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A escrita e as novas formas de comunicação. As políticas de leitura e o “ sustentável”

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Academic year: 2018

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EDUCAÇÃO EM DEBATE

Antônio Paulino de SousacbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAICBA

A

e s c r i t a

e

a s

n o v a s

f o r m a s

d e

.

-comumcaçao,

A s

p o l í t i c a s

d e

l e i t u r a

e

o

" d e s e n v o l v i m e n t o

s u s t e n t á v e l "

R e s u m o

o

VUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAd e s e n v o lv im e n to s u s te n tá v e l n ã o ép o s s ív e l s e m u m a m p lo in v e s tim e n to n o c a m p o d a E d u -c a ç ã o . E s te a r tig o tr a ta d a im p o r tâ n -c ia d a d ifu s ã o d a s p r á ti-c a s d e le itu r a s e a s -c o n d iç õ e s d e a -c e s s o à s n o v a s fo r m a s d e le itu r a s q u e s e fa z e m a tr a v é s d a s n o v a s te c n o lo g ia s . É a e s c r ita q u e in s titu i a le itu r a c o m o m e d ia d o r fu n d a m e n ta l n a u tiliz a ç ã o d e to d a s a s té c n ic a s m o d e r n a s d e c o m u n ic a ç ã o . A s p o lític a s d e le itu r a s d e v e m v is a r a d e m o c r a tiz a ç ã o d a le itu r a e o a c e s s o a o s n o v o s in s tr u m e n to s

d e le itu r a .

Palavras-chave: p o lític a s d e le itu r a , n o v a s te c n o lo g ia s , e s c r ita , le itu r a .

A b s t r a c t

T h e w r i t i n g a n d t h e n e w c o m m u n i c a t i o n f o r m s : T h e r e a d i n g p o l i c i e s a n d t h e

" s u s t a i n a b l e d e v e l o p m e n t "

T h e s u s ta in a b le d e v e lo p m e n t is n o t p o s s ib le w ith o u t a w id e in v e s tm e n t iti th e fie ld o f E d u c a tio n . T h is a r tic le d e a ls w ith th e im p o r ta n c e o f s p r e a d in g r e a d in g p r a c tic e s a n d th e cotiâitions o f a c c e s s to th e n e w w a y s o f r e a d in g th a t a r e m a d e th r o u g h n e w te c h n o lo g ie s . It

is th e w r itin g th a t s e ts u p th e r e a d in g a s a fu n d a m e n ta l m e d ia to r in th e u s e o f a 1 1 th e m o d e r n te c h n iq u e s o f c o m m u n ic a tio n . T h e r e a d in g p o lic ie s m u s t a im a t r e a d in g d e m o c r a tiz a tio n a n d th e a c c e s s to th e n e w r e a d in g to o ls .

Key w o r d s : r e a d in g p o lic ie s , n e w te c h n o lo g ie s , w r itin g , r e a d in g .

ID o u to r e m s o c ío ío ç r a p e la U n iv e r s id a d e d e P a n s V ll- s o r b o n n e e p r o fe s s o r d o D e p a r ta m e n to d e E d u c a ç ã o d a U F M A C o o r d e n a d o r d o g r u p o d e p e s q u is a " A s P r á tic a s d e L e itu r a s n a U n iv e r s id a d e e s e u s U s o s S o c ia is " E - m a U ' a n to n io .p a u lin o ® te r r a .c o m .b r

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I n t r o d u ç ã oyxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

Este trabalho é parte integrante de uma pesquisa que vimos realizando sobre as práti-cas de leituras na Universidade e seus usos so-ciais. Para esse artigo procurei focar um aspecto importante que diz respeito à relação entre o

chamado "desenvolvimento sustentável" e as

políticas de leituras. O princípio político funda-mental é que este "desenvolvimento" não será possível sem um amplo investimento no campo da Educação e, principalmente, sem uma difu-são das práticas de leituras de livros e a cria-ção de condições de acesso às novas formas de leituras que se fazem através da utilização das novas tecnologias. As competências técnicas e culturais das sociedades modernas não podem ser iletradas.

A passagem da oralidade à escrita é o nosso ponto de partida para entendermos a importân-cia da escrita e do ato de ler. A escrita exerce uma função fundamental nos modos de pensar e sobre os modos de organização das instituições sociais. Há então uma razão gráfica que cria con-dições para a organização diferenciada dos sig-nificados. Assim sendo, a escrita é determinante, no que diz respeito à elaboração de um sistema de pensamento. O que distingue as sociedades de tradição oral das sociedades de tradição es-crita não são as formas de pensamento. mas sim, os meios de comunicação utilizados no processo de construção do saber e da cultura. Devemos considerar que, nas sociedades modernas, é a escrita que institui a leitura como um mediador deterrninante na utilização de todas as técnicas modernas de comunicação.

Isso nos faz pensar que as desigualdades produzidas no campo da escrita e da leitura

produzem, também, desigualdades em

diver-sos campos. As desigualdades na distribuição social das capacidades de leituras rápidas pro-duzem distinções sociais importantes. O aces-so à escrita é fundamental para a utilização de qualquer sistema de comunicação. A nova re-volução tecnológica alterou profundamente as estruturas e as formas de suportes da escrita, passando do codex para a tela do computador, o que constitui, também, uma revolução nas for-mas de leituras. As novas políticas de leituras devem contemplar não somente o acesso a

li-s e bibliotecali-s, mali-s também o aceli-sli-so a eli-stecbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

m s t e t- d e p r o d ç ã o e d e

transmis-são do saber, que é o computador. As políticas de leituras devem visar a democratização das práticas de leitura e o acesso aos novos modos de comunicação.

D a o r a l i d a d e

à

e s c r i t a

Jack Goody (1979) analisou a diferença entre as sociedades de tradição oral e as so-ciedades de tradição escrita. O grande inte-resse do autor era compreender os efeitos da escrita sobre os modos de pensar (ou os pro-cessos cognitivos) e sobre as instituições. Esse estudo comparativo das sociedades humanas estabelece que toda mudança no sistema de

comunicação tem necessariamente efeitos

im-portantes sobre os conteúdos transmitidos. A transformação mais importante neste campo é, sem dúvida, a aparição da escrita. Deve existir, para além da variedade de sistemas de escrita e das condições sociais de sua utilização, uma especificidade do pensamento escrito, e enfim, da razão gráfica. Para definir a escrita, temos que nos distanciar do pensamento de Saussure. Para ele, a escrita é apenas uma representação da palavra. A língua, nos diz Saussure, tem uma tradição oral independente da escrita (SAUSSU-RE apud DERRIDA,1967, p. 46). Nesse caso, há também uma escrita independente da palavra e que contribui na definição da língua. Os tra-balhos de Jack Goody deram uma grande con-tribuição no sentido de fundar a escrita numa outra perspectiva.

Quando a escrita deixa de ser serva da palavra, passa a ser considerada como a

trai-dora do pensamento. A escrita pode ser ao

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A escrita é um jogo no interior da

lingua-gem. Não porque ela seja uma infantilidade

face à seriedade da palavra, mas porque libera

os contrastes que são próprios dos enunciados orais, considerados sempre um ato circunstan-cial, interpessoal e não pode ser estritamente reproduzido. A escrita é a possibilidade do jogo do intelecto sobre a língua, no sentido de que não há jogo sem o conhecimento explícito de suas regras. O texto escrito é gerador de uma consciência mais aguda das estruturas

grama-ticais da língua.cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ difícil imaginar que a

ciên-cia da língua falada, a lingüística, possa existir

sem a escrita. É bem verdade que a estrutura

semântica existe bem antes que tenhamos co-nhecimento, mas sob a forma de um esquema

que temos somente um domínio prático.

A escrita se torna uma regra e cresce tam-bém a possibilidade do jogo sobre os elementos da língua. A escrita reproduz não somente o fluxo da palavra; ela permite, também, a aná-lise apurada do discurso. Logo depois da sua descoberta, a escrita servia muito mais para fa-zer listas do que para anotar a continuidade dos discursos. Existe uma maneira especificamen-te escrita de se inespecificamen-terrogar sobre o sentido das palavras que ilustram tanto o dicionário quanto um estilo filosófico. A partir da distância es-trutural entre o uso prático de uma palavra da mesma família (ou com os sentidos diferentes da mesma palavra) e o uso erudito da mesma palavra, tiramos o máximo proveito do jogo entre as palavras. (BOURDIEU,1988, p.116).

A escrita materializa a articulação

ine-rente à própria lingua. Mas, o importante para

J. Goody é que a projeção gráfica cria possibi-lidades de uma organização diferenciada dos significados. Nesse caso, não se trata apenas

de uma apresentação do saber, mas sim, de

formas que determinam parcialmente o

con-teúdo, Existe então uma razão ou uma lógica

gráfica. Nessa mesma perspectiva, o

nasci-mento da escrita é acompanhado da transfor-mação da palavra.

A palavra de um povo que possui a tra-dição escrita não é mais a mesma; trata-se de

uma língua que é subordinada à escrita. Assim,

o que é julgado importante não passa mais pela palavra. A ciência vai se servir da escrita. Isso significa que o pensamento de uma sociedade de tradição escrita se distingue do pensamento de uma sociedade de tradição oral. Essa

distin-ção não nos permite afirmar que existem socie-dades superiores e sociesocie-dades inferiores. Esse pensamento etnocêntrico foi amplamente

de-nunciado por Claude Lévi-Strauss, em seu livroVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

R a ç a eH is tó r ia .

Na sociedade de tradição escrita, há duas formas de enunciados: os que são produzidos de forma espontânea, em virtude de um habitus lingüístico (que se difencia segundo a posição

I

social dos locutores) e os que são produzidos através de uma referência a uma norma que é transmitida pelo sistema escolar. Nesse caso, obedecemos a uma regra. Ouando falamos de uma língua sem dar nenhuma precisão, signi-fica que estamos falando de uma língua oficial de uma unidade política, ou seja, a língua que é fixada pelos agentes autorizados e especialis-tas (gramáticos, professores, etc). (BOURDIEU, 1988, p. 13). E exatamente com a escrita que se instaura um lugar de onde podemos apreciar sua conformidade com as regras de falar bem (gramática), pensar bem (lógica) e enfim os mo-delos de discurso (retórica).

Visto que a escrita não é apenas uma for-ma de apresentação do saber, pois determina, também, o conteúdo, somos conduzidos a nos interrogar sobre uma ciência escrita de culturas não escritas. Jack Goody associa sempre uma reflexão geral sobre a escrita a um questiona-mento do saber etnográfico. Todo trabalho do etnógrafo começa pelas anotações das palavras que são escutadas, o que possibilita uma análi-se posterior do texto. O que aparece como uma simples gravação é na realidade uma maneira de extrair os dados de situações reais dentro dos quais elas se manifestam e de modificar o estatuto da prática e de seus produtos. (BOUR-DIEU,1988, p. 14). Sobre o efeito desta ilusão da exaustividade, a cultura deixa de ser um con-junto de processos de criação e de reformula-ção permanentes e torna-se um corpo acabado e imutável. A sincronização do presente e do passado que a escrita possibilita torna possí-vel a apreensão sinóptica e ao mesmo tempo a

descoberta das contradições que dão à reflexão

escrita o seu ponto de partida. Um sistema de pensamento é produto de um trabalho secun-dário de elaboração em que a escrita é uma das condições. "A escrita abre as possibilidades para a criação do campo da história. (...) Ela deveria fundar também o campo da ciência". (DERRIDA, 1967, p. 42-4.3).

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Apassagem da oralidade à escrita consis-te em projetar, dentro de um espaço que possui duas dimensões (listas, quadros), um conjunto qualquer de elementos e impor também certo tipo de ordem que não tem necessariamente

o seu correspondente dentro da organização

da linguagem falada. Fazer uma classificação é próprio da linguagem, mas o quadro atribui

à classificação características novas. Cada

ca-tegoria adquire uma definição rígida, cada elemento deve encontrar seu lugar através da inclusão ou exclusão. Nesse caso, uma ruptura decisiva está presente no próprio desenvolvi-mento do pensadesenvolvi-mento.

Rousseau e Lévi-Strauss não são contes-tados quando estabelecem a relação entre o po-der da escrita e o exercício da violência. (DER-RIDA, 1967, p. 42-43). Para Jacques Derrida sempre houve uma relação entre a escrita e a violência da instituição política. A origem dessa violência encontra-se no fato "dar um nome". Isso consiste em classificar e inscrever no âmbito de uma diferença. Para Jack Goody, a diferença entre a sociedade de tradição oral e a sociedade de tradição escrita não se encontra no âmbito do pensamento ou da mentalidade, mas se situa nos meios de comunicação. Nós podemos subtrair oralmente, mas trata-se de

uma técnica fundamentalmente escrita. Assim,

os cálculos complexos dificilmente podem ser

feitos sem a utilização da escrita. .

O grafismo tem seu início, não na repre-sentação ingênua do real, mas no abstrato. Para J. Goody, a transcrição linear não pode ser dissociada de uma inscrição num quadro bidi-mensional (lista, quadro). Esse último aspecto tem um papel determinante na passagem para o pensamento racional; a razão não é somente escrita, ela é também gráfica. Por outro lado, a relação entre o poder e a escrita não é simples.

É bem verdade que a escrita está mais a serviço

de uma classe de letrados, mas pode ser tam-bém a condição de uma publicidade e de um de-bate político. A escrita não terá mais a função, como na Grécia antiga, de construir arquivos no palácio. Ela vai reunir todas as condições para que possamos divulgar e colocar, também sob o olhar de todos, os vários aspectos da vida social e política.

Para Jack Goody, a variação nos modos

de comunicação é freqüentemente mais

impor-tante do que as variações nos modos de

produ-ção, pois ela implica em um desenvolvimento das relações entre os indivíduos e as possibi-lidades de estocagem, de análise e de criação na ordem do saber. A escrita, sobretudo a es-crita alfabética, torna possível uma nova forma de examinar os discursos, graças a uma forma

quase permanente que ela dáàmensagem oral.

Os meios de investigação do discurso permitem uma ampliação do campo da atividade crítica, da racionalidade e do pensamento lógico. As

possibilidades do espírito crítico aumentam

pelo fato que o discurso se desenrola na frente

dos nossos olhos, simultaneamente aumenta a

possibilidade de acumular conhecimentos, em particular, conhecimentos abstratos.

Quando um enunciado é colocado por es-crito, pode ser examinado e analisado em deta-lhes. Pode ser submetido a um outro tipo de aná-lise e de crítica, que não seria possível através de um discurso puramente oral. A escrita obje-tiva o discurso, permite que a percepção seja,

não somente auditiva, mas também visual.CBA

P o l í t i c a s d e l e i t u r a

A escrita é um elemento determinante do processo de circulação dos significados técnicos e culturais. O registro e o peso da semiótica da palavra são transformados e amplificados pela

passagem à escrita, modificando,

substancial-mente, as relações entre os diferentes sistemas de comunicação.

A escrita fixa no texto mensagens e, des-de que pretendamos estudar a história des-de uma cultura, a escrita tem um grande peso. Ela é um "carrefour" cultural muito freqüentado pelos leitores interessados em compreender, de for-ma eficaz, as forfor-mas de organização de ufor-ma sociedade e seus valores culturais. A escrita é então a palavra-chave de todas as formas sim-bólicas. Sendo assim, devemos considerar que a escrita institui a leitura como um mediador obrigatório de todas as técnicas e modos de co-municação. A idéia mesmo de instituição não pode ser pensada antes da possibilidade da escrita, o que inviabiliza a dissociação entre a escrita e a leitura.

Assim sendo, o acesso à informação

escri-ta é uma condição essencial à utilização de

ou-tros códigos e sistemas de comunicação. Nesse

sentido, até os códigos vinculados à

informáti-ca dependem da escrita. Isso é suficiente para

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considerar como triunfalista a publicidade que espera que os novos meios de comunica-ção, diferentes da escrita, possam substituir a leitura nos seus mais variados aspectos. Ora, uma informação escrita em um livro, ou em uma tela de computador, funciona sempre como um texto.

Vimos seguidamente com as revoluções do século XIX: a cultura da produção do livro não seguiu sempre o passo das revo-luções técnicas, tinha uma autonomia em relação a elas. Então não há uma necessi-dade intrínseca da Revolução. O que muda e o meio de produção de livros, de reprodu-ção dos textos, mas os usos que podem-se fazer estão abertos à decisão humana, às relações ou às ignorâncias dos que têm o poder de atuar e de decidir sobre os usos da revolução técnica. [...cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA1 Com a idéia de

representação do texto, vemos de imediato uma forma de texto que muda em sua es-trutura e em sua disposição (CHARTIER, 2001, p. 158-149).

A revolução doVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAm e d iu m não é uma revo-lução dos códigos. Nas sociedades contemporâ-neas, as competências técnicas e culturais não poderão ser iletradas. O princípio político decor-rente disto é que as nossas sociedades não po-dem atingir um "desenvolvimento sustentável" sem um amplo investimento na área da Educa-ção. E, mais especificamente, sem a difusão das práticas de leitura de livros e de textos eletrô-nicos. As desigualdades nos campos da leitura

produzem desigualdades, também, no campo

econômico, no campo da comunicação social e no campo profissional, fazendo-nos pensar na importância das políticas de leitura. Mas é ilu-são pensar que, para democratizar uma prática tão rara quanto a leitura, seria preciso apenas colocar à disposição das classes populares bi-bliotecas onde possamos ter acesso aos livros.

É preciso entender que a difusão da leitura

nun-ca será apenas um efeito mecânico da oferta de leituras e tampouco da mera publicidade. Isso exige exercícios técnicos, um gosto pela leitura, enfim, um h a b itu s .

Há dois problemas fundamentais que es-tão ligados à democratização das práticas de leitura: as desigualdades na distribuição social das capacidades de leituras rápidas e a

concen-tração, nas mãos de certos grupos sociais, das disposições e predisposições que orientam para os valores da leitura. Há atitudes populares que recusam a escrita e dão uma grande credibili-dade à palavra, como é bem retratado por Jor-ge Amado, em seu livro T o c a ia G r a n d e . Nesse caso, não podemos falar de uma resistência à leitura, visto que ela pertence a um outro uni-verso cultural. Os grupos sociais que estão dis-tantes das sociedades de tradição escrita, quando se referem às suas vidas cotidianas, levam em consideração apenas os valores da sua tradição oral, em que a leitura não tem muito valor. Um indivíduo que possui todas as condições para a prática da leitura só adota esta prática quando ela tem um valor ou um sentido na sua vida co-tidiana. O que condiciona e determina o

consu-mo de bens culturais são as competências e ao mesmo tempo as orientações simbólicas. E elas estão vinculadas a crenças que um grupo social tem no valor da prática de leitura. A produção da arte supõe, também, que o campo artístico deve produzir a crença no seu produto.

A comunicação escrita tem um valor cul-tural, político e de lazer. Existe uma relação contínua entre as culturas escritas. Essa relação pressupõe uma apropriação da leitura rápida e, ao mesmo tempo, um conjunto de disposições culturais que são resultantes de uma constru-ção social e não um produto da natureza. Há uma grande distância entre a capacidade, as esperanças das classes populares e as ofertas públicas de leituras. Ora, as políticas culturais que se inspiram em princípios democráticos são direcionadas para as classes populares.

A proximidade geográfica das classes do-minantes com as bibliotecas é um fator impor-tante, porque este aspecto mostra a familiarida-de entre um bem cultural e um bem econômico, cujo valor é sempre monetário. Nesse sentido, um bem cultural tem um custo que está relacio-nado ao tempo para quem quer consumir. A ca-tegoria tempo é importante, porque os grupos sociais não dispõem dos mesmos horários, tam-pouco da mesma representação do tempo livre. A distância que separa a biblioteca dos seus habitantes é um problema que está relacionado com a familiaridade que temos com os espaços de leitura. Aqueles que dispõem de uma biblio-teca ampla em sua própria casa, diferenciam-se daqueles que não a possuem e que devem recor-rer às bibliotecas públicas ou universitárias.

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As políticas de leitura devem incentivar

todo e qualquer tipo de leitura. Qualquer que seja o texto lido e as condições de leitura, há sempre um benefício. O objetivo das políticas de leitura que visam implantar, nas culturas popu-lares, as práticas de leitura e de tornar normal e familiar a relação com os instrumentos escritos, devem, antes de tudo, fazer o livro entrar nas culturas populares. Nas políticas de "desenvol-vimento sustentável", o livro e as práticas de leitura devem ocupar um lugar importante, vis-to que a leitura é um instrumenvis-to privilegiado para combatermos as desigualdades sociais e lutarmos pela emancipação. A leitura é uma das chaves fundamentais para a libertação de homens e mulheres. "A França fez da liberda-de liberda-de ler um direito do homem" (KUPIEC, 1993, p. 77). Hoje, as políticas de leitura devem levar em consideração não somente a difusão do li-vro, mas também a difusão dos novos meios de comunicação.CBA

L e i t u r a e n o v a s f o r m a s d e

c o m u n i c a ç ã o

Na Antigüidade, a leitura em voz alta para si ou para os outros era uma convenção cultural que relacionava o texto à voz, a leitura à declamação e à escuta. Não podemos então atribuir estas práticas culturais à falta de domí-nio da leitura somente pelos olhos. Trata-se de traços culturais que são mantidos na época mo-derna, entre os séculos XVI e XVIII, no momen-to em que ler em silêncio se momen-tornou uma prática comum dos leitores letrados. A leitura em voz alta era o elemento fundamental dos vários ti-pos de sociabilidade, quer fossem familiares ou públicas. A leitura silenciosa é considerada por Roger Chartier (1994) como uma conquista que deve ser dissociada das grandes transforma-ções da própria função da escrita.

[...] há um controle comunitário sobre a leitura em voz alta, que desaparece com a leitura silenciosa. Esta última é um primeiro perigo, pois permite a cada um desenvol-ver seus próprios pensamentos a partir dos textos recebidos sem possibilidade de controle por parte da comunidade ou da au ondade. Isto vem reforçar um segundo

pengocbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAI. . .) :o de tomar a ficção como

reali-dade, confundir dois mundos, o mundo do texto e o mundo do leitor. O controle comu-nitário traduz-se no fato de que o mundo do texto não é o mundo do leitor, em que há uma distância, que na ficção pode não divertir nem ser um mundo onde o leitor individual exista ou esteja presente. [...] o julgamento individual da ação pública, cor-responde à figura do leitor silencioso que, à maneira kantiana, faz um uso público de sua razão a partir de sua privacidade (CHARTIER, 2001, p. 156-157).

Esses dois estilos de leituras não inva-lidam a verificação que situa, na segunda me-tade do século XVIII, uma revolução da leitura. Na Inglaterra, na Alemanha e na França, há um aumento da produção do livro, a multiplicação e a transformação dos jornais, assim como a re-dução no preço dos livros e aumento de livra-rias de empréstimo. Tudo isso caracteriza um perigo para a ordem pública, em função do pa-pel que a leitura desempenha na formação do espírito crítico.

O livro perdeu o poder de influência que tinha antes das novas tecnologias. Ele deixou de ser o mestre de nossos raciocínios, face aos novos meios de informação e comunicação que a sociedade contemporânea dispõe. Esta revo-lução é temida por alguns e ao mesmo tempo reconhecida por outros. Trata-se de mudanças radicais no processo de produção do conheci-mento, de transmissão e de recepção da escrita. Os textos estão separados dos seus suportes

« tr a d íc ío n a ís » (o livro, o jornal, etc.) e possuem

existência eletrônica. O suporte para esse tipo de leitura passa a ser o computador, a tela. A criação de textos eletrônicos, que poderão ser transmitidos a distância, é objeto de um novo tipo de leitura que tem a tela como mediadora da interação entre o leitor e o texto eletrônico.

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é mais radical, visto que são modos de organi-zação, de estruturação, de consulta do suporte da escrita que estão alterados". (CHARTIER, 1994, p. 136)

As novas formas de comunicação, sobre-tudo com o texto eletrônico, constituirão tam-bém uma revolução da leitura. Isso porque ler em uma tela do computador será diferente de ler num codex. A leitura na tela do computador abre muitas possibilidades e a representação eletrônica dos textos modifica a sua condição,

à medida que a materialidade do texto é

subs-tituída pela imaterialidade de textos que não possuem um lugar próprio. Essas transforma-ções determinam novas relatransforma-ções com a escrita, com as maneiras de ler e também criam novas técnicas intelectuais. As revoluções anteriores não modificaram as estruturas fundamentais do livro, o que não é o caso com as novas formas de comunicação.

Essa revolução, já começada, é uma revo-lução de suportes e de modos de transmissão da escrita. Nesse sentido, existe apenas um an-tecedente no mundo ociental que é "a substi-tuição doVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAv o lu m e n pelo codex, do livro em forma de rolo pelo livro composto por cadernos enca-dernados, nos primeiros séculos da era cristã". (CHARTIER, 1994, p. 143). A materialidade do codex criou as condições para novos hábi-tos de leitura. Por outro lado, para lermos um rolo, era preciso segurá-Io com'as duas mãos; ler e escrever tornava-se impossível para o lei-tor. Daí então a importância do ditado em voz alta. O codex permite uma maior liberdade do leitor que coloca o livro em cima de uma mesa, com cadernos ao lado, e pode fazer suas ano-tações, sem que isso o faça mobilizar o corpo. O leitor pode distanciar-se, ler e escrever ao

mesmo tempo, passar àvontade de uma página

para outra, de um livro para outro (CHARTIER, 1994).cbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBAÉ através do nascimento do codex que podemos entender que a revolução dos novos modos de comunicação se inscrevem numa

his-tória de longo prazo.CBA

C o n c l u s ã o

O pensamento político clássico conside-ra que somente a lei escrita, publicamente re-conhecida, é compatível com a liberdade. Por isso podemos, legitimamente, dizer que a falta da escrita pode abrir as portas a tudo o que é

arbitrário. Todavia, a palavra pode ser, igual-mente, tanto quanto a escrita, objeto de um

monopólio ou de uma transmissão restrita. É

preciso admitir que a função da comunicação, quer se trate de uma sociedade de tradição oral quer da tradição escrita, é sempre atravessada interiormente pelos modos de dominação. Não podemos então considerar a palavra apenas como uma troca recíproca entre agentes que possuem a mesma equivalência. Toda e qual-quer produção de um sentido é o resultado de um jogo social de construção de sentido, em que se confrontam posições diferenciadas de poder. Assim, não podemos buscar na escrita a origem de toda hierarquia ou mesmo de toda dominação.

A leitura é um fator determinante no pro-cesso de transmissão de um patrimônio cultural individual e coletivo. A leitura e a sua evolução põem necessariamente a questão da sociedade na qual ela se desenvolve. As transformações pelas quais as sociedades ocidentais passaram não poderiam ocorrer sem suas relações estrei-tas com a escrita e a leitura. A ampliação cres-cente dos meios audiovisuais, a modificação das práticas de lazer, a extensão da escolaridade e,

sobretudo, a prioridade dada à formação

cientí-fica constituem fatores determinantes no cres-cimento econômico das sociedades ocidentais, principalmente na França, velho país de tradi-ção literária, onde o livro e a leitura contribuí-ram para a criação de uma identidade nacional (FRAISSE,1993, p. 04).

Na sociedade informacional na qual vi-vemos, não podemos pensar somente na oferta de livros nas bibliotecas públicas, mas devemos igualmente pensar na difusão das novas

tecno-logias. O "desenvolvimento sustentável" não

pode ser pensado sem a difusão do livro e do texto eletrônico que supõe, neste caso, a posse de um computador, objeto raro nas classes mais populares. Trata-se de uma instrução que ainda é inacessível para as classes populares. As clas-ses dominantes têm necessidades de instruções que sejam inacessíveis para muitos setores das classes populares. Assim é criada uma barreira oficial que é garantida pelo Estado, que defende as classes dominantes contra as invasões, como diria Edmond Goblot. Hoje, as classes populares são excluídas, não somente do acesso ao livro, mas também do acesso aos novos meios de lei-turas que se fazem através da Internet.

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R e f e r ê n c i a s B i b l i o g r á f i c a syxwvutsrqponmlkjihgfedcbaZYXWVUTSRQPONMLKJIHGFEDCBA

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Referências

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