XXVI CONGRESSO NACIONAL DO
CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO II
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D597
Direito civil contemporâneo II [Recurso eletrônico on-line] organização CONPEDI
Coordenadores: Ana Thereza Meireles Araújo; Edna Raquel Rodrigues Santos Hogemann–Florianópolis: CONPEDI, 2017.
Inclui bibliografia ISBN:978-85-5505-514-0
Modo de acesso: www.conpedi.org.br em publicações
Tema: Direito, Democracia e Instituições do Sistema de Justiça
CDU: 34 ________________________________________________________________________________________________
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Florianópolis – Santa Catarina – Brasil www.conpedi.org.br
Comunicação – Prof. Dr. Matheus Felipe de Castro – UNOESC
1.Direito – Estudo e ensino (Pós-graduação) – Encontros Nacionais. 2. Civil. 3. Contemporaniedade. XXVI Congresso Nacional do CONPEDI (27. : 2017 : Maranhão, Brasil).
Universidade Federal do Maranhão - UFMA
São Luís –Maranhão - Brasil www.portais.ufma.br/PortalUfma/
XXVI CONGRESSO NACIONAL DO CONPEDI SÃO LUÍS – MA
DIREITO CIVIL CONTEMPORÂNEO II
Apresentação
O XXVI Encontro Nacional do CONPEDI – SÃO LUIS – MARANHÃO foi promovido em
parceria com a Universidade Federal do Maranhão e a UNICEUMA. Sua temática central
teve como objeto “Direito, Democracia e Instituições de Justiça”. Esse assunto suscitou
intensos debates desde a abertura do evento no Convento das Mercês e inúmeros
desdobramentos ao longo da apresentação dos trabalhos previamente selecionados e da
realização das plenárias. Em especial, as questões relativas à função social do contrato, dos
direitos de personalidade e os reflexos do novo CPC no direito material mereceram um olhar
reflexivo crítico-analítico dos participantes do Grupo de Trabalho “Direito Civil
Contemporâneo II”.
Sob a coordenação das Profa. Pós-Dra. Edna Raquel Hogemann (UNESA/UNIRIO), e Profa.
Dra. Ana Thereza Meireles Araújo (UNEB/ UCSal/ Faculdade Baiana de Direito), o GT
“Direito Civil Contemporâneo II” realizou seu contributo, com exposições orais e bons
debates que se caracterizaram tanto pela atualidade quanto pela profundidade das temáticas
abordadas pelos expositores.
Eis um breve resumo dos trabalhos apresentados:
Tiago Martinez e Edna Raquel Rodrigues Santos Hogemann apresentaram o artigo intitulado
"A trivialização do dano: banalizado por quem? a desmistificação da indústria do dano moral
pela análise da cultura jurídica brasileira e norte-americana". Os autores refletem a respeito
da cultura jurídica brasileira e norte-americana sobre a fixação do valor de reparação dos
danos morais, a influência cultural na determinação dos modelos de fixação do quantum, bem
como da relação dos julgados vinculados ao tema com a banalização do instituto, e apontam
a inexistência de uma indústria do dano moral, tanto no Brasil como nos Estados Unidos, a
partir das diferenças dos modelos jurídicos apresentados.
"O acesso à informação genética e a conformação dos novos direitos da personalidade: o
alcance da proteção à identidade genética sob a perspectiva do direito civil contemporâneo" é
o título do trabalho de Ana Thereza Meireles Araújo, no qual a autora analisa a conformação
do direito à identidade genética como uma espécie dentre os novos direitos da personalidade
destaque, a fim de identificar por meio de dedução a melhor interpretação no que tange à
construção da proteção do direito.
O artigo de Wellington Henrique Rocha de Lima e Jussara Suzi Assis Borges Nasser Ferreira
intitulado "Funções do contrato e Ordem Pública" teve como proposta analisar as funções do
contrato referentes à criação, regulação e extinção de direitos, considerando a relevância da
funcionalização com vistas ao equilíbrio dos pactos e a contribuição daí decorrente em
relação ao contexto econômico e social.
Rainner Jeronimo Roweder e Hudson Franklin Felipetto Malta apresentaram o trabalho "O
contrato de compra e venda: semelhanças e diferenças entre o sistema legislativo brasileiro e
português de transferência imobiliária", em que analisaram a compra e venda de bens
imóveis, numa perspectiva de doutrina e legislação comparada, entre os ordenamentos
jurídicos brasileiro e português.
"Direito à filiação e multiparentalidade : uma abordagem à luz da lei de registros públicos",
da autoria de Josanne Cristina Ribeiro Ferreira Façanha, abordou a a ocorrência da
multiparentalidade no Registro Civil brasileiro, a partir da compreensão sistemática e
atualizada do ordenamento jurídico pátrio, especificamente quanto à família, aos
demarcadores do parentesco e aos direitos da filiação.
Felipe de Poli de Siqueira e Francieli Micheletto, autores do trabalho "O poder de
inadimplemento contratual e suas implicações jurídicas" propuseram avaliar a possibilidade
do contratante requerer a quebra ou inadimplemento contratual e as implicações jurídicas e
mecanismos de resolução do referido desligamento.
O artigo de Ivy Helene Lima Pagliusi e Yuri Amorim da Cunha intitulado "A des
(necessidade) de oitiva do genitor biológico no acréscimo do sobrenome do padrasto ao nome
do filho" enfocou uma nova leitura constitucional dos direitos de personalidade, em especial
face ao princípio da dignidade da pessoa humana, em especial quanto ao aferir na Lei de
Registros Públicos o procedimento correto para o acréscimo do sobrenome de padrasto
(madrasta) no do enteado(a) com base em uma interpretação conforme.
O artigo de Cleber Sanfecili Otero e Tamara Simão Arduini intitulado "Os danos decorrentes
da relação triangular estabelecida entre paciente, médico e hospital e as respectivas
modalidades de responsabilidade definidas em lei" partiu do fato de que, nas relações
hospitalares, o paciente é vulnerável por ser consumidor dos serviços e, perante o médico, é
Assim, o trabalho buscou partir da aferição das características da relação triangular
estabelecida entre paciente, médico e hospital para definir quem poderá ser responsabilizado
pelos danos causados.
Sob o título "A ata notarial como instrumento precípuo na condução da usucapião
extrajudicial", Tatiane Albuquerque de Oliveira Ferreira e Dênio Guilherme Dos Reis
fizeram uso do modelo argumentativo, para responder a seguinte indagação: a ata notarial
cumpre sua função no procedimento de usucapião extrajudicial? Analisaram os efeitos da ata
notarial no procedimento de usucapião fora do âmbito judiciário e concluíram necessidade da
eficiência da ata notarial, demonstrando que o tabelião, revestido de fé pública, é capaz de
certificar veracidade dos documentos comprobatórios de posse do imóvel a ser usucapido.
Camila Caixeta Cardoso apresentou o ensaio sob o título "A aquisição originária da
propriedade por meio da usucapião extrajudicial", cujo objetivo revelou-se a análise da nova
forma de processamento da usucapião pela via extrajudicial, ou seja, por meio de um
procedimento que ocorre internamente no ofício de registro de imóveis.
"Um ensaio sobre direito à privacidade e intimidade. você ainda os tem?" Eis um título de
indagação. Pois essa indagação foi tema da pesquisa materializada em ensaio da autoria de
Milena de Bonis Faria. Que considera que os operadores do direito necessitam de um
desdobramento “just in time”, para atender os anseios de uma sociedade que se transforma
constantemente.
Pastora do Socorro Teixeira Leal e Alexandre Pereira Bonna apresentaram o artigo sob o
título "Controle administrativo e preventivo de cláusulas abusivas em contratos de adesão
pelo Ministério Público", no qual buscam averiguar se o veto presidencial do art. 54,
parágrafo 3º e 5º da lei n. 8.078/90, que no uso da ideia da intenção do legislador configura a
impossibilidade de atuação preventiva e administrativa do Ministério Público das cláusulas
dos contratos de adesão.
"Dano hedônico: uma compensação civil diante da perda da felicidade em viver" revelou-se
um título interessante para o artigo apresentado por Maria Fernanda Miranda Lyra e
Marianna dos Santos Coelho Alves que abordaram ideia da dignidade como pressuposto para
a felicidade, no direito norte-americano, transportada para a reparação civil. Ali recebe a
Por fim, Carlos Alexandre Moraes e Marta Beatriz Tanaka Ferdinandi encerraram as
apresentações com o trabalho intitulado "A aplicação da teoria do diálogo das fontes no
direito brasileiro", sobre a aplicabilidade da Teoria do Diálogo das Fontes no direito pátrio,
como método capaz de conciliar a aplicação de diferentes normas.
Profa. Dra. Edna Raquel Rodrigues Santos Hogemann - UNIRIO/UNESA
Profa. Dra. Ana Thereza Meireles Araújo - UNEB
Nota Técnica: Os artigos que não constam nestes Anais foram selecionados para publicação
na Plataforma Index Law Journals, conforme previsto no artigo 7.3 do edital do evento.
1 Professor do curso de graduação em Direito do UniCesumar. Mestre em Direito pelo UniCesumar. Doutor em
Ciências da Educação – UPAP. Doutor em Função Social do Direito – FADISP.
2 Professora e Coordenadora do NPJ do UniCesumar. Mestra em Direito pelo UniCesumar. Doutoranda em
Função Social do Direito – FADISP. 1
2
A APLICAÇÃO DA TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES NO DIREITO BRASILEIRO
THE APPLICATION OF THE THEORY OF SOURCE DIALOGUE IN BRAZILIAN LAW
Carlos Alexandre Moraes 1
Marta Beatriz Tanaka Ferdinandi 2
Resumo
O presente trabalho tem por objetivo realizar considerações a respeito da aplicabilidade da
Teoria do Diálogo das Fontes no direito pátrio. Para isso, o artigo tece alguns comentários a
respeito das fontes do direito e os inevitáveis conflitos entre elas, principalmente no que diz
respeito às antinomias de leis. Na sequência, conceitua-se o diálogo das fontes com o
objetivo de apresentá-lo como método capaz de conciliar a aplicação de diferentes normas,
para isso são apresentadas as três formas de diálogos sistemáticos.
Palavras-chave: Diálogo das fontes, Direito do consumidor, Direito civil, Direito constitucional, Leis especiais
Abstract/Resumen/Résumé
The present paper aims to make considerations about the applicability of the theory of
Sources Dialogue in Brazilian law system. For this, the article makes some comments about
the sources of law and the inevitable conflicts between them, especially laws antinomies
laws. After all, it will be conceptualized the dialogue of sources in order to present it as a
capable method of reconciling the application of different rules, and for this it will be
presented three forms of systematic dialogues.
Keywords/Palabras-claves/Mots-clés: Sources dialogue, Consumer law, Civil law, Constitutional law, Special laws
1
1 INTRODUÇÃO
No presente estudo, a proposta é fazer algumas considerações a respeito da Teoria do
Diálogo das Fontes, essa que surge como uma nova ferramenta para o intérprete do direito,
pois face às numerosas normas existente no ordenamento jurídico brasileiro muitas das vezes
se vê diante de leis contraditórias e conflitantes entre si, e os critérios tradicionais podem não
ser suficientes para superar essas antinomias.
A Teoria do Diálogo das Fontes é uma formulação teórica relativamente nova que foi
apresentada no ano de 1995, e tem como nome expoente dentro do Brasil, Cláudia Lima
Marques, professora da Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Trata-se de uma nova
visão na realização e aplicação do direito para a solução orientada de possíveis conflitos de
leis que possam surgir, diante do número de leis que tem-se atualmente, no intuito de proteger
os direitos fundamentais.
Dessa forma, a teoria coloca em voga a possibilidade das leis não serem aplicadas de
forma isolada, devendo buscar uma coexistência ou convivência entre essas normas.
Será analisado, a priori, o método capaz de conciliar a aplicação de diferentes normas
para um único fato, podendo ora ocorrer uma predominância de uma norma sobre a outra ou a
aplicação concomitante de duas ou mais normas.
Foi utilizado o método teórico que consiste na consulta de obras, de artigos de
periódicos, documentos eletrônicos e decisões dos Tribunais que tratam do assunto.
2 DAS FONTES DO DIREITO
O Direito é um conjunto de normas de conduta que rege a sociedade e que tem força
coativa, ou seja, tem punição para quem não cumpre as normas. A palavra fonte é proveniente
do latim fons, que significa nascente, manancial1, o objetivo é indicar onde o direito nasce. Claude Du Pasquier ensina que fonte “é o ponto pelo qual ela se sai das profundezas da vida social para aparecer à superfície do Direito”.2
O art. 4.º da Lei de Introdução as Normas de Direito Brasileiro (Decreto n.º 4.657, de 04 de setembro de 1942) dispõe que: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de
1
VAZ, Anderson Rosa. Introdução ao Direito. Curitiba: Juruá, 2008. p. 227.
2 PASQUIER, Claude Du. Introduction à la théorie générale et à la philosophie Du droit. Paris: Delachaux ET
Niestlé, 1978. p. 47.
acordo com a analogia, os costumes e os princípios gerais de direito.”3
Evidentemente a lei é a
primeira fonte de direito, todavia, a legislação brasileira admite a aplicação da analogia, os
costumes e os princípios gerais do direito. No mesmo sentido, outras legislações admitem o
uso de outras fontes, como, por exemplo, a Consolidação das Leis do Trabalho.
A LINDB prevê que a lei é a principal fonte de direito, todavia, estabelece também a
analogia, o costume e os princípios gerais do direito, não poder-se-á deixar de citar as fontes
auxiliares de interpretação no caso a jurisprudência, a doutrina e a equidade, sendo que estas
duas últimas estão mencionadas expressamente no art. 8.º da CLT, conforme supra citado.
Portanto, pode-se estabelecer como fontes do direito: a lei, o costume, a
jurisprudência, a doutrina, a analogia, os princípios gerais do direito e a equidade.
Fato é que, com essas numerosas leis é inevitavelmente a colisão entre elas, ocorrendo
assim à chamada antinomia que terá esses critérios para o solução. Nesse sentido, Flavio
Tartuce explica que:
Com o surgimento de qualquer lei nova, ganha relevância o estudo das antinomias, também denominadas lacunas de conflito. Dessa forma, a antinomia é a presença de duas normas conflitantes, válidas e emanadas de autoridade competente, sempre se possa dizer qual delas merecerá aplicação em determinado caso concreto.4
Para a solução desse problema ainda o autor delineia 3 critérios que devem ser levados
em conta para a solução dos conflitos, dos quais, o critério cronológico, que é quando uma
norma posterior prevalece sobre norma anterior, o segundo é o critério da especialidade,
utilizado quando uma norma especial prevalece sobre norma geral, e, por fim, o critério
hierárquico, quando uma norma superior prevalece sobre norma inferior.5 Importante destacar
que Flávio Tartuce6 alerta que a tendência pós-moderna sugere a substituição desses critérios
clássicos pela teoria do diálogo das fontes.
3 O QUE SE ENTENDE POR DIÁLOGO DAS FONTES
A Teoria do Diálogo das Fontes foi apresentada no ano de 1995 na cidade de Haia na
Holanda, pelo jurista alemão Erik Jayme, professor da Universidade de Heidelberg e
3 BRASIL, Decreto-lei n. 4657/1942. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm. Acesso em: 15 maio 2017.
4
TARTUCE, Flavio. Direito Civil 1: Lei de introdução e parte geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013. p. 37-38.
5 TARTUCE, Flavio. Direito Civil 1: Lei de introdução e parte geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
Método, 2013. p. 38.
6 TARTUCE, Flavio. Direito Civil 1: Lei de introdução e parte geral. 9. ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo:
introduzida no Brasil por Cláudia Lima Marques, professora da Universidade Federal do Rio
Grande do Sul.7
O ideal básico que se pretende alcançar por essa teoria é que as normas jurídicas não
se excluem simplesmente por pertencerem a ramos jurídicos distintos, mas ao contrário, elas
se completam, aplicando assim a premissa de uma visão unitária do ordenamento jurídico.8
Para Cláudia Lima Marques, ainda sobre a teoria do diálogo das fontes:
O uso da expressão do mestre, “diálogo das fontes”, é uma tentativa de expressar a necessidade de uma aplicação coerente das leis de direito privado, coexistentes no sistema. É a denominada “coerência derivada ou restaurada” (cohérence dérivée ou restaurée), que, em um momento posterior à descodificação, à tópica e a microrrecodificação, procura uma eficiência não só hierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, a evitar a “antinomia”, a “incompatibilidade” ou a “não coerência”. 9
Essa teoria visa introduzir um método diferente do tradicional (Conflito de Leis no
Tempo), transformando a aplicação das leis de forma simultânea e coerente. Ao tratar das
razões filosóficas e sociais da teoria, Claudia Lima Marques expõe que:
Aceite-se ou não as razões a pós-modernidade, a verdade é que, na sociedade complexa atual, com a descodificação, a tópica e a microrecodificação (como a do CDC) trazendo uma forte pluralidade de leis ou fontes, a doutrina atualizada está à procura de uma harmonia ou coordenação entre estas diversas normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema). É a denominada “coerência derivada ou restaurada” (“cohérence dérivée ou restaurée”), que procura uma eficiência não só hierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo. Erik Jayme alerta-nos que, nos atuais tempos pós-modernos, a pluralidade, a complexidade, a distinção impositiva dos direitos humanos e do “droit à la differènc” (direito a ser diferente e ser tratado diferentemente, sem necessidade de ser ‘igual’ aos outros) não mais permitem este tipo de clareza ou de ‘mono-solução’. A solução atual ou pós-moderna é sistemática e tópica ao mesmo tempo, pois deve ser mais fluida, mais flexível, a permitir maior mobilidade e fineza de distinções. Hoje, a superação de paradigmas foi substituída pela convivência ou coexistência dos paradigmas, como indica nosso título. Efetivamente, raramente encontramos hoje a revogação expressa, substituída pela incerteza da revogação tácita indireta, através da idéia de ‘incorporação’, como bem expressa o art. 2.043 do novo Código Civil. Há mais convivência de leis com campos de aplicação diferentes, do que exclusão e clareza. Seus campos de aplicação, por vezes, são convergentes e, em geral diferentes, mas convivem e coexistem em um mesmo sistema jurídico que deve ser ressistematizado. O desafio é este, aplicar as fontes em
7
TARTUCE, Flavio. Manual de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, v. único. p. 57.
8 TARTUCE, Flavio. Manual de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, v. único. p.
57.
9
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 122.
diálogo de forma justa, em um sistema de direito privado plural, fluido, mutável e complexo.10
A teoria do diálogo das fontes é um novo método de solução das contradições,
diferente daqueles critérios clássicos de solução de antinomias estabelecidos na Lei de
Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei n. 4.657/42).
Destarte, pode-se citar como uma das primeiras justificativas no intuito de
fundamentar a aplicação dessa teoria a funcionalidade, visto a enorme quantidade de leis,
causando confusão no aplicador do Direito surge essa teoria com um sentido diante de tanta
complexidade.11
Por meio da teoria do diálogo das fontes reconhece que na visão moderna do direito, há uma “tese” (lei antiga), uma “antítese” (lei moderna) e uma consequente síntese (revogação), sendo esses elementos que conferem clareza e certeza ao sistema de direito. Com
a ocorrência da pluralidade e da complexidade típicas da pós–modernidade, não há apenas
uma solução para esses casos, mas ao contrário, uma solução sistemática pós-moderna que
deverá ser mais fluída, flexível, permitindo desta forma uma maior mobilidade e harmonia de
soluções.12
Portanto, a noção de superação de paradigmas é substituída pela conveniência dos
paradigmas, há a possibilidade da aplicação simultânea, coerente e coordenada das múltiplas
fontes legislativas convergentes. Por isso escolheu-se o termo “diálogo”, pois denota a busca
de uma solução flexível e aberta, em uma lógica de tratamento aos diferentes.13 Nesse sentido,
Cláudia Lima Marques de forma precisa afirma que:
O uso da expressão do mestre, “diálogo das fontes”, é uma tentativa de expressar a necessidade de uma aplicação coerente das leis de direito privado, coexistentes no sistema. É a denominada “coerência derivada ou restaurada” (cohérence dérivée ou restaurée), que, em um momento posterior à descodificação, à tópica e a microrrecodificação, procura uma eficiência não só hierárquica, mas funcional do sistema plural e complexo de nosso direito contemporâneo, a evitar a “antinomia”, a
10 MARQUES, Cláudia Lima. Superação das antinomias pelo Diálogo das Fontes: O modelo brasileiro de
coexistência entre o Código de Defesa do Consumidor e o Código Civil de 2002. Revista da Escola Superior da Magistratura de Sergipe (ESMESE), n. 7, 2004. p. 29.
11 TARTUCE, Flavio. Manual de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, v. único. p.
58.
12
MARIGUETTO, Andrea. O diálogo das fontes como forma de passagem da teoria sistemático-moderna à teoria finalística ou pós-moderna do direito. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 121-122.
13
“incompatibilidade” ou a “não coerência”. 14
A teoria do diálogo das fontes busca “mais da harmonia e da coordenação entre as normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema) do que da exclusão.”15
Trata-se numa forma de solucionar essas antinomias que visa conseguir potencializar
essas soluções para situações presente na pós-modernidade, visto tratar-se de uma época de
redefinição de conceitos. Na pós-modernidade o pluralismo passa a ser observado
juridicamente, considerando-se a identidade cultural dos povos, indivíduos e todas as coisas
consideradas inerentes a sua cultura.16
Ademais, também a narração tem fundamental papel nessa teoria, visto que, pode ser
considerada como uma técnica de inter-relação entre indivíduos, que irá apresentar o que pode
e o que não pode ser realizado.17
Por fim, a essa teoria utiliza da harmonia e da coordenação para solucionar conflitos
de leis, visando uma solução mais coerente desses conflitos e que respeita sobretudo, os
direitos envoltos a cada questão de conflito.
4 A PREVISÃO EXPRESSA DA TEORIA DO DIÁLOGO DAS FONTES NO CÓDIGO
DE DEFESA DO CONSUMIDOR
No ordenamento jurídico brasileiro, a única forma expressa de se considerar essa
teoria do diálogo das fontes é o Código de Defesa do Consumidor que dispõe sobre a proteção
das relações de consumo e estabelece em seu art. 7° que:
Art. 7° Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade. (grifo nosso)18
14 MARIGUETTO, Andrea. O diálogo das fontes como forma de passagem da teoria sistemático-moderna à
teoria finalística ou pós-moderna do direito. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 122.
15 MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia
Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 123.
16 MARIGUETTO, Andrea. O diálogo das fontes como forma de passagem da teoria sistemático-moderna à
teoria finalística ou pós-moderna do direito. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 121-122.
17 MARIGUETTO, Andrea. O diálogo das fontes como forma de passagem da teoria sistemático-moderna à
teoria finalística ou pós-moderna do direito. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 122.
18 BRASIL, Lei n. 8078/1990, dispõe sobre o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm. Acesso em: 15 maio 2017.
O artigo mencionado evidencia uma cláusula de abertura deste microssistema (Código
de Defesa do Consumidor), cumprindo também o próprio mandamento constitucional de
proteção ao consumidor, que no art. 5º, inciso XXXII estabelece que:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor;19
Fica evidente a proteção especial com a figura do consumidor, este considerado
economicamente mais vulnerável20. Assim sendo, sempre que uma lei assegurar um direito ao
consumidor, esta poderá ser aplicada de forma conjunta com o Código de Defesa do
Consumidor, ocorrendo assim a efetivação da teoria do diálogo das fontes. O CDC não é a
única legislação de proteção ao consumidor.
Também a Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro institui emseu art. 5o que “(...) Na aplicação da lei, o juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum.”21
Acerca do assunto, Zeno Veloso ressalta que:
O art. 5o. da LICC enuncia uma regra de interpretação.
Para aplicar a lei (dizer o direito), o juiz terá, antes, de interpretá-la, descobrir não a vontade do legislador, mas a voluntas legis, a vontade atual da lei, o verdadeiro significado, a expressão de comando.
(...)
Portanto, mesmo que a expressão da lei seja discriminada, regida, descritiva, prevendo situações com detalhes, a interpretação é indispensável.22
Portanto, entende-se que essa possibilidade de diálogo das leis se transforma em uma
eficaz regra de interpretação que visa adequar as leis a uma realidade vivenciada em
determinadas circunstâncias.
A própria jurisprudência vem utilizando e reconhecendo a aplicação da teoria do
diálogo das fontes, no âmbito do Direito, como por exemplo, quando o Supremo Tribunal
Federal aplicou o reconhecimento do Código de Defesa do Consumidor nas atividades
19 BRASIL, Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03
/constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 maio 2017.
20
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 125.
21 BRASIL,
Decreto-lei 4657/1942. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm. Acesso em: 15 maio 2017.
22 VELOSO, Zeno. Comentários à lei de introdução ao código civil. Artigos 1 o a 6 o . 2. ed. Belém: UNAMA,
bancárias na ADIn 2.591, em seu voto o Ministro Joaquim Barbosa destacou que:
Não há, a priori, por que falar em exclusão formal entre essas espécies normativas, mas, sim, em “influências recíprocas’, em relação ‘aplicação conjunta das duas normas ao mesmo tempo e ao mesmo caso, seja complementarmente, seja subsidiariamente, seja permitindo a opção voluntária das partes sobre a fonte prevalente. 23
Desta forma, apesar do Código de Defesa do Consumidor ser a lei especial de proteção
ao consumidor, aquele não é instrumento exclusivo a esse fim, por isso, quando há relação de
consumo deve-se buscar apoio na legislação que mais favorecer o consumidor.
Sobre o estabelecido na LINDB24 e a teoria do diálogo das fontes Andrea Mariguetto
pondera que a lei antiga, que era a tese a ser cumprida se contrapõe a uma antítese e desta
forma surge a revogação dessa lei. No entanto, as situações complexas da pós-modernidade
faz com que existam outras soluções do que apenas uma em específico, trazendo uma maior
abertura, flexibilidade e fluidez nas soluções de determinadas soluções.25
Nesse sentido, é importante destacar que, por meio dessa regra de interpretação não
poderá afastar uma análise simultânea e harmoniosa com outras fontes legais em situações
que envolver relações de consumo. Assim, a teoria do diálogo das fontes busca “mais da
harmonia e da coordenação entre as normas do ordenamento jurídico (concebido como sistema) do que da exclusão.”26
Nota-se que a rapidez com que os fatos vêm ocorrendo atualmente e a complexidade
deles e consequentemente do próprio ordenamento jurídico que visa acompanhá-los, exige
uma maior coerência do jurista na aplicação de determinada lei sobreposta a outra.
Segundo Mário Luiz Delgado Régis, verifica-se na atualidade um ciclo virtuoso de
novos códigos e projetos em tramitações no Poder Legislativo, busca-se deste modo, absorver
23 BRASIL,
Supremo Tribunal Federal ADI n. 2591. Disponível em: http://redir.stf.jus.br /paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=435156. Acesso em: 15 maio 2017.
24 Art. 2o Não se destinando à vigência temporária, a lei terá vigor até que outra a modifique ou revogue.
§ 1o A lei posterior revoga a anterior quando expressamente o declare, quando seja com ela incompatível ou quando regule inteiramente a matéria de que tratava a lei anterior.
§ 2o A lei nova, que estabeleça disposições gerais ou especiais a par das já existentes, não revoga nem modifica a lei anterior.
§ 3o Salvo disposição em contrário, a lei revogada não se restaura por ter a lei revogadora perdido a vigência. BRASIL, Decreto-lei 4657/1942. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del4657compilado.htm. Acesso em: 15 maio 2017.
25
MARIGUETTO, Andrea. O diálogo das fontes como forma de passagem da teoria sistemático-moderna à teoria finalística ou pós-moderna do direito. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 114.
26
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 123.
uma gama de relações jurídicas antes versadas somente em legislação especial e mesmo
quando isso não ocorre de forma completa, há alguns princípios ou cláusulas gerais que
permitem a possível integração e interação do sistema.27
É justamente nesse momento que surge a importância da Constituição Federal como
um instrumento apto a unificar e dar harmonia aos valores expressos no ordenamento jurídico,
que diante do alto número de leis existentes acabam por perder a coerência necessária para a
sua aplicação.
Na relação de consumo a aplicação da teoria do diálogo das fontes é justamente isso
que acontece, no conflito entre leis, outras normas que possam trazer uma situação mais
vantajosa ao consumidor, sujeito vulnerável da relação, poder-se-á aplicada e avaliada em
conjunto com as normas do Código de Defesa do Consumidor, no intuito de dar uma maior
coerência e harmonias nessas situações.
Leonardo Roscoe Bessa alerta que, é necessário uma análise simultânea de diversas
normas do mesmo nível hierárquico, onde o intérprete da lei irá realizar uma ponderação de
acordo com a eficácia aos princípios, valores e direitos garantidos constitucionalmente.28
Por fim, não se pode também olvidar-se da figura da ponderação nessa atividade, pois
necessariamente deverá ser utilizada em cada caso em concreto, na garantia de preceitos
constitucionais.
5 O DIÁLOGO ENTRE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E O CÓDIGO
CIVIL
Apesar de algumas opiniões contrárias, há a possibilidade de existir um diálogo entre o
Código de Defesa do Consumidor (norma anterior, especial e hierarquicamente superior) e o
Código Civil de 2002 (norma posterior, geral e hierarquicamente inferior), algo que visa ser
realizado visando a aplicação de uma perspectiva constitucional na tutela do consumidor.
Nesse sentido, a primeira tentativa de aplicar essa teoria foi com a subsunção
concomitante tanto do Código de Defesa do Consumidor quanto do Código Civil a
determinadas relações obrigacionais. Essa atividade é realizada diante da aproximação
principiológica entre os sistemas em questão, consolidada pelos princípios sociais contratuais,
27
RÉGIS, Mario Luiz Delgado. A era das codificações voltou! Migalhas. Disponível em: http://www.migalhas.com.br/dePeso/16,MI193342,91041-A+era+das+codificacoes+voltou. Acesso em: 15 maio 2017.
28
principalmente da boa-fé objetiva e pela função social do contrato, superando de vez a ideia
de que o CDC seria um microssistema independente do Código Civil.29
Cláudia Lima Marques a respeito ao modelo brasileiro de coexistência e aplicação
simultânea do CDC e do CC, apresenta três espécies de diálogo: 1) na aplicação simultânea
das duas leis, uma lei pode vir a servir de base conceitual para a outra, é o chamado diálogo
sistemático de coerência, especialmente se uma lei é geral e a outra especial, ou seja, se
trata-se de uma lei central do sistema e de outra por meio de um microssistema específico que não
está completo em seu conteúdo e apenas com a complementação há a tutela de um grupo da
sociedade; 2) na aplicação coordenada das duas leis, pode ocorrer de uma lei complementar
depender da aplicação da outra no caso concreto, ocorrendo o chamado diálogo sistemático de
complementaridade e subsidiariedade em antinomias aparentes ou reais, que indica a
aplicação complementar tanto de suas normas, quanto de seus princípios, sendo necessário ou
subsidiário; 3) pode ainda ocorrer o diálogo de coordenação e adaptação sistemática, aquele
diálogo das influências recíprocas sistemáticas, onde ocorre uma possível redefinição do
campo de aplicação de uma lei, onde ocorre a influência do sistema especial no geral e do
geral no especial, ou seja, quando alguns conceitos estruturais de uma lei sofrem influências
da outra.30
Na primeira forma de diálogo, poderá ocorrer quando da aplicação de duas leis, uma
lei serve de base conceitual para a outra. Bruno Miragem adverte que a aplicação do diálogo
sistemático de coerência, poderá ocorrer da seguinte maneira:
a) no caso do diálogo sistemático de coerência, preserva-se o âmbito de aplicação de ambas as leis, evitando a sobreposição, utilizando como critério o fundamento teleológico das normas (no caso da comparação entre o Código Civil e o Código de Defesa do Consumidor, expressando o primeiro um “direito de iguais”, segundo a tradição moderna do direito civil, e o segundo um “direito entre desiguais” fundado no reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor como fundamento para sua proteção). Portanto, uma divergência quanto ao seu campo de aplicação, a fomentar, inclusive, interpretação mais restrita de consumidor (denominada interpretação finalista), e consequente redução do âmbito de aplicação do Código de Defesa do Consumidor a situações em que presente a vulnerabilidade do sujeito a ser protegido.31
29 TARTUCE, Flavio. Manual de Direito Civil. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2011, v. único. p.
59.
30
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 128.
31
MIRAGEM. Bruno. Eppur si muove: diálogo das fontes como método de interpretação sistemática no direito brasileiro. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 75-76.
Flávio Tartuce exemplifica o diálogo sistemático de coerência como aquele em que há
a possibilidade dos conceitos e das regras básicas relativas aos contratos em espécie, de serem
retirados do Código Civil mesmo sendo o contrato de consumo. Isso ocorre para a compra e
venda, para a prestação de serviços, para a empreitada, para o transporte, para o seguro, dentre
outros.32
Outra forma de diálogo ocorre quando da aplicação coordenada de duas leis, uma
norma pode complementar a outra, se de forma direta (diálogo de complementariedade), se
indireta (diálogo de subsidiariedade). O próprio art. 7.º do Código de Defesa do Consumidor
adverte que os direitos previstos no CDC não excluem outros decorrentes de tratados ou
convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária
(Código Civil), de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes,
bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e equidade.
Nesse sentido, Bruno Miragem destaca que o diálogo sistemático de
complementaridade e subsidiariedade, irá resultar, primeiramente na conclusão sobre a não
revogação do Código de Defesa do Consumidor de 1990 pelo Código Civil de 2002, e
também, no fato de não dispor sobre relações de consumo. Dessa forma, nas situações
específicas em que a aplicação de norma do Código Civil se revelar mais benéfica ao
consumidor tutelado pelo Código de Defesa do Consumidor, poderá afastar a norma
originalmente prevista para aplicar aquela mais benéfica prevista no sistema geral.33
Flávio Tartuce exemplifica que o diálogo de complementariedade ou diálogo de
subsidiariedade, poderá ocorrer quando dos contratos de consumo que também são de adesão,
poder-se-á invocar às cláusulas abusivas na proteção dos consumidores constante do art. 51
do CDC e ainda na proteção dos adeptos inseridos ao art. 424 do CC.34
Nota-se que a mesma interpretação foi utilizada no que diz respeito ao prazo
prescricional, na ementa citada logo abaixo, o Superior Tribunal de Justiça aplicou o prazo do
art. 205 do CC em detrimento ao prazo do art. 27 do CDC, uma vez que aquele era mais
benéfico ao consumidor, veja-se:
32 TARTUCE, Flávio. A teoria geral dos contratos de adesão no Código Civil: Visão a partir da teoria do diálogo
das fontes. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 209.
33
MIRAGEM. Bruno. Eppur si muove: diálogo das fontes como método de interpretação sistemática no direito brasileiro. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 76.
34
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. RELAÇÃO ENTRE BANCO E CLIENTE. CONSUMO. CELEBRAÇÃO DE CONTRATO DE
EMPRESTIMO EXTINGUINDO O DÉBITO ANTERIOR. DÍVIDA
DEVIDAMENTE QUITADA PELO CONSUMIDOR. INSCRIÇÃO POSTERIOR NO SPC, DANDO CONTA DO DÉBITO QUE FORA EXTINTO POR
NOVAÇÃO. RESPONSABILIDADE CIVIL CONTRATUAL.
INAPLICABILIDADE DO PRAZO PRESCRICIONAL PREVISTO NO ARTIGO 206, § 3°, V, DO CÓDIGO CIVIL. 1. O defeito do serviço que resultou na negativação indevida do nome do cliente da instituição bancária não se confunde com o fato do serviço, que pressupõe um risco à segurança do consumidor, e cujo prazo prescricional é definido no art. 27 do CDC. 2. É correto o entendimento de que o termo inicial do prazo prescricional para a propositura de ação indenizatória é a data em que o consumidor toma ciência do registro desabonador, pois, pelo princípio da “actio nata”, o direito de pleitear a indenização surge quando constatada a lesão e suas conseqüências. 3. A violação dos deveres anexos, também intitulados instrumentais, laterais, ou acessórios do contrato – tais como a cláusula geral de boa-fé objetiva, dever geral de lealdade e confiança recíproca entre as partes-, implica responsabilidade civil contratual, como leciona a abalizada doutrina com respaldo em numerosos precedentes desta Corte, reconhecendo que, no caso, a negativação caracteriza ilícito contratual. 4. O caso não se amolda a nenhum dos prazos específicos do Código Civil, incidindo o prazo prescricional de dez anos previsto no artigo 205, do mencionado Diploma. 5. Recurso especial não provido.35
No mesmo sentido a Terceira Turma já decidiu pela aplicação da Teoria do Diálogo
das Fontes em ações indenizatória em face das empresas tabagistas:
CONSUMIDOR E CIVIL. ART. 7º DO CDC. APLICAÇÃO DA LEI MAIS FAVORÁVEL. DIÁLOGO DE FONTES. RELATIVIZAÇÃO DO PRINCÍPIO DA ESPECIALIDADE. RESPONSABILIDADE CIVIL. TABAGISMO. RELAÇÃO DE CONSUMO. AÇÃO INDENIZATÓRIA. PRESCRIÇÃO. PRAZO. O mandamento constitucional de proteção do consumidor deve ser cumprido por todo o sistema jurídico, em diálogo de fontes, e não somente por intermédio do CDC. - Assim, e nos termos do art. 7º do CDC, sempre que uma Lei garantir algum direito para o consumidor, ela poderá se somar ao microssistema do CDC, incorporando-se na tutela especial e tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo. - Diante disso, conclui-se pela inaplicabilidade do prazo prescricional do art. 27 do CDC à hipótese dos autos, devendo incidir a prescrição vintenária do art. 177 do CC/16, por ser mais favorável ao consumidor. - Recente decisão da 2ª Seção, porém, pacificou o entendimento quanto à incidência na espécie do prazo prescricional de 05 anos previsto no art. 27 do CDC, que deve prevalecer, com a ressalva do entendimento pessoal da Relatora. Recursos especiais providos.36
No entanto, da mesma forma que enxerga-se a aceitação e aplicação da teoria do
diálogo das fontes, ainda hoje, as decisões mais recentes de determinados tribunais que
envolvem a indústria do tabaco, tem sido pela aplicação do prazo de 5 anos, conforme o art.
27 do CDC, excluindo-se a possibilidade de aplicação do prazo disposto no Código Civil
35 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 1276311/RS, Quarta Turma, Relator Ministro Luis Felipe
Salomão, DJe 17/10/2011.
36 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça, REsp 1.009.591; Proc. 2007/0278724-8; RS; Terceira Turma; Relª
Minª Fátima Nancy Andrighi; Julg. 13/04/2010; DJE 23/08/2010.
brasileiro.37
Vê-se desta forma que, mesmo depois do Superior Tribunal de Justiça já ter editado
súmula38 no que diz respeito a prescrição, como forma de proteger o consumidor no intuito de
aplicação do prazo do CC em determinadas relações de consumo, ainda permanece a celeuma
acerca das industrias tabagistas.
Por último, o diálogo de influências recíprocas sistemáticas que ocorre quando existe a
influência de uma lei sobre a outra – especial no geral e do geral no especial. Assim, o
diálogo das influências recíprocas sistemáticas significa que tanto a lei especial vai
influenciar a lei geral, quanto a lei geral vai influenciar a lei especial, são exemplos
sempre mencionados, “o sentido e efeitos do princípio da boa-fé no direito das obrigações, o abuso do direito e a compreensão contemporânea que lhe dá o Código de
Defesa do Consumidor”.39
Dessa forma, o conceito de consumidor pode sofrer influências do Código Civil
de 2002.40
6 O DIÁLOGO ENTRE O CÓDIGO DE DEFESA DO CONSUMIDOR E AS LEIS DE
37
APELAÇÃO CÍVEL. Responsabilidade civil. Tabagismo. Pretensão indenizatória. Fumante. Prescrição. CDC, art. 27. Precedentes do STJ e deste tribunal. Sentença confirmada. Apelo desprovido. (BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, AC 434796-25.2012.8.21.7000; Cachoeira do Sul; Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Luís Augusto Coelho Braga; Julg. 12/09/2013; DJERS 26/09/2013)
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. DIREITO DO CONSUMIDOR. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS E MATERIAIS. TABAGISMO. PRESCRIÇÃO QUINQUENAL. OCORRÊNCIA. Trata-se de ação de indenização por danos morais e materiais decorrentes do consumo tabagista de longa data, julgada extinta na origem em face da prescrição quinquenal havida. Prescreve em cinco anos a pretensão à reparação pelos danos morais e materiais causados por fato do produto (art. 27, CDC), que é norma especial em relação à norma geral preconizada no art. 2º, §2º do LICC e contada do conhecimento do dano e da autoria, nada importando a renovação da lesão no tempo, pois ainda que lesão contínua, a fluência da prescrição já se iniciou; a prescrição, embora disciplinada e regulada pelo direito privado - CCB, no processo judicial se constitui em matéria de ordem pública de tal sorte que pode ser conhecida de ofício, independentemente de provocação da parte. Essa é a inteligência aditada pela Lei Federal n.11280/2006. A norma processual é imperativa e não confere faculdade ao juiz para reconhecer a prescrição de ofício, mas o obriga a pronunciá-la "ex- officio. Com efeito, como se trata de matéria impreclusiva, pode ser revisada pelo próprio magistrado, como também, pela corte superior, a qualquer momento, independentemente de provocação e de qual das partes será beneficiada ou prejudicada pelo reconhecimento. Prescrição confirmada. Sentença mantida e processo extinto. Apelação desprovida. (BRASIL, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, AC 569592-21.2010.8.21.7000; Alvorada; Sexta Câmara Cível; Rel. Des. Niwton Carpes da Silva; Julg. 04/04/2013; DJERS 15/04/2013).
38 Súmula 412 do STJ “A ação de repetição de indébito de tarifas de água e esgoto sujeita
-se ao prazo prescricional estabelecido no Código Civil”. (BRASIL, Súmula 412 do Superior Tribunal de Justiça. Disponível em: http://www.jurisway.org.br/v2/bancojuris1.asp?pagina=1&idarea=28& idmodelo=21109. Acesso em 15 maio 2017).
39
MIRAGEM. Bruno. Eppur si muove: diálogo das fontes como método de interpretação sistemática no direito brasileiro. In: MARQUES, Cláudia Lima (coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 77.
40
PROTEÇÃO AOS VULNERÁVEIS
Em razão de uma profunda alteração dos meios de produção, onde o trabalho humano
é substituído pelas máquinas, e consequentemente a produção aumenta de forma considerável,
dando origem a um consumismo sem precedentes, reflexo direto da pós-modernidade.
Após a revolução nos meios de produção o consumidor tem a sua disposição um
número indefinido de produtos e serviços.
Nesse sentido, Oscar Ivan Prux afirmar que: “um estudo consciencioso, demonstra que
a grande maioria dos cidadãos comuns tem hoje acesso a mais bens materiais e serviços que qualquer rei da antigüidade” 41
, porém, esse aumento na produção causa na mesma proporção
a possibilidade de ocorrência de danos ao consumidor, visto a multiplicação de relações nessa
seara.
Aliado à revolução nos meios de produção, não se pode deixar de mencionar que, o
sistema forte de marketing, que é capaz de induzir as pessoas a consumirem cada vez mais,
muitas vezes sem necessidades, nesses casos, os consumidores são vítimas do poder de
persuasão das propagandas.
O Código de Defesa do Consumidor (Lei n. 8.078/1990), se caracterizou como uma
norma de proteção ao consumidor, proteção essa que é um mandamento constitucional42, que
nasce da necessidade de adequação do direito tradicional às realidades impostas pela nova
forma de produção e como um instrumento para diminuir o desequilíbrio entre as partes, ou
seja, fornecedor e consumidor.
Pode-se afirmar, que respeitados os ordenamentos constitucionais, é no Código de
Defesa do Consumidor que se deve buscar o embasamento legal a ser aplicado sempre que
envolver relação de consumo, por ser dispositivo específico, porém não é limitado ao CDC,
podendo o consumidor fazer uso de outras legislações, como por exemplos, o Estatuto da
Criança e do Adolescente, Estatuto do Estrangeiro, Estatuto do Idoso, Estatuto do Índio, Lei
de Proteção a Defesa da Pessoa Deficiente, Lei dos Planos de Saúde entre outras.
41 PRUX, Oscar Ivan. Responsabilidade civil do profissional liberal no código de defesa do consumidor. Belo
Horizonte: Del Rey, 1998. p. 28.
42
Art. 5º da CF. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes: [...] XXXII - o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor. Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos, existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios: [...] V - defesa do consumidor. (BRASIL, Constituição Federal. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03 /constituicao/constituicao.htm. Acesso em: 15 maio 2017.)
Nesse sentido, Cláudia Lima Marques defende o diálogo entre o Código de Defesa do
Consumidor e as leis especiais, afirmando:
Em resumo, também entre leis especiais há diálogo das fontes: diálogo sistemático de coerência, diálogo sistemático de complementaridade ou subsidiariedade e diálogo de adaptação ou coordenação. Note-se que raramente é o legislador quem determina esta aplicação simultânea e coerente das leis especiais (um exemplo de diálogo das fontes ordenado pelo legislador é o art. 117 do CDC, que mandou aplicar o Título III do CDC aos casos da anterior Lei da Ação Civil Pública, Lei 7.347/85, isto “no que for cabível”, “à defesa dos direitos e interesses difusos, coletivos e individuais”), e sim geralmente, tal diálogo é deixado ao intérprete e aplicador da lei, que geralmente aplica o CDC.43
Importante destacar que, consumidor é toda pessoa que adquire ou utiliza o produto ou
serviço para uso próprio como destinatário final44, e, que o consumidor é vulnerável. Do latim
vulnerabile. Traz em sua essência a simbologia de fraqueza. Vulnerabilidade, em sentido figurado,“diz-se do lado fraco de uma questão ou assunto e do ponto moral por onde alguém pode ser atacado.” 45
Afirmar que o consumidor é vulnerável, é dizer que ele é a parte mais fraca nas
relações de consumo. Por isso, o Código de Defesa do Consumidor trás em seu bojo os
direitos básicos, como uma forma de proteção à fragilidade do consumidor, frente ao
fornecedor. 46 No inciso I, do art. 4.º é expressa a condição de vulnerável do consumidor:
Art. 4º A Política Nacional das Relações de Consumo tem por objetivo o atendimento das necessidades dos consumidores, o respeito à sua dignidade, saúde e segurança, a proteção de seus interesses econômicos, a melhoria da sua qualidade de vida, bem como a transparência e harmonia das relações de consumo, atendidos os seguintes princípios:
I - reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo;47
Para James Marin a vulnerabilidade do consumidor é incindível no âmbito das
relações de consumo e independe de seu grau cultural ou econômico, não admite-se prova em
contrário, pois não se trata de mera presunção legal. É, justamente a vulnerabilidade,
qualidade intrínseca, inerente, peculiar, imanente e indissociável de todos que se colocam na
43
MARQUES, Cláudia Lima. Diálogo das fontes. In: BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. p. 96.
44
Art. 2.º do CDC.
45
DICIONÁRIO universal da língua portuguesa. UOL. Disponível em: www.priberam.pt/delpo/. Acesso em: 15 maio 2017.
46 Vide VIEIRA, Adriana Carvalho Pinto. O princípio constitucional da igualdade e o direito do consumidor.
Belo Horizonte: Mandamentos, 2002. p.19 e ss.
47 BRASIL, Lei n. 8078/1990, dispõe sobre o Código de Defesa do Consumidor. Disponível em:
posição de consumidor, em face do seu próprio conceito legal, seja consumidor-pessoa
jurídica ou consumidor-pessoa física.48
Assim, a vulnerabilidade não se confunde com a hipossuficiência, visto que, trata-se
de uma característica restrita aos consumidores que além de presumivelmente vulneráveis,
tem sua situação agravada por sua individual condição de carência cultural, material ou, como
ocorre com frequência, ambas. 49
Já para Antônio Herman de Vasconcelos e Benjamin, um dos autores do anteprojeto do Código de Defesa do Consumidor “vulnerável é todo o consumidor.”50
A própria Constituição Federal de 1988 trata de forma implícita a vulnerabilidade do
consumidor51, quando prescreve que o Estado promoverá a defesa do consumidor.
Acerca do tema Cláudia Lima Marques desvenda a figura do “hipervulnerável”:
Identifica-se hoje também uma série de leis especiais que regulam as situações de vulnerabilidade potencializada, especial ou agravada, de grupos de pessoas (idosos, crianças e adolescente, índios, estrangeiros, pessoas com necessidades especiais, doentes etc.), estes grupos de pessoas também atuam como consumidores na sociedade, resultando na chamada hipervulnerabilidade.52
Essa terminologia, hipervulneráveis53, também já foi adotada pela jurisprudência do
Superior Tribunal de Justiça, demonstrando dessa forma sua importância: “Ao Estado social importam não apenas os vulneráveis, mas sobretudo os hipervulneráveis”.54
Indubitavelmente é a condição de hipervulnerabilidade da criança e do adolescente,
doente, idoso, analfabeto e da pessoa deficiente.
No caso da criança, visou-se tutelar com danos morais a recusa indevida à cobertura
médica pleiteada pelo segurado, visto que houve um agravamento da situação de aflição
psicológica e de angústia no espírito daquele. Ressalte-se que as crianças, mesmo da mais
tenra idade, fazem jus à proteção irrestrita dos direitos da personalidade, entre os quais se
inclui o direito à integridade mental, assegurada a indenização pelo dano moral decorrente de
sua violação e que mesmo quando o prejuízo impingido ao menor decorre de uma relação de
48 MARINS, James, op. cit., p. 38-39. 49 MARINS, James, op. cit., p. 38-39. 50
BENJAMIN, Antonio Herman V.; MARQUES, Claudia Lima; BESSA, Leonardo Roscoe. Manual de direito do consumidor. 5. ed. rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais. 2013.
51 Vide MIRAGEM, Bruno. Curso de direito do consumidor. 2. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p.
67.
52
MARQUES, Claudia Lima. O “diálogo das fontes” como método da nova teoria geral do direito: um tributo a Erik Jayme. In: MARQUES, Claudia Lima (Coord.). Diálogo das fontes: do conflito à coordenação de normas do direito brasileiro. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2012. p. 41.
53
Vide NISHIYAMA, Adolfo Mamoru. A proteção constitucional do consumidor. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010. p. 229 e ss.
54 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça. Resp 686.316 – MG, rel. Min. Herman Benjamin, j. 17.04.2007.
consumo, o CDC, assegura uma efetiva reparação do dano, sem fazer qualquer distinção
quanto à condição do consumidor, notadamente sua idade, buscando-se assim, o chamado
diálogo de fontes, segundo o qual sempre que uma Lei garantir algum direito para o
consumidor, poder-se-á somá-la ao microssistema do CDC, incorporando-se na tutela especial
e tendo a mesma preferência no trato da relação de consumo.55
Já nos casos dos doentes, quando caracterizada a relação de consumo, como no caso
em especifico que a paciente, portadora de câncer colorretal metatástico, teve negado o
fornecimento do medicamento AVASTIN (bevacizumab), indicado por médico especialista
para o tratamento de quimioterapia, o plano de saúde alegou que referido remédio não é
aconselhável pela medicina atual para o tratamento dessa doença, sendo um “tratamento
experimental'', sendo assim, não poderia ser não coberto pelo contrato. No entanto, o Direito
Civil trabalha em constante diálogo com outros microssistemas jurídicos, como o CDC, nesse
sentido, além de estar obrigatoriamente abrangido pelos preceitos e garantias previstos na
Constituição Federal, por meio do princípio da dignidade da pessoa humana, a jurisprudência
é assente em afirmar que, em não havendo má-fé do favorecido, e por ser aplicado à espécie o
Código consumerista, podendo haver a declaração de nulidade da cláusula contratual abusiva,
que foi fundamento da exclusão da cobertura de procedimento do pacto firmado entre os
litigantes. Portanto, o art. 47 do CDC aduz que as cláusulas contratuais devem ser
interpretadas de modo mais favorável ao consumidor, e, em competindo ao médico,
profissional especializado, a avaliação dos meios adequados ao tratamento do paciente, não
pode a operadora querer eximir-se da responsabilidade de prestação do serviço e adentrar no
mérito da modalidade de tratamento que traga resultados mais favoráveis para a melhora da
doença que acomete a vítima.56
Portanto, na defesa das pessoas abrangidas pela situação de vulnerabilidade não há que
se negar a aplicação da teoria do diálogo das fontes, principalmente quando estas estão
tuteladas por preceitos constitucionais, como por exemplo, a dignidade da pessoa humana.
Ver-se-á na pratica a interpretação de acordo com os preceitos que lhe são mais favoráveis na
defesa de seus interesses.
Assim, na defesa do consumidor o diálogo não se resume entre o Código de Defesa do
Consumidor e o Código Civil, vai além, como, por exemplo as diversas leis especiais
55 BRASIL, Superior Tribunal de Justiça REsp 1.037.759; Proc. 2008/0051031-5; RJ; Terceira Turma; Relª
Minª Fátima Nancy Andrighi; Julg. 23/02/2010; DJE 05/03/2010.
56 BRASIL, Tribunal de Justiça do Ceará; AC 013797947.2009.8.06.0001; Quinta Câmara Cível; Rel. Des.
(Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Idoso, Lei sobre Incorporação Imobiliária,
Lei dos Planos de Saúde etc.)
8 CONSIDERAÇÕES FINAIS
São fontes do direito a lei, a jurisprudência, a analogia, o costume, os princípios gerais
do direito, a equidade e a doutrina, face as várias fontes, estas podem entrar em conflito e o
tradicional método de solução de conflitos estabelecidos pelos §§ 1.º e 2.º, do art. 2.º da Lei
de Introdução as Normas do Direito Brasileiro, ou seja, (temporal, hierárquico e especial)
podem não ser efetivos na solução desses conflitos.
É justamente nessa diapasão que surge a Teoria do Diálogo das fontes, de origem
alemã, recepcionada no Brasil por Cláudia Lima Marques, que visa solucionar esses conflitos
normativos (antinomias), permitindo ao operador do Direito a aplicação coordenada de
diversas normas para um mesmo caso concreto, não excluindo uma norma em virtude de
outra, mas tentando a coordenação na aplicação de ambas as normas.
O Código de Defesa do Consumidor possibilita a aplicação da teoria do diálogo das
fontes, conforme o art. 7°., visto que, o mencionado artigo evidencia uma cláusula de abertura
deste microssistema (Código de Defesa do Consumidor), cumprindo o mandamento
constitucional de proteção ao consumidor, visto que o próprio art. 5º, inciso XXXII da CF determina que “o Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”, ficando evidente assim a proteção especial com a figura do consumidor, considerado o vulnerável da
relação.
Por meio de pesquisa realizada, percebe-se que a jurisprudência pátria, tem caminhado
para aplicação da Teoria do Diálogo das Fontes especialmente no que diz respeita a proteção
do consumidor, uma vez que os resultados são satisfatórios, essa “conversa” tem efetivado os
direitos não apenas oriundos do Código Civil, mas também com as enumeras leis especiais,
por exemplo: Estatuto da Criança e do Adolescente, Estatuto do Estrangeiro, Estatuto do
Idoso, Estatuto do Índio, Lei de Proteção a Defesa da Pessoa Deficiente, Lei dos Planos de
Saúde, dentre outras.
Por fim, verifica-se a aplicação dessa teoria pelos Tribunais brasileiros visando dar
uma maior efetividade e mais justa aos conflitos que envolvam relações de consumo.
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