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A LITERATURA SURDA E SUA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DE SUJEITOS CRÍTICOS

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A LITERATURA SURDA E SUA CONTRIBUIÇÃO NA FORMAÇÃO DE SUJEITOS CRÍTICOS

Letícia de Sousa, LEITE, UFU1 Lúrian Kézia Leite, GUIMARÃES,UFU2

Resumo: A discussão proposta centra-se na formação de sujeitos críticos e na contribuição da Literatura Surda nesse processo. Como aspectos introdutórios, pontuamos sobre a formação de leitores conscientes, críticos e autores na construção do seu próprio conhecimento.Destacamos sobre a importância de formar leitores a fim de promover uma sociedade brasileira que desenvolva a prática da leitura, a leitura do prazer. Nesse sentido, a escola é considerada como espaço principal de formação de leitores, capacitando todos os alunos, inclusives os surdos, a compreenderem a essência textual, estabelecendo relações e preenchendo lacunas que eventualmente possam surgir no ato de ler.Nessa perspectiva, o presente artigo objetiva analisar a inter-relação entre linguagem, cultura e identidade no processo de conto e reconto de histórias na Literatura Surda, enquanto fatores relevantes na formação do sujeito leitor.

Quanto ao quadro teórico-metodológico, o estudo foi circunscrito na revisão bibliográfica da temática de estudo, quais sejam os textos referentes à cultura e identidade surda, à Literatura Surda e à formação de leitores. Os resultados dessa discussão lançam luz à necessidade de uma aprendizagem significada por meio da cultura e identidade surdas como aspectos primordiais no que tange à educação dos alunos surdos com vista a uma pedagogia bilíngue, e na formação de leitores críticos, autônomos e copartícipes em seu processo educativo.

Palavras-chave:literatura surda, formação de leitores, identidade cultural.

Introdução

A arte de contar histórias é tão antiga quanto a humanidade. O homem,

1 Graduação em Pedagogia pela Universidade Federal de Ouro Preto. Intérprete de Libras da Universidade Federal de Uberlândia vinculada ao Centro de Ensino, Pesquisa, Extensão e Atendimento em Educação Especial – CEPAE e pesquisadora do Grupo de Pesquisas em Estudos da Linguagem, Libras, Educação Especial e a Distância e Tecnologias (GPELEDT).leticia@faced.ufu.br

2Graduação em Letras, habilitação em Língua Portuguesa pela Universidade Federal de Uberlândia – UFU, Instituto de Letras e Linguística – ILEEL. Vinculada ao Programa Institucional de Bolsas de Iniciação a Docência – PIBID da Universidade Federal de Uberlândia – UFU. lurian.leite@gmail.com

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enquanto sujeito histórico, é constituído por sua cultura e pela sua maneira como este interage com o mundo. Nessa direção, a contação de histórias pode ser compreendida como vida que emana de nossas tradições históricas e sociais. Somos sujeitos históricos quando dialogamos com o conhecimento e produzimos novos saberes, seja através da oralidade, dos registros escritos ou da desconstrução de mitos. As histórias, contadas e recontadas no percurso da vida, nos ensinam a absorver e a dividir experiências, estimulam a criatividade, desenvolvem a autonomia, dentre outros aspectos relevantes.

Não obstante, é preciso considerar que para acessar o mundo através dos contos e recontos de histórias por meio da literatura, as palavras apresentam mil faces secretas que precisam ser desveladas no sentido de que não representam um simples código escrito no papel; elas precisam ser acessadas pelo sujeito leitor. Ao considerar a linguagem enquanto processo cognitivo, é preciso ler nas entrelinhas o que está implícito. Não basta apenas ler o código, a leitura visa sempre a compreensão, portanto, ela ultrapassa a mera codificação, sendo necessário ter um significado para aquele que lê.

É preciso formar leitores a fim de promover uma sociedade brasileira que desenvolva a prática da leitura, a leitura do prazer. Nesse sentido, a escola é considerada como espaço principal de formação de leitores, capacitando os alunos a compreenderem a essência textual, estabelecendo relações e preenchendo lacunas que eventualmente possam surgir no ato de ler.

Fundamentando a ação de formar leitores críticos, os Parâmetros Curriculares Nacionais (PCNs) pensam em um ensino que promova a formação de sujeitos conscientes, críticos e autores na construção do seu próprio conhecimento.

Contudo, quando pensamos no princípio básico de educação para todos, é preciso considerar a diversidade existente no contexto escolar. Para tanto, as estratégias de ensino necessitam promover o sucesso de todos os alunos.

Nesse sentido, a formação de leitores críticos, autônomos e copartícipes em seu processo de ensino deve contemplar também as particularidades dos alunos surdos inseridos em sala de aula regular. Não obstante, destaca-se a necessidade de respeitar a aquisição de sua língua materna, a Língua Brasileira de Sinais, como sua primeira língua e consequentemente, a Língua

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Portuguesa como sua segunda língua, na modalidade escrita.

Essa ótica exige a utilização de estratégias que reconheçam as necessidades do aluno surdo no processo binômio de ensino e aprendizagem.

Com efeito, o desafio está no desenvolvimento de ações pedagógicas que permitam incrementar a aprendizagem como uma experiência significativa para o aluno surdo. Sendo assim, a Literatura Surda surge nesse contexto como promotora da cultura e identidade surdas, contribuindo efetivamente no processo de ensinar e aprender.

Nessa perspectiva, ao promover um diálogo entre o ensino das práticas literárias e a educação dos alunos surdos, o presente trabalho tem como objetivo geral articular linguagem, cultura e identidade surda no processo de criação do reconto de histórias na Literatura Surda. Especificamente, pretende- se abordar os aspectos que caracterizam o reconto de histórias na Literatura Surda, descrever o contexto social em que o reconto acontece e discutir questões da identidade, cultura e linguagem daquele que reconta histórias e daquele que é o receptor.

Somos motivados pelo desejo de entender melhor sobre a problemática da falta de contextualização nos processos de criação do reconto e a relação entre aquele que produz um texto e aquele que o interpreta. Nessa direção, o presente estudo se justifica pelo fato de constatarmos uma escassez de trabalhos e estudos voltados para o reconto de histórias contextualizado, na formação do sujeito leitor.

Quanto ao quadro teórico-metodológico, o estudo foi circunscrito na revisão bibliográfica da temática de estudo, quais sejam os textos referentes à cultura e identidade surda, à Literatura Surda e a formação de leitores. A fim de buscar suporte à temática envolvida no presente estudo, trabalhos como os de Cafiero (2010), Chauí (2006), Skliar (2001), Wilcox (2005), Alves e Karnopp (2002), fundamentaram as nossas discussões.

Para fins didáticos, esse artigo está organizado em quatro partes, sendo que primeiramente, explicitamos nossas leituras a respeito da temática envolvendo a inter-relação entre linguagem, cultura e identidade, considerando as suas implicações na Literatura Surda no processo de formação do sujeito

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leitor. Posteriormente, apresentamos os contos e recontos de histórias em língua de sinais, concebendo a contação de histórias como exercício da cidadania e a sua representação social para além do espaço escolar. Por último, nossas considerações e reflexões finais.

A Literatura Surda e a formação de leitores críticos

Ao conceber a leitura como exercício da cidadania onde o leitor interage com o autor através da maneira como lê o mundo e também as palavras, traz implicações para o ensino da leitura no contexto escolar onde o grande desafio que se forma é vivenciar na sala de aula as práticas sociais de leitura que ocorrem para além dos muros da escola.Nessa nova concepção do ensino da leitura os professores são os agentes mediadores dessa conquista gradativa que acompanhará o leitor para toda a vida; seja lendo e relendo, interpretando e tecendo novos significados, criando um novo mundo de palavras e interagindo com a sociedade letrada da qual fazemos parte.

Cafiero (2010) conclama que “Ensinar a ler é ensinar estratégias”. Nessa perspectiva, o ambiente e as interações influenciam diretamente na aprendizagem do indivíduo. Dessa maneira, o aluno que tem contato com um ambiente literário, que interage com diversos tipos de leitura, que é motivado a ler, obviamente este trará para a sua realidade em sala de aula um conhecimento prévio que significará o seu ensino. Assim, é preciso que o educador leve em conta que cada aluno é diferente do outro ao mesmo tempo em que todos estão inseridos no mesmo espaço.

Incentivar a contação de histórias pelos próprios alunos a partir da leitura de imagens, aproveitar o conhecimento prévio através dos gêneros literários que estes já conhecem, promover atividades lúdicas que desenvolvam o processo de significar socialmente a escrita, todas essas são estratégias que poderão ser utilizadas a fim de promover uma alfabetização literária com a proposta do letramento. Um texto literário pode apresentar diversos sentidos e interpretações a partir da visão de quem o lê. Logo, é essencial que o professor enquanto mediador do saber adote uma postura reflexiva e crítica que

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contribua na formação do sujeito leitor.

Na discussão sobre a relevância da leitura na formação de sujeitos críticos, retomamos Cafiero (2010) quanto esta pontua que “Cada texto pede uma leitura diferente, já que o leitor não usa sempre os mesmos modos de ler”.

Essa afirmativa pressupõe o leitor enquanto indivíduo letrado sabendo quais estratégias devem ser utilizadas para interpretar cada gênero textual. Assim, no sentido de efetivar a proposta do letramento é necessário oferecer aos alunos momentos oportunos onde estes signifiquem a escrita e a leitura. Nesse sentido, para uma leitura ser transformadora é preciso que o leitor crie o seu próprio caminho para significá-la.

Entende-se que o ato de ler não compreende apenas a decodificação de símbolos linguísticos, pelo contrário, vai além da interpretação da palavra, é uma prática que desenvolve a postura do leitor, onde este participa de modo crítico e autônomo. Contudo, essa tarefa não é fácil e nem é formada de um momento para o outro. Torna-se necessário uma mudança de postura dos professores mediadores que devem estar atentos às especificidades de cada aluno, à maneira como este lê o mundo, valorizando o conhecimento prévio e, desde os primeiros anos escolares, inserir a prática do alfabetizar letrando através de leituras que signifiquem o saber.

Contudo, ao refletir sobre a educação dos alunos surdos por meio de uma aprendizagem significativa, é preciso levar em conta que o sujeito surdo se apropria dos conhecimentos por meio da experiência visual e da vivência com os seus pares. O compartilhamento entre pares e com outros sujeitos pressupõe o papel da linguagem em relação à identidade e, segundo Gesueli (2006, p. 281 inGeraldi, 1996) “a língua e o sujeito constituem-se nos processos interativos. Isto implica quenão há um sujeito dado, pronto, que entra em interação, mas um sujeito se completando e seconstruindo nas suas falas e nas falas dos outros”, neste caso o outro surdo.

Nesse processo de construção de identidade do sujeito surdo e a sua relação com os seus pares, a contação de histórias e a Literatura Surda se constituem enquanto fatores relevantes promovendo a reflexão, a criticidade, a autonomia, dentre a consolidação de outras aprendizagens. Ao considerar a

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literatura como instrumento essencial na formação do imaginário do sujeito surdo, o contar e recontar histórias por meio da Língua Brasileira de Sinais possibilita significar a fantasia e produzir novos conhecimentos na ressignificação de outros contextos, utilizando a sua língua natural.

A expressão “Literatura Surda” é utilizada para caracterizar histórias que apresentam em sua narrativa a questão da identidade e da cultura surda, além da presença da língua de sinais (KARNOPP, 2006). Para essa autora, a Literatura Surda é um artefato cultural que não se opõe à ouvinte, sinalizando o hibridismo cultural. É nessa perspectiva que as culturas dialogam entre si, sem manter a neutralidade, onde todas são híbridas e heterogêneas. De acordo com tal conceito, entende-se que este contribui para o entendimento da surdez como uma experiência de natureza visual, gestual, cultural e linguística.

Assegurar a educação bilíngue para surdos requer o direito de tais alunos em ter o seu pleno desenvolvimento na língua de sinais antes e no decorrer da aprendizagem de quaisquer conteúdos. Considerando as suas particularidades, o seu direito está fundamentado na aquisição de sua língua materna, a Língua Brasileira de Sinais, antes de iniciar a aprendizagem da língua portuguesa em sua modalidade escrita. Nessa perspectiva bilíngue, a Literatura Surda contribui efetivamente para significar a aprendizagem dos alunos surdos no que tange à sua primeira língua, além de atuar como facilitadora no processo de construção de sua identidade.

Embora os surdos já utilizassem a prática de contar e recontar as suas narrativas e diferentes gêneros literários nas comunidades surdas, a análise em relação a essa temática é algo recente. A Europa e os Estados Unidos, principalmente os que reuniam mais escolas de surdos, foram precursores na formação deste artefato cultural. Em um primeiro momento, a Literatura Surda passou a ser significada na Gallaudet University, em Washington D.C., quando alunos surdos, acadêmicos e pesquisadores passaram a disseminá-la não somente no campus, como também nos mais diversos ambientes nos quais a comunidade surda interage: associações, escolas e encontros de surdos.

Conceitos advindos destas primeiras interações chegaram às comunidades surdas de outras localidades, através dos alunos que retornavam

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às suas cidades-natal, e também através de congressos ou quaisquer outros eventos acadêmicos que propunham a troca de conhecimento. No caso do segundo ambiente, também ocorria distribuição de material a respeito da Literatura Surda, como livros e recursos midiáticos. Nesse contexto, Strobell assegura que:

A literatura surda refere-se às várias experiências pessoais do povo surdo que, muitas vezes, expõem as dificuldades e/ou vitórias das opressões ouvintes, de como se saem em diversas situações inesperadas, testemunhando as ações de grandes líderes e militares surdos, e sobre a valorização de suas identidades surdas.

(STROBEL, 2009, p. 62).

Diante do exposto até aqui, não há como dissociar a interdependência entre os conceitos de linguagem, cultura e identidade, ressaltando que tais se encontram intrinsecamente ligados à Literatura Surda.

A inter-relação entre linguagem, cultura e identidade

Ao discutir as questões referentes à linguagem, cultura e identidade na Literatura Surda, é importante considerar que a língua faz parte da cultura de um povo. E a cultura, por sua vez, é manifesta por ela. É uma relação de imbricação, haja vista que a identidade cultural é constituída por meio de atributos que encontram significados por meio da apropriação de uma língua.

Se pensarmos a linguagem enquanto língua e fala em seu sentido amplo, essa discussão nos leva aos ensinamentos de Chauí (2006, p.155) explicando que:

A linguagem é nossa via de acesso ao mundo e ao pensamento, ela nos envolve e nos habita, assim como a envolvemos e a habitamos.

Ter experiência da linguagem é ter uma experiência espantosa:

emitimos e ouvimos sons, escrevemos e lemos letras, mas, sem que saibamos como, experimentamos e compreendemos sentidos, significados, significações, emoções, desejos, ideias. [...]

É que a linguagem tem a capacidade especial de nos fazer pensar enquanto falamos e ouvimos, de nos levar a compreender nossos próprios pensamentos tanto quanto os dos outros que falam conosco.

As palavras nos fazem pensar e nos dão o que pensar porque se referem a significados, tanto os já conhecidos por outros quanto os já conhecidos por nós, bem como os que não conhecíamos e que descobrimos por estarmos conversando.

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A esse respeito, na área da surdez, a língua de sinais confere significado às palavras escritas na língua portuguesa, contribuindo para a concepção da cultura e identidade surdas. Nesse sentido, Skliar (2001) afirma que a identidade cultural surda se vincula à “forma como cada sujeito é inventado, traduzido, interpelado e interpretado no contexto no qual vive”. O ponto de partida é o entendimento da cultura surda como a maneira do sujeito surdo de entender e interagir com o mundo a partir de suas percepções visuais;

promovendo a inter-relação entre linguagem, cultura e identidade surda.

Contanto e recontando histórias

Ao conceber a contação de histórias como exercício da cidadania, onde o receptor interage com o contador através da maneira como este lê o mundo e também as palavras, traz implicações para o ensino da leitura no contexto escolar, onde o grande desafio que se forma é vivenciar na sala de aula as práticas sociais da leitura e do reconto de histórias que ocorrem para além dos muros da escola. Nessa nova concepção do ensino da leitura, os contadores de histórias são os agentes mediadores dessa conquista gradativa que acompanhará o receptor para toda a vida; seja lendo e relendo, interpretando e tecendo novos significados, criando um novo mundo de palavras e interagindo com a sociedade letrada da qual fazemos parte.

A arte de contar histórias faz parte não somente do universo surdo, mas contempla a trajetória da civilização humana. É através da contação de histórias que as crianças são estimuladas no desenvolvimento de sua criatividade, onde a imaginação flui naturalmente em consonância com um novo saber. Ao considerar esta afirmativa também para as crianças surdas, é fato que as palavras somente serão significadas através da língua de sinais.

Nesse sentido, a aquisição de sua língua materna – como primeira língua - e do português escrito – como segunda língua - pressupõe a utilização de estratégias que contemplem as particularidades do aluno surdo. Assim, é importante lembrar que, de acordo com Wilcox (2005) o convívio no meio social com os ouvintes faz com que a comunidade surda seja bilíngue.

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No processo do reconto de histórias na Literatura Surda, pesquisas consideram que estes são caracterizados por contos tradicionalmente voltados para ouvintes, onde ocorreu uma adaptação a fim de contextualizar uma nova história totalmente inserida no contexto cultural do surdo (ALVES, KARNOPP, 2002). Como exemplo, podem ser citados os livros: “Cinderela Surda”

(HESSEL; ROSA; KARNOPP 2003), “Rapunzel Surda” (SILVEIRA; ROSA;

KARNOPP 2003), “Adão e Eva” (ROSA; KARNOPP 2005) e “Patinho Surdo”

(ROSA; KARNOPP 2005), dentre outros.

Nos recontos supracitados, a cultura surda, a identidade surda e a realidade da vida dos surdos são consideradas na adaptação cultural das referidas histórias. Pensando assim, em vista das obras literárias aqui investigadas, é possível constatar que ao vivenciar a Libras como questão da identidade e da cultura surda, a Literatura Surda escrita e recontada por um surdo se difere das produções literárias escritas por ouvintes.

Ao analisar a questão do contexto social em que o reconto acontece, utilizamos novamente os apontamentos de Alves e Karnopp afirmando que o ato político, social, mental e linguístico constitui o entendimento da natureza da leitura e do reconto de histórias. Sob a ótica de uma prática social, o uso da língua também se encontra inserido nesse contexto que, por meio das condições sócio históricas, contribuem para as condições de produção e recepção do reconto de histórias. Ou seja, “Surdos recontam histórias para outros surdos e reconstroem, através da língua e da cultura, os sentidos veiculados pelo texto que serviu como ponto de partida para a criação de um outro texto”. (ALVES E KARNOPP, 2002).

Conforme os autores supracitados, no âmbito do reconto de histórias é preciso considerar as questões referentes à identidade do interlocutor como um elemento deste processo. Nessa direção, outro aspecto relevante que deve ser analisado diz respeito ao perfil e à identidade de quem conta a história, e a sua relação com o texto recontado. O locutor sempre traz consigo as marcas identitárias como influência de sua cultura, da linguagem, do contexto social em que se encontra inserido, dentre outros fatores. Deste modo, a seleção das histórias a serem recontadas necessita uma análise prévia que considere as

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particularidades dos interlocutores. Nessa interação, outro fato que não pode ser negligenciado é o conhecimento do gênero discursivo em foco, visando ao desenvolvimento da leitura e da escrita do português como segunda língua.

Outro aspecto que merece ser discutido se refere ao desenvolvimento do processo narrativo no reconto de histórias pressupondo a relevância da configuração de mãos e das expressões não manuais. Chamamos a atenção para o fato de que a utilização de classificadores é imprescindível no sentido de evitar que haja um comprometimento na compreensão do contexto. Além disso, é importante considerar que a contação de histórias em Libras deve obedecer a estrutura dessa língua, não se configurando como um português sinalizado do reconto. Cabe esclarecer que além de ser produzida com as mãos, a língua de sinais conta também com o apoio da face e do corpo para apresentar a narrativa da história apresentada.

Considerações finais

Ao retomar o objetivo geral proposto nesse trabalho, articulamos linguagem, cultura e identidade com a Literatura Surda, enquanto fatores relevantes na formação do sujeito leitor. Nessa direção, concordamos com Skliar (2001) ao afirmar sobre o vínculo da identidade cultural surda interpretada à luz do contexto onde o sujeito se encontra inserido. Durante o presente trabalho foram abordados os aspectos característicos do reconto de históriascontribuindo para a formação de sujeitos críticos, promovendo as discussões referentes à identidade de quem conta a história e sua interação com o interlocutor. Desse modo, retomando os pressupostos de Alves e Karnopp (2002), enfatizamos que o reconto de histórias é constituído de um ato político, social, mental e linguístico.

No que tange à leitura de mundo por meio de uma experiência visual, retomamos Cafiero (2010) quanto esta pontua que “Cada texto pede uma leitura diferente, já que o leitor não usa sempre os mesmos modos de ler”.Ao conceber a leitura também como exercício da cidadania onde o leitor interage com o autor através da maneira como lê o mundo e as palavras e ao priorizar a concepção interacionista da língua e da leitura, isso traz implicações para o

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ensino da leitura no contexto escolar onde o grande desafio que se forma é vivenciar na sala de aula as práticas sociais de leitura que ocorrem para além dos muros da escola.

Por meio da pesquisa bibliográfica constatou-se que embora ocorra uma expansão na produção da Literatura Surda, notamos uma tímida atenção no que tange aos estudos sobre o reconto de histórias. Nesse sentido, a relevância dessa pesquisa aponta caminhos para um posterior estudo considerando a referida temática. Esperamos que o estudo aqui desenvolvido tenha revelado a importância da disseminação da Cultura Surda e dos seus artefatos culturais através da Literatura Surda, no entanto, percebe-se como pungente a necessidade de futuras investigações que contemplem a interação entre os sujeitos envolvidos no processo do reconto de histórias.

Diante deste cenário, pretendemos continuar os nossos estudos, contribuindo na aplicabilidade pedagógica que subsidiarão as situações práticas do reconto de histórias no Atendimento Educacional Especializado de Libras, em Libras e por consequência, no ensino de Língua Portuguesa como segunda língua, em sua modalidade escrita, para os alunos surdos.Nessa nova concepção de uma pedagogia bilíngue por meio da Literatura Surda, os professores são os agentes mediadores dessa conquista gradativa que acompanhará o leitor para toda a vida; seja lendo e relendo, interpretando e tecendo novos significados, criando um novo mundo de palavras e interagindo com a sociedade letrada da qual fazemos parte.

Com efeito, a Literatura Surda contribui para significar a aprendizagem do aluno surdo por meio do uso social da leitura e da escrita. Uma leitura que encanta ao contar e contar histórias por meio da sua língua natural, capturando a atenção dos seus aprendizes ao ensiná-los a descortinar o mundo fascinante das palavras. Um saber que flui assim como a vida, de maneira natural e espontânea, mas com força e vigor.

Referências

ALVES, A. C.; KARNOPP, L. O surdo como contador de histórias. In: LODI, A. et al. Letramento e Minorias. Porto Alegre: Mediação: 2002.

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CAFIERO, D. Letramento e leitura: formando leitores críticos. In: BRASIL.

Língua Portuguesa. Ensino Fundamental. Brasília: MEC, 2010. p. 85-106.

(Coleção Explorando o Ensino, vol. 19)

CHAUÍ, M. A linguagem. In: Convite à filosofia. São Paulo: Ática, 2002. p.

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GESUELI, Z. M.Lingua(gem) e identidade: a surdez em questão. Educação e Sociedade, Campinas, vol.27, n. 94, p. 277-292, 2006.

HESSEL, C., ROSA, F., KARNOPP, L. B. Cinderela Surda. Canoas: ULBRA, 2003.

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ULBRA, 2005.

_______. Patinho Surdo. Ilustrações de Maristela Alano. Canoas: ULBRA, 2005.

SILVEIRA, C. H., ROSA, F., KARNOPP, L. B. Rapunzel Surda. Canoas:

ULBRA, 2003.

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STROBEL, Karin. As imagens do outro sobre a cultura surda. 2. ed.

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