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A dialética abarca a natureza, o pensamento, a história: é a ciência em geral, universal ao máximo. Essa teoria do marxismo psicológico ou dialética da psicologia é o que considero psicologia geral.

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143 VIGOTSKI: DESMISTIFICANDO EQUÍVOCOS E RESGATANDO SEU ESTATUTO MARXISTA

Patrícia Tereza Santos Torres

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Edna Bertoldo

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A dialética abarca a natureza, o pensamento, a história: é a ciência em geral, universal ao máximo. Essa teoria do marxismo psicológico ou dialética da psicologia é o que considero psicologia geral.

Vigotski

Resumo

O objetivo deste artigo consiste em desmistificar alguns equívocos existentes na literatura vigente sobre as obras de Vigotski, que consistem em tomar as concepções epistemológicas e ideológicas de Vigotski e Piaget sem suas devidas distinções. Pesquisas marxistas, a exemplo daquela desenvolvida por Carmo (2008), constatam que, nos estudos sobre Vigotski, se dá a substituição da centralidade ontológica da categoria trabalho pelas categorias linguagem, interação, entre outras. A difusão das obras de Vigotski sem sua base fundamental – a teoria social de Marx – vem tendo ampla inserção nos programas oficiais, nos discursos dos professores, nas formações continuadas e em disciplinas oferecidas nos cursos de pós-graduação, tanto do Brasil como do exterior. Constata-se que, além de ser visível a ausência do referencial marxista nas obras de Vigotski que são disseminadas no Brasil, elas apresentam também problemas de tradução, conforme constatação de Duarte (2006). O resultado disto tem sido a apropriação da teoria de Vigotski pelo neoliberalismo e a descaracterização da sua base teórica marxista. Conclui-se que a categoria trabalho, fundamental na abordagem marxista, aparece como eixo central nas análises de Vigotski.

Palavras-chave: Vigotski. Marxismo. Trabalho.

      

1

 Mestranda do Programa de Pós-Graduação, Programa de Educación, Maestría en Política y

Gestión de la Educación do Instituto Universitário – CLAEH/Uy.

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Professora do Centro de Educação da Universidade Federal de Alagoas - UFAL. Líder do Grupo de Pesquisa Trabalho, Educação e Ontologia Marxiana, vinculado ao Programa de Pós- Graduação em Educação da UFAL.

 

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144 VIGOTSKI: DESMISTIFICANDO EQUÍVOCOS Y RESGATANDO SU ESTATUTO MARXISTA

Resumen

El objetivo de este artículo es aclarar algunos conceptos erróneos existentes en la literatura sobre los trabajos de Vygotsky, que consisten en la adopción de las concepciones epistemológicas y ideológicas de Vygotsky y Piaget, sin sus distinciones adecuadas. La investigación marxista actual, como la que desenvolvió Carmo (2008), encuentra que, en los estudios de Vygotsky, toman el lugar de la centralidad ontológica del trabajo, otras categorias, como la lenguage, la interacción, entre otros. La difusión de las obras de Vygotsky sin su piedra angular - la teoría social de Marx – predomina de manera amplia en programas oficiales, en discursos de los maestros en formación continua y en disciplinas que se ofrecen en los cursos de posgrado en Brasil y en el extranjero. Parece que además de ser visible la ausencia de sus bases marxistas, el trabajo de Vygotsky, que se difunde en Brasil, también tiene problemas de traducción, como lo indica Duarte (2006). El resultado ha sido la apropriación de la teoría de Vygotsky por el neoliberalismo y la caracterización equivocada de su base teórica marxista. Se concluye que la categoría trabajo, el enfoque marxista fundamental, aparece como la pieza central en el análisis de Vygotsky.

Palabras clave: Vigotski. Marxismo. Trabajo.

Introdução

Parece contraditório, mas nosso interesse pelos estudos da teoria de Vigotski surge a partir do construtivismo de Piaget, que nos foi apresentado na academia como sendo uma teoria de caráter crítica que, além de fornecer respostas aos problemas cotidianos da escola, goza de grande prestígio no meio educativo. O construtivismo é uma das correntes

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teóricas que mais fundamentam a educação brasileira, com presença marcante nos Parâmetros Curriculares Nacionais - PCNs - e em todos os documentos oficiais.

A base do construtivismo é a Escola Nova e ambos se assemelham quanto ao fato de conceberem o sujeito como elemento central no processo       

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Para alguns, trata-se de uma teoria sobre conhecimento e aprendizagem (FOSNOT); para

outros, consiste numa perspectiva epistemológica, preocupada em explicar o desenvolvimento

humano (LUQUE; ORTEGA; CUBERO); outros, ainda, consideram que é uma abordagem

pedagógica, fundamentada em uma ou mais teorias psicológicas da aprendizagem ou do

desenvolvimento, fundada no princípio de que o aluno deve ser o agente de seu próprio

conhecimento (MIRANDA).

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145 educativo, reservando ao professor um papel secundário, que consiste em facilitador da aprendizagem.

O escolanovismo, movimento educativo que tomou uma imensa proporção nos últimos anos, além do aspecto acima referido, segundo Saviani (1999), faz o deslocamento da razão para a emoção, do lógico para o psicológico, do esforço para o querer e da disciplina para a espontaneidade.

Sua proposta consiste em formar um sujeito crítico, pesquisador,

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autônomo, sendo o próprio sujeito o único responsável pelo seu avanço ou por seu fracasso.

Esta perspectiva pode oferecer suporte ao modelo do novo trabalhador para o mercado de trabalho capitalista, cujas características são as seguintes:

Um ensino de qualidade, que busca formar cidadãos capazes de intervir criticamente na realidade para transformá-la, deve também contemplar o desenvolvimento de capacidades que possibilitem adaptações às complexas condições e alternativas de trabalho que temos hoje e a lidar com rapidez na produção e na circulação de novos conhecimentos e informações, que têm sido avassaladoras e crescentes. A formação escolar deve possibilitar aos alunos condições para desenvolver competência e consciência profissional, mas não restringir-se ao ensino de habilidades imediatamente demandadas pelo mercado de trabalho. (BRASIL apud DUARTE, 2006, p. 64).

Na compreensão de Duarte, predomina nos PCNs a concepção segundo a qual não se deve perder tempo com discussões políticas e ideológicas e de não se formar o indivíduo para interferir criticamente na realidade visando transformá-la. Na verdade, encontra-se presente a defesa do mercado, o qual

      

4

O debate sobre a formação do professor pesquisador tem adquirido relevância nos cursos de formação de professores. De Piaget a Paulo Freire, todos admitem que o professor deve ser um pesquisador. Para Piaget (apud FACCI, 2004, p. 117), “só se aprende realmente a psicologia infantil colaborando com pesquisas [...]”. Os professores “[...] podem aprender a se tornarem pesquisadores e a ultrapassarem o nível de simples transmissores”. Paulo Freire, na obra Pedagogia da autonomia (2007, p. 12, grifo nosso), diz o seguinte: “Fala-se hoje, com insistência, no professor pesquisador. No meu entender o que há de pesquisador no professor não é uma qualidade ou uma forma de ser ou de atuar, que se acrescente à de ensinar. Faz parte da natureza da prática docente a indagação, a busca, a pesquisa e a criação. O de que se precisa é que, em sua formação permanente, o professor se perceba e se assuma como pesquisador”. Atualmente, Pedro Demo é um dos principais difusores do paradigma afeto ao professor pesquisador, com a publicação de algumas obras, a saber:

Educar pela pesquisa (2008), Professor do futuro e reconstrução do conhecimento (2004),

Pesquisa: princípio científico e educativo (1991).  

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146 deve ser respeitado em seu caráter dinâmico, posto que exige um processo de adaptação constante e, portanto, também dinâmico, por parte dos indivíduos.

Tendo em vista o processo de adaptabilidade em curso, que marca os processos de formação humana, as teorias acabam sendo um instrumento fundamental. Não é sem razão que nos discursos educacionais e nos documentos oficiais verifica-se a predominância de uma relação de igualdade entre Piaget e Vigotski, em seus aspectos ideológicos e epistemológicos. E isto tem contribuído para uma visão equivocada da concepção marxista de Vigotski, que concebe a psicologia geral como a teoria do marxismo psicológico ou dialética da psicologia.

Com a finalidade de nos contrapormos às análises em voga, este artigo busca resgatar o caráter marxista das obras de Vigotski, partindo, para tanto, da análise da categoria trabalho. Entendemos que este é um caminho que permite restituir à teoria de Vigotski o seu estatuto marxista, tendo em vista que a literatura em geral predominante retira de suas análises a categoria trabalho, no sentido atribuído por Marx, ou seja, como fundante do ser social, passando a substituí-la pelas categorias linguagem, mediação e interação.

A aproximação de Vigotski com as teorias construtivistas e interacionistas

Inúmeros são os equívocos na aproximação do nome de Vigotski com pensadores das mais diferentes teorias como Piaget, Bakthin, Ferreiro, entre outros. No âmbito educacional atualmente tem dado ênfase a aproximação com Bakthin, por ser hoje referência na linguagem e na literatura e por perceberem equivocadamente essas categorias como centrais nas obras de Vigotski.

Segundo Freitas:

Vygotsky e Bakhtin se assemelham em muitos aspectos. Ambos mostraram um sensível interesse pela literatura e buscaram na linguagem a chave da compreensão para as principais questões epistemológicas que atravessam as ciências humanas e sociais.

(FREITAS, 1996, p. 157).

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147 Outro equívoco muito comum consiste no que é ser considerado construtivista, pois, embora alguns autores considerem que “existia” um vínculo de Vigotski com a filosofia de Marx, suas afirmações acabam sendo contraditórias e equivocadas. Isto pode ser constatado a partir de um material desenvolvido pelo Centro de Formação Continuada, Desenvolvimento de Tecnologia e Prestação de Serviços para as Redes Públicas de Ensino – CEFORTEC - da Universidade Estadual da Ponta Grossa – PR, sobre os Fundamentos da Ação Docente em seu caderno nº 3 intitulado Um olhar Psicológico sobre o Desenvolvimento da Pessoa Humana. Na parte intitulada As principais idéias de Vigotski e seus colaboradores sobre o desenvolvimento humano (2005, p. 61, grifo nosso), temos o seguinte:

Influenciado pela filosofia materialista de Marx, Vygotsky teve suas idéias desenvolvidas por Luria e Leontiev, seus seguidores.

Interacionista, procurou desvendar a base social dos processos cognitivos superiores, ou seja, do pensamento lógico.

Sua visão de desenvolvimento baseia-se na concepção de um organismo ativo construído num ambiente histórico e essencialmente social, cujas raízes se encontram no desenvolvimento histórico e social do homem. Vygotsky não atribui as mudanças qualitativas dos processos superiores à maturação; ele tenta entender como as condições sociais e as interações humanas afetam o desenvolvimento do pensamento.

Explicando como Vygotsky e seus colaboradores se posicionam em relação a essas idéias, Goulart afirma que o construtivismo dos psicólogos soviéticos ‘consiste na construção de uma psicologia adequada aos princípios do materialismo dialético’ (GOULART,1995, p.24).

Nas ideias de Vygotsky e de seus colaboradores você poderá sentir a influência do materialismo histórico dialético, pois eles compreendem o indivíduo vinculado ao seu contexto histórico, construído dialeticamente na interação com seu meio. É atuando sobre o meio que o homem se socializa. Acreditando, como Marx, que o conhecimento do indivíduo não pode ser separado do conhecimento do universo, Vygotsky considera que o indivíduo é o resultado da interação dialética do sujeito com a sociedade, integrando no homem as qualidades da humanidade.

A abordagem construtivista e interacionista, bastante difundida no Brasil,

aparece na citação acima mesclada com o marxismo. Contudo, trata-se,

conforme Duarte (1996, p. 21), de um modelo essencialmente biológico, que se

funda na interação entre organismo e meio ambiente. O ser social, para Marx,

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148 vale ressaltar, resulta de um processo histórico pautado no salto ontológico da esfera orgânica à esfera social, tendo por base o trabalho.

Ao se referir aos aspectos tidos como afins entre Vigotski e Piaget, Duarte, citando Rocco, afirma o seguinte:

[...] há muitos pontos em comum entre VIGOTSKI e PIAGET, a começar pela linha cognitivista, construtivista-interacionista que se encontra na base teórica dos trabalhos de ambos. [...] apesar de o termo [...] vir tradicionalmente ligado à obra de PIAGET, acreditamos não ser impertinente, portanto, aplicá-lo às posições teóricas de VIGOTSKI e LURIA, ressalvando tratar-se aqui, evidentemente, de um sociointeracionismo, cujo enfoque principal é de raiz histórico- dialética, visto sob a luz da teoria marxista. (ROCCO apud DUARTE, 2007, p. 82-83).

Portanto, de acordo com este ponto de vista, ambos seriam construtivistas e interacionistas. Ainda mais, ao fazermos uma análise mais rigorosa, constatamos que, mesmo quando se associam as idéias de Vigotski e Luria ao marxismo, não fazem referência à categoria trabalho. Isto, na verdade acaba favorecendo o projeto neoliberal educacional, que desloca e distancia suas obras da categoria central que funda o ser social, ou seja, o trabalho.

Tendo em vista o universo de interpretações das obras de Vigotski, acaba não sendo uma tarefa fácil fazer o resgate do verdadeiro sentido dos pressupostos teóricos marxistas deste autor.

Por uma leitura marxiana de Vigotski

A psicologia marxista não é uma escola entre outras, mas a única psicologia verdadeira como ciência; outra psicologia fora ela, não pode existir. E, pelo contrário: tudo que já existiu e existe de verdadeiramente científico na psicologia faz parte da psicologia marxista VIGOTSKI

A apropriação deturpada da teoria vigotskiana, baseada na linguagem e

na interação como eixo norteador do ensino e aprendizagem, é lugar comum

na educação brasileira, uma vez que se faz presente nos documentos oficiais,

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149 nos projetos político-pedagógicos da maioria das escolas e nos cursos de formação de professores.

Os equívocos que fundamentam o processo de formação dos professores, mediante palestras, cursos, debates e publicações, são transmitidos, em sua grande maioria, através de professores universitários, com amplo acesso aos professores, coordenadores, técnicos, estudantes de pedagogia e psicologia.

A pretexto de ilustração, é interessante registrar que, ao participarmos, em uma dada ocasião, de uma palestra ministrada A teoria interacionista de Vigotski, ouvimos do conferencista a afirmação de que, embora Vigotski tenha

“um pé no marxismo”, é a linguagem a categoria central de suas obras. Para o dito conferencista, ademais, apontar elementos que tentam separá-lo dos autores cognitivistas e interacionistas nada mais representaria que uma tentativa para tornar atual a teoria marxista.

É nesse nível e nessa perspectiva que o pensamento de Vigotski vem sendo proferido e internalizado pela maioria dos profissionais ligados à educação.

Deste ponto de vista, a teoria vigotskiana consiste apenas em explicar os processos de desenvolvimento e aprendizagem do ser humano.

Entendemos que isso se deve às várias interpretações e às mutilações nas traduções de suas obras.

Após sua morte precoce, as obras de Vigotski foram proibidas na URSS

por vinte anos, tempo que correspondeu ao período de 1936-1956. Nesse

período pouco se ouviu falar de Vigotski não só em seu país como em todo o

mundo. Durante esses anos, suas obras foram vítimas de uma censura que

resultou, por exemplo, na retirada de textos nos quais Vigotski se contrapunha

aos rumos pelos quais a sociedade soviética se embrenhara após a morte de

Lênin. A inserção de suas obras no Ocidente, todas as partes que se referiam

aos fundamentos marxistas foram retiradas e suprimidas de todo o seu

material. Um exemplo ilustrativo é a obra clássica de Vigotski Pensamento e

Linguagem, na qual foram cortados 2/3 do texto original, conforme constatação

de Duarte (1999, p. 76).

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150 Se pretendemos fazer o resgate dos fundamentos ontológicos nas obras de Vigotski é necessário partir do método, por ser o viés marxista para a efetiva compreensão de sua obra.

Em relação ao método, Vigotski afirma que:

O método que aplicamos permite não só revelar a unidade interna do pensamento e linguagem como ainda estudar, de modo frutífero, a relação do pensamento verbalizado com toda a vida da consciência em sua totalidade e com as funções particulares. (VIGOTSKI apud CARMO, 2008, p. 104).

Vigotski acreditava que a teoria marxiana para a psicologia seria um processo de constituição de uma psicologia verdadeiramente científica. O teórico russo compreendia a importância de uma teoria que fizesse a mediação entre o materialismo dialético, os fenômenos psíquicos concretos e uma teoria psicológica mediadora.

Segundo Duarte (2007, p. 79):

Ao invés de buscar autores que interpretam Vigotski procurando distanciá-lo de Marx, devemos procurar compreender o que da obra deste fundamenta a obra daquele. Esse é um aspecto não- secundário com o qual é preciso ter muito cuidado. As pessoas não precisam ser marxistas para ler Vigotski, mas é muito pouco provável que se possa entender Vigotski sem um mínimo de conhecimento da filosofia de Marx, de seu método, da sua concepção do homem como ser histórico.

A professora Francisca Maurilene do Carmo, da Universidade Federal da Paraíba, em sua tese intitulada Vigotski: um estudo à luz da centralidade ontológica do trabalho

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, constata que o autor, ao analisar a linguagem, compreende que se trata de um complexo possível somente a partir do trabalho, o que o aproxima do pensamento marxiano-luckacsiano.

Nas palavras da autora:

Sabe-se ainda que a comunicação não mediatizada pela linguagem ou por outro sistema de signos ou meios de comunicação, como se verifica no reino animal, viabiliza apenas a comunicação, como se verifica no reino animal, viabiliza apenas a comunicação do tipo mais primitivo e nas dimensões mais limitadas. No fundo, essa       

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Referida tese foi defendida junto ao Programa de Pós-Graduação emEducação Brasileira da

Universidade Federal do Ceará, em 2008, sob a orientação da Professora Susana Jimenez.

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comunicação através de movimentos expressivos não merece sequer ser chamada de comunicação, devendo antes ser denominada estágio. Um ganso experiente, ao perceber o perigo e levantar com uma grasnada todo o bando, não só lhe comunica o que viu quanto o contagia com o seu susto. A comunicação estabelecida com base em compreensão racional e na intenção de transmitir idéias e vivências exige necessariamente um sistema de meios cujo protótipo foi, é e continuará sendo a linguagem humana, que surgiu da necessidade de comunicação no processo de trabalho.

(VIGOTSKI apud CARMO, 2008, p. 103 – grifos da autora).

Sendo o trabalho uma categoria central para Marx, é de fundamental importância tomar como referência algumas reflexões do pensador alemão:

[...] O trabalho é um processo entre o homem e a natureza, um processo em que o homem, por sua própria ação,media,regula e controla seu metabolismo com a natureza. [...] Não se trata aqui das primeiras formas instintivas, animais, de trabalho. [...] pressupomos o trabalho numa forma em que pertence exclusivamente ao homem.

Uma aranha executa operações semelhantes ás do tecelão e a abelha é envergonha mais de um arquiteto humano com a construção dos favos de suas colmeias. Mas o que distingue, de antemão, o pior arquiteto da abelha é que ele construiu o favo em sua cabeça, antes de construí-lo em cera. No fim do processo de trabalho obtém-se um resultado que já no início deste existiu na imaginação do trabalhador, e por tanto idealmente. Ele não apenas efetua uma transformação da forma da matéria natural; realiza, ao mesmo tempo, na matéria natural, o seu objetivo. [...] os elementos simples do processo de trabalho são a atividade orientada a um fim ou o trabalho mesmo, seu objeto e seus meios. [...] O processo de trabalho [...] é a atividade orientada a um fim para produzir valores de uso, apropriação do natural para satisfazer a necessidades humanas, condição natural eterna da vida humana e, portanto, [...] comum a todos as suas formas sociais. (MARX apud NETTO; BRAZ, 2009, p. 31-32).

Outro registro importante destacado por Carmo diz respeito a uma passagem na obra de Vigotski, suficientemente reveladora da aproximação, por parte do psicólogo soviético, com respeito à centralidade ontológica do trabalho:

A invenção e o uso de signos como meios auxiliares para solucionar um dado problema psicológico (lembrar, comparar coisas, relatar, escolher etc) é análoga à invenção e uso de instrumentos, só que agora no campo psicológico. O signo age como um instrumento da atividade psicológica de maneira análoga ao papel de um instrumento no trabalho. (VIGOTSKI apud CARMO, 2008, p.105 – grifos da autora).

Com efeito, Lukács, ao se referir às operações realizadas por signo,

pressupõe uma relação sujeito-objeto e o aparecimento do signo como relação

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152 sujeito-objeto por meio do trabalho, conforme assinala a mesma autora, citando o filósofo húngaro:

[...] por sua essência enraizada no trabalho, temos que considerar melhor um fenômeno, já por nós abordado, que é uma consequência direta do trabalho, isto é, o surgimento da relação sujeito-objeto e a distância entre sujeito e objeto que necessariamente advém daí. Essa distância cria imediatamente uma das bases indispensáveis, dotada de vida própria, do ser social dos homens: a linguagem. Engels observa com justeza que a linguagem surgiu porque os homens

‘tinham alguma coisa para dizer-se. A necessidade desenvolveu o órgão necessário para isso’. O que significa, porém, dizer alguma coisa? Comunicações tão importantes como aquelas referentes ao perigo, à comida, ao desejo sexual, etc. já as encontramos nos animais superiores. O salto entre estas comunicações e aquelas dos homens, às quais Engels se refere, está exatamente nessa distância.

O homem sempre fala ‘a respeito’ de algo determinado, que ele retira da sua existência imediata em um duplo sentido: primeiro, na medida em que isto é posto como objeto que existe de maneira independente; segundo, - e aqui a distância aparece, se possível, ainda mais nitidamente em primeiro plano, - na medida em que o homem se esforça por precisar cada vez o objeto como algo concreto, mas os seus meios de expressão, as suas designações são tais que permitem muito bem a cada sinal figurar em contextos completamente diferentes. De modo que a reprodução realizada através do signo verbal se separa dos objetos designados por ela e, por conseguinte, também do sujeito que a realiza, tornando-se expressão conceptual de um grupo inteiro de fenômenos determinados, que podem ser utilizados de modo análogo por sujeitos inteiramente diferentes em contextos inteiramente diferentes. As formas de comunicação dos animais não conhecem essa distância, pelo contrário, são parte orgânica do processo biológico, e mesmo quando têm um conteúdo preciso, esse conteúdo está ligado a situações específicas dos animais que tomam parte nele; deste modo, só podemos falar de sujeitos e objetos de modo metafórico, que pode facilmente induzir a equívocos, embora se trate sempre de um ser vivo concreto que procura comunicar algo a respeito de um fenômeno concreto e ainda que tais comunicações, pelo seu vínculo indissolúvel com a situação, sejam, de modo geral, muito precisas. A posição simultânea do sujeito e do objeto no trabalho e aquela, derivada da primeira, que se verifica na linguagem distanciam, no sentido referido, o sujeito do objeto e vice-versa, o objeto concreto do seu conceito, etc. Apenas por este caminho se torna possível a compreensão, tendencialmente ampliável até o infinito, do objeto e o seu domínio por parte do homem. (LUKÁCS apud CARMO, 2008, p.

123-124).

O trabalho é a categoria fundante do ser social e todas as demais categorias que compõem sua totalidade (educação, direito, linguagem, política, entre outras) são, por este, fundadas.

Assim, o trabalho, como a categoria que funda a nova realidade, fez

derivar outras categorias, a exemplo da ciência, da religião, da

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educação, da política etc. Mas isto não significa dizer que, pelo fato de ser uma categoria originária e central, as atividades dos homens, ante toda a complexidade adquirida no mundo atual, possam se reduzir ao trabalho. (BERTOLDO, 2009, p. 96).

Percebemos, na passagem abaixo, o entendimento de Vigotski acerca do trabalho como um processo de mediação entre o homem e a natureza.

Na verdade, a interpretação científica nada mais é do que uma forma a mais de atividade do homem social entre outras atividades. Por conseguinte o conhecimento científico, considerado como conhecimento da natureza e não como ideologia, constitui um tipo de trabalho e como todo trabalho é, antes de mais nada, um processo entre o homem e a natureza. É, nesse processo, o próprio homem enfrenta a natureza enquanto força surgida no seu seio (VIGOTSKI apud CARMO, 2008, p.184).

Com base no exposto, podemos admitir com firmeza que não há qualquer semelhança entre o construtivismo e o pensamento de Vigotski, já que este evidencia uma coerência inquestionável com a base marxista ontológica.

Considerações finais

A investigação realizada permitiu constatar, conforme entendimento de Duarte (2006), que estudar Vigotski e, por extensão, os integrantes da escola da psicologia soviética só tem sentido para aqueles educadores que assumem uma visão crítica afinada com a perspectiva do marxismo, contrários, portanto, ao projeto neoliberal de educação vigente. Sendo assim, entendemos que uma das formas de luta contra a perspectiva neoliberal consiste em difundir as obras de Vigotski no meio educacional a partir de seu genuíno sentido marxista.

Portanto, nosso esforço consiste em buscar fortalecer as pesquisas

realizadas no Brasil no âmbito desta temática, visando disseminar debates,

estudos e produções acadêmicas sem perder de vista o caráter materialista,

histórico e dialético que funda a psicologia histórico-cultural.

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154 Referências

BERTOLDO, Edna. Trabalho e educação no Brasil: da centralidade do trabalho à centralidade da política. Maceió: EDUFAL, 2009.

CARMO, Francisca Maurilene. Vigotski: um estudo à luz da centralidade ontológica do trabalho.Tese (Doutorado em Educação Brasileira).

Universidade Federal do Ceará, Ceará, 2008.

DUARTE. Newton. Vigotski e o “aprender a aprender”: crítica as apropriações neoliberais e pós-modernas da teoria vigotskiana. 2. ed.

Campinas, São Paulo: Autores Associados, 2001.

_____. Educação escolar, teoria do cotidiano e a escola de Vigotski.

Campinas, São Paulo: Autores Associados, 1996.

FREITAS, Maria Teresa Assunção. O pensamento de Vygotsky e Bakthin no Brasil. São Paulo: Papirus, 1994.

NETTO, José Paulo; BRAZ, Marcelo. Economia política: uma introdução crítica. São Paulo: Cortez, 2007.

VYGOTSKI, L. S. Obras escogidas. Tomo II e III, Visor, Madrid, 1995 (Tomo III), 1993 (Tomo II).

_____. Pensamento e linguagem. São Paulo: Martins Fontes, 1996.

_____. Formação social da mente. São Paulo: Martins Fontes, 1988. Autores

Associados, 2007.

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