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JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO NA PRÁTICA DO SERVIÇO SOCIAL NO ÂMBITO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEMININO

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

ANA MARIA MENEZES

JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO NA PRÁTICA DO SERVIÇO

SOCIAL NO ÂMBITO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEMININO

MESTRADO EM SERVIÇO SOCIAL

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PONTIFÍCIA UNIVERSIDADE CATÓLICA DE SÃO PAULO PUC-SP

ANA MARIA MENEZES

JUDICIALIZAÇÃO DO DIREITO NA PRÁTICA DO SERVIÇO

SOCIAL NO ÂMBITO DO SISTEMA PENITENCIÁRIO FEMININO

Dissertação apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, como exigência parcial para a obtenção do título de Mestre em Serviço Social sob a orientação da Professora Doutora Maria Lucia Rodrigues.

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BANCA EXAMINADORA

________________________________

________________________________

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(5)

Agradeço de coração à:

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RESUMO

Este estudo pretende compreender as mudanças técnico-operativas dos assistentes sociais que trabalham no sistema prisional feminino ante as dificuldades em operacionalizar a assistência social conforme a previsão legal de humanidade no cumprimento de pena e de reintegração social e cidadania.

As mudanças decorrentes do processo de judicialização, nascida com a promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988, a opacidade em que estão envoltas as necessidades das mulheres encarceradas em suas inúmeras dimensões e o impacto no agir dos assistentes sociais serão apreciados e fundamentados.

Pretende também compreender o processo de inevitável afastamento de algumas dimensões fundamentais do projeto ético-político da profissão (projeto de sociedade e projeto profissional) decorrente da insuficiência de instrumentalidade e de ações específicas que viabilizem e articulem as políticas públicas com vistas a permitir o resgate das condições de sociabilidade durante o cumprimento da pena, em regime fechado, no período de reintegração, em regime semiaberto, e na condição de egressa; potencializando a mulher na conquista da tão sonhada liberdade, autonomia e justiça social.

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SUMÁRIO

Introdução ... 08

1. O fenômeno da judicialização ... 12

1.1. Judicialização do direito de ser humano: judicialização da vida... 13

1.2. Hermenêutica principiológica ... 18

2. Princípios constitucionais penais ... 23

3. Direito Penal ... 29

3.1. Código Penal brasileiro ... 29

3.2. Código de Processo Penal brasileiro ... 32

3.3. Lei de Execução Penal ... 34

3.3.1. Dos Órgãos da Execução Penal ... 35

4. O sistema prisional: financiamento e aprimoramento ... 43

4.1. O sistema prisional segundo o Plano Diretor do Sistema Penitenciário ... 47

4.1.1. Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo e as Políticas sociais de reformulação e reorganização do sistema prisional feminino ... 47

4.1.2. Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo ... 49

5. Dimensões e expressões da questão social presentes no sistema prisional feminino ... 63

6. Da atual assistência social brasileira ... 67

6.1. Da assistência social prisional no Estado de São Paulo ... 68

6.2. A defesa dos direitos sociais, humanos e de cidadania pelo Serviço Social ... 69

6.3. Da formação à ação da/o assistente social ... 71

6.4. Assistência Social no âmbito do sistema prisional feminino, reintegração social e cidadania ... 73

Considerações Finais ... 75

Referências bibliográficas ... 91

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INTRODUÇÃO

Aos ricos o favor da lei, aos pobres o rigor da lei. (José Rainha Júnior)1

Este estudo pretende compreender as mudanças técnico-operativas dos assistentes sociais que trabalham no sistema prisional feminino.

O texto, dividido em seis capítulos, explana, inicialmente, sobre o processo de judicialização do direito, em especial quanto ao direito de ser humano, e às suas garantias fundamentais a partir da promulgação da Constituição Federal Brasileira de 1988, demonstrando de que forma este fenômeno global foi se consolidando e quais foram seus reflexos no que diz respeito às transformações sociais e no agir profissional do assistente social.2

Ainda no primeiro capítulo trata da hermenêutica principiológica, sua função ordenadora e sua relevância para o sistema jurídico brasileiro, segundo a divisão do poder, originariamente tripartite pela formulação de Montesquieu,3

conforme expressa o art. 2º de nossa Carta Magna. Entretanto, na objeção da defesa dos direitos fundamentais individuais e sociais a nova Constituição demonstra um pendor especial para decidir pela isenção, daí judicializa-se, para que o poder especialista, isto é, o Judiciário, decida sobre o que se argui.

1 Líder dissidente do Movimento dos Trabalhadores Rurais Sem Terra (MST) que tem alternado momentos de liberdade e cumprimentos de prisões temporárias. É acusado de uso de associações civis para o desvio de verbas federais destinadas a assentamentos na região do Pontal do Paranapanema (SP). A polícia segue apurando irregularidades em repasses que somam R$ 5 milhões, bem como as acusações de furto, formação de quadrilha, coautoria em dois homicídios e porte ilegal de arma, dentre outros crimes. Apesar de expulso do MST continuou comandando invasões de terras com a bandeira do movimento. Até que a(s) sentença(s) tenha(m) transitado em julgado José Rainha é constitucionalmente inocente.

2 Antes de 1988 a assistência social, a proteção social e o Serviço Social imbricavam-se no conservadorismo religioso do primeiro damismo no Estado. A partir de 1988, a seguridade social trouxe uma das formas de proteção social, a assistência social, que não é exclusiva do assistente social, mas que tem neste profissional o seu principal interlocutor com efetiva formação acadêmica e reconhecedores dos princípios fundamentais para o exercício profissional: liberdade, autonomia, justiça social e emancipação; tendo como transversalidade a ética e a pesquisa. Após 1988, com a ofensiva neoliberal da década de 1990, vê-se desencadear a determinação de Estado mínimo, a desnacionalização econômica, a privatização do Estado e a terceirização da assistência social sob a forma de organizações não governamentais (ONGs) que oportunizou a mercantilização da profissão através da formação mínima, formação à distância, descumprimento da lei de estágio e das diretrizes curriculares, bem como as avaliações do Ministério da Educação (MEC) por intermédio do Exame Nacional de Desempenho de Estudantes (ENADE).

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Para apreender o que é fundamental e de caráter geral do direito constitucional, convenientes à maior compreensão dos demais princípios de caráter penal e de garantia individual, tratamos dos princípios constitucionais penais no segundo capítulo.

No terceiro capítulo destacamos os principais aspectos do Direito Penal brasileiro: sua gênese e harmoniosa composição na dinâmica pari passu entre o Código Penal brasileiro (em sua função protetiva dos bens jurídicos fundamentais e de garantia do indivíduo), o Código de Processo Penal e, a mais recente das leis penalistas, a Lei de Execução Penal; com a compreensão doutrinária de que os fundamentos modernos sobre o tratamento de presos e presas distam completamente da atual proposta jurídica brasileira, principalmente, sobre a falta e a carência da prestação assistencial do Estado aos que se encontram em cumprimento da pena privativa de liberdade.

No quarto capítulo são abordados aspectos do sistema prisional nacional e paulista a partir da perspectiva legal vigente. Apresentamos também as propostas do Plano Diretor do Sistema Penitenciário e os resultados das avaliações do Plano Diretor do Sistema Penitenciário do Estado de São Paulo e as políticas sociais de reformulação e reorganização do sistema prisional feminino sob a ótica do financiamento e do aprimoramento.

As regras do Primeiro Comando da Capital (PCC) como fator de interferência no agir cotidiano das presas a partir do conteúdo verificado no estudo antropológico publicado no ano de 2010 sob o título: Junto e Misturado: uma etnografia do PCC, transcenderia em muito o escopo deste trabalho. Fica, entretanto, o registro de alguns extemporâneos encontros, em algumas

unidades prisionais, onde se fez manifestar sempre da mesma forma: “a voz”

do impedimento de participação de algumas presas indicadas a participar da pesquisa e o alerta às autorizadas sobre o que iriam dizer.

Consideramos ainda registrar que na apresentação da referida obra, de autoria do Prof. Dr. Jorge Luiz Matta Villela,4 o iminente professor afirma:

“Este livro nos fala do universo incógnito do ambiente carcerário, da indignidade sob a qual é mantida uma enorme quantidade de pessoas (os presos) no estado de São Paulo e que, ao longo dos anos, desencadeou um

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processo político que resultou numa das formações coletivas de maior impacto na vida cotidiana de milhões de pessoas”.5

As dimensões e expressões da questão social presentes no sistema prisional feminino são apresentados no capítulo cinco.

O capítulo seis demonstra a presença do processo de judicialização nas mudanças da práxis do Serviço Social, ao ser construído segundo a estrita normatividade da Assistência Social atual e no plano assistencial às mulheres encarceradas. Além de elencar o rol de princípios éticos que norteiam a defesa dos direitos sociais, humanos e cidadania pelo Serviço Social, trata da formação à ação do assistente social e, por último, vincula a Assistência Social no âmbito do sistema prisional feminino à reintegração social e cidadania.

Compreender a superestrutura e a conjuntura prisional, identificando intricados caminhos burocráticos, necessários ao cumprimento da judicialização, administrativa e processual, em busca da reintegração social e da cidadania, que se concretiza no plano jurídico conforme previsto nos arts. 41 e 42 da LEP e faz do assistente social atuante sua razão de ser profissional.

Nossa conclusão antecipada é de que é possível, a partir das leis vigentes, construir um projeto de (re)construção de emancipação social nos moldes daquele em que se engajou o Prof. Dr. Roberto Lyra Filho, em que a justiça social deve ser construída com respeito à liberdade dos indivíduos. Daí, como o Serviço Social pode vir a ser uma importante fonte do Direito Penal, construído a partir do conhecimento do humanismo dialético e sua possível aplicação em harmonia com o projeto da profissão, cujos fundamentos teóricos e seus pressupostos se entrelaçam. Por exceder a intenção dessa dissertação, valemo-nos da oportunidade para registra-la.

Nas considerações finais, argumentamos sobre a práxis dos assistentes sociais no entendimento da previsão legal contida na LEP e do Código de Ética dos Assistentes Sociais sob a ótica do juspositivismo do poder hegemônico e do jusnaturalismo a-histórico, ambos de concepção conservadora, demonstrando o caminho que pode ser seguido tanto pelos Assistentes Sociais como pelo Serviço Social na busca da síntese superadora.

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1. O fenômeno da judicialização

O termo judicialização6 desde a sua adoção, do inglês judicialization, vêm admitindo diversas conceituações no Brasil e no mundo, embora não seja um fenômeno recentemente observado, é amplamente identificado no estado contemporâneo. A introdução no corolário das ciências sociais e do direito, originalmente, refere-se à “judicialização da política” ou “politização da justiça”,

designando fenômenos diversos: (a) a expansão do papel do Poder Judiciário como formulador de políticas públicas ou como obstáculo à sua implantação em detrimento dos demais poderes estatais nas democracias contemporâneas de todo o mundo; (b) o controle de questões da vida privada, antes sequer apreciada pelo judiciário; ou ainda, (c) para indicar a disseminação de métodos de decisão típicos do Poder Judiciário, adotados tanto pela administração pública quanto pelo Poder Legislativo.

Judicialização da política ou politização da justiça se equivalem na medida em que significam valer-se dos métodos típicos da decisão judicial para a resolução de disputas e demandas políticas, encontradas tanto na área da magistratura quanto da legislatura, representando a ampliação da atuação dos tribunais, pela via do poder de revisão judicial de ações do Poder Executivo e do Poder Legislativo, baseado na constitucionalização de direitos e no sistema de freios e contrapesos7 verificados pela introdução ou expansão de staff

judicial ou de procedimentos judiciais tanto no Executivo (tribunais e/ou juízes administrativos) quanto no Legislativo (Comissões Parlamentares de Inquérito) (MACIEL e KOERNER, 2002, p. 115).8

Para os juristas, o termo judicialização é a obrigação legal, prevista constitucionalmente, de que um determinado tema seja apreciado judicialmente, isto é, que se ingresse em juízo com determinada causa para apreciação pelo Poder Judiciário.

6 Análise proposta por Neal C.Tate e Torbjorn Vallinder, denominada The Global Expansion of JudicialPower publicada pela New York University Press (1995) e formulada a partir da pesquisa empírica comparada da atuação do Poder Judiciário em diferentes países.

7Checks and balances, expressão que indica a necessidade de cada poder manter-se autônomo e constituído por pessoas e grupos diferentes com o intuito de conservar em permanente equilíbrio os três poderes do Estado. 8 MACIEL, Débora Alves e KOENER, Andrei. Sentidos da judicialização da política: duas análises, 2002. In:

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O sentido de processo social e político é também empregado para referir-se ao aumento do número de processos nos tribunais e das ações que não se restringem aos juízes, mas também das ações dos profissionais de outras carreiras judiciais, tais como: serventuários, auxiliares, peritos, corpo técnico, oficiais de justiça, depositários e administradores.

É neste último sentido que trataremos da construção da compreensão do processo de judicialização do direito na prática do Serviço Social, entendendo que jurídico não se refere somente à ação judicial, mas também às ações administrativas cabíveis, sobretudo no que diz respeito à atuação do assistente social, profissional pertencente ao corpo técnico no âmbito do sistema prisional feminino.

1.1. Judicialização do direito de ser humano: judicialização da vida

Buscamos em Bérgson9 a breve compreensão sobre um impulso original de criação como responsável pelo surgimento da vida: o elã vital; que, no desenrolar do processo evolutivo, inventa formas de complexidade crescente até chegar, no animal, ao instinto e, no homem, à intuição, que é o próprio instinto tomando consciência de si mesmo e de seu devir criador.

Daí concebermos que o direito de ser humano tenha nascido com o homem como um verdadeiro direito que nele se basta e independe de formalidades, representações ou reconhecimentos, porque vive da sua essência humanitária hereditária, gerada em si mesma de forma natural.

Entendemos que as primeiras noções de direito surgem a partir de uma necessidade natural como a vida. Longe de ser uma apologia ao jusnaturalismo em contraposição ao juspositivismo, este juízo está fundamentado na evolução do direito enquanto evolução histórica, enquanto ferramenta de poder das classes dominantes e da resistência das classes dominadas em subsumir, na reflexão filosófica e política do direito a partir da consciência humana sobre a necessidade de superar o naturalismo,

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reconhecer o fracasso político do positivismo e permanecer na busca pela superação de ambos.

O direito de ser humano, mais do que a luta pela aquisição de direitos humanos, é a identificação do homem consigo mesmo e com outros seres humanos. Não visa, simplesmente, humanizar o homem por intermédio da busca pelo direito de participação na vida, de forma igualitária; é uma exigência da vida social e a consequente aspiração primeira do homem para a realização da justiça.

O direito de ser humano deve ser distinguido de qualquer outra espécie de direito, pois sua singularidade advém de uma perspectiva humana para a corporificação do próprio direito, pois se não houver a condição humana de ser, nenhum direito será verdadeiramente possível.

É o que nos ensina o eminente Prof. Adão Longo:

Só desconhece o direito de ser humano quem não conhece a miséria humana, inumana, desumana, que segrega o homem e o anula. É o direito do pária desnaturado, do cidadão desnaturalizado, de quem foi excluído do corpo social pelas patas do poder, de quem rasteja pelo porão da pobreza extrema, no abandono das ruas ou na indigência dos casebres, ainda respirando mal o mal de viver (LONGO, 2004, p. 124).10

A evolução do direito é inerente à evolução humana e à evolução da vida em sociedade, o direito evolui porque evoluem os povos e suas culturas –

que necessitam de um padrão de conduta a fim de facilitar a convivência pacífica dos habitantes de um determinado território –, ao mesmo tempo em que esteja aberto às mudanças advindas da sua natural evolução.

Ainda que difira de país para país,11 a proteção constitucional ao atendimento das necessidades humanas fundamentais ratifica direitos e deveres para o equilíbrio da vida social e marca esse comprometimento legal por intermédio, quase sempre, do poder positivado, incluindo-se também as decisões judiciais e os costumes, não só no Brasil como na maioria dos países do mundo moderno.

Entretanto, a positivação dos direitos humanos, por si só, não traduz a realização da justiça social, cujo desequilíbrio nas relações estabelecidas

10 LONGO, Abel. O direito de ser humano. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004.

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pelo poder de poucos privilegiados tende a negar o alcance indispensável de quaisquer das instituições sociais e nega também, aos inúmeros desvalidos, além das possibilidades de ter, suas possibilidades de ser.

Inspirada nos moldes dos direitos humanos universais,12 buscando,

ainda, o resgate da cidadania brasileira relegada a segundo plano pelos vinte e um anos de ditatura militar, a Constituição Brasileira de 1988, foi o resultado do que chamou Ulysses Guimarães, então Presidente da Assembleia Nacional Constituinte, de Constituição Cidadã, ao conferir aos cidadãos brasileiros o poder de vigilância e fiscalização sobre o destino e os interesses do país.

No entanto, não foi explicitada a maneira de se adquirir cidadania para além dos direitos políticos.13 Porque ser cidadão é ter direitos civis.14 Ser cidadão é ter direitos sociais.15 O que quer dizer que: exercer a cidadania plena é ter direitos civis, políticos e sociais, junto simultaneamente, sem os quais não há democracia.

Segundo Chauí a democracia é colocada em risco na medida em que a violência chega a patamares estruturais, comprometendo a ética da vida.

A sociedade brasileira é violenta, autoritária, vertical, hierárquica e oligárquica, polarizada entre a carência absoluta e o privilegio absoluto. No Brasil há bloqueios e resistências à instituição dos direitos econômicos, sociais e culturais. Os meios de comunicação de massa e os setores oligárquicos nos fazem crer que a sociedade brasileira é ordeira acolhedora, pacífica, e que a violência é um momento acidental, um surto, uma epidemia, um acidente, algo temporário que, se bem tratado, desaparece. E que pode ser combatido por meio da repressão policial. Mas, na verdade, a violência é o modo de ser da sociedade brasileira. (CHAUÍ, 2006). 16

Exemplifica, ainda, a douta filósofa e historiadora sobre o que seria essa violência estrutural:

- a esfera pública nunca chega a se constituir verdadeiramente como pública, porque é definida pelas exigências do espaço privado. No Brasil, há uma indistinção entre o público e o privado. Não só se

12 Declaração Universal dos Direitos do Homem, aprovada pela Organização das Nações Unidas (ONU) em 1948. 13 Referem-se à participação no governo da sociedade, é a participação no poder. Expressa na possibilidade de fazer

manifestações políticas, organizar partidos, votar e ser votado.

14 Por exemplo, o direito de ir e vir, de dispor do próprio corpo, o direito à vida, à liberdade de expressão, à propriedade, à igualdade perante a lei, a não ser julgado sem o devido processo legal, independentemente de raça, condição econômica, religião, filiação, origem cultural, sexo, ou de opiniões e escolhas relativas à vida privada. 15 É o direito de usufruir da riqueza e dos recursos produzidos pelos seus concidadãos, tais como: saúde, alimentação,

educação, lazer, moradia, dentre outros.

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pratica corrupção dos recursos públicos, mas a coisa púbica é regida por valores privados e também não há percepção dos direitos à privacidade e intimidade;

- a sociedade bloqueia a opinião de classes diferenciadas, com os meios de comunicação monopolizando a informação. O consenso é confundido com unanimidade e a discordância, com ignorância; - as classes populares carregam o estigma da suspeita, da culpa e da incriminação permanente. A sociedade brasileira é uma sociedade em que a classe dominante exorciza o horror às contradições, promovendo a ideologia da união nacional a qualquer preço. Se recusa a trabalhar os conflitos, porque eles negam a idéia mítica da boa sociedade pacifica e ordeira;

- as leis são armas para preservar privilégios, jamais tendo definido direitos possíveis para todos. Os direitos, na prática, são concessões e outorgas que dependem da vontade do governante. Em vez de figurarem um pólo público de poder e regulação dos conflitos, as leis aparecem como inúteis e inócuas, feitas para serem transgredidas e não transformadas. Uma situação violenta é transformada num traço

positivo quando a transgressão é elogiada como um “jeitinho brasileiro”;

- os indivíduos são divididos entre mandantes e obedientes, e todas as relações tomam a forma de tutela, de dependência e de favor. As pessoas não são vistas como sujeitos autônomos e iguais, como cidadãos portadores de direitos. E o paternalismo branco, refletido na

forma do clientelismo e do favoritismo, é considerado “natural”, às

vezes até exaltados como características positivas do caráter nacional. (CHAUÍ, 2006).17

Apesar do avanço normativo e da efetividade das garantias dos direitos fundamentais, a centralidade assumida pelo Poder Judiciário trouxe consigo o remédio e o veneno: a confiança da sociedade numa instituição capaz de solucionar todos os problemas e o aumento das demandas submetidas a sua apreciação criteriosa, ao ponto de questões de relevância política e social, anteriormente solucionadas pelas instâncias políticas tradicionais – o Poder Legislativo e o Poder Executivo – terem sido, paulatinamente, transferidas para a esfera jurisdicional.

Hoje, a judicialização da vida, segundo Luís Roberto Barroso (2009, p. 332)18 é uma realidade inconteste. Exemplos recentes de julgados pela

Corte Suprema,19 nos dão conta da judicialização na saúde (uso de células

tronco e aborto de fetos anencéfalos) e também na educação (universalização,

17 Cf. CHAUÍ, Marilena. Op. cit.

18 BARROSO, Luís Roberto. O controle de constitucionalidade no direito brasileiro. 4ª edição. São Paulo: Saraiva, 2009.

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gratuidade e obrigatoriedade do ensino fundamental e cotas raciais obrigatórias em nível de ensino superior), apenas para citar alguns.

No sistema prisional em geral e, sobretudo no ambiente carcerário feminino, estão presentes inúmeras dimensões e expressões da questão social a serem decodificadas, acolhidas e encaminhadas pelo assistente social que, ao acompanhar o processo de reintegração social desde a inserção da mulher na prisão, deverá ter clara, também, a necessidade de (re)construção da cidadania (que não se dá de outra forma, senão pela via da judicialização, seja ela processual, processual penal ou por intermédio das ações administrativas requeridas), muitas vezes historicamente negada desde o período que antecede o encarceramento da paciente/usuária.20

J., 33 anos, não tem documentos civis. Viveu na rua desde os 9 anos e aos 10 foi para a FEBEM. Consumiu todos os tipos de drogas. Os pais eram alcoólatras e não cuidavam dela. Não pôde estudar. Não trabalhava fora da prisão e não trabalha dentro da prisão por que não tem documentos. Não tem título de eleitor (não pode exercer o direito de votar). Institucionalizada, não tem identidade. (Penitenciária Feminina de Santana, 2009) (RODRIGUES, 2010).21

O afastamento de algumas dimensões fundamentais (projeto de sociedade e projeto profissional) do projeto ético-político da profissão decorre da insuficiência de instrumentalidade e de ações específicas que viabilizem e articulem as políticas públicas com vistas a permitir o resgate das condições de sociabilidade durante o cumprimento de pena, em regime fechado, no período de reintegração, em regime semiaberto e na condição de egressa, potencializando a mulher na conquista da tão sonhada liberdade, autonomia e justiça social.

Para tanto, a/o/s assistentes sociais, principalmente a/o/s alocada/o/s nas unidades prisionais, precisam ter conhecimento básico sobre a nova hermenêutica constitucional, que não exclui os métodos de interpretação clássicos,22 cujo contributo sobrevém na busca do sentido das normas e na

20 Paciente, para o direito, é a vítima de abuso ou de ilegalidade do poder. Usuária(o), para o Serviço Social, é aquela(e) que possui ou desfruta alguma coisa pelo direito de uso, é cada um daqueles que usam ou desfrutam alguma coisa coletiva, ligada a um serviço público ou particular.

21 RODRIGUES, M. L. e outros. O sistema prisional feminino e a questão dos direitos humanos: um desafio às políticas sociais – 1ª fase. NEMESS/PUC-SP. São Paulo: PC Editorial, 2010.

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solução de casos concretos uma vez que concebem a Constituição como um conjunto de normas que precisam evoluir juntamente com a sociedade e daí ter-se constituído; como também considerar a possibilidade de incorporação de outros métodos de interpretação, tais como: o tópico-problemático,23 o

hermenêutico-concretizador,24 o científico-espiritual25 e o

normativo-estruturante,26 a fim de que possa atuar segundo os princípios de

universalidade, integridade e equidade.27

Pela grande carga política e coloquialidade insertos no texto constitucional brasileiro vigente, sua interpretação permite que sejam encontrados sentidos diversos que se adequem a cada situação específica, daí

depreendermos que “a nova interpretação constitucional é fruto de evolução

seletiva, que conserva muitos dos conceitos tradicionais, aos quais, todavia, agrega ideias que anunciam novos tempos e acodem a novas demandas”, no

dizer de Barroso (2003, p. 6).28

1.2. Hermenêutica principiológica

No que diz respeito ao sistema jurídico brasileiro, assim como na maioria dos estados modernos, o direito derivava do normativo constitucional por considera-lo como categoria central de validade normativa, isto é, a Constituição é o centro do qual todo o direito devia derivar (legitimando a soberania estatal pela via dos processos de subsunção formal) e segundo o

excludentes e, de forma sincrética, são capazes de delimitar o sentido e o alcance das normas constitucionais. São eles: método gramatical, método sistemático, método histórico, método sociológico e método teleológico ou finalista. 23 Estilo de pensamento voltado para a busca priorizada do exame do caso concreto, optando-se, então, por uma das

formas interpretativas capaz de fundamentar uma decisão judicial. Totalmente contrária ao positivismo, esta visão propõe a observação do caso concreto para depois buscar a norma que melhor se adeque.

24 Nesta concepção, o intérprete constitucional deve ater-se aos elementos objetivos extraídos da realidade social agregando elementos subjetivos que devem consubstanciar um sentido mais justo para a concretização da norma constitucional.

25 Este método busca potencializar a concretização de soluções hermenêuticas conciliatórias; sugere e incentiva a busca de soluções que possam promover a coesão político-social da nação.

26 O método normativo-estruturante contém a ideia de que o conceito de norma constitucional é muito mais amplo, podendo ser visualizada por intermédio de dupla perspectiva: (a) a da norma constitucional como texto normativo dependente de uma atividade mediadora e concretizadora de suas finalidades; e (b) a da norma constitucional com âmbito normativo sujeito à aceitação dos atos do poder público pelos cidadãos.

27 Também chamados de princípios ideológicos ou doutrinários, mais comumente disseminados na área de atendimento à saúde; referem-se, entretanto, genérica e respectivamente, ao direito de todos, ao direito de receber atendimento preventivo e interventivo e ao direito de receber tratamento igualitário independentemente das condições socioeconômicas.

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qual todo o direito deveria convergir a partir dos múltiplos fatores da realidade social.

A figura 1 demonstra a hermenêutica doutrora sobre a emanação nuclear do direito a partir da validade normativa constitucional.

Figura 1: validade normativa constitucional nuclear

O contexto interpretativo constitucional atual29 configura-se de forma subjacente, isto é, como uma nova matriz epistemológica do direito onde a forma de entrelaçamento entre as dimensões do direito, moral e política mostra-se, particularmente, desafiador na medida em que pressupõe o desenvolvimento de padrões de racionalidade baseados mais na razoabilidade prudencial do que no cientificismo formal, é o que nos ensina Cademartori:

Por essa razão é que se fala no desenvolvimento de uma autêntica

“política constitucional” a qual não é o resultado da sua execução

pura e simples e sim, uma questão de realização existencial (pessoal e social) sob os seus mais variados conteúdos, sejam eles morais,

29 Denominado pós-positivismo ou neo-constitucionalismo.

Constituição Federal

Direitos Individuais

Direitos Políticos

Direitos Sociais Direitos

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políticos, econômicos ou culturais, estando tais valores normatizados constitucionalmente como princípios.

São, precisamente, tais princípios cujo conteúdo remete-se aos valores mencionados, os quais levam alguns juristas a batizar as constituições que os proclamam como constituições dirigentes. Tal ocorre por traduzirem eles fins e programas de ação os quais, sob a nova matriz teórica pós-positivista, podem tornar possível, também, a concretização (em graus variados) dos valores iluministas que inspiraram os direitos fundamentais, abrindo caminho para um modelo de democracia substancial como instância de realização social e política de tais direitos, posterior à democracia formal ou representativa. (CADEMARTORI, 2006, p. 1-2).30

A hermenêutica atual, fundamentada na dinâmica da emanação do direito que emerge da dialética presente nas várias dimensões individuais e sociais busca sua validade na normativa constitucional conforme demonstrado na figura 2.

Figura 2: validade dimensional da normativa constitucional

30 CADEMARTORI, Luiz Henrique Urquhart. In: Hermenêutica Principiológica e Colisão de Direitos Fundamentais: as

teorias de Aléxy e Dworkin e os aportes de Habermas, publicado em Novos Estudos Jurídicos - ISSN Eletrônico 2175-0491 - A2 no Qualis Direito CAPES, v. 11, no 1, 2006.

Cultural

Constituição

Federal Político

Moral / Direito Econômico

Direitos

Econômicos

Direitos Políticos Direitos

Individuais

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Estas mudanças de interpretação dialética e garantia de direitos são prerrogativas constitucionais que atendem apenas a uma determinada classe social que pode patrocinar o acesso ao poder jurisdicional: a elite.

As mulheres presas afirmam ter advogados, porém públicos, que se limitam a acompanhar, quando muito, o processo, sem se dispor a tomar conhecimento do sujeito que está por trás dos autos.

Assim, os princípios constitucionais podem ser compreendidos segundo duas espécies: (a) os materiais,31 que são os estruturadores da ordem

constitucional, portanto, de maior relevância, pois solucionam os casos concretos; e (b) os instrumentais,32 que não tem conteúdo próprio e servem à aplicabilidade concreta dos princípios materiais.

Considerando a definição do perfil político-constitucional do Brasil, exarado no caput do art. 1º da Constituição Federal33 como o de um Estado Democrático de Direito, depreendemos tratar-se de uma proclamação superadora do Estado de Direito34 porquanto não só formaliza a igualdade entre os homens, como também pelos fundamentos inscritos nos incisos II e III do referido artigo e pela imposição de metas e deveres estabelecidos nos incisos I a IV do art. 3º35 do excelso diploma.

Ensina-nos Capez que, do Estado Democrático de Direito originam-se princípios regradores dos mais diversos campos da atuação humana, dos quais, o princípio da dignidade humana (art. 1º, III, CF/88) guarda maior

31 Divide-se em fundamentais (de natureza política, por exemplo: princípio republicano, da separação dos poderes, federativo), gerais (são especificações, como o devido processo legal) e setoriais (conjunto específico de princípios com atuação limitada a determinado ramo do direito, como por exemplo: a boa-fé nos contratos (Direito Civil), anterioridade (Direito Penal), moralidade (Direito Administrativo), dentre outros), sempre de acordo com a matéria a ser aplicada.

32 Os princípios constitucionais instrumentais mais relevantes são: supremacia da constituição, presunção de constitucionalidade dos atos normativos, unidade da constituição, máxima efetividade, mínimo existencial, reserva do possível, proporcionalidade e razoabilidade.

33 Art. 1º A República Federativa do Brasil, formada - união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

I - a soberania; II - a cidadania;

III - a dignidade da pessoa humana;

IV - os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa; V - o pluralismo político.

Parágrafo único. Todo o poder emana do povo, que o exerce por meio de representantes eleitos ou diretamente, nos termos desta Constituição.

34 O Estado de Direito assegura a igualdade meramente formal entre os homens, isto é, no Estado Formal de Direito, todos são iguais porque a lei é, tão somente, igual para todos. Trata-se de concepção jurídico-positivista do liberalismo burguês para conter o arbítrio do Absolutismo monárquico na Baixa Idade Média.

35 Art. 3º Constituem objetivos fundamentais da República Federativa do Brasil: I - construir uma sociedade livre, justa e solidária;

II - garantir o desenvolvimento nacional;

III - erradicar a pobreza e a marginalização e reduzir as desigualdades sociais e regionais;

(22)

proximidade com os princípios afetos à esfera criminal, que nele encontra guarida, orienta o legislador na definição das condutas delituosas e determinam toda a formação do Direito Penal, formulado como um direito penal democrático.

Em seu dizer:

Aplicar a justiça de forma plena, e não apenas formal, implica, aliar ao ordenamento jurídico positivo a interpretação evolutiva, calcada nos costumes e nas ordens normativas locais, erigidas sobre padrões culturais, morais e sociais de determinado grupo social ou que estejam ligados ao desempenho de determinada atividade. (CAPEZ, 2007, p. 8)36

Desta autoria depreende-se que, da dignidade humana partem outros princípios, mais específicos, que em se tratando de conteúdo penal, propiciam maior controle sobre o jus puniendi37 do Estado em inúmeras situações específicas da vida cotidiana.

36 CAPEZ, Fernando. Curso de Direito Penal parte geral. São Paulo: Saraiva, 2009.

(23)

2. Princípios constitucionais penais

Violar um princípio é muito mais grave do que transgredir uma norma. (Celso Antônio Bandeira de Mello)38

No que tange à previsibilidade constitucional dos princípios incidentes sobre a matéria penal no direito brasileiro, destacamos que um dos capítulos mais importantes é o que trata dos direitos e garantias fundamentais do indivíduo conforme as reflexões de Rodrigues e Farias:

A moderna doutrina do Direito Constitucional considera esta série de direitos não só como previsões de garantias individuais, mas, sobretudo, como dever do Estado em efetivá-las. Destacam-se assim:  todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade e à segurança (art. 5º, caput);

 ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei (art. 5º, II);

 ninguém será submetido a tortura nem a tratamento desumano ou degradante (art. 5º, III);

 todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado (art. 5º, XXXIII);

 a lei não excluirá da apreciação do Poder Judiciário lesão ou ameaça a direito (art. 5º, XXXV);

 não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal (art. 5º, XXXIX); e,

 a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu (art. 5º, XL) (RODRIGUES e FARIAS, 2012, p. 60-61).39

Limitadores do poder do Estado quanto à ameaça de pena, aplicação da pena e execução da pena, os princípios constitucionais penais relacionam-se com a missão do Direito Penal, com o fato do agente, com o agente do fato e com a pena, propriamente dita.

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Entende-se como missão do Direito Penal a dupla, simultânea e exclusiva proteção: de bens jurídicos, tais como: a vida, a integridade física, o patrimônio e a liberdade; utilizando a sanção penal como último recurso, e a função protetiva de garantia do indivíduo.

A proteção de bens jurídicos não se dá apenas pela criminalização formal, isto é, não basta que a lei estabeleça determinada conduta como criminosa, é preciso que materialmente esta mesma conduta coloque em risco ou perigo valores fundamentais da sociedade.

A função protetiva de garantia do indivíduo encontra amparo na proclamação do Estado Democrático de Direito. Para tanto, a aplicação do Direito Penal, codificado pelo Decreto-Lei no 2.848, de 7 de dezembro de 1940, deverá considerar constitucionalmente: (1) o princípio da legalidade ou reserva legal, (2) o princípio da anterioridade, (3) o princípio da retroatividade da lei mais benéfica, (4) o princípio da personalidade ou da responsabilidade pessoal e(5) o princípio da individualização da pena;40 (6) o princípio da humanidade,41

40 Postulados de segurança jurídica em matéria criminal à luz dos direitos fundamentais claramente prescritos nos incisos XXXIX a LXVII do art. 5º da Constituição Federal:

XXXIX - não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal; XL - a lei penal não retroagirá, salvo para beneficiar o réu;

XLI - a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais;

XLII - a prática do racismo constitui crime inafiançável e imprescritível, sujeito à pena de reclusão, nos termos da lei; XLIII - a lei considerará crimes inafiançáveis e insuscetíveis de graça ou anistia a prática da tortura, o tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, o terrorismo e os definidos como crimes hediondos, por eles respondendo os mandantes, os executores e os que, podendo evitá-los, se omitirem;

XLIV - constitui crime inafiançável e imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático;

XLV - nenhuma pena passará da pessoa do condenado, podendo a obrigação de reparar o dano e a decretação do perdimento de bens ser, nos termos da lei, estendidas aos sucessores e contra eles executadas, até o limite do valor do patrimônio transferido;

XLVI - a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras, as seguintes: a) privação ou restrição da liberdade;

b) perda de bens; c) multa;

d) prestação social alternativa; e) suspensão ou interdição de direitos; XLVII - não haverá penas:

a) de morte, salvo em caso de guerra declarada, nos termos do art. 84, XIX; b) de caráter perpétuo;

c) de trabalhos forçados; d) de banimento; e) cruéis;

XLVIII - a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado;

XLIX - é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral;

L - às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação;

LI - nenhum brasileiro será extraditado, salvo o naturalizado, em caso de crime comum, praticado antes da naturalização, ou de comprovado envolvimento em tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins, na forma da lei; LII - não será concedida extradição de estrangeiro por crime político ou de opinião;

LIII - ninguém será processado nem sentenciado senão - autoridade competente; LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal;

LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes;

LVI - são inadmissíveis, no processo, as provas obtidas por meios ilícitos;

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(7) o princípio da intervenção mínima ou subsidiariedade,42 (8) o princípio da fragmentariedade,43 (9) o princípio da culpabilidade,44 (10) o princípio da taxatividade,45 (11) o princípio da proporcionalidade46 e (12) o princípio da vedação da dupla punição pelo mesmo fato.47

Por transcender o escopo dessa dissertação, limitamo-nos a breves comentários sobre cada um dos doze princípios constitucionais penais e suas indicações legais visto que nos basta para seguirmos com a construção de nossa exposição.

Conforme elencado no relatório da pesquisa O sistema prisional feminino e a questão dos direitos humanos: um desafio às políticas sociais II (RODRIGUES e FARIAS, 2012, p. 62-65):

Para além da garantia dos direitos gerais a CF institui preceitos processuais e penais de garantias do indivíduo indiciado com alcance aos condenados, presos ou não. São eles:

 nenhuma pena passará da pessoa do condenado (art. 5º, XLV);  a lei regulará a individualização da pena e adotará, entre outras: a

privação ou restrição da liberdade, a perda de bens, multa, prestação social alternativa, suspensão ou interdição de direitos (art. 5º, XLVI);

 não haverá penas: de morte, de caráter perpétuo, de trabalhos forçados, de banimento ou cruéis (art. 5º, XLVII);

LVIII - o civilmente identificado não será submetido à identificação criminal, salvo nas hipóteses previstas em lei; (Regulamento).

LIX - será admitida ação privada nos crimes de ação pública, se esta não for intentada no prazo legal;

LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o exigirem;

LXI - ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente, salvo nos casos de transgressão militar ou crime propriamente militar, definidos em lei;

LXII - a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada;

LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado;

LXIV - o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial; LXV - a prisão ilegal será imediatamente relaxada - autoridade judiciária;

LXVI - ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança; LXVII - não haverá prisão civil por dívida, salvo a do responsável pelo inadimplemento voluntário e inescusável de obrigação alimentícia e a do depositário infiel.

41 Princípios insertos no art. 5º, III (ninguém será submetido à tortura nem a tratamento desumano ou degradante) e também nos incisos XLVII, XLVIII, XLIX, L, LXI, LXII, LXIII, LXIV, LXV e LXVI do mesmo artigo.

42 Princípio assentado na Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, cujo art. 8º determinou que a lei só deve prever as penas estritamente necessárias. Isto significa que somente haverá Direito Penal em raros episódios em que a lei descrever um fato como crime.

43 É aquele que afirma que o Direito Penal deve tipificar e criminalizar, um pequeno número de condutas humanas, isto é, dentre um sem-número de condutas existentes na realidade fática, apenas uma diminuta parcela é eleita para ser descrita como crime.

44 Literalmente expresso no inciso LVII do art. 5º da Constituição Federal, é também chamado de princípio de presunção de inocência, implicando que o ônus da prova caiba ao Ministério Público ou a parte acusadora, que deve(m) demonstrar a culpa sob risco de que a ação penal seja julgada improcedente.

45 Este princípio, dirigido ao legislador, determina que as condutas tipificadas como crime e, portanto, merecedoras de punição, devem ser claras quanto a sua elaboração, não podendo ser dúbias ou conter termos valorativos, pois poderia ensejar abuso por parte da atuação do Estado.

46 Também chamado de princípio da proibição dos excessos reflete-se como a aplicação de pena adequada e necessária a um tipo penal determinado. Princípio dirigido tanto ao legislador quanto ao magistrado.

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 a pena será cumprida em estabelecimentos distintos, de acordo com a natureza do delito, a idade e o sexo do apenado (art. 5º, XLVIII);

 é assegurado aos presos o respeito à integridade física e moral (art. 5º, XLIX);

 às presidiárias serão asseguradas condições para que possam permanecer com seus filhos durante o período de amamentação (art. 5º, L);

 ninguém será processado nem sentenciado senão pela autoridade competente (art. 5º, LIII);

 ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o devido processo legal (art. 5º, LIV) além de serem assegurados o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (art. 5º, LV);

 ninguém será considerado culpado até o trânsito em julgado de sentença penal condenatória (art. 5º, LVII);

 ninguém será preso senão em flagrante delito ou por ordem escrita e fundamentada de autoridade judiciária competente (art. 5º, LXI);

 a prisão de qualquer pessoa e o local onde se encontre serão comunicados imediatamente ao juiz competente e à família do preso ou à pessoa por ele indicada (art. 5º, LXII);

 o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado (art. 5º, LXIII);

 o preso tem direito à identificação dos responsáveis por sua prisão ou por seu interrogatório policial (art. 5º, LXIV);

 ninguém será levado à prisão ou nela mantido, quando a lei admitir a liberdade provisória, com ou sem fiança (art. 5º, LXVI); além do que, a prisão ilegal será imediatamente relaxada pela autoridade judiciária (art. 5º, LXV);

 conceder-se-á habeas-corpus sempre que alguém sofrer ou se achar ameaçado de sofrer violência ou coação em sua liberdade de locomoção, por ilegalidade ou abuso de poder (art. 5º, LXVIII);  conceder-se-á habeas-data para assegurar o conhecimento de

informações relativas à pessoa do impetrante, constantes de registros ou bancos de dados de entidades governamentais (art. 5º, LXXII);

 o Estado prestará assistência jurídica integral e gratuita aos que comprovarem insuficiência de recursos (art. 5º, LXXIV);

 o Estado indenizará o condenado por erro judiciário, assim como o que ficar preso além do tempo fixado na sentença (art. 5º, LXXV);  são gratuitas as ações de habeas-corpus e habeas-data, e, na

forma da lei, os atos necessários ao exercício da cidadania (art. 5º, LXXVII);

 a todos, no âmbito judicial e administrativo, são assegurados a razoável duração do processo e os meios que garantam a celeridade de sua tramitação (art. 5º, LXXVIII);

 os direitos e garantias expressos não excluem outros decorrentes do regime e dos princípios por ela adotados, ou dos tratados internacionais em que o Brasil seja parte (art. 5º, LXXVIII, § 2º);  os tratados e convenções internacionais sobre direitos humanos

que forem aprovados, serão equivalentes às emendas constitucionais (art. 5º, LXXVIII, § 3º);

 o Brasil se submete à jurisdição de Tribunal Penal Internacional a cuja criação tenha manifestado adesão (art. 5º, LXXVIII, § 4º).

(27)

humanos. Unificados no princípio máximo de respeito à dignidade humana (valor que norteia toda a Constituição pátria) estes direitos deverão ser assegurados (em decorrência do estado democrático de direito que determina a forma de organização do Estado) a fim de conferir limites ao Estado na relação com o conjunto de pessoas que constituem o corpo da nação e estão submetidas às mesmas leis. (RODRIGUES e FARIAS, 2012, p. 62-65):48

Cabe acrescentar que embora a construção de políticas públicas sobre os direitos humanos no Brasil49 traga em seu bojo inúmeras discussões sobre a sua abrangência e exequibilidade, esta construção incorpora aspectos dos principais documentos internacionais dos quais o país é signatário, busca agregar antigas e novas demandas de nossa sociedade pela efetivação da democracia e da justiça social pela articulação institucional dos três poderes da República, principalmente do Poder Executivo, por intermédio da Secretaria Especial dos Direitos Humanos da Presidência da República (SEDH), além de executar programas e projeto de educação conforme o Plano Nacional de Educação em Direitos Humanos (PNEDH).50

Da afirmação de Chauí:

Se educação é direito, é preciso tomá-la no sentido profundo da sua origem, como formação para a cidadania e da cidadania, como o direito de todos de terem não só acesso ao conhecimento, mas também à criação do conhecimento. Isso é decisivo para que outros direitos sejam criados e para que a sociedade se torne democrática. A educação formadora se realiza como trabalho do pensamento, para pensar e dizer o que ainda não foi pensado nem dito. Essa formação é civilizatória contra a violência social, econômica, política e cultural, porque age como criadora de novos direitos quando compreende que o pensamento é um trabalho e que o trabalho é a negação da realidade dada.

[...]

Uma das práticas mais importantes da política para a democracia é ter ações capazes de unificar as carências, fazer a passagem das carências dispersas para interesses comuns e desses interesses chegar a direitos. Essa é a luta pela igualdade (CHAUÍ, 2006).51

48 RODRIGUES, M. L. e FARIAS, M. H. L. (orgs). Op. cit.

49 O Programa Nacional de Direitos Humanos (PNDH) foi instituído pelo Decreto no 1.904, de 13 de maio de 1996; foi revisado por intermédio do Decreto no 4.229, de 13 de maio de 2002, que dispõe sobre o PNDH II; que foi revogado pelo Decreto no 7.037, de 21 de dezembro de 2009 e atualizado pelo Decreto no 7.177, de 12 de maio de 2010, PNDH III. Sendo que os dois primeiros promulgados por Fernando Henrique Cardoso e o último, ainda em vigência, por Luís Inácio Lula da Silva.

50 O processo de elaboração do PNEDH teve início em 2003, com a criação do Comitê Nacional de Educação em Direitos Humanos (CNEDH), por meio da Portaria nº 98/2003 da SEDH/PR, cuja primeira versão foi lançada pelo Ministério da Educação (MEC) e pela Secretaria Especial de Direitos Humanos (SEDH).

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(29)

3. Direito Penal

Direito Penal é o ramo do direito público que trata do crime, das cominações de penas e medidas de segurança em seus aspectos gerais e específicos por intermédio das normas emanadas pelo Poder Legislativo com o fito de preservar a vida em sociedade.

No ordenamento jurídico brasileiro é composto pelos Códigos Penal e Processual Penal, pelas leis das Contravenções Penais, de Execução Penal e por legislação complementar.52

3.1. Código Penal brasileiro

O Código Penal brasileiro em vigor até os dias de hoje substituiu o Código Penal de 189053 somente cinquenta anos depois e após quatro

tentativas frustradas de aprovação.54

Ao apresentar a exposição de motivos da parte especial do Código Penal55 de autoria do Prof. Dr. Alcântara Machado, com modificações

estruturais e também no plano sistemático, afirma o jurista Francisco Campos,56 seu relator:

52 Entende-se por legislação complementar o conjunto de leis cujo âmbito material é predeterminado em distintos ramos do direito e destina-se a fundamentar subsidiariamente a aplicação da lei penal. As mais conhecidas são: a lei de entorpecentes, a lei de crimes hediondos, a lei Maria da Penha, dentre outras.

53 Código Penal da primeira República, também chamada República Velha, período que vai desde a Proclamação da República (1889) até a República Nova (1930), iniciado pelo governo de Getúlio Vargas.

54 O primeiro projeto, de 1893, proposto pelo Deputado Vieira de Araújo que também apresentou um substitutivo ao projeto original e outro de autoria da Comissão Especial da Câmara; o segundo, em 1911, delegado ao Poder Executivo; o terceiro, de 1913, com autoria de Galdino Siqueira; o quarto, datado de 1927, projetado por Sá Pereira e submetido a uma comissão revisora composta pelo autor e dos Drs. Evaristo de Morais e Bulhões Pedreira, foi apresentado em 1935 à consideração da Câmara dos Deputados. Aprovado por esta, passou ao Senado e neste se encontrava em exame na Comissão de Justiça, quando sobreveio o advento da nova ordem política, o Estado Novo. O quarto, em 1938 de autoria do Dr. Alcântara Machado, com revisão dos magistrados Vieira Braga, Nélson Hungria e Narcélio de Queiroz, além do representante do Ministério Público, Dr. Roberto Lira, também não logrou êxito em sua forma original.

55 Decreto Lei no 2.848, de 07 de dezembro de 1940, passou a viger em 1º de janeiro de 1942.

(30)

Com o atual Código Penal nasceu a tendência de reforma-lo. A datar de sua entrada em vigor começou a cogitação de emendar-lhe os erros e falhas. Retardado em relação à ciência penal do seu tempo, sentia-se que era necessário coloca-lo em dia com as ideias dominantes no campo da criminologia... (CAMPOS, 1940, parágrafo 1º).57

Apresentado sob o signo da obsolescência e justificada presença de erros e falhas, o discurso mostra-se atualíssimo, apesar de publicado no Diário Oficial da União de 08 de dezembro de 1940.

No entanto, sua conclusão é inconteste quanto à definição do perfil político-constitucional do Brasil daquela época58 e a ilustre contribuição sóciojurídica daquele que foi um legítimo representante da elite política

denominada “café com leite”; afeito a qualquer regime de governo que cerceasse ou suprimisse as liberdades individuais e como se o aumento da violência, em sua forma mais visível, a criminalidade, não tivesse sua gênese no desenvolvimento industrial e tecnológico, balizado em um sistema político, social e econômico característicos das sociedades capitalistas.

Conclui, então, Francisco Campos:

... e, ao mesmo tempo, ampliar-lhe os quadros de maneira a serem contempladas novas figuras delituosas com que os progressos industriais e técnicos enriqueceram o elenco dos fatos puníveis. (Grifo nosso) (CAMPOS, 1940, parágrafo 1).59

Ainda que reste alguma dúvida sobre o ora exposto, recorremos aos parágrafos 66 e 67 da mesma exposição de motivos, que trata dos crimes contra a organização do trabalho, para fundamentar o animus domini do poder no período histórico em que se inscreve a decretação da lei em comento:

57 CAMPOS, Francisco. Exposição de motivos da parte especial do Código Penal. Brasil. DOU 08/12/1940. In: http://www.diariodasleis.com.br/busca/exibelink. php?numlink=1-96-15-1940-12-07-2848-CP, último acesso em 19 de março de 2011.

58 O governo Vargas (1930-1945 e 1951-1954), iniciado com a Revolução de 1930, que pôs fim à República Velha ao depor o presidente Washington Luís e impedir a posse de Júlio Prestes; caracteriza-se pela tentativa de perpetuação do poder: de 1930 a 1934, Getúlio Vargas atuou como chefe do Governo Provisório; de 1934 a 1937, como presidente da república do Governo Constitucional eleito pela Assembleia Nacional Constituinte de 1934 (Constituição promulgada, isto é, resultante das assembleias populares); de 1937 a 1945, quando instaurou o Estado Novo e outorgou a Constituição de 1937, após um Golpe de Estado visando defender o país de um possível plano comunista para tomada do poder. Deposto em 1945, Getúlio Vargas foi substituído por José Linhares, então presidente do Supremo Tribunal Federal até que se realizassem as eleições de 2 de dezembro de 1945, quando assumiu o presidente eleito, Eurico Gaspar Dutra; entretanto, Getúlio Vargas fora eleito Senador, pelo Partido Trabalhista Brasileiro, na formação da Assembleia Nacional Constituinte de 1946 pelos estados do Rio Grande do Sul e São Paulo e deputado, também pelo PTB, pelo Distrito Federal mais seis estados. Retirou-se da vida pública em 1947 retornando ao candidatar-se à presidência na campanha de 1950. Eleito, tomou posse em 1951 e governou o país até 1954, quando se suicidou.

59

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Afirma, ainda, Francisco Campos:

66. O trabalho é uma mercadoria, da qual, como de qualquer outra, se pode dispor à vontade, quando se faça uso do próprio direito sem prejudicar o direito de outrem... A greve, o lockout, todos os meios incruentos e pacíficos na luta entre o proletariado e o capitalismo eram permitidos e constituíam mesmo o exercício de líquidos direitos individuais. O que cumpria assegurar, antes de tudo, na esfera econômica, era o livre jogo das iniciativas individuais. Ora, semelhante programa, que uma longa experiência demonstrou errôneo e desastroso, já que não é mais viável em face da Constituição de 37. Proclamou esta a legitimidade da intervenção do Estado, no domínio econômico, para suprir as deficiências da iniciativa individual e coordenar os fatores da produção, de maneira a evitar ou resolver os seus conflitos e introduzir no jogo das competições individuais o pensamento do interesse da Nação. Para dirimir as contendas entre o trabalho e o capital, foi instituída a justiça do trabalho, tornando-se incompatível com a nova ordem política o exercício arbitrário das próprias razões por parte de empregados e empregadores.

67. A greve e o lockout (isto é, a paralisação ou suspensão arbitrária do trabalho pelos operários ou patrões) foram declarados “recursos

anti-sociais, nocivos ao trabalho e ao capital e incompatíveis com os superiores interesses da produção nacional”. (Grifo nosso) (CAMPOS, 1940, parágrafos 66 e 67).60

A guisa de informação complementar, lembramos que o direito de greve somente foi restabelecido pela Constituição Federal de 1988, pelo que expressa o art. 9º,61 devendo, ainda, ser submetida à judicialização com a finalidade de declarar sua legalidade.

As modificações edificadas ao longo do tempo, cuja referencia cronológica encontram-se nos Anexos I e II do presente estudo, e das quais a última mudança significativa data de 1984,62 comprovam que as alterações

normativas propostas mantiveram-se fiéis ao projeto original, além de contar com amplo corolário de leis cogentes63 cuja inconstitucionalidade mostra-se

inconteste na aplicação penal.

60 CAMPOS, Francisco. Op. cit.

61 Art. 9º É assegurado o direito de greve, competindo aos trabalhadores decidir sobre a oportunidade de exercê-lo e sobre os interesses que devam por meio dele defender.

§ 1º - A lei definirá os serviços ou atividades essenciais e disporá sobre o atendimento das necessidades inadiáveis da comunidade.

§ 2º - Os abusos cometidos sujeitam os responsáveis às penas da lei.

62 Cento e vinte artigos, do 1 (um) ao 120 (cento e vinte), que tratam: do Crime, da Imputabilidade Penal, do Concurso de Pessoas, das Espécies de Pena, das Penas Privativas de Liberdade, das Penas Restritivas de Direitos, da Pena de Multa, da Cominação das Penas, da Aplicação da Pena, da Suspensão Condicional da Pena, do Livramento Condicional, dos Efeitos da Condenação, da Reabilitação, das Medidas de Segurança, da Ação Penal e da Extinção da Punibilidade; isto é, todo o Título referente à Aplicação da Lei Penal foram alterados pela Lei no 7.209, de 11 de julho de 1984.

(32)

Como se pode constatar historicamente, o projeto sócio penal originalmente proposto pelo Estado brasileiro da época dista do proposto pelo expresso princípio constitucional preambular de 1988, declarado enquanto Estado Democrático, visto que têm mantido ideologicamente sua centralidade no Estado de Direito.

3.2. Código de Processo Penal brasileiro

Direito processual penal é o conjunto de princípios e normas que regem o exercício conjugado da aplicação das atividades persecutórias da Polícia Judiciária, da organização e jurisdicionalização do Direito Penal pelo Estado-Juiz (detentor monopolista da administração da justiça), a composição dos litígios penais e da defesa de infratores. A sequencia ordenada destes atos compreende: a formulação da acusação, a produção de provas, o exercício da defesa, o julgamento da lide e a sentença.

Diverso em procedimentos e ritos, o processo penal dista de acordo com a natureza do crime a ser julgado ou de acordo com a pena (em abstrato) prevista para tal delito; daí terem sido denominados: rito ordinário, rito sumário, rito sumaríssimo (previsto na Lei nº 9.099, de 26 de setembro de 1995, que estabelece os Juizados Especiais cíveis e criminais), além do rito do Tribunal do Júri, órgão colegiado heterogênio e temporário64 é constituído para julgar

crimes dolosos contra a vida.

O resultado, isto é, a sentença de um processo penal admite:65

absolvição, quando resta provado que o acusado não é autor do

fato típico ou quando sobre ele incide uma ou mais excludentes de culpabilidade ou antijuridicidade; a absolvição libera o absolvido de quaisquer obrigações com o Estado ou com qualquer parte do processo;

64 O Tribunal do Júri é composto por um juiz togado que o preside e de vinte e um cidadãos escolhidos por sorteio; sete dos quais constituirão o conselho de sentença em cada sessão de julgamento (art. 433, CPP).

(33)

condenação, quando resta provado que o acusado é autor do fato típico, antijurídico e culpável; a condenação gera, na maior parte das vezes, a aplicação da sanção penal prevista em abstrato para o crime de que o réu foi considerado culpado, além de ensejar a possível responsabilidade civil ex delicto do réu para com a vítima;

aplicação de medida de segurança, quando se determina que,

embora autor da ação ou omissão típica e antijurídica, o réu é inimputável, ou seja, não possuía, no momento do fato, capacidade mental de entender a ilicitude de sua ação ou guiar-se de acordo com este entendimento; para aplicação de medida de segurança entende-se que o réu deve ser considerado perigoso para a sociedade devido ao transtorno mental que o torna inimputável, pelo que delibera-se interná-lo em instituição psiquiátrica para tratamento de sua patologia;

aplicação de medida educativa, quando o acusado é autor do fato típico e antijurídico, mas, por não ter ainda atingido a idade mínima legal para sujeição à sanção penal (no Brasil, a idade de 18 anos), é submetido a medida educativa (nos termos do Estatuto da Criança e do Adolescente).

Datadas de 1941, as leis que legitimam os procedimentos necessários para a efetivação do jus puniendi do Estado brasileiro estão compiladas no Código de Processo Penal66 e, tal qual o Código Penal, não

consegue estar a par de seu tempo, ainda que assegurados o devido processo legal e a ampla defesa.

A morosidade da tramitação de processos e os inúmeros recursos postergatórios obstaculizam a eficácia da avaliação da necessidade de prescrição da sanção penal e fazem da justiça um ideal inatingível por mostrar-se cada vez mais distante da realidade social.

(34)

3.3. Lei de Execução Penal

Destinada a regrar a execução das penas e das medidas de segurança esta lei foi objeto de apreciação, elaboração e revisão por parte de numerosos especialistas que buscavam, desde 1933, sua edição.

Diploma de pertinência constitucional e indissociado do Direito Penal, esta lei foi exarada em 11 de julho de 1984 sob o número 7.210, com a denominação de Lei de Execução Penal (LEP), cujo objetivo é efetivar as disposições de sentença ou decisão criminal e proporcionar condições para a harmônica integração social do condenado e do internado (art. 1º).

A exortação do então Ministro da Justiça da época, Ibrahim Abi-Ackel,67 afirma na exposição de motivos que:

16. A aplicação dos princípios e regras do Direito Processual Penal constitui corolário lógico da interação existente entre o direito de execução das penas e das medidas de segurança e os demais ramos do direito jurídico, principalmente os que regulam em caráter fundamental ou complementar os problemas postos pela execução. (Grifo nosso) (ABI-ACKEL, 1984, parágrafo 16).68

Segue, ainda, Abi-Ackel:

38. A assistência aos condenados e aos internados é exigência básica para se conceber a pena e a medida de segurança como processo de diálogo entre os seus destinatários e a comunidade. (Grifo nosso) (ABI-ACKEL, 1984, parágrafo 38).69

Afirmou o relator, que a aprovação da referida lei faria com que a obra de reforma legislativa no governo João Figueiredo fosse inscrita entre os grandes monumentos da história (ABI-ACKEL, 1984, parágrafo 190).70

67 Político brasileiro filiado ao Partido Progressista (PP), partido cujas origens estão ligadas à ditadura militar (1964-1985).

68 ABI-ACKEL, Ibrahim. Exposição de motivos da Lei de Execução Penal. Brasília. Diário do Congresso (Seção II), de 29 de maio de 1984.

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Figura 1: validade normativa constitucional nuclear
Figura 2: validade dimensional da normativa constitucional
Gráfico 1  –  Percentual de atingimento das metas estabelecidas no PDSP-SP

Referências

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