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A Esperança de Nicolau

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Academic year: 2022

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A Esperança de Nicolau

Este trabalho teve como inspiração a música “O bêbado e a equilibrista”, interpretada por Elis Regina.

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O bêbado e o seu chapéu-coco

O relógio do centro estacionava seus dois ponteiros no número doze. A lua, completa em sua magnitude, iluminava aquela noite estrelada. Uma brisa soprava de leve, depositando seu hálito frio sobre a cidade. Em uma rua estreita, os gatos se produziam gemendo miados agudos, enquanto no lixo, baratas passeavam à procura de novidades. Ali perto, um bordel deixava sua música alta tocar e suas dançarinas apresentarem suas curvas aos cavalheiros.

Do lado de fora da festividade luxuriosa, um homem desmazelado protegia sua garrafa alcoólica em um pacote surrado. O sujeito trajava uma vestimenta que um dia fora elegante e, na cabeça, um amarrotado chapéu-coco. Seus olhos cansados não enxergavam os cavalheiros que passavam e que não reparavam na sua presença desnecessária. Alguns lhe depositavam um olhar desdenhoso, mas logo abriam o sorriso quando eram recepcionados pelas belas mulheres do local.

O homem, bebendo um pouco mais do líquido ardente, escutava o som animado que vinha do bordel. Curioso, resolveu levantar-se da calçada e, batendo a poeira das roupas, tentou, à medida do possível, melhorar sua aparência. Cambaleando, direcionou-se à entrada do ambiente fervoroso, sendo impedido pelos seguranças ─ dois homens fortes e de rostos severos.

Resmungando pragas aos sujeitos autoritários, simulou sua volta à calçada, porém, assim que percebeu o descuido dos seguranças, o homem bêbado infiltrou-se no bordel, ficando escondido num canto oculto a fim de apreciar a dança das garotas volumosas.

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As moças dançavam animadamente e seduziam os indivíduos ali presentes em busca de uma noitada lasciva. Os homens, parvos pela beleza obrigatória das mulheres, aplaudiam, assobiavam e gritavam, todos eufóricos. O bêbado, no fundo do salão, terminava com a bebida de sua garrafa, sedento por mais. Atrevido, estava prestes a ir ao bar e pedir mais álcool ao garçom, porém, parou quando avistou uma robusta e excêntrica mulher no palco, informando a nova atração da noite.

─ Cavalheiros ─ disse a alcoviteira. ─, hoje teremos uma novidade. Os senhores conhecerão a nossa atração principal. Com vocês, a equilibrista!

Aplausos descontrolados ecoavam pelo ambiente. O bêbado, contagiado, também bateu palmas, atrapalhadamente. Não fazia ideia do que iria acontecer, mas sentia- se alvoroçado com a tal equilibrista.

Holofotes, então, dispararam em direção às escadarias e parou no alto do mezanino elegantemente ornamentado. O bordel era um lugar grandioso como um palácio;

possuía um pé direito extremamente alto, possibilitando a coreografia circense. A luz iluminou o rosto de uma bela moça marcado por uma maquilagem artística. Suas roupas eram semelhantes a um tou tou bailarino e seu cabelo, preso em um penteado trançado, mostrava o pescoço alvo da moça. Ela não parecia pertencer aquele lugar.

Parecia um anjo em busca de seu céu.

O bêbado a fitou com os olhos brilhantes, perguntando-se quem seria aquela Vênus cuja beleza o havia enfeitiçado. Nem mesmo a bebida era capaz de fantasiar algo com tamanha perfeição de pureza.

A equilibrista, após receber seus merecidos aplausos, com delicadeza, abriu seu pequeno guarda-chuva vermelho e, a passos suaves, começou a caminhar sobre uma

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corda que pendia sobre as cabeças dos cavalheiros. Todos de pescoços inclinados observavam a façanha da mocinha. Olhos não piscavam com a performance da garota, a qual deslizava sobre a corda bamba tranquilamente, imperturbável com a altura sob seus pés.

De boca aberta, o homem a mirava. Arregalava os olhos quando imaginava que ela poderia se desequilibrar e ter uma queda horrível. Nunca permitiria que um anjo sem asas pousasse dessa forma na terra. Ele, Nicolau, estava disposto a protegê-la de todos os perigos.

Findada a passagem da moça de uma extremidade a outra na corda bamba, os cavalheiros e as damas puderam respirar e, quebrando o silêncio, uma salva de palmas fora depositado, mais uma vez, à garota que agradecia pela delicadeza dos presentes com reverências. Assim, terminada a apresentação da equilibrista, esta se retirou a fim de encontrar seu camarim e tirar a maquilagem de seu rosto.

Quando estava no palco, recebendo seus aplausos, ela sorria. Contudo, assim que deixou os espectadores, seu semblante tornou-se carrancudo e uma lágrima escorreu em sua bochecha pintada de rosa. Refugiou-se em seu camarim e observou seu reflexo no espelho, enojada pelo que havia se tornado. Com fúria, passou o lenço em sua face, retirando a pintura e mostrando sua verdadeira beleza. Seus olhos marejados eram tempestuosos. Seus lábios rosados recebiam mordidas nervosas. Ela detestava estar ali.

Nicolau, o atrevido bêbado que entrou de supetão no bordel, permitiu-se mais um descaramento àquela noite, seguindo a equilibrista até seu camarim. Com a volta da dança das moças, ninguém havia notado sua presença naquela confusão de prazeres.

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Ainda atordoado por conta da bebida, vacilava em sua caminhada. Viu o camarim que a equilibrista havia entrado, assim, sem avisar, entrou nos aposentos da moça, assustando-a com sua súbita aparição. Ela, diante do espelho, virou-se para a porta num sobressalto, colocando as mãos no peito a fim de acalmar seu pobre coração desgovernado.

─ Quem és tu? ─ perguntou, nervosa. ─ Saia agora mesmo, senão chamo os seguranças.

─ Por favor, madame, não faça isso ─ pediu o bêbado, atropelando as palavras. ─ Precisava ver de perto teu rosto tão belo.

─ Estás bêbado ─ comentou, fazendo careta ao sentir o bafo de álcool do sujeito. ─ O senhor estava assistindo ao show?

─ Somente o teu, madame.

─ O senhor não deveria estar aqui. Qual o teu nome?

─ Nicolau, mas podes me chamar de escravo, pois sou o teu, madame.

A moça sorriu para o sujeito maltratado, perguntando-se de onde saíra aquele homem de olhos tão profundos e sinceros.

─ Posso chamá-lo de Nico?

─ Claro que sim, madame.

─ Pare de chamar-me assim, por favor. Meu nome é Esperança.

─ Estava mesmo precisando encontrar a minha.

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Novamente, Esperança riu do seu grande bajulador. Ela devia mandá-lo embora, mas sentia uma estranha simpatia por aquele bêbado desengonçado. A cada risada que ela depositava, Nicolau iluminava-se através de seus olhos claros; suspirava diante da donzela por quem havia, sem dúvida, se apaixonado.

─ Onde tu moras, Nico?

─ No mundo.

─ Então tu tens uma casa bem grande.

─ Não tão grande quanto a minha devoção pela senhorita.

─ Tu és sempre galante assim, Nico?

─ Somente quando a Esperança sorri para mim.

Ainda de pé, com as costas viradas para a porta, Nicolau aproximou-se da equilibrista quando esta lhe ofereceu um assento ao seu lado. Ele, com seu chapéu-coco nas mãos, sentou-se desajustadamente na cadeira, mirando mais de perto a dama à sua frente.

─ Por que choras? ─ Nicolau depositou sua mão suja no rosto de Esperança. ─ Teus olhos me dizem que sofria.

─ A partir de hoje, sofrerei todos os dias, amaldiçoada neste purgatório ─ lamentou- se a jovem. ─ Estou fadada a passar o resto de minha vida neste inferno.

─ Oh, isso é horrível! Eu posso ajudá-la a sair daqui.

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─ Não, não posso ─ chorou a moça. ─ Preciso pagar o preço, senão tiram a vida de meu pai.

Nicolau, para consolar Esperança, puxou-a para si e acalmou-a com seu abraço. A moça não se importou com o odor do homem que, provavelmente, não tomava banho há dias. Não se importou com a sujeira do bêbado, pois sabia que existia sujeira muito pior no mundo. Os dois, por um momento, abandonaram a realidade do lado de fora do camarim.

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A Esperança sorriu

O canto do pássaro ajudou Nicolau a despertar naquela manhã nublada. Esfregando os olhos, tentou recuperar a boa visão após uma noite de sono pesado. Apesar da bebedeira, lembrava-se do que havia acontecido no dia anterior. Sorriu ao recordar a imagem da equilibrista cuja benevolência o deixou adormecer no sótão do bordel.

Rapidamente, levantou-se a fim de sair e não causar mais problemas à pobre moça.

Inquietava-se com o fato de abandoná-la naquele lugar, ainda mais após a história que ela lhe segredara.

Nicolau deprimiu-se com a narrativa triste de Esperança. Ela havia dito que, por conta do pai, precisava continuar no bordel trabalhando como equilibrista e, caso um freguês desejasse, para outras coisas a mais. Ela temia pela vida do velho que tinha como vício o jogo de cartas. Por conta desse vício, apostou todos os seus bens, até mesmo a sua única filha.

O senhor Tomás, pai de Esperança, fora um cavalheiro pertencente à elite. Sua esposa e ele tiveram apenas uma herdeira. Contudo, após a morte de Soraia, sua mulher, o velho começou a perder o controle sobre a vida, depositando sua mágoa na bebida e, principalmente, no jogo. Começou a apostar toda a sua fortuna que, pouco a pouco, foi diminuindo até chegar à escassez. Quando, por fim, a miséria batera à porta, em ação desesperada, Tomás aceitou apostar sua própria filha para recuperar sua fortuna. Porém, o que o velho nunca aprendeu é que não tinha sorte alguma no jogo, assim sendo, como de costume, as cartas lhe viraram as costas e tiraram sua filha ─ única familiar ─ de sua proteção.

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Tomás havia apostado com a alcoviteira Violeta cujo interesse pela menina era grande, afinal, Esperança tinha a destreza circense, uma habilidade que ela gostaria de apresentar aos shows de sua casa noturna e conseguir mais fregueses fiéis.

Violeta enxergava na menina uma oportunidade de mudar o espetáculo e tê-la como atração principal. Esperança era jovem; não havia passado dos 18 anos. Carne fresca no mercado, seria alvo fácil da cobiça dos homens sedentos por novidade e pele jovem.

A garota havia aprendido a arte de equilibrar-se na corda bamba quando tinha apenas 7 anos de idade. Sua governanta, Norma, ensinara-lhe o que um dia aprendera no circo. Norma, por muito tempo, trabalhou como equilibrista, viajando cidades e conhecendo novos rostos. Decidiu parar quando já não havia beleza o suficiente para chamar a atenção do público. Desta forma, conseguiu o emprego de governanta na casa do senhor Tomás quando Esperança ainda era um bebê.

Cuidou da menina como uma filha, principalmente após a morte de Soraia. Depois da confusão com a diminuição da fortuna do patrão, Norma foi obrigada a abandonar o lar por falta de pagamento. Foi embora, sem a promessa de retornar a ver

Esperança. Era uma mulher que não gostava de jogar promessas incertas.

O senhor Tomás, por sua vez, após perder sua filha para a alcoviteira Violeta, passou a beber cada vez mais e refugiou-se numa casa caindo aos pedaços, localizada na pior região da cidade. Esperança o visitava sempre que podia, com o propósito de alimentá-lo e mantê-lo vivo. Apesar do que o pai havia-lhe feito, a moça não sentia mágoa ou raiva do velho. Não gostava do vício do pai, mas compreendia que era algo mais forte do que ele. Ou talvez Tomás fosse fraco demais. Por conta desse amor, ela não tentava fugir do bordel, pois sabia que se desaparecesse,

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Violeta, com a ajuda de seus capangas, mataria o seu velho pai. O preço era esse:

uma vida. A dela ─ como equilibrista ─ ou a de seu pai ─ como cadáver.

Esperança mantinha seu amor pelo pai e achava que devia protegê-lo em nome de sua mãe. Não se perdoaria se algo acontecesse ao imprudente homem; não achava correto salvar sua vida e sua dignidade e deixá-lo às maldades da roliça proprietária do bordel. Seu pai havia errado ─ e muito. Ela tentara convencê-lo a esquecer das cartas e da bebida, e começasse a se preocupar mais com a família que lhe restara.

Todavia, Tomás não quis escutá-la, visto que as cartas eram como sua salvação.

─ Jogar me faz esquecer os problemas ─ dizia ele. ─ E da dor da perda de minha mulher.

Assim, Esperança devia carregar uma cruz que não era dela, tentando pagar os pecados de seu pai estúrdio. Apresentou-se à plateia de testosterona elevada, rezando para que não lhe desejassem algo indigno. Pedia a Deus que a escutasse, suplicando-lhe clemência e que não virasse as costas no momento mais doloroso de sua vida.

Lembrando-se de tudo isso, Nicolau percebeu que não conseguiria partir dali sem levar Esperança consigo. Ele precisava convencê-la a escapar daquela prisão e propor-lhe um plano para que o pai dela saísse ileso dessa história, também.

O homem estava prestes a sair do sótão, porém Esperança logo apareceu,

trazendo-lhe uma xícara de café. Ele sorriu à sua jovem equilibrista. Ela retribuiu o carinho ao bêbado romântico. Entregou-lhe a xícara, alertando-o da quentura.

─ Para passar a ressaca, Nico.

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─ Obrigado, doce criatura.

─ Tu conseguiste dormir bem?

─ Como uma pedra.

─ Desculpe-me, mas tenho que apreçá-lo ─ disse ela, olhando receosa à porta. ─ Temo que os outros já tenham acordado. Tu precisas partir, infelizmente.

─ Irei, mas tu irás comigo.

─ Nico, tu sabes que não posso ─ lamentou-se Esperança. ─ Não abandonarei meu pai.

─ Ele fugirá conosco ─ garantiu Nicolau. ─ Iremos buscá-lo agora mesmo.

─ Com qual dinheiro fugiremos? E para onde?

─ Daremos um jeito, anjo querido, eu prometo.

─ Eu sinto medo, Nico.

─ É o medo que nos move, querida Esperança. Sem ele, não temos o que enfrentarmos, então não conseguimos evoluir em nossa caminhada desordeira.

─ Tu és um tolo sonhador ─ sorriu Esperança, passando a mão na face do homem.

─ E estás conseguindo me contagiar com tuas fantasias.

─ O sonho é necessário nesta terra de desalmados. ─ Nicolau pegou a mão da moça que viajava por seu rosto, depositando-lhe um beijo. ─ Vamos sonhar juntos, doce criança.

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Esperança sorriu a seu amigo. Ela não sabia como agradecer pelo sujeito ter surgido em sua vida quando ela mais precisava de proteção. Quando ela já havia perdido a fé, Deus colocou-lhe um guardião em seu caminho a fim de dizer-lhe que Ele não havia abandonado uma de suas ovelhas.

─ Sim, meu querido Nico. Vamos sonhar juntos.

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A Esperança equilibrista

A manhã nublada permitiu a queda de uma garoa fina que salpicava gelada sobre os rostos de Esperança e Nicolau, os quais, a passos ligeiros, corriam pelas ruas sem dar importância aos xingos dos homens de finos bigodes ou aos gemidos histéricos das damas desdenhosas. Os dois tinham pressa para chegar à casa do senhor Tomás e tomá-lo em seus braços, protegê-lo e levá-lo a um lugar cuja segurança proporcionaria a todos eles um final feliz como acontece nos encantadores contos de fadas.

Segurando a mão de Esperança, Nicolau transmitia seu otimismo à moça a fim de não permitir que ela abandonasse o plano de fuga. Ele sabia dos medos da jovem e compreendia-os, afinal, ele também teve e ainda tinha muito medos que o

assombravam e impedia-o de progredir na vida. O sujeito havia passado por maus bocados nos últimos anos. Nunca fora rico como o senhor Tomás, mas tinha conforto o suficiente para se acomodar bem na sociedade e dar-se ao luxo de ostentar algumas coisas. Contudo, por conta de uma fatalidade, assim como o pai de Esperança, Nicolau enfraqueceu e jogou-se na bebedeira, abandonando tudo o que tinha. Não perdeu nada em jogos de aposta; simplesmente, deixou para trás aquilo que lhe pertencia.

Nicolau havia se apaixonado por uma linda dama cuja fortuna era quase incontável.

A moça correspondia aos seus afetos. Entretanto, o pai dela pretendia casá-la com um senhor melhor requisitado, de riquezas tão exageradas quanto à de sua família.

Nicolau e Lavínia ─ a amada do bêbado sonhador ─ tentaram, então, desaparecer e construir uma vida juntos longe de tudo e de todos. Porém, a fuga fora fracassada. O

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pai de Lavínia, descobrindo o caso, conseguiu impedir tal imprudência dos enamorados e, lavando a filha consigo, foram embora para o exterior.

Nicolau, abatido pela perda de sua amada e, depois, descobrindo que ela havia se casado com o nobre senhor, não conseguiu conter suas lágrimas e suas angústias, chorando suas mágoas na companhia constante de uma garrafa alcoólica, com o objetivo de esquecer Lavínia e toda dor de seu pobre e frágil coração.

Quase dez anos após o ocorrido, quando Nicolau achou que não podia mais amar, com um suspiro de compaixão, Esperança lhe sorriu e estendeu sua mãozinha delicada. Para mostrar sua ternura à moça, Nicolau estava disposto, assim como no Pai-Nosso, livrá-la de todos os males.

Desta forma, correram em desespero, olhando para trás e certificando-se de que nenhum demônio voltaria a puxar seus pés. Mas o diabo tem suas artimanhas e, com a força de sua maldade, consegue capturar suas vítimas e fazê-las pagar por seus pegados. Não tardou para que os capangas de Violeta surgissem, perseguindo Nicolau e Esperança pelas ruas, com armas em punhos e ódio no coração. Ódio este que eles não sabiam ao certo de onde vinha, mas fora fácil de conseguir.

Esperança, aflita, percebeu que um dos brutamontes apontava a arma em direção a Nicolau e, com um grito estridente, avisou-lhe do perigo. O homem, correndo e puxando a jovenzinha, esquivava-se e tentava protegê-la, infiltrando-se em ruelas estreitas e pulando muros imundos, sempre ajudando Esperança a descer,

segurando-a pela cintura.

Ofegantes, não sabiam mais qual direção poderiam seguir. Precisavam despistar os sujeitos antes de partirem à casa do pai da moça. Esperança não permitiria que os

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dois aparecessem na casa do senhor Tomás e fossem além das ameaças com seus revólveres. Preocupada com o bem-estar de seu velho, continuou a mexer

freneticamente suas perninhas que estavam habituadas a serem prudentes na corda bamba.

Nicolau, assim como Esperança, também receava pelo velho Tomás. Pediu à jovem um pouco mais de força para conseguirem algum lugar para se ocultarem dos capangas de Violeta. Contudo, os homens eram rápidos e persistentes. Talvez, receosos com o que a patroa poderia fazer com seus futuros, teimavam com a perseguição e mostravam-se insistentes, convictos de que seriam bem-sucedidos naquela tarefa.

Vários disparos foram jogados em direção de Nicolau. Eles não podiam, obviamente, ferir a moça. Esta deveria voltar sã e salva ao bordel. Quanto ao outro, não tinham dúvidas de que precisavam pará-lo e, para isso, só mesmo acertando-o com uma bala. Sem ele, conseguiriam, por fim, raptar a garota.

─ Só mais um pouco, querida Esperança ─ animava-a. ─ Nós vamos conseguir.

─ Nico, tenho medo.

─ Não precisa, doce anjo, eu estou aqui.

Mesmo exaustos, continuaram a escapar. Nicolau, então, avistou um caminho estreito que daria como esconderijo. Mirou às suas costas e certificou-se de que os bandidos ainda não haviam cruzado a esquina. Assim sendo, daria para Esperança e ele, rapidamente, introduzirem-se no buraco e deixarem as trevas o cobrirem.

Quando colocou seu plano em ação, de súbito, um disparo ecoou pela cidade.

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Esperança, confusa, olhou para trás e depois se voltou ao seu companheiro. Ao fitar Nicolau, a moça soltou um grito de dor e, com lágrimas brotando de seus olhos de menina, pôs-se a desesperar-se com a imagem de seu amigo caindo lentamente e, deitado no chão, o sangue deixou sua marca no asfalto.

─ Nico! Não, por favor! ─ chorava Esperança. ─ Por favor, Nico, não me deixe!

Jogando-se perto de Nicolau, Esperança levantou a cabeça do homem que

segurava seu querido chapéu-coco. Os olhos úmidos de Nicolau observavam sua querida menina. Depositou-lhe um sorriso cansado. Esperança segurou-o em seus braços pequenos, deixando as lágrimas o banhar. Nicolau passou sua mão na face da moça, decorando cada detalhe para que aquela beleza fosse sua última visão da vida.

─ Anjo, desculpe-me ─ falou, com voz embargada. ─ Eu tentei.

─ Nico, não me deixe, por favor.

Os dois capangas de Violeta aproximaram-se da moça e, prestes a levantá-la com brutalidade, recuaram um pouco quando Esperança depositou-lhes um olhar de fúria e rosnou palavras de ódio. Ainda deitada com Nicolau, permitiu a paz do amigo cujos olhos morriam devagar. Antes que fosse levada para longe do homem gentil, Esperança beijou-lhe os lábios, despedindo-se para sempre do seu guardião que, assim como apareceu repentinamente, também fora embora na mesma rapidez.

Nem dera tempo de se conhecerem melhor e de ela agradecer-lhe por dar-lhe um pouco de sua fé, onde a jovem quase acreditou na força de seu nome.

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Esperança, puxada com violência pelos capangas, abandonou o corpo sangrento de Nicolau, chorando e despedindo-se do bêbado sonhador.

─ Adeus, Nico ─ sussurrou Esperança, desamparada. ─ Adeus, amigo amado.

A Esperança, moça equilibrista, voltou ao bordel de Violeta. O show, para o infortúnio da garota, tinha que continuar.

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