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Sumário. Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 96/17.6T8PRG.G1

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Tribunal da Relação de Guimarães Processo nº 96/17.6T8PRG.G1 Relator: PEDRO DAMIÃO E CUNHA Sessão: 31 Outubro 2018

Número: RG

Votação: UNANIMIDADE Meio Processual: APELAÇÃO Decisão: IMPROCEDENTE

ACÇÃO DE PREFERÊNCIA

COMUNICAÇÃO DOS ELEMENTOS ESSENCIAIS DA ALIENAÇÃO

CADUCIDADE ÓNUS DA PROVA

Sumário

Sumário (elaborado pelo relator):

“I. - Na acção de preferência, intentada nos termos do art. 1380º CC, cabe ao Autor apenas alegar e provar os factos de que resulta a sua situação de

preferente, ou seja: a) que foi efectuada venda ou dação em cumprimento de prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente é dono de prédio confinante com o alienado; c) que o prédio do preferente tem área inferior à unidade de cultura; e d) que o adquirente do prédio não é

proprietário confinante.

II. – Já é sobre o Réu que recai o ónus da prova dos factos relativos à comunicação e ao exercício extemporâneo do direito de preferência, nomeadamente que a acção foi intentada mais de seis meses após o conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

III- Mesmo que o Autor (na acção de preferência) tenha alegado, na petição inicial, o conhecimento daqueles elementos essenciais, em certa data, e não o tenha logrado provar, esse facto não poderá ter influência na decisão, uma vez que o ónus da prova da caducidade da acção recai sobre o Réu.

(2)

IV- Nos termos do art. 1410º do CC, o facto que determina a caducidade da acção de preferência não é o mero conhecimento de que a Ré seria a (nova) proprietária, mas sim, como o legislador impõe, a data em que o Autor “teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação”;

V- Não tendo a Ré demonstrado, conforme era seu ónus de prova, que o

pagamento das despesas (notariais, fiscais e registrais) se tenha projectado no património do Autor, tem que se considerar que não se mostram provados quaisquer factos demonstrativos do enriquecimento do Autor, pelo que, sendo este um dos requisitos de afirmação do enriquecimento sem causa (art. 473º do CC), a pretensão da adquirente em ser restituída dessas despesas não pode ser reconhecida.

VI- Na verdade, o Autor, enquanto preferente, só teria que restituir, na acção de preferência, as despesas feitas pelo adquirente, “mas apenas quando e na medida em que delas beneficie”, incumbindo à Ré (adquirente) o ónus da alegação e de prova da existência desse benefício”.

Texto Integral

Acordam os Juízes do Tribunal da Relação de Guimarães.

I. RELATÓRIO.

*

O Autor L. P. intentou a presente acção de processo comum contra Maria, J. T.

e X, UNIPESSOAL, LDA., peticionando:

A) Se declare que o Autor é proprietário do prédio rústico, sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, com a área de 1625 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 462, secção D, descrito a Conservatória do Registo Predial sob o número (...), da dita freguesia de (...), e do prédio rústico, sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, com a área de 7187 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo (...), secção D, descrito na Conservatória do Registo Predial sob o número (...), da dita freguesia de (...);

B) Se condenem os Réus a reconhecer o direito de preferência do Autor, mediante o depósito do preço, em relação à compra do prédio rústico, sito no lugar do (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião,

composto de mato e pinhal, com a área de 2062 m2, inscrito na matriz rústica

(3)

da citada freguesia sob o artigo (...), secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...), e do prédio rústico, sito no lugar do (...) ou (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de pinhal, cultura arvense de sequeiro, oliveiras e cultura arvense de regadio, com a área de 8811 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...), que foram objecto do documento particular intitulado “Contrato de compra e venda”, elaborado no dia 14 de Janeiro de 2016 e autenticado na mesma data no escritório da Solicitadora R.

P., sito na Rua (...), em Vila Real;

C) Se determine a substituição da 2.ª Ré pelo Autor na posição que aquela ocupava no contrato de compra e venda titulado pelo referido documento particular autenticado, por força do seu direito de preferência, ficando os prédios a pertencer-lhe;

D) Se ordene o cancelamento das inscrições de aquisição a favor da 2.ª Ré feitas nas fichas dos referidos prédios, na Conservatória do Registo Predial, com fundamento no dito documento particular autenticado, através da AP.

1973 de 2016/01/14;

E) Se condenem os Réus no pagamento das custas processuais.

Alega, sinteticamente, que:

(i) O Autor é dono e legítimo possuidor dos prédios rústicos, sitos no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, inscritos na respectiva matriz sob os artigos 462 e (...), descritos na Conservatória do Registo Predial sob os números (...) e (...);

(ii) O prédio descrito na alínea a) do artigo 1.º confina a sul com o prédio rústico composto de mato e pinhal, com a área de 2062 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo (...), secção D;

(iii) O prédio descrito na alínea b) do artigo 1.º confina a norte com o prédio rústico descrito no artigo anterior e a sul com o prédio rústico com a área de 8811 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D;

(iv) À data em que o Autor comprou os imóveis indicados no artigo 1.º desta petição, os prédios referidos nos artigos 13.º e 14.º, e que confinam com os adquiridos pelo Autor nos termos mencionados, pertenciam à herança aberta por óbito de A. T., que deixou a suceder-lhe como únicos herdeiros Maria e J.

T.;

(v) No dia 07 de Março de 2017, o Autor dirigiu-se à Conservatória do Registo Predial e ali obteve uma cópia do documento através do qual os referidos

(4)

prédios foram transmitidos à segunda Ré;

(vi) Até àquele dia, o Autor estava convicto de que os prédios mencionados nos artigos 13.º e 14.º se encontravam arrendados ao gerente da 2.ª Ré António.

*

A Ré X, UNIPESSOAL, LDA deduziu contestação com reconvenção, invocando, sumariamente, que:

(a) No ano de 2010, A. T., antecessor dos 1ºs Réus, à data donos e legítimos proprietários dos prédios rústicos inscritos sob os artigos matriciais (...)º e 484º, decidiu vendê-los; comunicou a todos os confinantes, mas ninguém quis comprá-los;

(b) À data em que compra os prédios rústicos 462º e (...)º, o Autor bem sabia ter o anterior proprietário renunciado ao direito de preferência dos rústicos (...)º e 484º;

(c) Logo que publicitada a venda dos rústicos (...)º e 484º pelo então A. T., de imediato António, sócio da 2ª Ré manifestou interesse na sua aquisição e foi desde logo autorizado a tomar posse dos mesmos;

(d) Optaram os intervenientes pela realização de um contrato de arrendamento rural em nome do referido António;

(e) Em 27 de Novembro de 2014, António, cedeu a sua posição contratual à Sociedade X;

(f) Já antes da aquisição dos rústicos 462º e (...)º era o Autor sabedor de que a 2ª Ré era proprietária dos Rústicos (...)º e 484º;

(g) Os prédios rústicos com os artigos matriciais (...)º e 484º vendidos pelos 1ºs Réus á 2ª Ré constituem uma exploração agrícola.

Concluiu, propugnando a improcedência da acção, requerendo a condenação do Autor como litigante de má-fé e impetrando:

1) Declarar-se que a 2ª Ré é dona e legítima possuidora dos prédios rústicos melhor identificados no artigo 85º da Reconvenção (C1);

2) Ser o Autor condenado a reconhecer o pedido formulado em 1) e a abster- se de por qualquer forma, via ou meio, perturbar, impedir ou impossibilitar o uso, gozo e fruição por banda da 2ª Ré dos prédios rústicos identificados nos autos (C2);

3) Subsidiariamente, para o caso das excepções não serem julgadas

procedentes e da acção ser julgada procedente e dos pedidos formulados em 1 e 2 não forem julgados procedentes:

(5)

a) Deve o Autor ser condenado a liquidar à 2ª Ré a quantia de € 97.984,70 (noventa e sete mil novecentos e oitenta e quatro euros e setenta cêntimos)., acrescida de juros de mora à taxa legal desde a citação até efectivo e integral e efectivo pagamento;

b) Declarar-se o direito de retenção a favor da 2ª Ré sobre os prédios rústicos melhor identificados no artigo 80º da reconvenção, nos termos das disposições conjugadas dos artigos 754º e 759º do C. Civil;

c) Ser o Autor condenado a reconhecer o direito de retenção da 2ª Ré até efectivo e integral pagamento da indemnização peticionada por esta em a).

*

Os Réus Maria e J. T. aduziram outrossim contestação, advogando a improcedência da acção.

**

O Autor consignou réplica, pugnando a improcedência das excepções e da reconvenção.

*

Proferiu-se despacho saneador, o qual:

A) Julgou a excepção dilatória de inadmissibilidade da reconvenção principal consignada nas als. C1 e C2 totalmente procedente;

B) Admitiu liminarmente a reconvenção subsidiária aduzida pela Ré X, UNIPESSOAL, LDA;

C) Julgou improcedente a excepção de caducidade atinente à falta de depósito do preço.

*

Exarou-se o despacho que enunciou o objecto do litígio e dos temas da prova.

*

Foi realizada a audiência de julgamento com observância do formalismo legal.

*

Na sequência foi proferida a seguinte sentença:

“V.

DISPOSITIVO

Pelo supra exposto:

1) Julga-se a acção totalmente procedente e, consequentemente, decide-se:

A) Declarar que o Autor L. P. titula o direito de propriedade com referência ao prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta

(6)

de Penaguião, com a área de 1625 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo 462, secção D, descrito a Conservatória do Registo Predial sob o

número (...), da dita freguesia de (...), e ao prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, com a área de 7187 m2, inscrito na respectiva matriz sob o artigo (...), secção D, descrito na

Conservatória do Registo Predial sob o número (...), da dita freguesia de (...);

B) Condenar os Réus MARIA, J. T. e X, UNIPESSOAL, LDA a reconhecerem o direito de preferência do Autor L. P. relativamente à compra do prédio rústico sito no lugar do (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de mato e pinhal, com a área de 2062 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo (...), secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...), e do prédio rústico sito no lugar do (...) ou (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de pinhal, cultura arvense de sequeiro, oliveiras e cultura arvense de regadio, com a área de 8811 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...), que foram objecto do documento particular intitulado “Contrato de compra e venda”, elaborado no dia 14 de Janeiro de 2016 e autenticado na mesma data no escritório da Solicitadora R.

P., sito na Rua (...), em Vila Real;

C) Determinar a substituição da Ré X, UNIPESSOAL, LDA pelo Autor L. P. no contrato de compra e venda referenciado em B);

D) Ordenar o cancelamento das inscrições de aquisição a favor da Ré X, UNIPESSOAL, LDA efectivadas nas fichas dos referidos prédios, na Conservatória do Registo Predial, através da ap. 1973 de 2016/01/14;

E) Absolver o Autor L. P. do pedido de condenação como litigante de má-fé;

F) Condenar os Réus MARIA, J. T. e X, UNIPESSOAL, LDA no pagamento das custas processuais.

2) Julga-se a reconvenção totalmente improcedente e, consequentemente, decide-se:

A) Absolver o Autor/Reconvindo L. P. do peticionado;

B) Condenar a Ré/Reconvinte X, UNIPESSOAL, LDA no pagamento das custas processuais.

*

Registe e notifique.”

*

É justamente desta decisão que a Recorrente/Ré (Autora, na acção reconvencional) veio interpor o presente Recurso, concluindo as suas alegações da seguinte forma:

(7)

“CONCLUSÕES:

1. No que à presente instância recursória importa, considerou o Tribunal a quo não provado que:

“18. No dia 14 de Janeiro de 2016, o Autor tomou conhecimento do

referenciado em 8)” e que “20. A Ré X despendeu a quantia de € 10.516,97 (dez mil quinhentos e dezasseis euros e noventa e sete cêntimos) com a

limpeza dos terrenos, a destruição dos resíduos provenientes dessa limpeza, a execução de movimentação de terras para abertura de caminhos e acesso aos rústicos, a abertura de patamares nas parcelas não suportadas por socalcos e a preparação do terreno para a instalação do olival.”

2. Mais omitiu o Tribunal a quo qualquer referência à factualidade invocada pelo autor relativamente à data do conhecimento dos elementos da venda, conforme alegado nos artigos 16º a 19º da petição inicial, factualidade que ficou absolutamente desprezada em sede decisória, seja na factualidade considerada provada, seja na factualidade julgada não provada.

3. No que respeita ao ponto de facto julgado não provado sob o ponto 18), foi a seguinte a fundamentação da convicção do julgador:

“No que se atem aos factos 14) a 19), ante a manifesta claudicância e

decaimento das testemunhas dos Réus com referência ao arrendamento dos prédios alardeadamente pretérito a 2014 nos termos sobreditos, inexistindo quaisquer provas documentais conexas e sucumbindo a demonstração da existência de uma exploração agrícola (elidida pela composição dos terrenos, v.g., pinheiros e mato), postulou-se o naufrágio da factualidade vertida em 14) 19)”.

4. Pela fundamentação aduzida, percebemos que soçobrou a prova da segunda ré relativamente à existência de um arrendamento anterior ao ano de 2014, bem como a demonstração da existência de uma exploração agrícola. Nada se diz, porém, concretamente, que possa justificar e/ou fundamentar o

julgamento de facto do ponto 18) e que se atém à data em que o autor teve conhecimento do negócio de venda em que pretende preferir.

Ora,

5. Dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de

discussão e julgamento resulta clara - a nosso ver – a errada valoração que o Julgador fez da prova produzida quanto ao facto que ora nos ocupa, não se logrando entender qual o verdadeiro motivo que levou o Tribunal a quo a considerar como não provado que no dia 14 de Janeiro de 2016 o autor tinha conhecimento da venda ocorrida e que teve por objecto os prédios rústicos

(8)

(alegadamente) preteridos.

6. Todas as testemunhas sustentam a tese vertida nos autos pela segunda ré no sentido de o autor tinha conhecimento da venda dos prédios rústicos preferidos muito antes de 14 de Janeiro de 2016.

7. É certo que nem todas as testemunhas são unânimes quanto à data em que esse conhecimento ocorreu. Todavia, tais divergências denotam bem a

naturalidade e genuinidade com que as testemunhas depuseram, mostrando não existir entre elas qualquer predeterminação quanto ao teor dos seus depoimentos. Por outro lado, a divergência entre as datas a que se reporta o conhecimento do autor está também relacionada com o maior ou menor conhecimento que cada uma das testemunhas demonstrou ter da cadeia histórico-detentiva dos prédios, mormente quanto à existência de um arrendamento, seguido de aquisição, que teve por objecto esses prédios

rústicos. Na verdade, algumas testemunhas referem a ocorrência da venda em data anterior à do contrato de venda, o que se explica pelo desconhecimento do arrendamento que lhe precedeu. Todavia, claro também ficou que o autor teve conhecimento da venda e da formalização do contrato de compra e venda (veja-se, a título de exemplo a reunião a que alude a testemunha F. C., bem como o testemunho de Pedro).

8. Ora, à segunda ré cumpre, apenas, provar a factualidade respeitante ao conhecimento do autor relativamente à venda realizada, mormente que esse conhecimento ocorreu há mais de 6 (seis) meses relativamente à data da propositura da acção.

9. E, quanto a essa factualidade, diga-se em abono da verdade, não temos dúvidas que resulta de forma unânime do depoimento das testemunhas supra mencionadas que o Autor tinha conhecimento da venda ocorrida (e que nestes autos pretende impugnar) desde pelo menos Junho de 2016.

10. Acresce ainda dizer que, se por um lado o Tribunal a quo rejeita os

depoimentos que atestam o conhecimento do autor desde, pelo menos, Junho de 2016; por outro, o MM. Juiz da causa também não aceita nem valora a tese do autor, que alegou só ter tido conhecimento da venda em 07 de Março de 2017, por forma a, assim, justificar a data em que propôs a acção, podendo ler-se na sentença recorrida que a tese apresentada pelo autor consubstancia uma “tese lassa e desprovida do exigível substracto fáctico”.

11. Apraz ainda dizer que também o acervo documental que compõe os presentes autos demonstra, quando conjugado com a demais prova

testemunhal, o conhecimento do autor relativamente à venda dos prédios rústicos há mais de 6 (seis) meses a contar da data da propositura da acção.

12. E assim, bem atenta a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento e o demais acervo documental junto aos autos, deve, a

(9)

par da demais factualidade considerada assente, julgar-se provada a

factualidade alegada pela segunda ré na sua contestação no que respeita à data do conhecimento pelo Autor da venda operada, dando a essa factualidade uma resposta restritiva no sentido de considerar provado apenas que:

“O Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8), pelo menos, em Junho de 2016.”

13. No que concerne ao facto julgado não provado sob o ponto 20, o Tribunal olvidou que tal questão foi abordada por uma das testemunhas que atestou que foram efectuados nos prédios rústicos objecto dos autos, pelo menos, os trabalhos de movimentação de terras, baseados em cerca de seis mil euros o hectare.

14. E assim sendo, como de facto foi, deveria o Tribunal a quo julgar provada a realização desses trabalhos de movimentação de terras alegados e provados nos autos, concedendo a tal factualidade uma resposta restritiva e

considerando, a final, provado que:

“A Ré X procedeu à execução de movimentação de terras, cujo valor de execução tem por base os € 6.000,00 (seis mil euros) por hectare.”

15. Ainda com relevância para o conhecimento do(s) pedido(s) decidendo(s) devia, ainda, o Tribunal a quo ter tomado posição quanto ao julgamento da factualidade alegada pelo autor respeitante ao conhecimento da venda

realizada em 14 de Janeiro de 2016 e que teve por objecto os prédios rústicos objecto da preferência peticionada nestes autos, julgando não provado que:

“No dia 07 de Março de 2017, o Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8)”

16. A procedência do presente recurso no que respeita às respostas dadas à matéria de facto, mormente no que respeita aos factos a que se alude nos pontos A.1) e A.3), determinará que o presente recurso proceda, igualmente, quanto à apreciação do mérito da decisão, implicando necessariamente a revogação da decisão recorrida e a sua substituição por outra que julgue procedente a excepção de caducidade invocada pela segunda ré, por se encontrarem decorridos mais de 6 (seis) meses desde a data em que o autor teve conhecimento da venda (pelo menos em Junho de 2016) e a data da propositura da acção (em 28 de Março de 2017) – v.g. artigo 1410º, n.º 1, do C. Civil, aplicável ao caso dos autos ex vi artigo 1380º, n.º 4, do mesmo diploma legal.

17. Nesta conformidade, deverá a sentença recorrida ser revogada e substituída por outra que julgue procedente a excepção de caducidade invocada pela segunda ré, improcedendo no mais os pedidos deduzidos pelo autor.

18. Mas, mesmo que assim não se entenda, e que este Tribunal ad quem faça

(10)

improceder o presente recurso no que respeita à decisão de facto, o que por mera hipótese académica se concebe, a verdade é que sempre o pedido de reconhecimento do direito de preferência do autor sobre os prédios sub judice terá necessariamente de improceder, por falta de prova que o autor apenas tomou conhecimento dos elementos essenciais da venda em 07 de Março de 2017, tal como alegou.

19. E isto porque cumpria ao autor alegar e provar que tomou conhecimento desses elementos essenciais há menos de 6 (seis) meses antes da data da propositura da acção.

20. Em consequência, deverá, ainda, improceder o pedido de cancelamento do registo de aquisição dos prédios a favor da ré X, Unipessoal, Lda.

Sem prescindir, e caso assim não se entenda, o que por mera hipótese académica se admite, sempre cumprirá dizer o seguinte quanto à matéria peticionada em sede de reconvenção.

21. Entende a recorrente resultarem dos autos indícios suficientes que permitem concluir pela prova do seguinte facto alegado pela segunda ré em sede de reconvenção: “A Ré X procedeu à execução de movimentação de terras, cujo valor de execução tem por base os € 6.000,00 (seis mil euros) por hectare”.

22. Caso tal pretensão venha a proceder, decidindo este Tribunal ad quem pela alteração da matéria de facto nos termos pretendidos, impõe-se, igualmente, a revogação da decisão de mérito que respeita ao direito de crédito da segunda ré e, bem assim, à garantia do mesmo por direito de

retenção sobre os prédios preferidos – v.g. artigos 216º, n.º 1, 1273º, n.º 1, 1ª parte, 562º e 566º, todos do C. Civil.

23. Ainda sem prescindir, e ainda que aquela alteração à matéria de facto não venha a ocorrer, deve o autor ser condenado a restituir à segunda ré os

valores a que aludem os pontos 11), 12) e 13) da matéria de facto julgada provada, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473º e seguintes do C. Civil.

24. Impõe-se, igualmente, nesse caso, reconhecer à reconvinte o direito de retenção sobre os prédios rústicos preferidos até ao efectivo e integral

pagamento do crédito que venha a ser reconhecido à segunda ré/reconvinte – v.g. artigo 754º do C. Civil.

TERMOS EM QUE deve o presente recurso proceder, com as legais consequências…”

*

Foram apresentadas contra-alegações pelos AA., onde os mesmos pugnam pela improcedência do Recurso.

(11)

*

Cumpridos os vistos legais, cumpre decidir.

*

II- FUNDAMENTOS

O objecto do recurso é delimitado pelas conclusões da alegação do recorrente, não podendo este Tribunal conhecer de matérias nelas não incluídas, a não ser que as mesmas sejam de conhecimento oficioso- cfr. artigos 635.º, nº 4, e

639.º, nºs 1 e 2, do CPC.

*

No seguimento desta orientação, a(s) Recorrente(s) coloca(m) as seguintes questões que importa apreciar:

1.- Determinar se o tribunal a quo incorreu num erro de julgamento, e, consequentemente, se, reponderado esse julgamento:

- o ponto 18 da matéria de facto considerada não provada deve ser alterado, no sentido de se considerar antes provado que:

A1) “O Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8), pelo menos, em Junho de 2016.”;

- o ponto 20 da matéria de facto considerada não provada deve ser alterado, no sentido de se considerar antes provado que:

A2) “A Ré X procedeu à execução de movimentação de terras, cujo valor de execução tem por base os € 6.000,00 (seis mil euros) por hectare.”

*

2. O Tribunal Recorrido omitiu qualquer referência à factualidade invocada pelo Autor relativamente à data do conhecimento dos elementos da venda, conforme alegado nos artigos 16º a 19º da petição inicial, factualidade que ficou absolutamente desprezada em sede decisória, seja na factualidade considerada provada, seja na factualidade julgada não provada.

Nessa sequência, devia o Tribunal Recorrido ter julgado como não provado os seguintes factos:

“No dia 07 de Março de 2017, o Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8)” (Não provado).

*

2. Saber se, sendo modificada a matéria de facto no sentido propugnado pela (s) Recorrente(s), deve a excepção de caducidade invocada pela segunda Ré ser julgada procedente, por se encontrarem decorridos mais de 6 (seis) meses desde a data em que o Autor teve conhecimento da venda (pelo menos em Junho de 2016) e a data da propositura da acção (em 28 de Março de 2017) –

(12)

v.g. artigo 1410º, n.º 1, do C. Civil, aplicável ao caso dos autos ex vi artigo 1380º, n.º 4, do mesmo diploma legal.

*

3. Saber se, mesmo que não seja modificada a decisão de facto, sempre o pedido de reconhecimento do direito de preferência do Autor sobre os prédios sub judice terá necessariamente de improceder, por falta de prova que o autor apenas tomou conhecimento dos elementos essenciais da venda em 07 de Março de 2017, tal como alegou.

*

Quanto à matéria peticionada em sede de reconvenção:

4. Saber se alterada a decisão de facto (quanto ao ponto 20 considerado não provado) se impõe a revogação da decisão de mérito que respeita ao direito de crédito da segunda Ré e, bem assim, à garantia do mesmo por direito de

retenção sobre os prédios preferidos – v.g. artigos 216º, n.º 1, 1273º, n.º 1, 1ª parte, 562º e 566º, todos do C. Civil.

5. Saber se, mesmo que não seja modificada a decisão de facto quanto ao referido ponto, deve o Autor ser condenado a restituir à segunda Ré os valores a que aludem os pontos 11), 12) e 13) da matéria de facto julgada provada, ao abrigo do instituto do enriquecimento sem causa, previsto nos artigos 473º e seguintes do C. Civil. Saber se, nesse caso, se impõe reconhecer à reconvinte o direito de retenção sobre os prédios rústicos preferidos até ao efectivo e integral pagamento do crédito que lhe venha a ser reconhecido– v.g. artigo 754º do C. Civil.

*

A)- FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO

A sentença proferida em 1ª instância julgou provados os seguintes factos:

“III.

FUNDAMENTAÇÃO DE FACTO A) Factos provados

Positivada a audiência final, atestam-se como demonstrados os seguintes factos pertinentes para a boa decisão da causa:

1. Pela ap. 1264 de 2014/12/01, afigura-se registada a aquisição a favor L. P.

do prédio rústico sito em (...), freguesia de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...)/(...) e inscrito na matriz sob o artigo 462, secção

(13)

D.

2. Pela ap. 1274 de 2014/12/01, afigura-se registada a aquisição a favor L. P.

do prédio rústico sito em (...), freguesia de (...), descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...)/(...) e inscrito na matriz sob o artigo (...), secção D.

3. Nos prédios descritos em 1) e 2), o Autor manteve o cultivo de pinheiros e sobreiros pré-existentes e instalou algumas colmeias no prédio referenciado em 2).

4. Até à presente data, o Autor, desde Novembro de 2014, e, antes dele, os antepossuidores dos prédios atrás descritos, têm mantido a limpeza e utilização dos mesmos à vista e com o conhecimento de toda a gente, ininterruptamente, com a convicção de exercer um direito próprio e na convicção de não estarem a lesar interesses ou direitos alheios.

5. O prédio mencionado em 1) confina a sul com o prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de mato e pinhal, com a área de 2062 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo (...), secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...).

6. O prédio indicado em 2) confina a norte com o prédio rústico enunciado em 5) e a sul com o prédio rústico sito no lugar do (...) ou (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de pinhal, cultura arvense de sequeiro, oliveiras e cultura arvense de regadio, com a área de 8811 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...)

7. No dia 1 de Dezembro de 2014, por escrito com a epígrafe” Contrato de Arrendamento de Prédio Rústico” subscrito por Maria na qualidade de cabeça de casal e representante da herança de A. T., como primeira outorgante, e X – Unipessoal, Lda., representada pelo gerente António, como segundo

outorgante, consignou-se, designadamente, que:

“Cláusula primeira

O primeiro outorgante é dono e legítimo possuidor dos prédios rústicos sito no lugar de “(...)” designado pela matriz 484.º e com o número de matriz (...).º designado por “(...)”, do Serviço de Finanças.

Cláusula segunda

Pelo presente contrato, o primeiro outorgante arrenda e o segundo outorgante toma de arrendamento os locados melhores identificados na cláusula primeira, que se destinam ao uso pelo segundo outorgante.

(14)

Cláusula terceira

Este arrendamento é feito pelo prazo de 25 anos, com início em 1 de Dezembro de 2014 (…).”

8. No dia 14 de Janeiro de 2016, por escrito com a epígrafe “Contrato de compra e venda”, subscrito por Maria e J. T., como primeiros contraentes, e António, na qualidade de sócio único, gerente e em representação da

sociedade X, Unipessoal, Lda., como segundo contraente, consignou-se, designadamente, que:

“São os primeiros contraentes referidos nas alíneas a) e b) os únicos interessados na herança aberta por óbito de A. T. (…)

Da herança indivisa fazem parte os seguintes imóveis situados na freguesia da (...) do concelho de Santa Marta de Penaguião:

Um: prédio rústico composto de pinhal, cultura arvense de sequeiro, oliveiras e cultura arvense de regadio, sito no lugar de (...), inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...);

Dois: prédio rústico composto de mato e pinhal, sito no lugar de (...), inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo (...), secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...).

Pelo presente contrato os primeiros contraentes a) e b) vendem à representada do segundo contraente pelo valor global de dois mil e

quinhentos euros, já recebido, do qual dão quitação, os identificados rústicos, livres de quaisquer ónus e encargos (…)

O segundo contraente declara que aceita para a sua representada este contrato nos termos exarados.”

9. Pela ap. 1973 de 2016/01/14, afigura-se registada a aquisição a favor da X, Unipessoal, Lda. dos prédios enunciados em 8).

10. Os antecessores da Ré X, Unipessoal, Lda., há mais de 20 e 30 anos que têm procedido à limpeza dos prédios indicados em 8), á vista de todas as pessoas, sem oposição de quem quer que seja, de forma ininterrupta, com a convicção de que os ditos prédios rústicos lhe pertenciam.

11. A Ré X despendeu a quantia de 248,40€ (duzentos e quarenta e oito euros e quarenta cêntimos) aquando da subscrição do escrito referido em 8).

12. A Ré X pagou a quantia de € 125,00 (cento e vinte e cinco euros) de imposto municipal de transmissões e 20,00€ (vinte euros) de imposto de selo com referência ao descrito em 8).

13. A Ré X despendeu a quantia de 137,50€ (cento e trinta e sete euros e cinquenta cêntimos) com o registo mencionado em 9).

(15)

*

B) Factos não provados

14. Em 2010, A. T., declarou a José e esposa M. M. a intenção de vender prédios mencionados em 8).

15. No circunstancialismo indicado em 14), José e esposa M. M. declararam não ter qualquer interesse em comprar os sobreditos prédios.

16. Em Março de 2010, A. T. declarou arrendar os prédios citados em 8) a António, o qual declarou tomar de arrendamento os mesmos.

17. Em 27 de Novembro de 2014, António declarou ceder a sua posição contratual à sociedade X – Unipessoal, Lda.

18. No dia 14 de Janeiro de 2016, o Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8).

19. Há mais de 20 e 30 anos que a Ré X e os seus antecessores cultivam os prédios descritos em 8) no âmbito de uma actividade de exploração agrícola dos mesmos.

20. A Ré X despendeu a quantia de € 10.516,97 (dez mil quinhentos e dezasseis euros e noventa e sete cêntimos) com a limpeza dos terrenos, a destruição dos resíduos provenientes dessa limpeza, a execução de movimentação de terras para abertura de caminhos e acessos aos rústicos, a abertura de patamares nas parcelas não suportadas por socalcos e a preparação do terreno para a instalação de olival.

21. A Ré X tem já “adjudicados” os seguintes trabalhos a realizar nos prédios rústicos:

A) Plantação no remanescente do terreno de nogueiras e quivis, no qual vai despender a quanta de €1.137,00;

B) Instalação de bombagem e sistema de rega no valor de €53.753,00;

C) Serviço de máquinas para abertura de valas e fornecimento e colocação de manilhas abertas e fechadas nos acessos á exploração no valor de €3.050,93;

D) Construção de um reservatório de água, no qual vai despender da quantia de €3.127,90;

E) Construção da casa das máquinas, a qual se mostra orçada em € 5.868,00.

22. A Ré despendeu o valor total de € 97.453,80 (noventa e sete mil

quatrocentos e cinquenta e três euros e oitenta cêntimos) com “despesas de conservação” dos prédios indicados em 8).

23. Após o citado em 8), a Ré X destruiu um muro em xisto que delimitava o prédio inscrito na matriz predial da freguesia de (...) sob o artigo 484.º a Oeste com o caminho público pedonal, numa extensão de cerca de 40m de

comprimento, com uma altura média de 1m e a largura de 0,50m, no valor de

(16)

4.000,00€.

24. Com a intervenção que fez nos prédios enunciados em 8), a Ré X abateu pinheiros, urzes, medronheiros, azinheiras e dezenas de sobreiros.

25. Na sequência do referenciado em 20), terão de ser realizadas obras de drenagem para encaminhamento de águas no valor total de € 2.350,00.

26. Em consequência do mencionado em 24), será ainda necessário proceder à plantação de árvores e arbustos, preferencialmente espécies autóctones, como é o caso dos sobreiros e dos medronheiros, com o custo global de € 1.920,00.

**

B)- FUNDAMENTAÇÃO DE DIREITO

Já se referiram em cima as questões que importa apreciar e decidir.

*

Por uma questão de ordem lógica de conhecimento, justifica-se que se inicie a apreciação das questões atrás enunciadas, por aquela que contende com a alegada omissão de julgamento da factualidade que se mostrava alegada nos itens 16 a 19 da petição inicial.

Constata-se efectivamente que o Tribunal Recorrido, ao proferir a decisão sobre a matéria de facto, não se pronunciou sobre esta factualidade, não tendo apresentado, aparentemente, qualquer fundamento para o não ter efectuado.

Mas, antes de entrar directamente nesta questão processual, importa, de uma forma geral, caracterizar de que modo se torna operativo o direito de

preferência, caracterização essa que permitirá extrair importantes consequências para a resolução do presente Recurso, tendo em conta a posição dos diversos Intervenientes no exercício do direito de preferência.

Como é sabido, o direito legal de preferência - como aquele que o A. invoca, no caso concreto - é “…um direito real sobre um imóvel, em virtude do qual a pessoa em benefício de quem se dá, tem a faculdade, em face do proprietário, de compra preferente, quer dizer, que, no caso de venda de imóvel a um

terceiro, o titular pode fazer com que, mediante uma declaração dirigida ao proprietário, este seja obrigado a transmitir-lhe o imóvel, ficando obrigado, por seu lado, o titular ao pagamento do preço convencionado com o terceiro…

“ (1).

Assim, o preferente, como resulta do artigo 1410º do CC, a quem não se dê conhecimento da venda, tem direito de haver para si a coisa alienada,

(17)

contanto que o requeira no prazo de seis meses, a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação (2) e deposite o preço devido, no prazo legal.

Destas considerações resulta que o direito de preferência deve ser qualificado como um direito real de aquisição (3), um poder que se manifesta na

faculdade de adquirir a coisa alienada, tanto por tanto (4), em caso de

alienação a terceiro e de a exigir a quem quer que a tenha adquirido (sequela).

Ora, por assim ser é que o exercício do direito de preferência conduz à substituição ex tunc do adquirente pelo preferente (5).

No entanto, como referem A. Varela/P. Lima (6), “… a ideia de que, através do exercício da prelação, o preferente substitui ao adquirente, com eficácia ex tunc, não deve, porém, ser levada às suas últimas consequências lógicas… o contrato celebrado entre o alienante e o adquirente produz a sua eficácia translativa normal, mas em virtude da existência de um direito de opção a posição jurídica do adquirente fica sujeita por força da lei, a uma condição (conditio júris) resolutiva… ele perderá o direito que adquiriu se a preferência vier a ser triunfantemente exercida… “.

Sucede que este direito real de aquisição, que opera a aludida substituição, com eficácia ex tunc do adquirente pelo preferente, só se torna possível em consequência da violação pelo obrigado à preferência do vínculo obrigacional de oferecer a coisa ao beneficiário do direito preferente, dever de

comunicação comum a todos os direitos legais de preferência – artigos 416º, nº 1, 1117º, nº 2, 1380º, nº 4, 1409º, nº 2, 1507º, nº 1, 1535º, nº 2 e 2130º todos do CC.

Assim, da natureza híbrida (obrigacional e real) da relação legal de

preferência resulta que o exercício desse direito por via de acção assenta num facto ilícito do obrigado à preferência (os aqui Réus) – violação do dever de comunicação ao preferente.

Por isso, não só o preferente se pode substituir, como se referiu, ao adquirente na titularidade da coisa, como o alienante violador do dever legal de

informação pode ser compelido a indemnizar pelos prejuízos causados, quer o preferente, quer o adquirente (7), como decorre da aplicação do princípio da boa fé – artigos 227º e 762º do CC (8).

“Com efeito, se o alienante tiver informado falsamente o adquirente de que

(18)

notificara o preferente e este renunciara a exercer o seu direito, ou se tiver ocultado dolosamente (art. 253º) a existência do direito de preferência (legal ou convencional: cfr. a propósito o disposto no art. 421º), ele terá violado o dever de boa-fé com que a lei o manda agir (arts. 227º e 762º, nº 2),

constituindo-se na obrigação de indemnizar o adquirente pelos danos que este sofra com a perda da sua aquisição… “ (9).

Destas considerações, decorre assim que a obrigação de indemnização que poderia ser pretendida pela Ré/Recorrente contra o Réu alienante só pode surgir se aquela lograsse provar a existência de violação do dever de

informação, no âmbito do contrato de compra e venda celebrado, quanto à indicação de que o preferente não havia exercido o direito de preferência, uma vez que, não se verificando a ocorrência deste facto ilícito, não se provando aquela violação, a compra e venda era efectuada sob condição resolutiva do não exercício do direito de preferência pelo preferente - situação em que a Ré já não teria direito a ser indemnizada pelos alienantes (RR.), porque só tinham uma expectativa na manutenção da aquisição enquanto o preferente pudesse exercer a sua opção (10).

Estas considerações, que aqui se explanam em termos genéricos, terão a sua relevância na ponderação que, mais à frente, se irá efectuar quanto à questão da possibilidade de o aqui Autor poder ser responsabilizado pelas despesas aqui alegadas pela Ré, a título de enriquecimento sem causa – nomeadamente, tendo em conta a natureza subsidiária deste instituto jurídico.

*

Aqui chegados, importa entrar na primeira questão já atrás enunciada.

Contende ela, como se referiu, com a alegada omissão de julgamento

perpetrada pelo Tribunal Recorrido quanto à factualidade que se mostrava alegada pelo Autor nos itens 16 a 19 da petição inicial.

A matéria de facto que havia aí sido alegada dizia respeito à data em que, na versão do Autor, este tinha tido conhecimento dos elementos essenciais da venda.

Como é sabido, verificados os respectivos pressupostos de afirmação (do

direito de preferência), a acção de preferência tem que ser intentada no prazo de seis meses a contar data daquele conhecimento (art. 1410º do CC).

No caso concreto, tendo em conta a matéria de facto dada como provada, em

(19)

primeira instância, aqueles pressupostos estavam preenchidos, pois como se refere na sentença recorrida:

“In casu, certifica-se que: (i) O prédio mencionado em 1) confina a sul com o prédio rústico sito no lugar de (...), freguesia de (...), concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de mato e pinhal, com a área de 2062 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo (...), secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...) da freguesia de (...); (ii) O prédio indicado em 2) confina a norte com o prédio rústico enunciado em 5) e a sul com o prédio rústico sito no lugar do (...) ou (...), freguesia de (...),

concelho de Santa Marta de Penaguião, composto de pinhal, cultura arvense de sequeiro, oliveiras e cultura arvense de regadio, com a área de 8811 m2, inscrito na matriz rústica da citada freguesia sob o artigo 484, secção D, e descrito na Conservatória do Registo Predial sob o n.º (...).

Ademais, constata-se que a Ré X adquiriu os anteditos prédios nos termos indicados em 8), sendo que não os Réus/alienantes Maria e J. T. não

comunicaram a venda ao Autor, postergando o prescrito no art.º 416.º/1, do Código Civil

Concomitantemente, certifica-se que os citados prédios são rústicos e

confinantes e titulam uma área inferior à unidade de cultura consignada na Portaria 219/2016, de 9 de Agosto (2,5 hectares para terrenos de regadio e 4 hectares para terrenos de sequeiro, sendo que faleceu a comprovação de factos passíveis de sustentar que a alienação conglobava um conjunto de prédios que, embora dispersos, formem uma exploração agrícola de tipo familiar.

Acresce que sucumbiu a demonstração de que o Autor teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação (o preço e a identificação do comprador) na data indicada em 8), naufragando, assim, a excepção de caducidade invocada pelos Réus.

Em decorrência, afiguram-se perfectibilizados os pressupostos do direito de preferência vertido no art.º 1380º/1, do Código Civil”.

*

No entanto, estas conclusões não foram acolhidas pela Recorrente,

nomeadamente, porque continua a, nesta sede, pretender discutir, em termos factuais, a verificação da invocada excepção de caducidade.

Assim, além de impugnar o ponto 18 da matéria de facto não provada, a questão que os Recorrentes colocam é a de saber se, ainda neste âmbito da verificação dos pressupostos de exercício do direito de preferência, não seria

(20)

relevante a pronúncia do Tribunal, em sede de decisão sobre a matéria de facto, sobre a factualidade que o próprio Autor havia alegado na petição inicial (arts. 16 a 22), quanto ao momento em que teve conhecimento de que a venda dos prédios já tinha sido efectuada, sem que lhe tivessem sido comunicados os elementos essenciais dessa alienação.

A questão resolve-se por apelo às regras do ónus da prova – e terá sido esse o fundamento que o Tribunal Recorrido terá usado para não se pronunciar sobre a aludida factualidade.

Na verdade, de acordo com aludidas regras do ónus da prova, não incumbia ao Autor alegar e provar a data em que teve conhecimento dos elementos

essenciais da venda efectivada – pelo que essa factualidade, na versão

apresentada pelo Autor, não poderia constituir tema de prova do Julgamento fáctico.

É certo que o artigo 1380º, nº 4 do CC prescreve que “É aplicável ao direito de preferência conferido neste artigo o disposto nos artigos 416º a 418º e 1410º, com as necessárias adaptações” e que, de acordo com a conjugação deste preceito com os mencionados artigos 416º e 1410º, querendo vender a coisa objecto da preferência, deve o vendedor comunicar ao titular do direito o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato e, recebida a

comunicação, deve o titular exercer o seu direito dentro do prazo de oito dias, sob pena de caducidade; por outro lado, e como já se referiu, o direito de preferência, atribuído àquele a quem se não dê conhecimento da venda do prédio alienado, pode ser exercido, contanto que o requeira dentro do prazo de seis meses a contar da data em que teve conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

Ora, compulsada a fundamentação de facto da decisão recorrida constata-se que, no caso concreto, não está provado que os RR. tenham dado

conhecimento ao Autor do projecto de venda, nem que o Autor tenha tomado conhecimento dos elementos essenciais da alienação mais de seis meses antes da propositura da acção, nem que o Autor só tenha tido conhecimento desses factos em Março de 2017 (conforme a sua já referida alegação constante da petição inicial).

No entanto, como decorre do nº 1 do artigo 342º do CC, ao Autor incumbia apenas a alegação e prova dos factos constitutivos do direito que alega; a prova dos factos impeditivos, modificativos ou extintivos do direito invocado

(21)

pelo Autor compete àquele contra quem o direito é exercido – n.º 2 daquele artigo.

Ora, a caducidade de um direito constitui precisamente uma causa de extinção do mesmo, pelo que a respectiva prova compete àquele contra quem o direito é exercido.

No caso de o direito exercido ser o direito de preferência atribuído pelo citado artigo 1410º do CC, ao Autor incumbe a prova dos respectivos factos

constitutivos que acima se mostram descritos.

Já a prova de qualquer facto extintivo do direito invocado pelo Autor, como seja a caducidade do direito, quer porque lhe foi comunicado o projecto de venda e as cláusulas do respectivo contrato e o não exerceu dentro do prazo, quer porque o fez decorridos mais de seis meses depois de ter tomado

conhecimento dos elementos essenciais da alienação, compete ao Réu (11).

Assim, podemos concluir que é este – e apenas este – que tem o ónus de alegar e provar que o Autor/Preferente teve conhecimento dos elementos essenciais da venda há mais de seis meses, tendo por referência a data da propositura da acção (art. 1410º, nº 1 do CC).

Na verdade, nestas situações “o legislador terá entendido que seria mais fácil ao Réu provar a data em que o Autor teve conhecimento de determinado facto do que ao Autor demonstrar que não teve conhecimento da ocorrência do mesmo até certo dia (isto, mais um vez, dentro da lógica da dificuldade da prova dos factos negativos) ” (12).

Nestes casos, pois, o art. 343º, nº 2 do CC opta pela primeira opção.

Na presente acção de preferência será, assim, aos RR. que caberá o ónus de alegação e prova da caducidade da acção.

Ora, a relevância destas regras do ónus da prova, que aqui sumariamente enunciamos, para a questão que se coloca nos presentes autos, contende com o facto de, nestas situações em que as duas partes alegam a factualidade (positiva e negativa) correspondente ao (não) preenchimento da caducidade da acção, o Juiz ao seleccionar e proferir a decisão sobre a matéria de facto tem que ter em atenção qual das versões fácticas deve integrar o elenco dos factos que constituirão a fundamentação da sentença, tendo em conta as referidas regras do ónus da prova (não devendo pronunciar-se sobre as duas versões fácticas carreadas por cada uma das partes (13)).

Assim, quando as versões de ambas as partes incidam sobre a mesma

(22)

factualidade (no caso, a caducidade da acção), o Tribunal só deve pronunciar- se sobre uma das versões alegadas pelas partes, devendo, para o efeito,

“lançar mão das regras do ónus de alegação e prova, ou seja, nas palavras de Remédio Marques, o Juiz deverá privilegiar a versão do enunciado linguístico susceptível de respeitar a repartição do ónus da prova do facto em questão”

(14).

Terá sido este o entendimento do Tribunal Recorrido quando, de uma forma intencional, “desprezou absolutamente a factualidade que havia sido alegada pelo autor relativamente à data do conhecimento dos elementos da venda, conforme alegado nos artigos 16º a 19º da petição inicial” (para usar as palavras da Recorrente)

Na verdade, conforme resulta do exposto, o ónus da prova dos factos

correspondentes à invocação da caducidade da acção de preferência recaía sobre a Ré.

Nesse sentido, a alegação que o Autor produziu na petição inicial nunca poderia ser relevante, no âmbito da decisão sobre a matéria de facto que incumbia ao Tribunal Recorrido efectivar, por não constituir a versão fáctica alegada por quem tinha o respectivo ónus da prova.

Assim, nestas situações, apesar da alegação do Autor, o Tribunal quando efectua o julgamento da matéria de facto deve seleccionar apenas a matéria de facto que corresponda à aplicação das aludidas regras do ónus da prova.

Nesta conformidade, como já se afirmava no Ac. da RP de 19.03.1971 in BMJ 205, 258 (citado pelo ac. da RL 21.10.2010 (relator: Manuel Gonçalves), in dgsi.pt “embora o autor tenha alegado, aliás sem necessidade, o seu

conhecimento somente em (…) da venda efectuada (…) mesmo que desse facto não faça prova, isso não influirá na decisão, por a prova da extemporaneidade da acção incumbir ao réu, como se declara expressamente no art. 343º, nº 2 CC”.

De todas estas considerações, pode-se concluir, então, que:

- Na acção de preferência, intentada nos termos do art. 1380º CC, ao Autor cabe apenas alegar e provar os factos de que resulta a sua situação de

preferentes, ou seja: a) que foi efectuada venda ou dação em cumprimento de prédio com área inferior à unidade de cultura; b) que o preferente é dono de

(23)

prédio confinante com o alienado; c) que o prédio do preferente tem área inferior à unidade de cultura; d) que o adquirente do prédio não é proprietário confinante.

- É sobre o Réu, que recai o ónus da prova dos factos relativos à comunicação e ao exercício extemporâneo do direito de preferência, nomeadamente que a acção foi intentada mais de seis meses após o conhecimento dos elementos essenciais da alienação.

- Mesmo que o Autor (na acção de preferência) tenha alegado o conhecimento daqueles elementos essenciais, em certa data, e não o tenha logrado provar, esse facto não poderá ter influência na decisão, uma vez que o ónus da prova da caducidade da acção recai sobre o Réu.

Aqui chegados, e revertendo ao caso concreto, temos que o A. alegou os factos de que dependia a sua qualidade de preferente. Além disso, alegou

factualidade correspondente à negação da caducidade da acção.

No entanto, conforme se julga ter demonstrado, não lhe incumbindo o ónus da prova deste últimos factos, tal matéria de facto foi bem “desprezada” pelo Tribunal Recorrido, já que, aplicando as referidas regras do ónus da prova, apenas atendeu à versão fáctica que havia sido alegada pela Ré, tendo em conta que era a esta que incumbia o ónus de prova dos factos de onde pudesse resultar a caducidade da acção.

De resto, como refere a Jurisprudência citada, mesmo que o Autor não tivesse feito prova daqueles factos (dos arts. 16º e ss. da petição inicial), isso não influiria na decisão, por a prova da extemporaneidade da acção incumbir ao Réu, como se declara expressamente no art. 343º, nº 2 do CC.

Nesta conformidade, e por todo o exposto, resta, pois, concluir pela improcedência desta argumentação que havia sido apresentada pelo Recorrente.

*

Entremos, agora, na questão da impugnação da decisão sobre a matéria de facto.

Compulsado o Recurso apresentado, pode-se concluir que, como resulta do corpo das alegações e das respectivas conclusões, a Ré/ Recorrente impugnou a decisão da matéria de facto, tendo dado cumprimento aos ónus impostos pelo artigo 640.º, nº 1 als. a), b) e c) do CPC, pois que, faz referência aos

concretos pontos da matéria de facto que considera incorrectamente julgados,

(24)

indica os elementos probatórios que conduziriam à alteração daqueles pontos nos termos por ela propugnados, a decisão que no seu entender deveria sobre eles ter sido proferida e ainda as passagens da gravação em que se funda o recurso (nº 2 al. a) do citado normativo).

Cumpridos aqueles ónus e, portanto, nada obstando ao conhecimento do objecto de recurso nesse segmento, a Ré/ apelante não concorda, pois, com a decisão sobre a fundamentação factual proferida pelo Tribunal de Primeira Instância.

Quid iuris?

Importa, antes de entrar directamente na apreciação das discordâncias alegadas pela Recorrente, esclarecer o âmbito de apreciação da matéria de facto que incumbe ao Tribunal da Relação em sede de Recurso.

Como é sabido, o âmbito dessa apreciação não contende com a ideia de que o Tribunal da Relação deve realizar, em sede de recurso, um novo julgamento na 2ª Instância, prescrevendo-se tão só “ … a reapreciação dos concretos meios probatórios relativamente a determinados pontos de facto impugnados… “ (15).

Assim, o legislador, no art. 662º, nº1 do CPC, “ … ao afirmar que a Relação aprecia as provas, atendendo a quaisquer elementos probatórios… pretende que a Relação faça novo julgamento da matéria de facto impugnada, vá à procura da sua própria convicção, assim se assegurando o duplo grau de jurisdição relativamente à matéria de facto em crise… “ (16).

Destas considerações, resulta, de uma forma clara, que o âmbito da

apreciação do Tribunal da Relação, em sede de impugnação da matéria de facto, estabelece-se de acordo com os seguintes parâmetros:

a) o Tribunal da Relação só tem que se pronunciar sobre a matéria de facto impugnada pelo Recorrente;

b) sobre essa matéria de facto impugnada, o Tribunal da Relação tem que realizar um novo julgamento;

c) nesse novo julgamento o Tribunal da Relação forma a sua convicção de uma forma autónoma, mediante a reapreciação de todos os elementos probatórios que se mostrem acessíveis (e não só os indicados pelas partes) (17).

(25)

Dentro destes parâmetros, o Tribunal da Relação, assumindo-se como um verdadeiro Tribunal de Substituição (18), está em posição de proceder à reavaliação da matéria de facto especificamente impugnada pelo Recorrente, pelo que neste âmbito a sua actuação é praticamente idêntica à do Tribunal de primeira Instância, apenas cedendo nos factores da imediação e da oralidade.

Na verdade, este controlo de facto, em sede de recurso, tendo por base a gravação e/ou transcrição dos depoimentos prestados em audiência, não pode aniquilar (até pela própria natureza das coisas) a livre apreciação da prova do julgador, construída dialecticamente na base da imediação e da oralidade.

Efectivamente, a garantia do duplo grau de jurisdição da matéria de facto não subverte o princípio da livre apreciação da prova (consagrado no artigo 607.º, nº 5 do CPC) que está deferido ao tribunal da 1ª instância, sendo que, na formação da convicção do julgador não intervêm apenas elementos

racionalmente demonstráveis, já que podem entrar também elementos que em caso algum podem ser importados para a gravação vídeo ou áudio, pois que a valoração de um depoimento é algo absolutamente imperceptível na gravação/

transcrição (19).

Ora, contrariamente ao que sucede no sistema da prova legal, em que a conclusão probatória é prefixada legalmente, no sistema da livre apreciação da prova, o julgador detém a liberdade de formar a sua convicção sobre os factos, objecto do julgamento, com base apenas no juízo que fundamenta no mérito objectivamente concreto do caso, na sua individualidade histórica, adquirido representativamente no processo.

“O que é necessário e imprescindível é que, no seu livre exercício de

convicção, o tribunal indique os fundamentos suficientes para que, através das regras da ciência, da lógica e da experiência, se possa controlar a

razoabilidade daquela sobre o julgamento do facto como provado ou não provado” (20).

De facto, a lei determina expressamente a exigência de objectivação, através da imposição da fundamentação da matéria de facto, devendo o tribunal analisar criticamente as provas e especificar os fundamentos que foram decisivos para a convicção do julgador (artigo 607.º, nº 4 do CPC).

Todavia, na reapreciação dos meios de prova, a Relação procede a novo julgamento da matéria de facto impugnada, em busca da sua própria convicção, desta forma assegurando o duplo grau de jurisdição sobre essa mesma matéria, com a mesma amplitude de poderes da 1.ª instância (21).

(26)

Impõe-se-lhe, assim, que “analise criticamente as provas indicadas em fundamento da impugnação, quer a testemunhal, quer a documental, conjugando-as entre si, contextualizando-se, se necessário, no âmbito da demais prova disponível, de modo a formar a sua própria e autónoma convicção, que deve ser fundamentada” (22).

Importa, porém, não esquecer porque, como atrás se referiu, se mantêm vigorantes os princípios da imediação, da oralidade, da concentração e da livre apreciação da prova e guiando-se o julgamento humano por padrões de probabilidade e nunca de certeza absoluta, o uso, pela Relação, dos poderes de alteração da decisão da 1ª instância sobre a matéria de facto só deve ser usado quando seja possível, com a necessária segurança, concluir pela existência de erro de apreciação relativamente a concretos pontos de facto impugnados.

Assim, a alteração da matéria de facto só deve ser efectuada pelo Tribunal da Relação quando este Tribunal, depois de proceder à audição efectiva da prova gravada, conclua, com a necessária segurança (23), no sentido de que os depoimentos prestados em audiência, conjugados com a restante prova produzida, apontam em direcção diversa, e delimitaram uma conclusão diferente daquela que vingou na primeira Instância.

*

Tendo presentes estes princípios orientadores, vejamos agora se assiste razão à Ré apelante neste segmento de recurso que tem por objecto a impugnação da matéria de facto nos termos por ela pretendidos.

Comecemos então por apreciar a argumentação da Recorrente quanto à sua pretensão de alterar a decisão da matéria de facto no que concerne ao ponto 18 da matéria de facto não provada.

Aí ficaram mencionados como matéria de facto provada os seguintes factos:

“18. No dia 14 de Janeiro de 2016, o Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8).”.

*

A Recorrente não concorda com este ponto da matéria de facto, alegando (com pertinência para a impugnação da matéria de facto) o seguinte:

“…4. Pela fundamentação aduzida, percebemos que soçobrou a prova da

segunda ré relativamente à existência de um arrendamento anterior ao ano de

(27)

2014, bem como a demonstração da existência de uma exploração agrícola.

Nada se diz, porém, concretamente, que possa justificar e/ou fundamentar o julgamento de facto do ponto 18) e que se atém à data em que o autor teve conhecimento do negócio de venda em que pretende preferir.

Ora,

5. Dos depoimentos das testemunhas ouvidas em sede de audiência de

discussão e julgamento resulta clara - a nosso ver – a errada valoração que o Julgador fez da prova produzida quanto ao facto que ora nos ocupa, não se logrando entender qual o verdadeiro motivo que levou o Tribunal a quo a considerar como não provado que no dia 14 de Janeiro de 2016 o autor tinha conhecimento da venda ocorrida e que teve por objecto os prédios rústicos (alegadamente) preteridos.

6. Todas as testemunhas sustentam a tese vertida nos autos pela segunda ré no sentido de o autor tinha conhecimento da venda dos prédios rústicos preferidos muito antes de 14 de Janeiro de 2016.

7. É certo que nem todas as testemunhas são unânimes quanto à data em que esse conhecimento ocorreu. Todavia, tais divergências denotam bem a

naturalidade e genuinidade com que as testemunhas depuseram, mostrando não existir entre elas qualquer predeterminação quanto ao teor dos seus depoimentos. Por outro lado, a divergência entre as datas a que se reporta o conhecimento do autor está também relacionada com o maior ou menor conhecimento que cada uma das testemunhas demonstrou ter da cadeia histórico-detentiva dos prédios, mormente quanto à existência de um arrendamento, seguido de aquisição, que teve por objecto esses prédios

rústicos. Na verdade, algumas testemunhas referem a ocorrência da venda em data anterior à do contrato de venda, o que se explica pelo desconhecimento do arrendamento que lhe precedeu. Todavia, claro também ficou que o autor teve conhecimento da venda e da formalização do contrato de compra e venda (veja-se, a título de exemplo a reunião a que alude a testemunha F. C., bem como o testemunho de Pedro).

8. Ora, à segunda ré cumpre, apenas, provar a factualidade respeitante ao conhecimento do autor relativamente à venda realizada, mormente que esse conhecimento ocorreu há mais de 6 (seis) meses relativamente à data da propositura da acção.

9. E, quanto a essa factualidade, diga-se em abono da verdade, não temos dúvidas que resulta de forma unânime do depoimento das testemunhas supra mencionadas que o Autor tinha conhecimento da venda ocorrida (e que nestes autos pretende impugnar) desde pelo menos Junho de 2016.

10. Acresce ainda dizer que, se por um lado o Tribunal a quo rejeita os

(28)

depoimentos que atestam o conhecimento do autor desde, pelo menos, Junho de 2016; por outro, o MM. Juiz da causa também não aceita nem valora a tese do autor, que alegou só ter tido conhecimento da venda em 07 de Março de 2017, por forma a, assim, justificar a data em que propôs a acção, podendo ler-se na sentença recorrida que a tese apresentada pelo autor consubstancia uma “tese lassa e desprovida do exigível substrato fáctico”.

11. Apraz ainda dizer que também o acervo documental que compõe os presentes autos demonstra, quando conjugado com a demais prova

testemunhal, o conhecimento do autor relativamente à venda dos prédios rústicos há mais de 6 (seis) meses a contar da data da propositura da acção.

12. E assim, bem atenta a prova testemunhal produzida em audiência de discussão e julgamento e o demais acervo documental junto aos autos, deve, a par da demais factualidade considerada assente, julgar-se provada a

factualidade alegada pela segunda ré na sua contestação no que respeita à data do conhecimento pelo Autor da venda operada, dando a essa factualidade uma resposta restritiva no sentido de considerar provado apenas que:

“O Autor tomou conhecimento do contrato referenciado em 8), pelo menos, em Junho de 2016.”

*

Quanto a esta matéria de facto, o Tribunal fundamentou a sua decisão da seguinte forma:

“…C) Motivação

A formação da convicção do tribunal fundou-se na análise crítica e aglutinada do depoimento do Autor L. P. e das declarações das testemunhas José, Luís, Alfredo, M. C., Rui, F. G., Paulo, M. E., S. P., Pedro, M. J., Sérgio, F. C. e A. M., em concatenação com a valoração das certidões registais de fls. 7-verso a 10 e 11-verso a 12, das certidões matriciais de fls. 10-verso e 12-verso, do extracto de fls. 11, do escrito de fls. 13-16, da factura de fls. 37, da nota de débito de fls. 37-verso, das liquidações de fls. 38-39, das peças de fls. 40-43 e 133-134, dos documentos cartográficos/topográficos de fls. 62, da escritura pública de fls. 98-99, da factura de fls. 100, dos escritos de fls. 102-103 e 109-111, dos ofícios de fls. 123 e 149-151, dos ortofotomapas de fls. 125-126 e das

comunicações de fls. 153-168, sopesados à luz das regras probatórias tipificadas e do princípio da livre apreciação, em sede de um iter objectivamente cognoscitivo e dialecticamente valorativo.

(…)

(de seguida, na sua linguagem descritiva própria, já conhecida em juízo, o Tribunal Recorrido sintetizou o que o Autor declarou e o que cada uma das

(29)

testemunhas esclareceu quanto à matéria de facto em debate; dada a sua extensão, respiga-se aqui a parte dessa fundamentação que contende com a matéria de facto que aqui se pretende discutir)

(…)

- quanto ao depoimento de parte do Autor:

“… emanou a tese claudicante e desprovida do lastro fáctico explicitante de que apenas teve conhecimento da venda dos terrenos à Ré X em 4.3.2017, perpetrando um relato robótico e artificial de uma alegada conversa com o Réu Fernando, em que o mesmo teria comunicado o negócio e incitando

inauditamente o Autor a exercer a preferência, o que se configurou inverosímil sob o crivo do princípio da normalidade”;

- quanto à testemunha José:

“…indicou que, nos últimos anos, já “constava” na freguesia que os imóveis tinham sido arrendados ou vendidos, sendo que não titulava cognição dos alardeados negócios, enfatizando que não lhe foi comunicado qualquer

projecto de venda, no âmbito de um relato provido de fiabilidade contextual.

Concomitantemente, o depoente não assistiu a qualquer conversa entre o Autor e o gerente da Ré X, António, com referência à compra dos prédios, limitando-se a abordar uma ocorrência conexa como conflito perpetrado entre os mesmos relativamente a um caminho de acesso aos imóveis”;

- quanto à testemunha Luís, pai do Autor:

“…a testemunha emanou a tese lassa e desprovida do exigível substrato fáctico explicitante de que o Autor apenas teve conhecimento da venda dos terrenos à Ré X em 4.3.2017, aduzindo uma narrativa claudicante e pejada de hiatos com referência a uma alegada conversa entabulada com o Réu

Fernando, em que o mesmo teria comunicado o negócio e dito inusitadamente que o Autor “ainda poderia optar” pela compra dos prédios, o que se

prefigurou implausível.

Enfatize-se que o depoente referenciou que o Réu Joaquim, em Novembro de 2014, lhe transmitiu que os terrenos objecto do litígio tinham sido arrendados naquela data e que tal arrendamento foi aflorado num jantar ocorrido em Dezembro do sobredito ano, o que se compagina substantivamente com o escrito de fls. 109-111.

Assinale-se, outrossim, que a testemunha relatou ocorrências conexas com o litígio implementado entre o Autor e o gerente da Ré X, António, na sequência de acções efectivadas no caminho de acesso aos terrenos, lastro fáctico

umbilicalmente imbricado com a dissensão subjacente”.

(30)

- quanto à testemunha Alfredo:

“ não dimanou “… quaisquer conhecimentos da matéria fáctica aos negócios aquisitivos dos prédios descritos nos autos”.

- quanto à testemunha M. C.:

“… a testemunha sublinhou que, em 2015, sabia que o Sr. António era “dono”

dos terrenos objecto do litígio, afirmação que se coaduna com o facto do mesmo ser gerente da Ré X e com a circunstância do arrendamento vertido a fls. 109-111 enquadrar a actuação “possessória” do sobredito com referência aos imóveis”.

- quanto à testemunha Rui:

“… explicitou com plausibilidade objectiva um corte de pinheiros que efectivou em Abril/Maio de 2017 em decorrência de um negócio acordado com o Sr.

António, sendo que não titulava cognição da factualidade nuclearmente controvertida”.

(…)

“No que se atem à testemunha Pedro, aduziu uma narrativa eminentemente predeterminada e vaporosa, assente em enunciados genéricos e conclusivos, intentando enxertar a tese de que o Sr. António cuidava dos terrenos

adquiridos pela Ré X desde o ano de 2010, no âmbito de um alegado acordo de compra dos mesmos postecipado, sendo que não explicitou quaisquer

circunstâncias concretas do mesmo e tampouco revelou o respectivo lastro justificante, enredando-se, assim, num depoimento assaz claudicante.

*

No que concerne às testemunhas M. J. e Sérgio, respectivamente, pai e irmão de António (gerente e sócio da Ré X), dimanaram declarações erráticas,

intrinsecamente basculantes e objectivamente inconsistentes, afigurando-se incapazes de concretizar o contexto subjacente ao arrendamento e

subsequente compra dos prédios pela Ré X e imputando ao antedito António um domínio dos prédios desprovido de lastro histórico fundamentante.

Acresce que o depoente Manuel Joaquim emanou a asserção de que o Autor sabe desde 2014 que os prédios objecto do litígio são do predito António sem o mínimo de concretização circunstancial, sendo que tal afirmação inculca a inferência de que o apossamento dos terrenos apenas ocorreu em 2014, o que se compagina com a data do escrito de fls. 109-111, elidindo, assim, a versão propugnada nas contestações da existência de um arrendamento pretérito.

Sublinhe-se, igualmente, que as testemunhas admitiram que os terrenos

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