XXVI CONGRESSO NACIONAL DO
CONPEDI SÃO LUÍS – MA
EFICÁCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS
RELAÇÕES DO TRABALHO, SOCIAIS E
EMPRESARIAIS
LUCIANA ABOIM MACHADO GONÇALVES DA SILVA
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E27
Eficácia de direitos fundamentais nas relações do trabalho, sociais e empresariais [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva , Rodrigo Goldschmidt, Viviane Coêlho de Séllos Knoerr–Florianópolis: CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia ISBN:978-85-5505-572-0
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça
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XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
EFICÁCIA DE DIREITOS FUNDAMENTAIS NAS RELAÇÕES DO TRABALHO, SOCIAIS E EMPRESARIAIS
Apresentação
As relações sociais cotidianas, nomeadamente as de trabalho e empresa, vem desafiando
novos estudos sobre a eficácia dos direitos fundamentais.
Várias pesquisas, válidas e atuais, lançam luzes sobre os limites da atuação do Estado por
sobre o particular, fenômeno que se convencionou chamar de “eficácia vertical” dos direitos
fundamentais.
Atualmente, com a gradativa suplantação e instrumentalização do Estado pelo poder
econômico empresarial, a temática alçou novos contornos, na medida em que, de forma cada
vez mais frequente, constata-se que dito poder vem exorbitando os seus limites no âmbito das
relações individuais e coletivas de trabalho, afetando, com isso, a dignidade e a esfera de
personalidade do trabalhador.
Os artigos científicos que compõem esta obra coletiva constituem uma possível resposta a
essa problemática, procurando oferecer elementos teóricos para compreender as implicações
do uso abusivo do poder econômico, bem como elementos práticos para opor limites a este
poder nas relações privadas, com o mote de alcançar, na maior medida possível, um salutar
equilíbrio entre a empresa e o trabalho humano, a partir de um olhar conforme a
Constituição, a qual preconiza a valorização do trabalho, a livre iniciativa e a justiça social.
Nesse diapasão, preconizam a adoção de políticas públicas para promoção do trabalho
decente e da máxima efetividade dos direitos humanos dos trabalhadores, inclusive com
vistas ao disposto na Declaração da Organização Internacional do Trabalho (OIT) sobre
Princípios e Direitos Fundamentais do Trabalho e seu seguimento, enaltecendo a
imprescindibilidade de abolir o trabalho infantil, erradicar o trabalho forçado, eliminar a
discriminação e valorizar a negociação coletiva ao lado da liberdade sindical.
Para tanto, os artigos em questão exploram vários marcos regulatórios internacionais,
constitucionais e infraconstitucionais, assim como abarcam vários marcos teóricos, v.g., a
eficácia horizontal dos direitos fundamentais, a função social da empresa e a função social do
Agora todo esse material científico, elaborado com esmero e dedicação, depurado pelo
debate científico no Grupo de Trabalho constituído para esse fim no âmbito do XXVI
Congresso Nacional do CONPEDI realizado em São Luis/MA, de 15 a 17 de novembro de
2017, está à disposição de você.
Boa leitura, boas práticas!
Prof. Dr. Rodrigo Goldschmidt - Unesc
Profa. Dra. Luciana Aboim Machado Gonçalves da Silva - UFS
Profa. Dra. Viviane Coêlho de Séllos Knoerr - UNICURITIBA
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação
na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.
DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA E FUNÇÃO SOCIAL DA EMPRESA PARA INCLUSÃO DE TRABALHADORES COM DEFICIÊNCIA
PRINCIPLE OF THE DIGNITY OF THE HUMAN PERSON AND CORPORATE SOCIAL RESPONSABILITY FOR THE INCLUSION OF WORKERS WITH
DISABILITIES
Rafaela Cristina Rovani Mateus Eduardo Siqueira Nunes Bertoncini
Resumo
O presente artigo tem por finalidade contribuir para o debate sobre o princípio da dignidade
da pessoa humana e função social da empresa e verificar se estes mecanismos são suficientes
para a inclusão dos trabalhadores com deficiência. Para isso, propõe uma reflexão sobre a
dignidade da pessoa humana analisando seu vigor na Constituição Federal. Ainda, analisa a
função social da propriedade, bem como a função social da empresa. Alvitra o estudo do
contexto histórico das pessoas com deficiência, a fim de analisar se a dignidade da pessoa
humana e a função social da empresa incluem os trabalhadores com deficiência.
Palavras-chave: Dignidade da pessoa humana, Função social da empresa, Trabalhadores com deficiência
Abstract/Resumen/Résumé
The purpose of this article is to contribute to the discussion about the principle of the dignity
of the human person and corporate social responsibility and to verify if these mechanisms are
sufficient for the inclusion of workers with disabilities. For that intent, it proposes a
reflection on the dignity of the human person analyzing its force in the Federal. It proposes
the study of the historical context of people with disabilities in order to analyze if the dignity
of the human person and the corporate social responsibility actually include workers with
disabilities.
INTRODUÇÃO
“O universalismo que queremos hoje é aquele que tenha como ponto em comum a dignidade humana. A partir daí, surgem muitas diferenças que devem ser respeitadas. Temos direito de ser diferentes quando a igualdade nos descaracteriza”. (SANTOS, 2014, p. 76)
Os direitos fundamentais são a personalização constitucional de valores básicos,
intrínsecos e inerentes ao ser humano. Para tal constatação, indispensável uma análise
acerca do seu histórico, o surgimento e, também, um estudo acerca da Constituição
Federal de 1988, a fim de verificar a normatividade e positividade de tais direitos.
Necessário o estudo da dignidade da pessoa humana como sendo o núcleo e
princípio dos princípios. Imprescindível à percepção de que tais direitos foram
positivados a todos indistintamente, viabilizando e concedendo liberdade, fraternidade,
honra, dignidade e igualdade aos que mais necessitam.
Ademais, será analisado a função social da empresa e é com base nela que não se
admite que a empresa busque apenas o lucro e o desenvolvimento econômico. Atualmente
o empreendimento, ao desenvolver suas atividades, deve procurar também o
desenvolvimento social, incluindo a criação e a manutenção de empregos, a preservação
do meio ambiente, o incentivo à educação, à cultura e ao consumo consciente.
A partir deste exame sobre a dignidade da pessoa humana e a função social da
empresa, será feito um estudo sobre um dos que mais necessitam de amparo
constitucional, trazendo à tona a realidade das pessoas com deficiência.
Tal análise é necessária, a fim de revelar o contexto histórico de discriminações
sofridas pelas pessoas com deficiência e verificar a dignidade da pessoa humana e função
social da empresa na inclusão de trabalhadores com deficiência.
Importa, por isso, através do método dedutivo dialético, o estudo da dignidade da
pessoa humana, analisando sua aplicabilidade no ordenamento jurídico brasileiro,
sopesando a função social da empresa dentro de um contexto histórico de trabalhadores
com deficiência, tendo em vista a seguinte problemática: em que medida a dignidade da
pessoa humana e a função social da empresa são suficientes para a inclusão dos
1. Princípio da dignidade da pessoa humana
a) Notas introdutórias
Durante a história, a dignidade da pessoa humana teve origem religiosa, pois o
homem era feito imagem e semelhança de Deus. Com o Iluminismo, migrou para a
filosofia, tendo por fundamento a razão, a capacidade de valoração moral e
autodeterminação do indivíduo. Ao longo do século XX ela se tornou objetivo político,
sendo um fim buscado pelo Estado e pela sociedade e após a 2ª Guerra Mundial migrou
paulatinamente para o mundo jurídico. (BARROSO, 2010, p. 4)
A dignidade da pessoa humana se estendeu progressivamente a todos os povos da
Terra, onde as instituições jurídicas eram contra a violência, o aviltamento, a exploração
e a miséria. Porém, foram necessários vinte e cinco séculos, desde o período axial, para
que houvesse uma Declaração Universal de Direitos Humanos, nos quais todos os homens
nascem livres e iguais em dignidade e direitos (COMPARATO, 2010, p.24).
A dignidade é composta por um conjunto de direitos existenciais, dos quais todos
são atingidos indistintamente. Sarlet (2001, p. 50) observa que “mesmo aquele que já
perdeu a consciência da própria dignidade merece tê-la considerada e respeitada”. Neste
sentido, a titularidade de tais direitos decorre da condição humana, independente da
capacidade da pessoa se relacionar, conviver ou se expressar. Neste sentido, o homem
não perde sua dignidade, por mais indigna que tenha sido sua atitude.
Ainda para Sarlet, a dignidade da pessoa humana é complexa, desenvolvido numa
diversidade de valores sociais, e sob o prisma jurídico ele reflete:
“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito
e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste
sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
asseguram a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da
própria existência e da vida em comunhão com os demais seres
A dignidade da pessoa humana atinge a todos indistintamente e o sentido dela foi
criado e compreendido historicamente como valor, preexistindo o homem. Neste prisma,
nunca houve um tempo em que o homem não tivesse dignidade, talvez houvesse o tempo
em que tal direito não fosse reconhecido ou que tal qualidade não fosse inata da pessoa.
O preceito da dignidade da pessoa humana tem um valor, ligada à ideia de bom,
justo e virtuoso, que fica ao lado de valores como justiça, segurança e solidariedade e é
nesse plano ético que a dignidade se torna, para muitos autores, a justificação moral dos
direitos humanos e dos direitos fundamentais. (HABERMAS, 2010, p. 466)
Tal reconhecimento da dignidade da pessoa humana é resultado da evolução do
pensamento humano, bem como da sociedade, visto que o homem não poderia mais ser
tratado como coisa ou simples objeto.
Para Barroso, três são os conteúdos essenciais da dignidade: valor intrínseco,
autonomia da vontade e valor social da pessoa humana. O valor intrínseco é o que
distingue as pessoas umas das outras, a inteligência, sensibilidade e a comunicação são
condições singulares, englobando direito a vida, igualdade, integridade e moral. A
autonomia da vontade é o elemento ligado a razão e ao exercício da vontade, ou seja,
decisão sobre religião, vida afetiva, trabalho, ideologia, mínimo existencial. O valor
social da pessoa ou o valor comunitário, diz respeito ao indivíduo em relação ao grupo.
(BARROSO, 2010, p. 21-28)
Kant revela que só se pode esperar pela paz universal quando os monarcas e
ditadores forem coisa do passado, quando cada homem em cada país for respeitado com
fim absoluto em si mesmo, e quando as nações aprenderem que é crime contra a dignidade
humana cada homem utilizá-lo como simples instrumento para lucro de outro homem
(KANT, 2008, p. 38).
A dignidade humana, então, é um valor fundamental que se viu convertido em
princípio jurídico de estatura constitucional, seja por sua positivação em norma expressa
seja por sua aceitação como um mandamento jurídico extraído do sistema (BARROSO,
2010, p. 11).
b) Dignidade da pessoa humana no ordenamento jurídico brasileiro
A dignidade da pessoa humana é um princípio matriz, que deve ser interpretado
em todo o ordenamento jurídico brasileiro, sendo através dela que todos os demais
princípios irradiam. Neste sentido, e dado o viés de solidariedade imposto à aplicação dos
princípios fundamentais, Castro afirma que a dignidade humana deve impactar todas as
ações humanas e estatais, devendo ser considerado os princípios dos princípios, que atua
como aspecto formal e material da justiça (CASTRO, 2006, p. 161).
Castro ainda prescreve que é fundamental que os administradores e administrados
devem pautar suas ações nos princípios éticos diretivos e ainda, que o jurista, valore as
configurações da vida e encontre sentido, ou seja, que encontre uma solução normativa
mais adequada, com maior sensibilidade jurídica, visando um direito justo (CASTRO,
2006, p. 165).
Em 1948, foi proclamada a Declaração Universal dos Direitos Humanos, na qual
Bobbio afirma que foi a partir dela que a humanidade passou a partilhar valores em
comum, podendo crer em uma universalidade de valores (BOBBIO, 1992, p. 27). A
Declaração positivou direitos inerentes a todos humanos indistintamente, independente
de sexo, raça, religião, idade, nacionalidade e condição social. Em seu art. 1º: Todos os
seres humanos nascem livres e iguais em dignidade e direitos e, dotados que são de razão
e consciência, devem comportar-se fraternalmente uns com os outros, e em seu artigo 3º:
Todo indivíduo tem direito à vida, à liberdade e à segurança da sua pessoa.
No Brasil, embasados pela Declaração Universal dos Direitos Humanos, a
Constituição Federal dispõe em seu art. 1º, III, que a dignidade da pessoa humana
representa um dos fundamentos da república, Gustavo Tepedino dispõe:
“Com efeito, a escolha da dignidade da pessoa humana como fundamento da República, associada ao objetivo fundamental de
erradicação da pobreza e da marginalização, e de redução das
desigualdades sociais juntamente com a previsão do § 2º do art. 5º, no
sentido da não exclusão de quaisquer direitos e garantias, mesmo que
não expressos, desde que decorrentes dos princípios adotados pelo texto
maior, configuram uma verdadeira cláusula geral de tutela e promoção
da pessoa humana, tomada como valor máximo pelo ordenamento.”
O professor Elimar Szaniawski reflete sobre a dignidade da pessoa humana da
seguinte forma:
“A ideia de que todo o ser humano é possuidor de dignidade é anterior ao direito, não necessitando, por conseguinte, ser reconhecida
juridicamente para existir. Sua existência e eficácia prescindem de
legitimação, mediante reconhecimento expresso pelo ordenamento
jurídico. No entanto, dada a importância da dignidade, como princípio
basilar que fundamenta o Estado Democrático de Direito, esta vem
sendo reconhecida, de longa data, pelo ordenamento jurídico dos povos
civilizados e democráticos, como um princípio jurídico fundamental,
como valor unificador dos demais direitos fundamentais, inserido nas
Constituições, como um princípio jurídico fundamental”.
(SZANIAWSKI, 2005, p. 141-142)
Nesta ideia de o ser humano ser possuidor de dignidade mesmo ela não sendo
positivada, e ainda, sendo a dignidade humana o princípio fundamental que norteia os
demais princípios e regras, o torna estimulante para os direitos fundamentais, pois, é a
dignidade da pessoa humana, que em sendo o princípio matricial de todos os comandos constitucionais, visa “informar e orientar a interpretação e aplicação do conjunto de regras de direito, mercê de sua inexcedível eficácia reitora e corretiva das ações tanto públicas quanto privadas, em sintonia com o ideal maior da justiça solidarista e humanitária” (CASTRO, 2006, p. 175).
A dignidade da pessoa humana é parte do conteúdo dos direitos materialmente
fundamentais, mas não se confunde com qualquer deles, tampouco é direito fundamental
em si, ponderável com os demais. Justamente ao contrário, ela é o parâmetro da
ponderação, em caso de concorrência entre direitos fundamentais. (BARROSO, 2010, p.
15).
Pode-se afirmar que a dignidade da pessoa humana, sem deixar de ser um valor
moral fundamental é um princípio jurídico constitucional, o fundamento de todo
ordenamento jurídico, o princípio básico da Constituição Federal. (LONCHIATI, 2016,
p. 14)
Na visão de Ingo Wolfgang Sarlet, a dignidade da pessoa humana se define da
“Temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva de cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito
e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste
sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que
assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho
degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições
existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e
promover sua participação ativa co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão dos demais seres humanos.” (SARLET, 2001, p. 60)
Ainda neste ínterim, Flávia Piovesan sustenta que é no “valor da dignidade da pessoa humana que a ordem jurídica encontra seu próprio sentido. Consagra-se, assim,
dignidade da pessoa humana como verdadeiro super princípio a orientar o Direito
internacional e o interno” (PIOVESAN, 2004, p. 92)
Conforme já abordado, a condição humana é o único requisito para ser titular dos direitos, eis que “o ser humano como um ser essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e dignidade, esta como valor intrínseco à condição humana” (PIOVESAN,
2006, p. 44).
Mas apesar de toda essa gama de valores e o contexto histórico desenvolvendo o
princípio da dignidade da pessoa humana, sendo o princípio norteador dos direitos
fundamentais, seu conteúdo não é absoluto, visto que não se impõe de forma igual e nem
é compartilhado por todos os indivíduos. Neste vértice, evidente que está diante do
preconceito, crenças religiosas diversas e diferentes modos de pensar e agir. Nas palavras de Comparato, “o titular desses direitos, com efeito, não é o ser humano abstrato, com o qual o capitalismo sempre conviveu maravilhosamente. É o conjunto dos grupos sociais
esmagados pela miséria, a doença, a fome e a marginalização” (COMPARATO, 2003, p.
53).
2. Aspectos da função social
O direito civil clássico era extremamente individualista e protegia,
principalmente, os interesses da burguesia, e, assim eram os institutos privados, em
especial o da propriedade. O direito de propriedade atendia a própria vontade e preservava
unicamente o próprio interesse.
Foi na modernidade que surgiu o estado, inicialmente liberal e, em sequência,
democrático, que nas palavras de Bauman:
“A convicção moderna de que a sociedade não precisa ser como é, que pode ser melhorada, tornou cada caso de infelicidade individual e
grupal um desafio, um problema a atacar [...] para uma mentalidade
ensinada a tratar a sociedade como um projeto inacabado que cabia aos
administradores completar, a pobreza era uma abominação”.
(BAUMAN, 1999, p. 272).
Praticamente todos os estados do ocidente seguiram essa modernidade, porém
apenas alguns atingiram e alcançaram o progresso econômico e o desenvolvimento social.
Tal estabilidade social decorria da harmonia do poder político estatal e o poder
econômico, porém, nem sempre havia esse equilíbrio.
De qualquer forma, para que fosse cumprida minimamente a função do estado, era
necessário atender interesses de alteridade em relação ao poder econômico, mas também,
era totalmente necessário atender as necessidades sociais do povo.
Existem funções que são exercidas em prol de uma ou determinadas pessoas e
outras funções que são desempenhadas em prol de uma sociedade, nesta última, pode-se
falar em função social (COMPARATO, 1996).
Com o surgimento da função social, o direito à propriedade não deixou de ser
tutelado pelo ordenamento jurídico, mas ela alterou a estrutura e o regime jurídico do
direito de propriedade, atuando sobre o seu conceito e o seu conteúdo (SILVA, 1997, p.
239-240).
A partir de então, a noção de função social de propriedade afastou a ideia da propriedade individual “como liberdade individual e absoluta” (SZANIAWSKI, 2000, p. 133), no qual ao proprietário foi imposto conjugar o interesse individual com o interesse
coletivo.
A principal ideia da contribuição para com o interesse coletivo é a melhoria das
Federal, eis que é garantido o direito à propriedade, desde que exercido a função social
(CONSTITUIÇÃO FEDERAL, 1988).
Ainda, a Constituição Federal institui o princípio da dignidade da pessoa humana
como fundamento da República, objetivando fundamentalmente a justiça social. Neste
sentido, a propriedade só pode ser considerada socialmente funcional quando e se respeita
a dignidade da pessoa humana e contribui para o desenvolvimento nacional e a
diminuição das desigualdades sociais (GONDINHO, 2000, p. 413).
O pensamento de Duguit referente ao conteúdo da propriedade como função social
é definido da seguinte forma:
“O proprietário tem o dever e, portanto, o poder de empregar a coisa que possui na satisfação das necessidades individuais e, especialmente,
das suas próprias de empregar a coisa no desenvolvimento de sua
atividade física, intelectual e moral. O proprietário tem o dever e,
portanto, o poder de empregar a sua coisa na satisfação das
necessidades comuns de uma coletividade nacional inteira ou de
coletividades secundárias”. (DUGUIT, apud TEIZEN JÚNIOR, 2004,
p. 154).
Neste ínterim, todo exercício do direito de propriedade que não perseguisse um
fim de utilidade coletiva seria contrário a lei e poderia dar lugar a uma prestação ou
reparação.
A função social não se restringe somente ao proprietário, e nas palavras de
Perlingieri é possível perceber o que segue:
“Em um sistema inspirado na solidariedade política, econômica e social e ao pleno desenvolvimento da pessoa (...) o conteúdo da função social
assume um papel de tipo promocional, no sentido de que a disciplina
das formas de propriedade e as suas interpretações deveriam ser atuadas
para garantir e para promover os valores sobre os quais se funda o
ordenamento. E isso não se realiza somente finalizando a disciplina dos
Neste sentido, a função social não é instrumento exclusivo da propriedade, mas
sim de todo o direito (SZANIAWSKI, 2000, p.155). Assim, não rege apenas o aspecto da
riqueza, mas também a empresa e seu aspecto dinâmico.
b) Função social da empresa
A partir do século XIX e a crescente mudança econômica resultante da atividade
empresarial, houve muito desenvolvimento, urbanização, competição, exigências sociais,
internacionalização da economia e movimentação monetária interna.
A importância desta mudança é incontestável, pois é esta instituição social que
proporciona a maior parte dos bens e serviços oferecidos e consumidos no mercado, além
de fornecer considerável receita ao Estado (ARNOLDI; MICHELAN, 2002, p. 244).
A empresa detém estreita ligação com o direito de propriedade, porém, sua
tradicional concepção, que possui intuito único de obter lucro e gerar riqueza para os seus
proprietários, não atendem as atuais necessidades econômicas sociais da sociedade
(DUARTE; DIAS, 1986, p. 52).
A propriedade tornou-se de interesse social ao passo que o Estado percebia a
necessidade de restringir os direitos que uma pessoa detinha sobre o bem em prejuízo de
toda uma coletividade.
Com as mudanças no papel da empresa e sua importância no bojo da sociedade, a
mesma não pode se eximir de cumprir sua função social. A função social é um poder
dever que ocorre em harmonia com o interesse público, visto que possuem um papel de
suma importância na comunidade.
A necessidade da empresa cumprir com sua função social não é novidade, visto
que se encontra no ordenamento jurídico brasileiro desde 1976 na Lei de Sociedade por
Ações (Lei 6.404/76) e na Constituição Federal de 1988, que estabeleceu o princípio da
dignidade da pessoa humana no artigo 1º, inciso III, tendo como objetivo fundamental a
construção de uma sociedade mais justa e solidária (artigo 3º, inciso I) e como princípio
da ordem econômica a função social da propriedade e a redução das desigualdades
regionais e sociais (artigo 170, inciso III e VII).
É notório, pois, estarmos diante de uma imposição de ética empresarial, ou seja,
proprietários, para, enfim, atender necessidades sociais, construindo uma sociedade mais
justa e solidária.
Essa construção de uma sociedade melhor se dá internamente, entre os acionistas,
administradores e funcionários e externa, com os credores, fornecedores, consumidores,
concorrentes, meio ambiente e governo. Segundo a Comissão das Comunidades
Europeias (2001) “a responsabilidade social das empresas é, essencialmente, um conceito
segundo o qual as empresas decidem, numa base voluntária, contribuir para uma sociedade mais justa e para um ambiente mais limpo”.
Responsabilidade social para Ashley é:
“Responsabilidade social pode ser definida como o compromisso que uma organização deve ter para com a sociedade, expresso por meio de
atos e atitudes que a afetam positivamente, de modo amplo, ou a alguma
comunidade, de modo específico, agindo proativamente e
coerentemente no que tange a seu papel específico na sociedade e a sua
prestação de contas para com ela”. (ASHLEY, 2003, p. 6-7)
Neste vértice, cada empresa possui seu papel específico na sociedade, devendo
ter atitudes positivas, proativas e coerentes com o seu papel na sociedade e sempre
prestando contas à ela.
“A função social da empresa representa um conjunto de fenômenos importantes para coletividade e é indispensável para a satisfação dos interesses inerentes à atividade econômica” (ALMEIDA, pag.141).
Como já ressaltado, a empresa possui papel fundamental na sociedade e grande
importância econômica, portanto, não devem atender única e exclusivamente a
necessidade de seus proprietários. Ao exercer suas atividades, a empresa deve conjugar
seus objetivos, ou seja, conjugar o lucro com os interesses e as necessidades da
comunidade onde atua (TOMASEVICIUS FILHO, 2003, p. 47).
A incapacidade do Estado em promover uma sociedade justa e solidária gera um
comprometimento ainda maior da atividade empresarial com a contribuição para melhoria
e qualidade de vida da comunidade, pois, se o Estado não consegue promover o bem estar
social, as empresas devem colaborar com o Estado, ao invés de esperar que o Estado tome
A função social da empresa imposta pelo ordenamento jurídico brasileiro prevê,
pois, que além de a empresa cumprir com o seu papel na busca pelo lucro e geração de
riqueza, em qualquer que seja o âmbito de atuação, protegidos pela livre iniciativa, a
função social estará associada e deverá ser garantida a todos que são atingidos pela
empresa, eis que a ideia é contribuir para uma sociedade justa e solidária.
José Afonso da Silva conclui que a iniciativa econômica privada é amplamente
condicionada pelo sistema da Constituição Econômica Brasileira, e, se ela deve
implementar sua atuação empresarial se subordinando à função social, é preciso que
assegure a existência digna de todos, bem como a dignidade humana, já que essas
obrigações foram delegadas a ela pelo Estado (SILVA, 1998, p. 779).
Na composição de diversos interesses inseridos na atividade societária é possível
enxergar os interesses coletivos. Neste sentido, cabe ao administrador proporcionar meios
para encontrar a possibilidade de maximizar os lucros atendendo as exigências do bem
público. Para tal conduta, deve-se harmonizar os fins sociais com os demais interesses da
comunidade. (CARVALHOSA, 2009, p. 281)
Assim sendo, o conceito de função social da empresa e livre iniciativa estão
interligados com a responsabilidade social da empresa, de forma que o empresário pode
utilizar os meios possíveis para atingir a finalidade de sua empresa, desde que observe os
ditames legais.
3. Pessoas com deficiência
a) Contexto histórico
Ao longo da história as pessoas com deficiência sofreram tratamento diferenciado
determinando a exclusão. Na pré história, quem não era forte o bastante era sacrificado,
pois tratava-se de um fardo às tribos. Na Grécia antiga, pessoas que não se adequavam
dentro dos parâmetros de culto ao corpo eram consideradas pessoas ruins, tanto o é, que
eram sujeitas a eliminação. Na idade média e moderna, a exclusão e eliminação dessas
pessoas continuaram repercutindo seus sinais.
Foi somente depois da Revolução Industrial e seu ideal humanista que a sociedade
percebeu a necessidade de atenção e direitos, apesar de muito sofrerem na 1ª e
principalmente na 2ª Guerra Mundial, onde atrocidades foram cometidas pelos Nazistas.
Foi com a universalização dos direitos da pessoa humana e a Declaração Universal
dos Direitos Humanos em 1948 que houve uma atenção voltada às pessoas com
deficiência.
No Brasil, o termo pessoa com deficiência passou por diversas mudanças, pois na
Emenda Constitucional nº 1, de 17 de outubro de 1969, utilizava-se da palavra excepcionais, onde no art. 175, parágrafo 4º se referia a “educação de excepcionais”. Já a Emenda Constitucional nº 12, de 17 de outubro de 1978, o termo utilizado era “deficientes”. Na Constituição Federal, diversos enunciados utilizam a expressão “portador de deficiência”.
Nas palavras de Luiz Alberto David Araújo, o que define as pessoas portadoras
de deficiência é:
“O que define a pessoa portadora de deficiência não é falta de um membro nem a visão ou audição reduzidas. O que caracteriza a pessoa
portadora de deficiência é a dificuldade de se relacionar, de se integrar
na sociedade, o grau de dificuldade de se relacionar, de se integrar na
sociedade, o grau de dificuldade para a integração social é que definirá
quem é ou não portador de deficiência”. (ARAÚJO, 2003, p. 26)
Para a Organização Mundial da Saúde, deficiência significa “uma anomalia de estrutura ou de aparência do corpo humano e do funcionamento de um órgão ou sistema,
independentemente de sua causa, tratando-se em princípio de uma perturbação de tipo orgânico”
Já o art. 1º da Declaração Universal das Pessoas Deficientes aprovada pela
Assembleia Geral da Organização das Nações Unidas, em 09 de dezembro de 1975,
entende que o termo "pessoas deficientes" refere-se a qualquer pessoa incapaz de
assegurar por si mesma, total ou parcialmente, as necessidades de uma vida individual ou
social normal, em decorrência de uma deficiência, congênita ou não, em suas capacidades
Enquanto que o Decreto 3.298, de 20 de dezembro de 1999, expressa em seu art.
3º que considera: I - deficiência: toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função
psicológica, fisiológica ou anatômica que gere incapacidade para o desempenho de
atividade, dentro do padrão considerado normal para o ser humano; II - deficiência
permanente: aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente
para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere, apesar de novos
tratamentos; e III - incapacidade: uma redução efetiva e acentuada da capacidade de
integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos
especiais para que a pessoa com de deficiência possa receber ou transmitir informações
necessárias ao seu bem-estar pessoal e ao desempenho de função ou atividade a ser
exercida.
Desde os primórdios, as pessoas com deficiência sofreram exclusão ou eliminação
e assim ocorreu ao longo de toda a história. Trata-se, pois, de um fator histórico a
exclusão, o tratamento diferenciado e o olhar desumanizado.
No Brasil foi, conforme exposto, normatizado e regulamentado a proteção e os
direitos das pessoas com deficiência. Passou a existir a proteção constitucional, envolvida
pelo princípio da igualdade e norteada pelos direitos fundamentais à luz da dignidade da
pessoa humana.
Ocorre que, apesar de toda a proteção desenvolvida, o aparato jurídico, as pessoas
com deficiência sofrem até os dias de hoje a exclusão social na escola, no trabalho, na
rua, no transporte público, na calçada mal feita, no hospital, no banheiro sem infra
estrutura, necessitando urgente de políticas públicas contundentes. De todos os lados é
possível enxergar a necessidade de inclusão social e mudança de paradigma, ou seja, uma
alteração na mentalidade excludente da população.
b) Dignidade da pessoa humana e função social da empresa para
inclusão dos trabalhadores com deficiência
Atualmente, milhares de pessoas com deficiência são discriminadas nos locais
onde vivem ou no mercado de trabalho. A exclusão social de pessoas com deficiência é
tão antiga quanto a socialização do homem. Essas pessoas convivem diariamente com a
As pessoas com deficiência acabam se tornando um estigma, pois pessoas surdas,
cegas, com deficiência física ou mental são transformadas em seres incapazes, sem
direitos e deixados à margem da sociedade.
Para a Constituição Federal de 1988, o princípio da dignidade humana é tratado,
de um lado como fundamento (artigo 1º) e de outro como princípio fundamental de garantia de direitos fundamentais (artigo 5º). De acordo com José Afonso da Silva, “a dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos
fundamentais do ser humano, desde o direito à vida”. (SILVA, 1997)
Referindo-se ao panorama brasileiro acerca das pessoas com deficiência de fronte
aos direitos fundamentais ancorados no princípio da dignidade da pessoa humana,
tem-se a opinião de Claudio José Amaral Bahia e Wilson Kobayashi:
“Uma das grandes preocupações em relação à necessidade de efetivação da dignidade da pessoa humana e, consequentemente, da concretização
do princípio da igualdade no seio social, diz respeito às minorias, as
quais, seja em razão de apresentarem comportamento diferenciado
daquele normalmente experimentado por uma determinada
comunidade, seja em razão de não ostentarem as mesmas características
físicas e psíquicas verificadas na maioria dos indivíduos, sofrem os
mais diversos tipos de discriminação e de exclusão, sendo, inclusive,
expungidas injustamente do benefício resultante do exercício de
direitos que, ao menos em tese, se mostram pertencentes a qualquer
cidadão.” (BAHIA; KOBAYASHI, 2003, p. 45)
Neste ínterim, as pessoas com deficiência merecem atenção dos entes estatais e
um olhar isonômico da sociedade a fim de que a dignidade da pessoa humana seja
concretizada, visto que, debruçando o olhar sobre essas pessoas é importante reconhecer
as dificuldades encontradas e enfrentadas por elas.
E quando se fala em trabalhador com deficiência, cumpre inicialmente demonstrar
a Lei de Cotas, Lei 8213/91, que determina em seu artigo 93 que a empresa com 100 ou
mais empregados deverá preencher de 2% a 5% de seus cargos com beneficiários
Até 200 empregados - 2%; II - De 201 a 500 empregados - 3%; III - De 501 a 1.000
empregados - 4%; IV - De 1.001 em diante - 5%.
Esta é a lei que dispõe sobre a necessidade de uma empresa com mais de 100
funcionários contratar trabalhadores com deficiência. A existência desta lei que obriga a
contratação propõe que tal inclusão será um dos muitos aspectos da função social da
empresa, porque assim as empresas conciliam os interesses sociais com as atividades
empresariais.
O Estado editou a Lei de Cotas para que o ente privado o auxiliasse nesta política
social, tendo em vista sua ineficiência e o interesse econômico da empresa em galgar um
espaço na economia, segue o raciocínio com a posição de Fábio Konder Comparato:
A tese da função social das empresas apresenta hoje o sério risco de
servir como mero disfarce retórico para o abandono pelo Estado, de
toda política social, em homenagem à estabilidade monetária e ao
equilíbrio das finanças públicas. Quando a Constituição define como
objetivo fundamental de nossa República, construir uma sociedade
livre, justa e solidária (art.3º, I), quando ela declara que a ordem social
tem por objetivo a realização do bem-estar e da justiça social (art. 193),
ela não está certamente autorizando uma demissão do Estado, como
órgão encarregado de guiar e dirigir a nação em busca de tais
finalidades. (COMPARATO, 1983, p. 46)
Neste sentido, perceptível a ineficiência do Estado em proporcionar e construir
uma sociedade justa, livre e solidária e neste sentido ele edita leis para que entes privados
o auxiliem, autorizando de certa forma, sua demissão, visto que não cumpridor de suas
finalidades.
A Constituição Federal de 1988 dispõe no art. 205, caput, que “é dever de todos e do Estado e da família”, com vistas ao “pleno desenvolvimento da pessoa, seu preparo para o exercício da cidadania e para o trabalho” (art. 205), promovendo o bem de todos (art. 3º, IV) e garantindo o direito à igualdade de todos os cidadãos (art. 5º). São esses os
alicerces que dão efetividade à cidadania e à dignidade humana. É através da dignidade
da pessoa humana, incidente nos direitos fundamentais que a Constituição prevê
tratamento paritário a todos indistintamente, tendo também como intenção, incluir
Neste sentido também, a Constituição destina-se a assegurar direitos sociais,
individuais, segurança, bem estar, liberdade, igualdade e justiça, numa sociedade justa e
livre de preconceitos, praticando a inclusão de pessoas com deficiência.
Conforme já abordado nesta pesquisa, a função social da empresa é àquela a qual
a empresa deve deixar de visar apenas o lucro e a geração de riqueza aos seus proprietários
para atender necessidades sociais, construindo uma sociedade mais justa e solidária.
Para além da Lei de Cotas e focando a análise apenas no trabalhador com
deficiência, tem-se o seguinte questionamento: este, inserido no mercado de trabalho,
dotado de dignidade da pessoa humana e a empresa cumprindo sua função são suficientes
para sua inclusão social?
Para profundidade de tal análise, esta pesquisa buscou dados reais para demonstrar
a possibilidade de inclusão baseada na função social da empresa. A Unilehu
(Universidade Livre para Eficiência Humana) com sede em Curitiba-PR é uma
organização do terceiro setor que tem por missão principal tornar possíveis as iniciativas
sociais que façam a inclusão acontecer. Eles possuem um programa chamado “Programa Mais Eficiência” que tem forte atuação na viabilização do cumprimento da Lei de Cotas, trabalhando pelo desenvolvimento da empregabilidade das pessoas com deficiência, no
sentido de preparar empresas para que elas se tornem mais preparadas e aptas para a
inclusão destes profissionais e mobilizar a sociedade para a valorização da diversidade.
Além disso, são uma entidade formadora de Aprendizagem Profissional com o “Programa Mais Aprendiz”, que através de parcerias estratégicas com empresas, é responsável pelo desenvolvimento profissional de jovens com deficiência que buscam
uma oportunidade de futuro melhor.
Para colocar em prática seus programas, a Unilehu faz parcerias com empresas, a
fim de planejar o conhecimento técnico e intensificar os fatores de sucesso na inclusão
das empresas. Eles dão suporte técnico aos processos de contratação, gestão e retenção
das pessoas com deficiência nos ambientes.
As empresas vinculadas assumem um compromisso de não apenas
estrategicamente cumprir a lei, mas também em reconhecer e valorizar o poder das
diferenças e a riqueza da diversidade.
Um exemplo conhecido no Paraná de uma empresa de grande porte em parceria
com a Unilehu é a Renault do Brasil com filial em São José dos Pinhais-PR, oferecendo
curso de treinamento para pessoas com deficiência para ocupar vagas na fábrica,
Baseado em Primolan (2004, p.129) “a verdadeira responsabilidade social começa
pela valorização profissional e a melhoria e qualidade de vida dos funcionários e, em uma perspectiva mais ampla, de suas famílias”. Uma organização é formada por pessoas e para que a responsabilidade social esteja presente é preciso que os funcionários estejam
totalmente envolvidos com essa causa, porém eles apenas se envolveram se a organização
os valorizar.
Desta forma, percebe-se que as empresas podem ter responsabilidades sociais
tanto de forma externa, benefícios para a sociedade em geral, quanto de forma interna,
beneficiando os próprios funcionários e ambas as formas são fundamentais. A primeira
decorre da função social da empresa, já a segunda, decorre da inclusão almejada, que
definitivamente inclui e propõe satisfação à vida de uma pessoa com deficiência, que
deriva de iniciativa e gestão da empresa.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Diante de um contexto histórico de grandes dificuldades enfrentadas por pessoas
com deficiência, foi realizada uma análise sobre a dignidade da pessoa humana e a função
social da empresa, a fim de verificar se elas são suficientes para realização da inclusão
social.
Os direitos fundamentais existem para melhorar a vida dos cidadãos e proteger
sua dignidade, liberdade, igualdade e propriedade. Esses direitos são baseados em direitos
morais e na natureza humana, se fundamentando no Estado de Direito e na dignidade
humana.
Eis então a necessidade da busca pelo princípio jurídico fundamental dos direitos
fundamentais, dado o viés de solidariedade imposto à aplicação dos princípios
fundamentais. Neste sentido, a dignidade da pessoa humana, fundamento intrínseco da
Constituição Federal de 1988, vem associada ao objetivo de reduzir desigualdades
sociais, erradicar a pobreza e a marginalização.
O ser humano é essencialmente moral, dotado de unicidade existencial e
dignidade, sendo este o valor da condição humana. Ocorre que nem sempre os valores
humanos são respeitados, deixando grupos sociais excluídos, esmagados pela miséria,
A partir desta constatação e diante do contexto histórico das pessoas com
deficiência e suas dificuldades de inclusão no meio ambiente em que vivem, e entre eles,
o meio ambiente laboral, necessário foi analisar a função social da empresa, na qual além
de lucro e geração de riqueza, devem procurar também o desenvolvimento social,
incluindo a criação e a manutenção de empregos, a preservação do meio ambiente, o
incentivo à educação, à cultura e ao consumo consciente.
Com base nesses estudos foi realizada a análise se a dignidade da pessoa humana
e a função social da empresa são suficientes para a inclusão do trabalhador portador de
deficiência, trazendo à baila organizações como Unilehu (Universidade Livre para
Eficiência Humana) e sua parceria com a empresa Renault do Brasil com filial em São
José dos Pinhais-PR.
Tal análise foi de suma importância para perceber se a mesma é suficiente para
dissolver as dificuldades encontradas pelas pessoas com deficiência, na qual ao longo de
toda a história confirmam tal negação, exclusão e eliminação.
Neste sentido, percebeu-se que o princípio da dignidade da pessoa humana
conjugado com organizações sérias e empresas que se preocupam e cumprem com a
função social são suficientes para incluírem os trabalhadores com deficiência.
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