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Academic year: 2022

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Nota do Autor

O presente trabalho tem como objetivo primordial a discussão das diversas temáticas tratadas pelo Direito.

O Direito é uma ciência una e independente da ótica de análise, ou seja, através da corrente do civil law ou do common law precipuamente, o foco deve partir de idéias centradas no fato, no valor e na norma.

Diante deste pensamento, o Processo da Cadela Tigresa envolve questões de Direito Público e Privado, pincelado por temas de Direito Constitucional, Administrativo, Civil, Processual, do Trabalho, Penal, Fiscal, Ambiental, Internacional, entre outras ramificações que o Direito possui.

A idéia é fazer com que os acadêmicos do curso de Direito entendam problemas sociais para melhor enquadramento legal, sem esquecer os aspectos costumeiros e os principiológicos.

Com este caso, poderemos abstrair inúmeras discussões, inclusive imaginando como seria o novo Júri, instigando os acadêmicos a fomentar em diversas disciplinas da ciência jurídica (sociologia, filosofia, direito penal, etc), bem como focar na aplicação e integração normativa diante dos novos ensinamentos da hermenêutica e da retórica.

Além desta gama de informações lançadas no texto, o trabalho procura aproximar o leitor da realidade legal brasileira, não obstando o estudo por qualquer que seja o acadêmico, independente do ramo científico e da nacionalidade.

Verão de 2008.

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O processo da Cadela Tigresa

Na sala do Tribunal do Júri, localizado no fórum Gumercindo Bessa, na capital sergipana, estavam presentes representantes da imprensa local, nacional e até de outros países, para testemunharem o julgamento que poderá ensejar num incidente diplomático entre o Brasil e os países envolvidos no caso, bem como na elaboração de jurisprudência com repercussões religiosas e étnicas.

No dia 11 de setembro de 2001, aconteceu um fato lamentável que marcou a vida do povo da pequena cidade de Aracaju. Tudo não passaria de um acidente de trânsito, com conseqüência fatal, tão comum em todas as ruas, avenidas e rodovias de todas as cidades do mundo, se não fosse a condição de cada elemento envolvido no problema.

Aproximadamente cinco meses antes do acontecido, veio a residir na cidade de Aracaju um cidadão muçulmano, jornalista, de cor negra e de origem afegã, chamado Mahmmud Hussen, conforme consta no passaporte. Jornalista atuante e descontente com a problemática vivida em todo o Oriente Médio, buscou um país distante para viver, provisoriamente. Veio, inclusive, a convite formulado por um amigo que conheceu no Líbano durante uma de suas viagens, o senhor José Evangelista, brasileiro, assessor de comunicação da Fundação Aperipê, entidade da Administração Indireta do Estado de Sergipe.

Ao chegar, alugou uma casa localizada na rua de Maruim, no centro da cidade.

Naquela mesma rua, residia uma família de americanos, tendo como patriarca o ex-

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fuzileiro naval e pastor evangélico Robert Phelps, um homem de quarenta e cinco anos, casado, pai de duas filhas e de cor branca.

No dia que chegou em Aracaju, José foi buscar Mahmmud no aeroporto Santa Maria, no bairro Santa Tereza. De lá, José levou seu amigo estrangeiro para conhecer um pouco da pequena capital do Estado de Sergipe. Foram até a praia de Atalaia, passaram pelo bairro da Coroa do Meio. Em seguida, foram até o bairro Santo Antônio, o ponto mais alto da cidade, uma vez que Aracaju é quase que toda plana. Antes de irem até a casa que foi alugada para Mahmmud, almoçaram num dos melhores restaurantes de comida típica do Estado, o famoso João do Alho, no bairro 13 de Julho, de frente para o Rio Sergipe, local onde conheceu o famoso Zé Peixe, um dos grandes homens do Estado, especialista em rios, mares e oceanos.

Em seguida, os dois foram para a casa alugada pelo afegão, pois este precisava descansar. Assim que saiu do carro do amigo, Mahmmud, sem querer (pois não viu que na calçada vinha passando um transeunte) bateu a porta do veículo contra Robert, que, naquele momento, segurava no colo a sua cadela de estimação, uma poodle de nome Tigresa. No choque, a cadela começou a latir continuadamente, fazendo com que seu dono reclamasse de imediato. A cadela Tigresa, em questão, era de muita estima, pois lhe foi dada por sua esposa Diana, além de ter salvo uma de suas filhas de um ataque de um dobberman, durante uma visita à Ponte do Imperador assim que chegaram em Aracaju.

Com o acontecido, e pelo fato de que Robert já falava um português que com boa vontade se compreendia (o afegão não sabia uma única palavra da língua pátria brasileira), Mahmmud pediu as devidas desculpas ao transeunte na língua inglesa.

Robert, percebendo o sotaque, a cor e as vestes do indivíduo, olhou-o com desdém e mal pronunciou a aceitação das escusas pelo incidente. Houve, naquele instante, uma troca de olhares sérios e sem nenhum interesse de amenidades.

O povo brasileiro, em geral, em situações como essa, manifesta logo um sorriso para atenuar o transtorno, além de demonstrar preocupação com o outro. Mas no caso, não foi o que aconteceu. Ao, contrário, surgiu, gratuitamente, uma inimizade voluntária,

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não pelo fato do norte-americano estar com uma camisa cuja estampa simbolizava a bandeira do seu país, mas pela situação instantânea de repulsa.

Naquele momento, de acordo com depoimento do senhor Evangelista, eles se entreolharam como se já se conhecessem e, pior, se odiassem. É como se naquele instante passassem na lembrança do Robert, as imagens daqueles que ele combateu na guerra do Iraque no início da década de 90. Talvez, também, por ter trabalhado junto às pessoas carentes do Afeganistão que sofrem com o descompasso social ou com os problemas envolvendo terrorismo ou, ainda, pelo fato de que ainda possuía alguns resquícios preconceituosos quanto à cor do indivíduo, pois seu pai fizera parte da Ku Klux Klan.

Já na memória de Mahmmud, provavelmente, vieram os momentos de terror trazido pelos americanos a inúmeros povos do Oriente Médio, principalmente, no incentivo e investimento no poderio bélico de países que vivem em guerra. Talvez ainda, pelos mortos que conheceu ou por aqueles que queimavam a bandeira norte-americana contrários à política imperialista, contra a qual, Mahmmud, sempre lutou.

O senhor Evangelista percebeu se tratava de pessoas cujas origens já definiria uma total divergência. Assim quis o destino.

O tempo passou e inúmeras foram as vezes que os dois se encontraram. Mas, em momento algum, existiu uma troca afetuosa de olhares ou qualquer cumprimento de respeito. Começou a existir a imagem recíproca de inimizade de maneira notória. Tanto que, durante as suas palestras, Robert começou a direcionar alguns dos seus discursos evangélicos contra determinadas classes de pessoas de culturas mulçumanas, como sendo pessoas mundanas, sem a fé consubstanciada em elementos concretos, ainda que por vezes tenha sido chamado à atenção por parte de dirigentes superiores de sua igreja.

Por sua vez, Mahmmud, convidado a escrever para um jornal local, expunha, claramente, o seu descontentamento com o povo americano e citava, constantemente, os malefícios que aquela sociedade vinha causando ao mundo, inclusive para o próprio povo brasileiro. Nesse último tema, citava as questões envolvendo a floresta amazônica, por

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exemplo, informando que, em muitos mapas geográficos em livros didáticos americanos, a floresta pertencia a todo o mundo e não ao Brasil, bem como deixando claro que o brasileiro é mencionado como devastador de florestas. Debatia as questões da ditadura militar no Brasil e em países da América Latina que tiveram grande influência norte- americana. Retratava, com detalhes, os problemas da globalização nos países do terceiro mundo, mas sempre se reportando ao mal trazido pelos Estados Unidos para os povos da África, Ásia, América Latina e Oriente Médio, além das questões ambientais tão massacradas pela terra do Tio Sam.

Por ser Aracaju uma cidade pequena, as notícias corriam aos ouvidos certos, ou seja, tudo o que Robert dizia chegava ao conhecimento de Mahmmud e vice-versa. De uma certa forma, as discussões traziam conhecimento, além de vender jornais, encher auditórios, etc. Era uma oportunidade ímpar ter duas pessoas de culturas diferentes e de posicionamentos sociais, políticos, econômicos e religiosos completamente antagônicos.

Tanto que, em um seminário sobre globalização e responsabilidade social, realizado pelo Centro Acadêmico Tobias Barreto do Curso de Direito da Universidade Tiradentes, os dois foram convidados. Um como palestrante e o outro como debatedor. Ambos aceitaram palestrar e debater, fazendo uso da língua inglesa. Durante o evento, os dois defenderam seus pontos de vista. No entanto, num dado momento, as discussões fugiram ao controle de tal maneira que, após algumas trocas de acusações, já em tons agressivos, Mahmmud saiu do recinto e foi embora exaltando algumas palavras às quais ninguém sabia traduzir.

Todos ficaram sem reação, inclusive o próprio Robert que também pediu para sair, por não ter mais condição de permanecer no ambiente. Depois daquele episódio, nenhum dos dois aceitou mais participar de palestras ou debates. Apenas continuaram os seus ofícios, atacando quando necessário o posicionamento do seu oponente. Desde aquele seminário na Universidade, os dois já se reportavam para amigos próximos dizendo que o outro era inimigo declarado.

Robert, por trabalhar em projetos de evangelização de sua igreja, quase não parava em casa, mas não dispensava a caminhada matinal no calçadão da 13 de Julho, sempre acompanhado de sua cadelinha Tigresa.

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Mahmmud, sempre que possível, andava pela Praia de Atalaia, sublimando o amanhecer. Todos os dois seguiam suas vidas sem mais procurar mencionar o nome do seu adversário, ainda que vivendo numa cidade relativamente pequena.

Na manhã do dia 11 de setembro de 2001, por volta das dez horas e cinqüenta minutos, Robert terminava a sua caminhada, nesse dia um pouco mais tarde que o habitual e sem a companhia de sua fiel cadelinha Tigresa. Retornando para o carro que estava estacionado na frente de um mirante, foi parado por alguns transeuntes que o informaram de um ataque terrorista na cidade de Nova York. Naquele instante, ele entrou em desespero, pois alguns dos seus parentes, inclusive sua mãe, residiam na ilha de Manhattan, coração financeiro dos Estados Unidos e também do mundo.

Robert saiu como um louco, entrou em seu carro, e partiu em direção à sua casa, querendo obter maiores informações. Saiu “cortando” todos e a tudo. Passou em alta velocidade na curva do Iate Clube que quase capotou. Seguiu pela avenida Ivo do Prado, fazendo o retorno próximo ao Colégio do Salvador, entrou na rua de Estância, passando em seguida pelas ruas de Pacatuba, Itabaiana, Santa Luzia, Arauá. Por fim, entrou na rua de Lagarto, quando, virando à direita, na esquina do conhecidíssimo Bar do Pastel, desrespeitou o sinal.

Assim que entrou na rua, Robert se deparou com uma situação inusitada. Pela velocidade que empreendia, tinha que tomar uma atitude instantânea. À sua direita estava Mahmmud, após suas caminhadas na praia, ensaiando atravessar a rua e, no lado esquerdo, a sua cadelinha Tigresa que tinha fugido de casa naquele instante, por um descuido de sua esposa. Não tinha como ele evitar um acidente: ou arremessava o carro para cima de seu inimigo declarado, que por ser uma pessoa perspicaz com certeza pularia e evitaria o acidente, em tese, ou viraria o volante contra sua cadelinha querida que, com certeza, não teria chances de sobrevivência.

Por uma fração de segundos, ele decidiu o que para muitos ficaria entre a vida de um animal de estimação, ou seja, um bem, e a de um ser humano, protegido por inúmeras garantias constitucionais.

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No entanto, o fator sentimental foi superior ao racional. Diante da situação apresentada, Robert investiu contra Mahmmud, que recebeu todo o impacto do carro, sendo lançado contra outros veículos que estavam estacionados no local. Todos os que estavam passando por ali naquela manhã de terça-feira viram o atropelamento em todos os detalhes, até porque o veículo do agressor ultrapassou o sinal, “cantando pneu”.

Mahmmud, ensangüentado, caiu no asfalto. Robert saiu do carro, pôs as mãos na cabeça e saiu ao encontro da vítima. Começou a gritar por socorro. Ele se levantou com desespero e começou a pedir para que chamassem uma ambulância. Percebendo que sua cadelinha estava no meio das pessoas, pegou-a e colocou-a dentro do carro para que não mais fugisse. Voltou-se para a vítima deitada no chão, que não parava de sofrer com o acidente, sangrando muito e com vários ferimentos.

Todos os que assistiram aquele fato ficaram sem reação. Primeiro, pelo próprio trauma do atropelamento. Segundo, por se tratar de um evento envolvendo dois inimigos declarados na sociedade e, terceiro, por estarem ainda abismados com os atentados às torres do World Trade Center - WTC, em Nova York.

A ambulância chegou quase que no mesmo instante que a polícia de trânsito, por volta de vinte minutos depois. Os médicos e enfermeiros tomaram as providências dos primeiros socorros, colocaram a vítima na ambulância e seguiram para o Hospital de Cirurgia.

Enquanto isso, Robert foi até a Delegacia, juntamente com os policiais que conduziram seu carro.

Quando a ambulância chegou ao Hospital de Cirurgia, foi informado que todos os hospitais públicos estavam lotados e sem condição de receber a vítima. No entanto, um grande hospital particular informou, via rádio, que tinha possibilidade de atendimento.

Para lá seguiu a ambulância.

Acontece que, no caminho até o hospital, na tentativa de chegar mais rápido, o motorista da unidade médica móvel, fez uma entrada perigosa, saindo da avenida Hermes

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Fontes, entrando à esquerda na continuidade da conhecida avenida da Explosão, por nome de Edézio Vieira de Melo, sem observar que um ônibus circular vinha em alta velocidade, ocasionando assim um novo acidente.

Mahmmud que estava vivo e respondendo aos aparelhos, com a batida, veio a falecer junto com todos que estavam na ambulância, exceto o motorista da ambulância.

Na delegacia, Robert prestava seu depoimento ao Delegado, quando chegou à notícia de que houve um acidente envolvendo um ônibus e uma ambulância. Mais tarde, Robert ficou sabendo que, naquele acidente, Mahmmud veio a óbito.

O Delegado, ao encerrar a colhida de depoimento, informou que se tratava de flagrante e, por isso, Robert estaria preso a partir daquele instante.

Uma hora e meia depois, o chamado Quarto Poder, ou seja, a Imprensa, estava presente na Delegacia, pois se tratava de um furo de notícia sem precedentes. O mundo tinha um choque entre culturas e inimizades consubstanciadas no ataque das torres gêmeas na cidade de Nova York e Aracaju contava, naquele momento, com uma problemática social de repercussões infinitamente menores, mas com conseqüências graves, proporcionais à sociedade.

A Imprensa do mundo todo tinha apenas um único ponto de visão em suas telas e capas de jornais. O foco era apenas as torres gêmeas do World Trade Center – prédios entre os maiores do mundo – no coração de Manhattan, que foram atingidas por dois aviões comerciais, um para cada torre, e que, antes da uma hora da tarde, horário novaiorquino, estavam as duas no chão, provocando um caos naquela cidade, além das inúmeras vítimas fatais (2.749 ao todo).

Naquele mesmo dia, os terroristas atingiram o Pentágono, também fazendo uso de um avião. Porém, não tiveram o êxito quando o objetivo foi a Casa Branca, pois em outro vôo, seqüestrado com a mesma finalidade, houve um levante dos passageiros, que ocasionou a queda do aparelho antes de chegar à residência do Presidente americano.

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Já a imprensa sergipana não fugia a regra, mas contava também com uma situação à parte. Dois inimigos declarados, um americano e outro afegão, com culturas e pensamentos diferentes, oriente e ocidente, criaram uma situação que recairiam diversos entendimentos para sua solução. A questão se complicou quando um terrorista chamado Osama Bin Laden, do Afeganistão, assumiu a autoria dos atentados.

Robert, preso na Delegacia, tomou conhecimento da queda das Torres do WTC.

Ficou inconsolado com o volume de problemas que caíram sobre sua cabeça em tão poucas horas.

A família de Robert levou um advogado para a Delegacia, indicado pela igreja, na tentativa de sua liberação. O inquérito foi instaurado de acordo com a processualística penal e, imediatamente, o advogado de Robert, o senhor Ruy Barbosa impetrou um Habeas Corpus (HC), remédio constitucional dotado de garantias na defesa do direito de ir e vir, na resguarda contra ilegalidade ou abuso de poder, bem como na proteção frente à ameaça iminente ou não.

O HC foi julgado e, liminarmente, o juiz concedeu a tutela, tendo em vista se tratar de um réu primário e por todas as condições envolvidas no problema. No entanto, havia a condição de que Robert só poderia deixar o Brasil com prévia comunicação ao juízo e, se autorizado, teria que retornar todas as vezes que fosse convocado.

O mundo vivia um novo momento: a chamada guerra ao terrorismo. À noite, os jornais de televisão anunciavam, em vários lances, as ações dos terroristas, bem como o incidente na pequena capital sergipana.

Muitos jornalistas faziam vigília na casa de Robert na esperança de obter alguma informação. Conhecendo toda a problemática, o advogado de Robert, após ele sair da Delegacia, levou-o para seu sítio em São Cristóvão, a quarta cidade mais antiga do Brasil, situada próxima à cidade de Aracaju.

Na mesma noite, o advogado de Robert preparou um plano de fuga, para tirá-lo do foco das notícias e o plano foi colocado em prática. Ele preparou tudo para que Robert

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voltasse para os Estados Unidos. Só tiveram um problema: como voltar para o seu país de origem, já que todos os aeroportos estavam fechados.

O plano foi executado da seguinte maneira: Robert foi de carro até a cidade de Salvador, no Estado da Bahia, há aproximadamente trezentos quilômetros de Aracaju e, de lá, pegou um vôo para o México. Naquele país, entrou pela fronteira por via terrestre.

A fuga só foi conhecida pelas autoridades brasileiras dois dias depois do acidente, quando Robert já se encontrava na Califórnia, causando grande repercussão em todos os meios de comunicação do Brasil, além de toda a sociedade. Em seguida, toda a família de Robert, temendo represália, voltou para os Estados Unidos.

Com a saída de Robert para os Estados Unidos, começou uma batalha jurídica de enorme proporção, além de questões eminentemente diplomáticas, pois assim que foi noticiada a viagem de Robert, o Ministério Público requereu, tendo em vista o periculum in mora e o fumus boni iuris, o retorno do acusado ao Brasil. A sentença foi deferida e, devidamente instruída, foi encaminhada ao Supremo Tribunal Federal para determinação da carta rogatória. Todo o trâmite para cumprimento de sentença demorou, de forma que as autoridades americanas só foram tomar conhecimento do pedido no final do mesmo ano. Vale frisar que, neste intervalo, o incidente da fuga, como não poderia deixar de ser, tornou-se conhecido na imprensa americana e mundial.

Não bastasse toda a situação, em entrevista a alguns jornais americanos, Robert informou que nunca mais voltaria ao Brasil, pois não se sentia seguro e não confiava na Justiça brasileira, pois através de seus trabalhos de evangelização, já conhecia os problemas das penitenciárias e delegacias, bem como os do próprio Poder Judiciário. As suas palavras soaram como bombas no sentimento nacional, fazendo com que muitos brasileiros se sentissem ofendidos. O fato é que o problema diplomático estava formado.

Enquanto isso, o inquérito foi instruído e encaminhado ao Parquet (Ministério Público), cujo conteúdo era o indiciamento de Robert por crime de homicídio culposo, ou seja, aquele homicídio em que o autor não teve a intenção. O Ministério Público, no

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entanto, ao receber as peças do inquérito, denunciou sob a égide de homicídio doloso, ou seja, quando o agente teve a intenção de matar.

O processo foi instruído da seguinte forma: o réu foi interrogado via carta rogatória, as testemunhas foram inquiridas, as provas foram colhidas, com fotos devidamente acompanhadas de negativos, gravações das palestras, etc. Tudo Justo e na mais Perfeita ordem processual.

Os anos se passaram e, no sexto verão após o acidente, o réu foi pronunciado, pois não foram acolhidas as teses iniciais da defesa pela total ausência de dolo, bem como o pedido de afastamento do nexo de causalidade entre o primeiro acidente e o segundo, sendo este último o que ocasionou finalmente o óbito. Os autos, então, foram remetidos para o Tribunal do Júri.

As pessoas já nem lembravam bem do caso, quando o problema veio à tona.

Diante das exigências do governo brasileiro, os Estados Unidos cumpriram a determinação, encaminhando o réu às autoridades do Brasil.

Nesse período, muitos atos e fatos aconteceram de relevância para o processo, a esta altura já conhecido como o processo da Cadela Tigresa:

1- O Iraque foi invadido por tropas americanas e seus governantes destituídos sob o argumento de caça aos terroristas, mesmo depois de ter sido constatado que se tratava de interesses relacionados ao petróleo.

2- Dentre os iraquianos mortos, após prisão e tortura em uma base americana, estava um dos irmãos de Mahmmud.

3- Um primo de Robert, militar que trabalhava na prisão de Guantânamo, em Cuba, foi filmado surrando alguns presos, dentre eles um afilhado de Mahmmud preso como se fosse terrorista.

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4- Dentre as coisas encontradas por agentes da Agência Central de Inteligência americana na casa de Mahmmud, estavam planos de assassinato do presidente americano.

5- A perícia realizada no local do acidente provocado por Robert demonstrou que o mesmo tinha condições de desviar de sua cadela e de Mahmmud, caso jogasse seu veículo contra um carro estacionado na frente do Bar do Pastel, pois este amorteceria o impacto. Com este laudo pericial, foi julgado improcedente o recurso administrativo movido por Robert para não pagar a multa de trânsito resultante do acidente.

6- Um dos estudantes que assistiu ao debate entre os dois inimigos, de nome Afonso Kant, informou que Mahmmud disse em árabe que um dia mataria Robert. No entanto, o mesmo estudante foi condenado, com trânsito em julgado, por crime de racismo.

7- Uma testemunha que estava no Bar do Pastel, de nome Rafaela Amaral, alegou ter visto Mahmmud atravessando a rua como se estivesse fora de si. Na autópsia, foram encontrados vestígios de produtos entorpecentes, porém em baixa quantidade.

8- Os testes trazidos pelo fabricante do veículo de Robert afirmavam que o veículo estava em excelentes condições, não havendo nenhum problema de ordem técnica ou mecânica. A fábrica deste veículo é de origem americana.

9- O veículo de Robert, três meses após o acidente, foi furtado da Delegacia em que estava apreendido e encontrado queimado na praia do Abais, no Município de Estância.

10- Um fato parecido aconteceu em Washington D.C., envolvendo dois vizinhos muito amigos, onde a vida do cão dálmata de um deles não foi poupada entre a escolha pela vida do cachorro e a do ser humano, ainda que o animal fosse de grande estima para o seu dono.

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11- Robert já era regulamente naturalizado brasileiro na data do fato, conforme verificação oficiada pelo juizo criminal. Mesmo tendo lutado na guerra do Golfo, o mesmo já residia no Brasil por mais de quinze anos.

12- O Estado de Sergipe recebeu, via termo de cooperação, uma gigantesca quantia em dinheiro de uma empresa americana, às vésperas do julgamento, para construção de conjuntos habitacionais, apesar de terem sido divulgadas na imprensa grampos telefônicos feitos pela Polícia Federal brasileira com o fito de neutralizar golpes na previdência e no fisco, em que o presidente desta empresa no Brasil faz menção ao processo da Cadela Tigresa e a solicitação do empenho de um Deputado estadual na absolvição de Robert.

13- Robert, assim que chegou ao Brasil, ajuizou ação trabalhista em face da igreja evangélica que trabalhava, pois o seu vínculo ainda permanecia e seu contrato foi apenas interrompido desde a data que retornou aos Estados Unidos, sendo a ação posteriormente procedente, pois não foram argüidas a prescrição, bem como a situação penal em que se envolveu o Robert.

14- O processo civil de responsabilidade movido contra Robert, por ser o legítimo proprietário do animal pivô do acidente, pelo fato de ter causado danos morais e materiais ao senhor Floriano Barbosa de sessenta e nove anos no momento do acidente, além de cardíaco, vez que, o seu veículo foi atingido por Mahmmud no caso fortuito e por ter sido internado em estado grave, quase vindo a falecer, pelo susto que tomou com o acidente. A ação foi julgada procedente, transitando e julgado, sem que nenhuma rescisória tenha sido postulada.

Diante do que foi apresentado no Tribunal do Júri, O Ministério Público reforçou a tese do homicídio doloso, sustentando a condenação no limite máximo estabelecido na legislação brasileira.

Já a defesa sustentou que não houve dolo, nem tampouco tentativa no suposto homicídio, e sim lesão corporal ou mera infração de trânsito, dirigindo-se sem os devidos

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cuidados para a segurança dos pedestres, uma vez que o autor do homicídio foi de fato, para a defesa, o motorista da ambulância, devendo assim ser afastado o nexo de causalidade. Em última análise, acrescentou a defesa, estaria o Judiciário, caso Robert tivesse atingido a Cadela Tigresa, julgando um crime impossível ou uma tipicidade elencada nos crimes contra o meio ambiente, precisamente em face da fauna, conforme legislação nacional positivada.

Foram mais de onze horas de julgamento, até que às nove horas da noite do dia vinte de janeiro, o corpo de sentença absolveu o réu, num total de quatro votos favoráveis e três desfavoráveis à absolvição, por entender que não restou caracterizado todos os elementos descritos pela legislação penal no que concerne ao crime de homicídio doloso.

Com o resultado do Júri, muitas foram às repercussões sobre a temática. A sociedade ainda dividida com as teses tendia para uma condenação, mas não foi o que aconteceu.

Disse o advogado de defesa ao término do julgamento que a justiça dos homens tinha sido feita. Pois não foi colocado na prisão um pai de família honesto que, apesar de ter cometido infortuitamente um acidente, não saiu do Tribunal como autor de vários homicídios, pois na ambulância não estava presente apenas o Mahmmud.

Já o Parquet se manifestou que, além de recorrer da decisão, entendeu que houve uma manipulação política, religiosa e econômica em torno do caso, fazendo com que o Júri optasse pela absolvição. Acrescenta ainda o representante do Ministério Público, que um novo julgamento deverá ocorrer, pois o caso não se exaure em mera exegese gramatical dos textos legais, mas em processos sistemáticos e teleológicos, além de aspectos de integração normativa via costumes, princípios gerais do direito e analogia, independente da corrente positivista ou meramente consuetudinária.

A repercussão do julgamento no seio da sociedade foi imediata, pois as especulações em prol dos americanos foi a acolhida, mas não a mais aceita.

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Um novo julgamento foi acolhido em sede recursal. Neste momento, os doutrinadores, juristas, políticos e toda a sociedade mundial, vislumbraram a possibilidade de se fazer realmente justiça, se é que esta já não havia sido feita, apesar do Brocardo popular que ensina dizendo que a justiça dos homens é falha.

Devemos pensar no verdadeiro ideal de justiça durante o novo julgamento e para tudo aquilo que julgamos todos os dias, sentenciando, envolvidos por várias idéias que nem sempre são as melhores. Estas palavras estavam estampadas na capa de um grande jornal britânico, fazendo menção ao processo em curso na pequena cidade de Aracaju.

As questões envolvidas no caso ficaram ainda sem resposta. O americano tinha ou não a intenção em matar Mahmmud? A cultura pessoal de cada um dos integrantes na lide influenciou no desfecho do julgamento? Qual o valor da vida humana nos dias de hoje? A condenação de Robert seria por via direta uma demonstração de descontentamento com as ações norte-americanas? Caso o processo fosse julgado em outras nações, inclusive nas dos países das nacionalidades dos envolvidos, o final seria o mesmo? Se Mahmmud que tivesse atropelado Robert, o resultado seria o mesmo?. Ante a estas dúvidas, a sociedade espera encontrar suas respostas no novo Júri.

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