sons: a possibilidade de ouvir e sentir música. Foi um período profundamente enriquecedor, a partir da relação dialética que mantive com variados grupos de professores: ensinei, é certo, mas aprendi muito mais. Pude resgatar algo que se tornaria para mim a pesquisa de uma vida: o poder sensorial da música. Os cursos na Espanha tornaram-se espaços privilegiados de relação humana, criatividade e vivências da emoção.

No Brasil, a partir de 1993, pude constatar problemas parecidos na relação entre os professores e a música, apesar da realidade sociocultural ser bem diferente nos dois países. Percebi que a relação entre as pessoas e a música é profundamente afetada pelo paradigma educacional antigo, ao qual me referi anteriormente, no qual fomos todos formados; no caso da música, este paradigma privilegia o tecnicismo em detrimento da expressividade e da formação humana; faz-se então necessário questioná-lo. A busca de um novo paradigma educacional, que permitisse ter uma visão mais global do aluno e dos processos de ensino/aprendizagem, tornou-se para mim um ponto crucial.

Na cultura ocidental, o racionalismo e o mecanicismo têm dominado nossas mentalidades, nossas formas de ação e interação humana, tornando-as muittornando-as vezes estéreis, desprovidtornando-as de beleza, significado, expressão e sentido de humanidade; de tal maneira que, H. J. Koellreutter9 sempre se

9

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referia em seus cursos ao Positivismo10 e ao Mecanicismo como os “inimigos número um” da educação musical.

Em meu trabalho de Mestrado explorei, sobretudo este tema; a necessidade da música como arte sensível e sensibilizante, destinada a seres humanos, interpretados como totalidades integradas de corpo, mente e espírito, que pudessem ser, ao mesmo tempo, racionais e intuitivos, lógicos e sentimentais, intelectuais e sensíveis. Minha proposta apresentou-se, na verdade, como possibilidade de um novo paradigma existencial, ou seja, como concepção sistêmica de seres humanos e processos educacionais.

Naturalmente, a abrangência dessas questões, as entrevistas realizadas junto a vários participantes de meus cursos, tanto quanto os novos referenciais teóricos a que tive acesso, me fizeram rapidamente perceber que eu não estava falando apenas de educação musical, mas sim, de uma proposta de formação sensibilizatória que poderia vir a tornar-se um instrumento metodológico para o desenvolvimento humano, uma ferramenta educacional a serviço de alunos e profissionais de qualquer área de atuação.

Partindo então, de uma situação na qual era urgente conscientizar pessoas sobre a importância do sentir, cheguei a uma outra situação que me foi colocada pelos próprios entrevistados, que me vem sendo trazida no dia a dia por alunos e professores, e que eu, de forma clara, já havia percebido em minha experiência pessoal: parece existir uma articulação intrínseca, uma filiação inalienável, entre sentir e pensar.

10

(29)

Ao mesmo tempo, ao longo desses anos, passei por um processo de mudança que considero uma evolução: se antes só me ocupava do sentir, da intuição e do sentido humano e integrativo da minha ação e da ação dos professores, nos últimos anos, em especial, percebi que era também necessário refletir sobre tudo isso e levar os professores a refletirem comigo. Havia neles uma tendência a querer obter sempre receitas didáticas prontas para aplicação no próprio trabalho, enquanto em mim vivia o desejo de que se emancipassem, de que se tornassem mais criativos, menos dependentes daquelas atividades propostas. Em conseqüência desses anseios, passei a ter outras preocupações. Se até há pouco tempo, me colocava insistentemente a questão “como fazer com que os professores sintam alguma coisa através da música?”, hoje tenho uma outra questão que se agrega a essa: “como fazer com que os professores pensem sobre sua prática?” E, mais que isso, “como fazer com que tomem gosto pela prática reflexiva e, decisivamente, se apropriem dela?”

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‘inteireza’”, “desenvolver o uso da intuição, da razão, da sensação e do sentimento”; reportaram a tomada de consciência sobre temas essenciais à educação: o desafio de colocar novas metas, a responsabilidade de transmitir conteúdos, sem deixar de estabelecer pontes com a riqueza que o aluno traz; e ainda, manifestaram percepção da dinâmica relacional que envolve todo esse processo, da questão do necessário autoconhecimento do professor, e do descortinar de um movimento interior consubstanciado em aspectos cognitivos, sensoriais, emocionais e afetivos.

Através da fala dos professores pode-se perceber, ainda que de forma não-intencional, que as atividades sensibilizatórias provocaram inquietude, vontade de refletir, abertura para a transformação, e mudanças efetivas. Passei a sentir a necessidade de compreender o conteúdo real e íntimo dessas falas dos professores, no intuito de aprimorar meu trabalho como formadora e a qualidade da formação que ministro, assim como procurar contribuir para o avanço desse conhecimento no Brasil.

A busca por referenciais teóricos apropriados para empreender uma reflexão de tal natureza, levou-me de encontro ao conceito de “Sentipensar” elaborado por Saturnino de La Torre11, em 1996, e que começa a ser divulgado no Brasil através do grupo de pesquisadores coordenado por Maria Cândida Moraes12, do qual faço parte. Este novo conceito nos resume de forma clara as aspirações de um novo paradigma

11

Saturnino de la Torre é um eminente educador e catedrático em Criatividade, da Universidade de Barcelona, reconhecido internacionalmente. Mantém ativo intercâmbio de idéias e projetos com o Brasil, em colaboração com Maria Cândida Moraes, através da PUC de São Paulo e de outras instituições.

12

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para a educação: “trabalhar conjuntamente pensamento e sentimento”, fundir e integrar diferentes “formas de perceber a realidade, a partir da reflexão e do impacto emocional, fazer convergir num mesmo ato de

conhecimento a ação de sentir e pensar.” (TORRE, 2000, p. 546).

A trajetória descrita me fez chegar ao Doutorado com o seguinte tema de pesquisa: ESCUTA MUSICAL: Uma Estratégia Transdisciplinar Privilegiada para o Sentipensar.

Diante das situações e problemáticas consideradas acima, uma pergunta emerge para concretizar meu problema de pesquisa: Quais as relações existentes entre o sentir – desencadeado pela atividade integrativa

de escuta musical – e o refinamento da capacidade reflexiva?

Prossegui em busca da resposta a essa questão, realizando a pesquisa de campo (Capítulo 6) com seis alunos da disciplina de Didática do Ensino Musical, por mim ministrada no curso de Licenciatura em Música da Faculdade de Música Carlos Gomes. Todos os sujeitos escolhidos para a pesquisa exercem atividade profissional na área musical, como músicos ou professores de música. Cursaram dois semestres da disciplina Didática do Ensino Musical, I e II, respectivamente, no 2º semestre de 2005 e 1º semestre de 2006.

1.2 Objetivos da tese 1.2 Objetivos da tese 1.2 Objetivos da tese 1.2 Objetivos da tese

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através da escuta musical como caminho para o sentipensamento – se pode promover a transformação do indivíduo, e o enriquecimento da prática educacional.

Esse objetivo principal, se apóia em objetivos-satélites que lhe dão sustentação e consistência; são eles: questionar o paradigma educacional vigente e suas bases de apoio – racionalismo, mecanicismo, reducionismo e fragmentação; revalorizar o ser humano e a experiência humana sensível, em sala de aula; questionar a lógica rígida, que subjaz aos processos educacionais através dos princípios da Complexidade e da Transdisciplinaridade e reencantar a educação, valorizando as características criativas, artísticas, intuitivas e subjetivas, tanto quanto as reflexivas e formais.

1.3 Justificativa 1.3 Justificativa 1.3 Justificativa 1.3 Justificativa

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A educação pode ser um dos espaços privilegiados para a viabilização de mudanças possíveis na sociedade, desde que se torne uma educação diferenciada; que prepare crianças, desde tenra idade, bem como futuros profissionais, para viverem seus mútuos compromissos; uma educação que contemple o ser humano por inteiro, brindando-lhe com conhecimentos específicos da cultura, mas também com a possibilidade de um olhar sensível e perscrutador para a realidade; uma educação que ensine técnicas, mas também a apreciação da beleza; que possa unir arte e tecnologia, razão e sensibilidade; uma educação que não abandone o sentido ético da vida. Enfim, uma educação para o SentipensarSentipensarSentipensarSentipensar.

1.4 Enquadramento teórico 1.4 Enquadramento teórico 1.4 Enquadramento teórico 1.4 Enquadramento teórico

A natureza complexa do ser humano, da qual decorre sua multidimensionalidade, implica na conscientização da interdependência existente entre emoção, sentimento e racionalidade, assim como na concepção da unidade funcional existente entre corpo, cérebro e mente. Para a educação, isso significa assumir o aluno como uma totalidade indivisível, e a aprendizagem como articulação e manifestação dessas diversas dimensões.

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A partir dessas teorias, será possível estabelecer bases sólidas para a tomada de consciência da importância de se ter sentidos aguçados e corpos preparados, tanto quanto mentes brilhantes, em processos educacionais e de formação de professores.

1.4.1 1.4.1 1.4.1

1.4.1 A Teoria da Complexidade de Edgar MorinA Teoria da Complexidade de Edgar MorinA Teoria da Complexidade de Edgar Morin A Teoria da Complexidade de Edgar Morin

A Teoria da Complexidade é a primeira construção teórica que pode fundamentar uma pesquisa que tem por finalidade discutir o resgate da multidimensionalidade para o ser humano, para a realidade e para processos educacionais. “Complexus é o que é tecido junto”, segundo Morin. A Complexidade nos oferece o antídoto para a fragmentação e para a disjunção, às quais estamos tão habituados, tornando possível conceber o ser humano em sua inteireza.

Pela via da Complexidade, compreendemos que toda obra é sempre

obra aberta, ao inesperado, ao novo, às emergências, e abraçamos como meta educacional, as interações dinâmicas que permeiam o processo de construção do conhecimento. Estas são relações vivas, que se estabelecem entre professor e aluno, entre alunos, e entre estes e o ambiente; caracterizam-se pelo fluxo e pelas trocas constantes de energia e informação. Suas estratégias são contextualizadas e jamais negligenciam o aspecto relacional.

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autônomo de qualquer sistema – entendendo-se por sistema um evento, um aluno, um processo, uma comunidade – implicando sempre no movimento orgânico entre partes constituintes e o todo; essa autonomia é relativa e torna-se estritamente dependente das trocas efetuadas com o meio. O ambiente é nutridor e possibilitador das unidades autônomas, regula tanto a dependência quanto a autonomia.

O pensamento complexo abre portais para novas lógicas possíveis na interpretação do mundo em que vivemos, assim, opostos antagônicos podem ser reunidos numa unidade complementar; essa comunhão se faz através dos princípios integradores da Complexidade. Se a própria realidade pode ser múltipla, a Complexidade nos convida à aceitação plena do diálogo que torna possível a coexistência desses opostos, assim como à aceitação da diversidade. Em última análise, esse pensamento nos aproxima das atitudes de respeito, do comportamento ético e da incorporação de valores caros para nossa cultura, tão caros quanto esquecidos. Por essa razão é que figuram entre os saberes para uma educação do futuro, propostos por Edgar Morin, o “ensinar a compreensão” e “ensinar a ética do gênero humano” (MORIN, 2002).

1.4.2 1.4.2 1.4.2

1.4.2 O O pO O pparadigma paradigma earadigma aradigma eeducacional educacional ducacional ducacional eecoeecococo----sistêmico de Mariasistêmico de Mariasistêmico de Mariasistêmico de Maria Cândida MoraCândida MoraCândida MoraesCândida Moraeseses

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recursiva13 existente entre as partes e a totalidade de um sistema, assim como todos os processos resultantes de sua organização; por outro,

ecológico, sinalizando para o mundo de conexões, no qual se inserem as ações educacionais.

Na gênese do pensamento de Maria Cândida, encontram-se o pensamento sistêmico e, posteriormente, as idéias de Edgar Morin, de Humberto Maturana e Francisco Varela, suas bases epistemológicas fundamentais.

Um conjunto de princípios e teorias articula-se no pensamento da autora – Princípio da Incerteza14, Princípio da Complementaridade15, Teoria das Estruturas Dissipativas16, Teoria da Autopoiese, Teoria da Transdisciplinaridade e, naturalmente, Teoria da Complexidade – legando-nos uma construção teórica inestimável para refletir sobre a problemática educacional, assim como para transmutar o paradigma vigente.

A dinâmica dos processos, o fluxo, e uma encantadora organicidade, entram para o discurso educacional através dos pressupostos epistemológicos fundamentais do pensamento eco-sistêmico:

13

Um processo recursivo, segundo Morin (2005, p. 231), é aquele no qual “os estados ou efeitos finais produzem os estados ou causas iniciais (...) processo pelo qual uma organização ativa produz os elementos e efeitos que são necessários à sua própria geração ou existência”.

14

O Princípio da Incerteza consiste num enunciado da Mecânica Quântica, formulado inicialmente em 1927 por Werner Heisenberg. Constituindo mais um dos paradoxos da Física Quântica, esse princípio constata a impossibilidade de medir com precisão e ao mesmo tempo, a posição e a velocidade de um elétron, gerando grande incerteza quanto a seu comportamento.

15

O Princípio da Complementaridade, enunciado por Niels Bohr em 1928, assevera que a natureza da matéria e da energia é dual – ondulatória e corpuscular. Estas naturezas não são contraditórias, mas sim, complementares; daí, o nome do princípio. A percepção de onda ou corpúsculo, pelo observador, depende do tipo de experiência realizada, por isso a ciência contemporânea assume a estreita imbricação existente entre o pesquisador e o objeto pesquisado.

16

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intersubjetividade, interatividade, complexidade, emergência, auto-organização, autonomia, mudança, incerteza, causalidade circular, inter e transdisciplinaridade, temas analisados com maior detalhamento nos capítulos subseqüentes.

As propostas do pensamento Eco-sistêmico são de grande relevância para a evolução da educação; sua incorporação sofre resistências, mas é significativa no que tange às reais possibilidades de mudança, conscientização e ampliação de visão de mundo, conforme se pode depreender da colocação de Moraes (2004, p. 154):

Um pensamento ecológico-sistêmico é, portanto, um pensamento relacional, dialógico, interligado, indicando que tudo que existe co-existe e que nada existe fora de suas conexões e relações. É um pensamento que se estende além da ecologia natural, englobando a cultura, a sociedade, a mente e o individuo.

Finalizando este breve recorte, a autora nos lembra ainda que todas as nossas ações são ações ecologizadas, ou seja, situam-se numa teia de conexões, têm o poder de afetar os ambientes e pessoas que nos cercam, da mesma maneira como somos por eles afetados. No viver cotidiano, geramos campos vibracionais de interação. Compreender a Educação sob esse olhar torna-se um ato de poesia.

1.4.3 1.4.3 1.4.3

1.4.3 SentipensarSentipensar –SentipensarSentipensar––– tttteoria e eoria e eoria e peoria e prática ppprática prática para rática para ara ara rrrreencantar a Educaçãoeencantar a Educaçãoeencantar a Educaçãoeencantar a Educação

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conjugação de pensamento e sentimento, abre-se um espaço de existência possível para dimensões tradicionalmente negligenciadas no processo educacional: emoção, subjetividade, expressão artística, criatividade, corporalidade, sentido metafórico incorporado à vida, entre muitas outras.

O pensamento dos autores se desenvolve basicamente em duas vertentes: primeiro, explicar como as emoções podem colocar em marcha ações, motivações e impulsos que afetam os processos de aprendizagem; em seguida, desenvolver recursos metodológicos ou estratégias para a educação emocional, que podem envolver diferentes linguagens artísticas, e até mesmo cenas do cotidiano como, por exemplo, contemplar a beleza do mar e refletir sobre a vida. Uma das obras mais interessantes de Torre, intitulada Diálogos con el mar17, apresenta suas reflexões poéticas, relacionando metaforicamente as situações e eventos naturais observados com o dinamismo da vida interior.

Torre (2000, p. 546) explica o valor da dimensão emocional nos processos educacionais, reforçando ainda mais a visão de um ser humano integral, defendida também pelas teorias já apresentadas:

(...) a dimensão emocional do ser humano, que há tão-somente duas décadas estava proscrita em muitas instituições educativas, emerge com valor próprio junto à experiência e à razão. Porque nos demos conta que ao analisar os feitos humanos a partir da vida ou a partir da educação, é preciso recorrer à vertente emocional caso queiramos obter uma

explicação compreensiva dos mesmos.18

Neste estudo, a escuta musical se apresenta como uma estratégia de

Sentipensar, um recurso a mais para a educação emocional, com capacidade

17

Diálogos con el mar. Barcelona: Editorial Laertes, 2004.

18

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de colocar em jogo todas as dimensões humanas, criando a partir do

impacto emocional as condições para uma manifestação completa do indivíduo, inclusive de sua racionalidade.

Os princípios e propostas do Sentipensar têm importância capital na elaboração deste trabalho; a vivência de emoções em sala de aula promove o encontro do ser consigo mesmo, preparando-o para atuar por inteiro, e reintegrando dimensões fragmentadas por uma vida de vivências educacionais mecanicistas, positivistas e reducionistas.

1.4. 1.4. 1.4.

1.4.444 A 4A A cA cconcepção de concepção de oncepção de oncepção de eemoções e eemoções e moções e moções e ssssentimentos de Antonioentimentos de Antonioentimentos de Antonioentimentos de Antonio DamásioDamásioDamásioDamásio

Antonio Damásio é um neurobiólogo de destacada importância no cenário contemporâneo. Um dos focos mais importantes de seus estudos refere-se à ligação intrínseca existente entre razão e emoção. Muito embora ao longo da história sempre tenha havido pensadores que admitiram a relevância do assunto, nunca houve tanto quanto na atualidade, condições para o estudo da neurobiologia humana e de como os fenômenos neurológicos se interligam aos psicológicos e à própria vida social.

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convicções de um paradigma disjuntor, cartesiano, negligenciamos as limitações que uma disfunção emocional pode imprimir à racionalidade; cindimos emoção e razão. A Contribuição de Damásio para este estudo é constatar a base emocional da racionalidade; por essa razão, suas idéias tornam-se também muito importante para a compreensão do Sentipensar.

Do ponto de vista neurológico, além do pensamento de Damásio, outras pesquisas sobre plasticidade cerebral e cognição musical virão subsidiar a fundamentação do Sentipensar, em especial, as conduzidas por Robert Zatorre, Tobias Esch e suas respectivas equipes, Jaak Panksepp e David Servan- Schreiber, entre outros.

1.4.5 1.4.5 1.4.5

1.4.5 Basarab Nicolescu e a TransdisciplinaridadeBasarab Nicolescu e a TransdisciplinaridadeBasarab Nicolescu e a Transdisciplinaridade Basarab Nicolescu e a Transdisciplinaridade

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A lógica transdisciplinar é muito adequada para as situações complexas com as quais nos deparamos, na vida em geral e na educação, pois o ser humano é concebido na totalidade de suas dimensões visíveis e invisíveis; interessa tanto o que está por fora, quanto o que está por dentro; seus mitos, crenças, imagens representações; a realidade – também multidimensional e multireferencial – admite múltiplos enfoques e a existência do inexplicável.

O pensamento transdisciplinar se sustenta em três pilares: a Complexidade, a lógica do Terceiro Incluído (T) e a existência de diferentes Níveis de Realidade, que permitem conciliar opostos, aparentemente, inconciliáveis. O que não pode ser compreendido em determinado nível de realidade torna-se compreensível a partir de um nível mais elevado, no qual opostos contraditórios se integram. Se tomarmos como exemplo, o conceito de Sentipensar, e o considerarmos a partir de uma perspectiva tradicional,

sentir e pensar surgem inconciliáveis; se o considerarmos a partir de um outro nível de realidade, ao qual acedemos pela verticalização da consciência, sua união torna-se possível e passam a constituir uma unidade complexa.

A dinâmica transdisciplinar é abordada com mais detalhes em outra parte desse escrito; interessa naturalmente a este trabalho, por incorporar a subjetividade e unir o que se encontra artificialmente separado.

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2. Metodologia

2. Metodologia

2. Metodologia

2. Metodologia

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2.1 Abordagem da pesquisa 2.1 Abordagem da pesquisa 2.1 Abordagem da pesquisa 2.1 Abordagem da pesquisa

Partir em busca do novo é sempre um ato de coragem; o novo tem sido rejeitado de início, em todas as instâncias; na dúvida, nos tornamos misoneístas, aferrados às velhas referências que trazem com elas a segurança.

No entanto, vive-se num mundo de certezas abaladas e de trânsito constante entre a ordem e a desordem, entre a estabilidade e o caos. As teorias expostas desde o início incorporam essa instabilidade, abrem espaço para a relação orgânica, dialógica e recursiva, que pode permitir a coexistência desses opostos.

A complexidade desses opostos se manifesta na natureza, primeiramente; e, no ser humano, que também é natureza, por mais que se esqueça disso; a complexidade se manifesta a cada vez que se lida com a natureza e com o humano.

Entendo a Educação como uma relação entre seres humanos, portanto, revestida de complexidade. A complexidade está naturalmente nesta pesquisa, por envolver o humano e por enfocar processos educacionais numa concepção ampla. Tanto a aprendizagem como o ensino são processos de natureza complexa. A cada vez que se enfoca um objeto de estudo de forma contextualizada nos inserimos numa complexidade crescente.

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Eco-sistêmico. Segundo Moraes19: “é preciso examinar a congruência paradigmática existente entre as teorias que fundamentam a pesquisa, o método selecionado e os respectivos procedimentos estratégicos planejados”.

Os pioneiros da pesquisa qualitativa, a partir da virada do séc. XX, foram também aqueles que, pela primeira vez, deram voz aos sujeitos pesquisados. A abordagem fenomenológica de pesquisa deu um passo além, atribuindo importância aos atos de consciência dos sujeitos pesquisados, a seu universo interior e aos significados por eles atribuídos aos fenômenos vividos e, ainda, considerando a maneira pela qual a consciência de cada indivíduo lhe permite captar e perceber a realidade; esses foram grandes passos em direção a uma metodologia de pesquisa para as ciências humanas.

A metodologia de desenvolvimento Eco-sistêmico transcende tais conquistas, assumindo a total subjetividade do ser humano com tudo o que comporta de incerto, de oculto, de interno, de externo e de maravilhoso. O ser humano transcendente torna-se agora o objeto de pesquisa, o ser humano transcendente é o observador pesquisador; ambos se encontram na intersubjetividade e se inserem na complexidade do mundo.

2. 2. 2.

2.2 Breve histórico da abordagem qualitativa2 Breve histórico da abordagem qualitativa2 Breve histórico da abordagem qualitativa 2 Breve histórico da abordagem qualitativa

Segundo Sandin (2003), a pesquisa qualitativa nasceu no início do séc. XX, desenvolvendo-se ao longo do mesmo, na Grã-Bretanha e na França, e

19

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ainda, através das escolas americanas de Sociologia e Antropologia das Universidades de Chicago e, posteriormente, Columbia, Harvard e Berkeley.

Na gênese dessa abordagem de pesquisa – séc. XIX – encontra-se a necessidade de equacionar as condições de vida das populações urbanas, em especial, o impacto de imigrações maciças, situação de pobreza, entre outros problemas das grandes cidades.

No mesmo período, cientistas, missionários e viajantes, num movimento característico da época, lançaram-se ao mundo interessados nas formas de vida não-ocidentais. A partir desse interesse antropológico surgiu a etnografia. A palavra, segundo Sandin, origina-se de ethnoi, que para os gregos significava estrangeiros. Na pesquisa etnográfica, o pesquisador se insere no ambiente a ser pesquisado, na tentativa de compreender a cultura e o cotidiano dos grupos pesquisados.

A Escola de Chicago, fundada em 1892 por Albion W. Small, teve papel importante nessa evolução durante as décadas de 1920 a 1930, aplicando estratégias de pesquisa de campo a minorias sociais – gangues, imigrantes trabalhadores, gângsteres, entre outros. Pela primeira vez, essas populações passaram a ganhar voz, configurando um verdadeiro avanço metodológico.

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Os anos 60, tidos como os “anos de ouro” da pesquisa qualitativa, assistiram significativos avanços metodológicos. A participação de pesquisadores da Educação nesse período era ainda tímida; o positivismo, e os métodos quantitativos e estatísticos dominavam o campo da pesquisa educacional. No entanto, como explica Sandin (2003, p. 81), “numerosos educadores começaram a questionar os métodos de investigação tradicionais, que se baseavam exclusivamente na medição, e apareceram monografias descritivas da vida escolar”. Apesar de resistências, começou a crescer o interesse por parte de instituições governamentais em investimentos para estudos etnográficos acerca da escolarização de diversos grupos sociais. Data também desse período, talvez a mais valiosa das aquisições – o questionamento da hegemonia de grupos sociais:

(...) os métodos qualitativos supuseram uma ruptura com o que havia sido denominado “hierarquia de credibilidade”, a idéia de que a opinião e visão das pessoas que detêm o poder são mais valiosas. Frente a essa idéia, a perspectiva qualitativa defende e reconhece a visão dos mais pobres, dos excluídos, enfatizando a compreensão das perspectivas de todos os participantes. (SANDIN, 2003, p. 81)

A partir dos anos 80, os pesquisadores já dispunham de uma ampla variedade de métodos e estratégias de pesquisa. O séc. XX viu nascer e se desenvolver diversos enfoques de pesquisa, dentre eles, o interacionismo simbólico, a etnometodologia, a fenomenologia e o enfoque crítico marxista; diversificaram-se também os métodos de coleta e análise de dados qualitativos; e, com o advento da informática a pesquisa qualitativa mudaria para sempre.

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educacionais implementados pelo governo americano ao longo dos anos 60 e 70. Na mesma época, começaram a surgir publicações sobre pesquisa qualitativa, revistas, e os primeiros encontros reunindo pesquisadores qualitativos.

Em grande medida, os debates metodológicos dos anos 80 permanecem atuais para nossa época: dados quantitativos versus dados qualitativos, científico versus intuitivo, postura empirista versus interação humana. Como ressalta Chizzotti:

O termo qualitativo implica uma partilha densa com pessoas, fatos e locais que constituem objetos de pesquisa, para extrair desse convívio significados visíveis e latentes que somente são perceptíveis a uma atenção sensível e, após este tirocínio, o autor interpreta e traduz em um texto, zelosamente escrito, com perspicácia e competência científicas, os significados patentes ou ocultos do seu objeto de pesquisa.20

Um avanço notável, agregado pela abordagem qualitativa, é justamente a admissão de uma realidade fluente, sujeita às emergências e à abertura da possibilidade de aproximação entre sujeito e objeto pesquisado, em função da interpenetração existente entre ambos, o que permite a troca e a compreensão. Na pesquisa qualitativa, vivências subjetivas começam a ser valorizadas; as concepções, valores e visões de mundo dos atores encontram forma de estar presentes.

20

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2. 2. 2.

2.3 Um novo enfoque de pesquisa: A Metodologia de Desenvolvimento Eco3 Um novo enfoque de pesquisa: A Metodologia de Desenvolvimento Eco3 Um novo enfoque de pesquisa: A Metodologia de Desenvolvimento Eco-3 Um novo enfoque de pesquisa: A Metodologia de Desenvolvimento Eco--

-sistê sistê sistê sistêmicomicomicomico

Um dos aspectos mais importantes em qualquer pesquisa é justamente a tomada de decisão sobre a metodologia a ser adotada em relação ao tipo de objeto de estudo e ao contexto. Esta coerência acima evocada como uma congruência paradigmática requer, segundo Moraes21, análises a partir das “implicações de natureza ontológica, epistemológica e metodológica, que explicam o funcionamento da realidade e do que é cognoscível”, ou seja, é necessário tomar consciência das concepções que se tem, acerca da natureza da realidade, do conhecimento e dos métodos utilizados.

Questões metodológicas são tratadas com grande ênfase nos ambientes acadêmicos, as questões de natureza ontológica e epistemológica são normalmente negligenciadas. A questão ontológica implica em como se interpreta a natureza da realidade; a questão epistemológica refere-se àquilo que se entende por conhecimento, as duas questões são naturalmente imbricadas. Toda escolha implica num momento de decisão; a escolha de uma metodologia é um desses momentos. A postura filosófica do pesquisador torna-se então fundamental; sua atitude diante da vida e sua concepção de mundo, fatores determinantes.

A questão paradigmática não deve ser esquecida, nesse contexto. Assumimos paradigmas de ação na vida cotidiana, tem-se normas sobre como fazer cada coisa, conjuntos de regras obedecidas às vezes cegamente, como diria Morin (2002, p. 26) “o paradigma é inconsciente, mas irriga o

21

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pensamento consciente, controla-o e, neste sentido, é também supraconsciente”.

Existem três enfoques que se tornaram tradicionais na pesquisa em Educação, constituindo-se em paradigma de pesquisa: a perspectiva empírico-analítica de base racionalista e positivista, identificada com o paradigma clássico ou tradicional; a perspectiva humanístico-interpretativa, de base fenomenológica e a perspectiva crítica baseada na tradição filosófica da teoria crítica. (SANDIN, 2003, p. 32).

Pode ser bem ilustrativo considerar um exemplo, de como a visão que se tem do mundo interfere nas escolhas do pesquisador. Na perspectiva tradicional, a dimensão ontológica da realidade é ser estática, mensurável, objetiva, passível de fragmentação por observações e deduções lógicas; o conhecimento sobre ela só poderia ser linear, purificado de incertezas, determinado e, em muitos aspectos, mecanicista. A coerência paradigmática, nessa situação, exigiria um pesquisador neutro, um sujeito desprovido de nuances internas, assim como também exigiria meios de coleta de dados quantitativos, matematicamente rígidos, submetidos a análises muitas vezes reducionistas.

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No pensamento Eco-sistêmico, pelo contrário, a realidade é dinâmica mutável e multidimensional, ao mesmo tempo, contínua e descontínua, estável e instável. Uma realidade incerta e de natureza complexa. Esta linha de pensamento, que tem a complexidade como um dos fundamentos principais, ressalta a multidimensionalidade da realidade, dos processos, dos sujeitos, bem como a causalidade circular de natureza recursiva ou retroativa, a ordem em sua relação com a desordem, reconhecendo a presença do indeterminismo, da incerteza, do acaso e das emergências nos mais diversos níveis. Uma realidade, portanto, constituída de processos globais, integradores e não-lineares.22

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Imagem

Ilustração baseada no livro Princípios da  Neurociência de KANDEL, Eric R.;

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