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Direitos de propriedade: uma justificação lógicoargumentativa em HansHermann Hoppe

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Academic year: 2018

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UNIVERSIDADE FEDERAL DO CEARÁ FACULDADE DE DIREITO

CURSO DE DIREITO

KALIL SANTIAGO DA COSTA

DIREITOS DE PROPRIEDADE: UMA JUSTIFICAÇÃO LÓGICO-ARGUMENTATIVA EM HANS-HERMANN HOPPE.

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KALIL SANTIAGO DA COSTA

DIREITOS DE PROPRIEDADE: UMA JUSTIFICAÇÃO LÓGICO-ARGUMENTATIVA EM HANS-HERMANN HOPPE.

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Graduação Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito.

Área de concentração: Filosofia do Direito. Orientador: Prof. Dr. Felipe Lima Gomes.

FORTALEZA 2016

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Gerada automaticamente pelo módulo Catalog, mediante os dados fornecidos pelo(a) autor(a)

C1d COSTA, Kalil Santiago da.

Direitos de Propriedade: Uma justificação lógico-argumentativa em Hans-Hermann Hoppe / Kalil Santiago da COSTA. – 2016.

71 f. : il.

Trabalho de Conclusão de Curso (graduação) – Universidade Federal do Ceará, Faculdade de Direito, Curso de Direito, Fortaleza, 2016.

Orientação: Prof. Dr. Felipe Lima Gomes.

1. Direitos de Propriedade. 2. Direito Natural Racionalista. 3. Ética argumentativa. 4. Hans-Hermann Hoppe. I. Título.

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DIREITOS DE PROPRIEDADE: UMA JUSTIFICAÇÃO LÓGICO-ARGUMENTATIVA EM HANS-HERMANN HOPPE.

Monografia apresentada à Coordenação do Curso de Graduação Direito da Universidade Federal do Ceará, como requisito parcial para a obtenção de grau de Bacharel em Direito.

Área de concentração: Filosofia do Direito. Aprovada em ___/___/_____

BANCA EXAMINADORA

_________________________________ Prof. Dr. Felipe Lima Gomes (Orientador) Universidade Federal do Ceará (UFC)

_________________________________ Henrico Perseu Benício Rodrigues Universidade Federal do Ceará (UFC)

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AGRADECIMENTOS

Esta breve e despretensiosa nota de agradecimento, não poderia ser iniciada sem a inescapável menção à importância de meus pais – Sr. Jorge Costa e Sra. Ana Cristina - e de meus familiares em cada uma das pequenas ou grandes realizações de minha vida. De fato, são eles os grandes responsáveis por qualquer sucesso obtido no curso de minha caminhada acadêmica, profissional e pessoal, de forma que qualquer esforço que eu tenha despendido em busca de meus objetivos foi certamente menor do que o despendido por eles para torna-los possíveis.

Agradeço também à minha namorada, Andreia Raniely, que me acompanha paciente e amorosamente por mais de seis ininterruptos e agradáveis anos, sendo a maior justificativa para a firmeza de cada passo por mim dado, fazendo que as maiores e menores atribulações da vida sejam sempre compensadas pela perspectiva de um futuro ao seu lado.

Não poderia deixar de mencionar também a importância dos Srs. Valmir David e Roselia Almeida - casal batalhador e vitorioso - pelos incontáveis gestos de carinho e incentivo a mim dirigidos. Foi este casal que, dentre tantos outros atos igualmente simbólicos, cederam-me o primeiro terno com o qual pude participar da primeira entrevista de emprego em um grande escritório de advocacia em Fortaleza, onde pude solidificar meu amor por essa profissão que pretendo exercer até o resto de meus dias.

Agradeço também a toda a equipe do escritório Mendes Bezerra Advogados pela cortesia e gentileza com que sempre me trataram, bem como pela inigualável oportunidade de aprendizado e de convivência diária com esta que certamente está entre as mais qualificadas e competentes bancas de advogados deste País.

Devo agradecer também a cada um dos colaboradores do escritório Valença & Associados, que tanto me ensinaram em todos os aspectos da vida pessoal e profissional, em especial aos Drs. André Parente, Nelson Valença, Rafael Gazzineo, Daniel Cidrão, bem como às inesquecíveis Dra. Mirla Dantas e Dra. Emiliana Rolim.

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Deixo também uma menção especial ao meu chefe, Dr. Rafael Saldanha, que, além de me ensinar o ofício da advocacia no dia-a-dia profissional, teve a bondade de, logo após tomar ciência de que eu tivera meu computador furtado juntamente com boa parte deste trabalho, presentear-me com o computador por meio do qual pude, em cerca de um mês, reescrever este Trabalho de Conclusão de Curso.

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RESUMO

Este trabalho pretende se debruçar sobre uma abordagem jusnaturalista que o Prof. Hans-Hermann Hoppe dá aos direitos de propriedade, de modo a verificar a pertinência de uma justificativa lógica e racional destes direitos. Analisando as principais contribuições teóricas acerca da Propriedade, especialmente contrastando a abordagem hoppeana com as perspectivas da Escola Positivista e da Escola de Direito e Economia, este escrito busca identificar qual o entendimento mais adequado do instituto da Propriedade, bem como se os direitos de propriedade podem ser considerados absolutos, universais, naturais e racionalmente justificáveis.

(8)

ABSTRACT

This paper intends to focus on a jusnaturalist approach that Prof. Hans-Hermann Hoppe gives the property rights, to verify the pertinence of a logical and rational justification of these rights. Analyzing the main theoretical contributions about Property, especially contrasting the Hoppean approach with the perspectives of the Positivist School and the School of Law and Economics, this paper seeks to identify the most appropriate understanding of the Property Institute, as well as whether property rights can Be considered absolute, universal, natural and rationally justifiable.

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ...01

2 O DIREITO DE PROPRIEDADE NA PERSPECTIVA POSITIVISTA ...07

3 O DIREITO DE PROPRIEDADE NA PERSPECTIVA DA ESCOLA DE DIREITO E ECONOMIA ...13

4 A PERSPECTIVA HOPPEANA SOBRE O DIRIETO DE PROPRIEDADE ...23

4.1 O Princípio Ético da Não Agressão ...23

4.2 A existência da Propriedade ...31

4.3 A propriedade e o corpo ...34

4.4 A propriedade e sua aquisição ...39

4.5 Direitos de Propriedade e Direitos Humanos ...49

4.6 A Propriedade e a Argumentação ...53

5 CONSIDERAÇÕES FINAIS ...60

(10)

1

Historicamente, desenvolveram-se incontáveis trabalhos e considerações a respeito da existência, origem, legitimidade, validade e necessidade dos direitos de propriedade. A humanidade tem desenvolvido perspectivas utilitárias, racionalistas, objetivas e subjetivas em busca do entendimento correto deste instituto; ora o exaltando, ora o dispensando; ora buscando identificar elementos de justiça em sua conceituação, ora o analisando de maneira não valorativa.

Assim, é imperioso notar neste espaço introdutório que os estudos modernos sobre a propriedade adquiririam especial caráter adjetivo, especialmente pelo importante prestígio acadêmico dado aos autores que compõe a aclamada Escola de Direito e Economia.

Nesse sentido, no meio acadêmico, tem-se dado especial destaque às tentativas de descoberta de um arranjo legal capaz de tornar as regras de propriedade mais justas e efetivas, e deixando talvez em segundo plano os esforços no sentido de defini-la conceitualmente.

Conforme se verá nas exposições seguintes, autores consagrados como Ronald Coase, Armen Albert Alchian, Kelsen, Prosser, Hart e tantos outros que desenvolveram estudos interessantíssimos sobre a Propriedade, guiando-se pela forma positivista de raciocínio, entenderam por bem conduzir suas investigações acerca da propriedade de

forma a não “contaminá-la” com concepções filosóficas e éticas absolutas.

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A consequência disto é que boa parte dos estudos atuais sobre Direitos de Propriedade são desenvolvidos sob a metodologia moderna de construção científica, buscando tratar a propriedade de forma não valorativa. É dizer: buscam afastar da abordagem jurídica da propriedade quaisquer sombras ideológicas ou juízos de valores que venham a apresentar alguma ameaça à cientificidade da conceituação dos Diretos de Propriedade.

Para essas duas tendências modernas (Escola Positivista e Escola de Direito e Economia), ousa-se dizer que o foco de sua teorização da propriedade está mais direcionado à análise do tratamento que este instituto recebe nos diferentes ordenamentos jurídicos existentes, identificando-lhes particularidades e, por vezes, propondo enunciados específicos conforme essas particularidades, do que propriamente na observação ética das regras de propriedade e na proposição de um enunciado geral dos Direitos de Propriedade.

Portanto, este trabalho busca lançar luz sobre a abordagem que o Prof. Hans-Hermann Hoppe dá aos Direitos de Propriedade, analisando a possibilidade de se construir, racionalmente, uma entendimento jusnaturalista da Propriedade que defina este instituto como absoluto e universalmente válido.

Visando a esse objetivo, far-se-á uma exposição a respeito das principais teorias da propriedade, iniciando-se pela abordagem Positivista (Cap. 2), seguindo-se pela abordagem da Escola de Direito e Economia (Cap. 3) e, enfim, confrontando-as com o entendimento do Prof. Hans-Hermann Hoppe sobre os Direitos de Propriedade.

Para expor o entendimento da Escola Positivista, buscou-se demonstrar inicialmente o posicionamento geral que a escola adota em face da ciência jurídica. Conforme se verá, o positivismo indica que, se o estudioso deseja formular um entendimento essencialmente jurídico a respeito da propriedade, não pode ceder à tentação de incorporar à conceituação de propriedade ou de quaisquer outros fenômenos jurídicos os elementos psicológicos específicos trazidos por algum viés político.

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ordenamento jurídico. A justiça seria, isto sim, uma construção teórica essencialmente subjetiva, que varia conforme variam os quereres de cada sujeito. Por isso, seria impossível que, cientificamente, alguém propusesse parâmetros de justiça universais a serem adotados por todos ordenamentos jurídicos de forma absoluta.

Expor-se-á também que os positivistas, apesar de enxergarem grande relevância nos Direitos de Propriedade, não o consideram fundamental para a existência ou validade de um ordenamento jurídico. Isto porque, segundo Kelsen, é possível facilmente verificar na História a existência de várias ordem jurídicas que desprezaram os direitos de propriedade e que, mesmo assim, continuaram sendo consideradas ordem jurídica segundo a Ciência do Direito.

Para o Positivismo Jurídico, a principal diferença entre as ordens jurídicas que exaltam a propriedade e as que desprezam é, principalmente, o viés político (escolha política) da autoridade social que a criou – e não a oposição entre justiça e injustiça. Diz-se simplesmente que algumas ordens sociais pelo mundo adotam o viés liberal, enquanto outras adotam o viés socialista. Todas, entretanto, podem produzir um ordenamento jurídico válido. A avaliação a respeito da melhor ou pior ordem não caberia à ciência do direito.

No capítulo três, em que se abordará a perspectiva da Escola de Direito e Economia (que será adiante referenciada também como corrente utilitarista), chama-se a atenção para o fato de que os autores dessa escola recusam a adoção de uma ética universal para resolver as questões dos direitos de propriedade porque não entendem a Ética como ciência. Por influência do Positivismo, esta escola também prefere o conhecimento científico aproximado às ciências da natureza e, por isso, buscando alcançar uma demonstração científica da utilidade das regras de propriedade focada na análise econômica do Direito, tende a tratar os direitos de propriedade da forma que os cálculos monetários demonstrarem ser mais vantajosa para o que se entende como bem comum.

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que guia suas proposições de enunciados - a ética do relativismo. Isto porque, considerando que a análise das regras de propriedade pelos utilitaristas não pretende identificar justiça ou injustiça das normas, mas, isto sim, identificar eficiências e ineficiências nos enunciados normativos, o padrão ético que implicitamente se adota é o que diz ser um regramento desejável ou indesejável conforme sejam menores ou maiores os benefícios econômicos daí decorrentes.

Portanto, no capítulo três, buscar-se-á fazer uma exposição da perspectiva utilitária dos direitos de propriedade, contrastando sempre que possível com o entendimento de Hans-Hermann Hoppe a respeito da temática.

Verificar-se-á, também no capítulo dois, a amplitude do conceito de “custo

social”, as soluções utilitaristas para a resolução dos problemas das externalidades

negativas e as proposições de normas jurídicas concretas que a teoria da Escola de Direito e Economia teria a oferecer a um Ordenamento Jurídico com base na eficiência.

No capítulo quatro, ter-se-á aprofundada a perspectiva de Hans-Hermann Hoppe sobre os Direitos de Propriedade. Tomando por base as contribuições de Murray N. Rothbard, John Locke, Aristóteles, Cícero e outros autores que influenciaram o influenciaram, demonstrar-se-á a evolução da abordagem hoppeana da Propriedade, verificando a possibilidade de lhe atribuir um conceito absoluto e eterno.

Conforme se verá especialmente nos ponto 4.1, 4.2 e 4.6, o papel da Ética, grosso modo, seria desenvolver no homem a compreensão do que se é ou não é permitido fazer na circunstância presente (aqui e agora). Assim, Hoppe desenvolve um argumento lógico que embasaria a teoria da propriedade, buscando formular um raciocínio ético universal capaz de desenvolver enunciados válidos tanto sobre a relação dos homens entre si quanto sobre a relação dos homens com os objetos.

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de direitos de uso exclusivo sobre tais recursos seria uma necessidade racionalmente inafastável.

O ponto 4.3 exporá o entendimento segundo o qual toda pessoa seria proprietária de seu corpo físico, expondo as razões lógicas pelas quais também o corpo humano deveria ser enxergado como um recurso escasso. A partir disso, ter-se-iam fornecidas as bases para que, no ponto 4.4, compreenda-se o entendimento de Hoppe sobre as duas formas racionalmente válidas para aquisição de direitos de propriedade, quais sejam, a apropriação original e a apropriação contratual.

Neste ponto 4.4, demonstrar-se-á por que todos os recursos naturais com os quais o homem mistura seu trabalho (expressão de Locke) antes de qualquer outro deveriam ser considerados sua propriedade, justificando-se também por que alguém passaria a ser igualmente proprietário de todos os bens trabalhados por terceiros que, voluntariamente e de forma contratual, tenham sido a ele transferidos. Além, buscar-se-á verificar a validade de outras formas de apropriação aceitas por alguns ordenamentos jurídicos, como a apropriação por declaração.

Veja-se que apesar de os conceitos de “autopropriedade” e a exposição de validade do axioma da não-agressão não terem sido criação de Hoppe, foi ele quem sistematizou, numa perspectiva ética-argumentativa, esses elementos.

Seguindo a linha rothbariana de contribuição intelectual, foi também Hans-Hermann Hoppe quem deu um enfoque especial a um elemento colocado neste trabalho como basilar para qualquer Teoria da Propriedade: a escassez. De fato, foi Hoppe quem lapidou a ideia de que os direitos de propriedade são tanto naturais e obrigatoriamente decorrentes da situação fática de escassez, quanto logicamente e argumentativamente inafastáveis da própria condição humana.

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regras que definissem as relações de propriedade. Ou seja: só há sentido em falar em Direitos de Propriedade porque, dada a escassez dos recursos, quando um homem utiliza determinado bem, automaticamente priva ou reduz (ainda que minimamente) a possibilidade de utilização daquele bem pelos demais homens. Assim, como a utilização de um bem escasso por um homem priva ou reduz a possibilidade de que outros homens utilizem da mesma forma aquele mesmo bem naquele mesmo momento, faz-se necessário estabelecer qual ou quais dentre os homens teriam o direito de utilização exclusiva do bem em questão, excluindo, por consequência lógica os demais.

Segundo Hoppe, fossem os bens infinitos e, pois, passíveis de serem utilizados indistintamente (e ao mesmo tempo) por um ou um bilhão de homens, seria eminentemente inútil qualquer trabalho intelectual que se propusesse de definir quem

teria o “direito” de usar, gozar e dispor daquele bem em um dado momento. Portanto, conforme se irá adiante colocar, a relação do homem com a realidade da escassez é a grande origem prática dos direitos de propriedade.

Hoppe ainda define, conforme se colocará mais precisamente no ponto 4.6 deste escrito, que seria racionalmente impossível que um sujeito se dissesse contrário ao estabelecimento de regras de propriedade sem cair numa inescapável contradição performática. Seria impossível que, pela via argumentativa, alguém negasse a existência da autopropriedade e a validade do axioma da não agressão de modo sem que se visse preso numa contradição performativa. Eis que, por não conseguir negar quaisquer dessas premissas, não conseguiria o argumentador também formular enunciados válidos a respeito de formas de aquisição de propriedade que não fossem exatamente as formas contratual e original de aquisição.

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2 O DIREITO DE PROPRIEDADE NA PERSPECTIVA POSITIVISTA

A grande parte dos trabalhos sobre direitos de propriedade se desenvolvem sob a ótica positivista, contando com a influência do jurista austríaco Hans Kelsen cujo trabalho pretendeu emprestar certa pureza ao direito, isolando-o de concepções psicológicas e sociológicas. Assim, é natural que qualquer trabalho que se debruce sobre o estudo da propriedade faça uma análise cuidadosa da perspectiva positivista.

De forma semelhante àquela que será posta no capítulo dedicado à Escola de Direito e Economia, em geral, a perspectiva positivista dos direitos de propriedade tenta conduzir seu objeto de estudo de maneira eminentemente científica, propondo uma abordagem jurídica do instituto que se faça destituída de julgamento de valores.

Em verdade, Kelsen considera que o conceito de direito não coincide – e nem teria razão para coincidir – com o conceito de justiça. Em uma análise científica, o direito não necessariamente carregaria a formatação de organização x ou y, mas, isto sim, consistiria numa técnica específica de organização social, cujas nuances seriam modificadas conforme se alterassem os ideais específicos de justiça.

Assim, a abordagem positivista já guardaria, na partida, um importante traço distintivo com a abordagem de Hans-Hermann Hoppe, conforme será adiante posto nos itens 4.2 e 4.3 deste escrito.

Isto porque Kelsen revela que padecem de cientificidade os conceitos de direito que se contaminam com algum viés político, e, pois, que buscam carregar para a conceituação do Direito algum princípio de organização social considerado mais adequado para o estudioso.

Em seu livro Teoria Geral do Direito e do Estado1, coloca-se que a conceituação de Direito não poderia ser científica se fosse incluída na definição de ordem jurídica, por exemplo, “um mínimo determinado de liberdade pessoal ou a possibilidade de

propriedade privada”. Isto porque o resultado de uma definição desse tipo seria a o impedimento de que eventuais ordens sociais totalitárias (como a da Rússia, com

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Stálin; a da Itália, com Mussolini; e a da Alemanha, com Hitler) fossem reconhecidas como ordens jurídicas.

Assim, Hans Kelsen2 coloca que uma conceituação de Direito contaminada com

viés político (seja ele liberal ou socialista) se poria viciada para corresponder à definição de um ideal específico de justiça. Uma definição que se queira científica, então, deveria ser desenvolvida independentemente de quaisquer julgamentos valorativos, morais ou políticos. Afinal, a democracia e o liberalismo são apenas dois modelos possíveis de organização social, exatamente como o são a autocracia e o socialismo.

Não haveria, portanto, nenhuma justificativa científica que indique que o conceito de Direito deva incorporar quaisquer desses modelos. Assim, sem considerações morais e políticas, o Direito seria mais precisamente uma técnica de organização social, apartada de julgamentos valorativos ou de preferências políticas.

Em geral, o positivismo jurídico coloca a questão da justiça como desenvolvida sob uma nuance eminentemente subjetiva, impossível de ser percebida pela razão de forma objetiva. Uma ordem social justa seria uma impressão não científica e pessoal que o observador tem do fenômeno jurídico. Kelsen coloca que o anseio por justiça “é o

anseio do homem pela felicidade. É a felicidade que o homem não pode encontrar como indivíduo isolado e que, portanto, procura em sociedade”3. Justiça, então, seria

uma construção do que se poderia entender como “felicidade social”, impassível de apreensão científica.

Nesse sentido, o positivismo se opõe frontalmente à concepção hoppena, que busca indicar que, na natureza humana racional, existem comando objetivos que formatariam um conceito de justiça4.

Eis porque, para o positivismo jurídico, diante dos inescapáveis conflitos de interesses individuais observados numa sociedade, sabendo-se que comumente a busca pela felicidade de um sujeito contrapõe a busca pela felicidade de outro, essa felicidade social correspondente à justiça não poderia ser tomada objetivamente como

2KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 14

3 KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1992. p. 14.

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felicidade individual dos membros da sociedade. Do contrário, ter-se-ia uma justiça autocontraditória.

Na perspectiva positivista, as concepções de justiça/felicidade que uma ordem social poderia garantir teriam de ser tomadas como “felicidade coletiva”, e, neste caso,

dependeriam da satisfação de determinadas necessidades básicas que o legislador local ou a autoridade social entendesse pertinente assegurar. No entanto, o positivismo considera que essas necessidades humanas básicas a serem garantidas por uma ordem social e jurídica não poderiam ser estabelecidas pelo exercício da razão, mas por uma outorga mais ou menos particular e subjetiva, que varia conforme variam as concepções morais do legislador/autoridade.

Assim, inexistiria a possibilidade de, por vias racionais, estabelecer diretrizes de justiça a serem perseguidas por um dado sistema jurídico. Kelsen coloca a tentativa de justificar racionalmente uma concepção subjetiva de justiça como uma manifestação

ideológica ou um “auto-ilusão”:

“(...) cada um tende a apresentar seu próprio conceito de justiça como sendo o

único correto, o único absolutamente válido. A necessidade de justificação racional de nossos atos emocionais é tão grande que buscamos satisfazê-las mesmo correndo o risco de auto-ilusão. E a justificação racional de um postulado baseado num julgamento subjetivo de valor, ou seja, um desejo como, por exemplo, o de que todos os homens devem ser livres, ou o de que

todos os homens devem ser tratados igualmente, é uma auto-ilusão ou – o que

equivale a dizer a mesma coisa – uma ideologia.”5

Ora, partindo desse entendimento, vê-se que o positivismo jurídico, ao menos na versão kelseniana, não enxerga a possibilidade de justificação racional de quaisquer direitos como forma de justiça e, por óbvio, não a enxerga em relação ao direito de propriedade.

Sendo a Propriedade um dentre vários direitos que um ordenamento jurídico pode ou não visar a proteger, não há nada de universalmente decifrável que possa ser visto no direito de propriedade como princípio de justiça e validade. Segundo Kelsen, o

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fato historicamente verificável de que vários sistemas jurídicos (ou ordens sociais) não consideraram essencial o direito à propriedade privada, mantendo regimes ou de propriedade comum ou de completa abolição dos direitos de propriedade demonstraria esse ponto. Então, nem os regimes de propriedade privada nem os de propriedade comum carregam em si alguma definição de justiça. Poder-se-ia, é claro, identificar qual dos sistemas seria o melhor, mas esta questão não seria jurídica, tampouco reveladora de uma justiça objetiva a ser buscada por um ordenamento jurídico. Quanto ao direito de propriedade, tanto quanto aos demais direitos possíveis de serem estabelecidos numa ordem social, o fato de querer assegurá-lo ou não é mais uma questão emocional e subjetiva que uma questão de validação racional de premissas e objetivos.

Particularmente sobre o Direito à Propriedade6, Kelsen coloca que, numa análise

história dos ordenamentos, a propriedade privada não poderia jamais ser tomada como o único princípio sobre o qual uma ordem jurídica se constrói. A propriedade é, isto sim, um dentre vários outros direitos que podem ou não ser previstos por um ordenamento jurídico.

A tentativa de definir a propriedade privada como um direito natural, então, seria nada mais que uma tentativa justificar de forma absoluta uma regra especial privilegiada por determinado viés político que, por escolha da autoridade social ou do legislador, terminou por ser positivada em alguns ordenamentos jurídicos.

Assim, diferentemente do que se verá na abordagem de Hans-Hermann Hoppe, a escola positivista não entende possível demonstrar racionalmente a validade de um Direito de Propriedade e, menos ainda, demonstrá-lo universalmente justo. O Direito de Propriedade seria nada mais que uma regra eleita como desejável pela autoridade social incumbida de elaborar o direito positivo. É um querer puramente subjetivo do legislador que foi introduzido num determinado ordenamento jurídico.

Eis porque qualquer análise que se queira minimamente científica acerca da justiça de uma regra que atribui direitos de propriedade deve ser encarada apenas dentro do próprio sistema jurídico que a coloca. A análise de justiça, para não se

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resumir a uma manifestação de sentimentos, de emoções ou de ideologias, deve se ater antes à aplicação da regra que à sua justificação ética. A justiça dos direitos de propriedade, pois, na perspectiva positivista, deve ser encarada como identificada com a legalidade. Uma regra justa de direitos de propriedade não é aquela que o ignora ou que o assegura (porque a decisão ideológica de assegurar ou ignorar o direito à propriedade não pode ser tomada como justa ou injusta aprioristicamente), mas, isto sim, é justa quando, independentemente de assegurar ou ignorar o direito de propriedade, é aplicada igualmente em situações equivalentes, conforme o comando legal do ordenamento. É dizer: é injusto que uma regra de propriedade prevista num ordenamento jurídico seja aplicada numa situação x, mas não em outro caso similar.

Sobre a identificação de justiça e legalidade, Kelsen pontua com clareza porque essa é a única perspectiva sob a qual um entendimento de justiça pode ser tomado como científico dentro da ciência do Direito:

“A declaração de que uma conduta específica é legal ou ilegal independe das vontades ou dos sentimentos do sujeito que julga; ela pode ser verificada de modo objetivo. Apenas com o sentido de legalidade é que a justiça pode fazer parte de uma ciência do Direito.”7

Outro autor que segue essa mesma linha de raciocínio é Herbert Hart, que, em sua obra O Conceito do Direito8, ensina que a principal questão relativa à justiça ou injustiça de um determinado sistema jurídico se relaciona antes com a estabilidade que o sistema goza perante a sociedade que com considerações jusfilosóficas que os sujeitos façam sobre a própria origem e fundamentação ética da regra

Diz Hart que, se o sistema assegurar verdadeiramente os interesses básicos daqueles que se submetem a ele, certamente conquistará a obediência da maioria, durante a maior parte do tempo, sendo, por consequência, um sistema jurídico estável. No entanto, se o sistema for essencialmente discriminatório e pautado pelos interesses de um grupo em detrimento dos demais, é provável que o sistema, para se manter,

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precise se tornar gradativamente mais repressivo e excludente, ocasionando, por certo, mais instabilidade.

Eis que um sistema jurídico deveria graduar de maneira inteligente esses quesitos, mantendo uma estrutura jurídica de tribunais, leis e legisladores que garantam um mecanismo de opressão de um número de pessoas que, por não configurar maioria, não representem risco de instabilizar o sistema.

Assim, na perspectiva da Escola Positivista, os Direitos de Propriedade não comportam uma justificação racional de sua validade, devendo o estudioso analisa-los perante o ordenamento jurídico que o coloca. A inclusão da proteção aos direitos de propriedade num determinado ordenamento jurídico não pode ser feita mediante a descoberta racional de que regras de propriedade são essencialmente desejáveis e válidas para todos os homens. Direitos de Propriedade não são, a priori, nem justos nem injustos, muito embora se note que, nas sociedades ocidentais, esses direitos costumam ser postos em mais alta conta.

Diferentemente do que será colocado quando da exposição de perspectiva hoppeana dos direitos de propriedade, os positivistas não enxergam esses direitos como naturais ou universalmente válidos. Trata-se, isto sim, de uma escolha (como qualquer outra, nem mais nem menos justa) da autoridade social competente para incluí-los no bojo do Ordenamento Jurídico.

Por consequência lógica, a visão positivista dos Direitos de Propriedade também não se preocupa em elencar formas aprioristicamente justas de aquisição de propriedade. Seriam justas as aquisições de propriedade que correspondessem à norma legalmente posta, de forma que, a priori, as mais difundidas formas de aquisição de propriedade (apropriação original e apropriação contratual) seriam tão somente umas dentre outras tantas possibilidades jurídicas de formatação de regras jurídicas sobre propriedade.

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3 O DIREITO DE PROPRIEDADE NA PERSPECTIVA DA ESCOLA DE DIREITO E ECONOMIA

Tendo como principais expoentes os autores Richard Posner, Ronald Coase, Armen Alchian e Robert Cooter, a Escola de Direito e Economia trata o tema dos Direitos de Propriedade pela ótica eminentemente utilitarista.

Nesse sentido, diferentemente do que se nota na perspectiva de Hans-Hermann Hoppe e dos demais filósofos da propriedade, o Direito de Propriedade tem, antes de uma base justificativa de origem, uma função a cumprir perante a sociedade.

Para os seguidores da escola de Direito e Economia, de forma semelhante à entendida pelos positivistas, as considerações acerca dos enunciados normativos definidores de propriedade devem ser desgarrados de juízos de valor, revestindo-se, assim, de cientificidade.

Robert Cooter, no seu livro Direito & Economia, diz que “em vez de tentar

explicar o que a propriedade realmente é, uma teoria econômica tenta prever os efeitos de formas alternativas de propriedade, especialmente os efeitos sobre a eficiência e a

distribuição”.9

Para Kirat10, a função do Direito e nisso se inclui a parte do Direito que trata da

Propriedade - é reduzir ao máximo os custos de transação de uma sociedade, estabelecendo regras e princípios que atingissem o fim ótimo na sociedade, como a força obrigatória dos contratos e a segurança jurídica.

Sugerindo a postura que magistrados devem tomar em face de problemas jurídicos o que significa sugerir uma norma jurídica concreta , os utilitaristas costumam pôr em análise o “custo social” que determinada decisão teria em face do da

situação concreta. Se o “custo social” de determinada decisão for baixo, a decisão

tende a ser positiva; se for alto, negativa. É dizer: o sistema de justiça deve sobretudo se desenvolver apoiado em considerações econômicas gerais.

Gulbenkian. p. 217.

9 COOTER, Robert. Direito & Economia. Porto Alegre: Bookman, 2010, p. 90.

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Ronal Coase, em seu livro “A Firma, o Mercado e o Direito”11, revela que nos

casos em que transações de mercado implicam custos, os tribunais têm forte influência sobre a atividade econômica. Exatamente por isso, far-se-ia mister que os magistrados estivessem cientes das consequências econômicas de suas decisões, preocupando-se em promover o maior ganho social possível sem que, para tal, seja necessário revolucionar as normas legais aplicadas em sua jurisdição e causar excessiva insegurança jurídica.

A Escola de Direito e Economia, então, está mais ocupada em investigar o resultado econômico de determinadas regras de propriedade do que em aferir a justiça ou a validade formal e lógica dessas regras. E isto não se diz em tom de crítica. Os próprios autores dessa escola consideram impossível definir aprioristicamente uma justiça absoluta, entendendo que as tentativas de fazê-lo aproximariam o estudioso mais do misticismo que da ciência. Este, portanto, é – como o foi na abordagem do capítulo anterior – o principal ponto distintivo entre o entendimento da Escola de Direito e Economia e a perspectiva hoppeana da justiça das condutas.

Nesse sentido, a ciência – inclusive a jurídica - deveria se despir ao máximo de juízos valorativos, trabalhando com os dados postos pela realidade, pela investigação empírica e, quando possível, pela abordagem consequencialista. Considerando que a economia é tida como a ciência social cientificamente mais desenvolvida, o Direito deveria tomar-lhe de empréstimo alguns conceitos e aplica-los na solução dos problemas jurídicos, substituindo o misticismo ou o moralismo de uma análise apriorística absoluta por uma cientificidade econômica.

Sobre a propriedade e seu caráter não absoluto, interessa remeter a Prosser, que certamente desferiu as mais diretas palavras sobre a necessidade de que os direitos de propriedade sejam relativizados e compensados quando o benefício social de sua relativização foi maior do que o benefício social que adviria de sua intocabilidade.

11 COASE, Ronald Harry. A Firma, o Mercado e o Direito. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2016. p.

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Enquanto Hoppe abominaria qualquer tentativa de relativização de direitos de propriedade, por entende-los intocáveis e racionalmente inafastáveis, Prosser defende que um indivíduo poderia fazer uso de sua propriedade e conduzir seus negócios mesmo que tal condução causasse prejuízos a terceiros12. É dizer: no limite de uma razoabilidade, não se deve impedir que alguns sujeitos, no desenvolvimento de suas atividades e no exercício de seus direitos de propriedade, causem algum desconforto a seus vizinhos. Qualquer medida repressiva contra esses sujeitos atores só poderia surgir a partir do momento em que estes cruzarem a linha da razoabilidade, ou seja, quando sua atividade representar, comparativamente, mais prejuízos a terceiros que

“benefícios sociais”.

Assim, Prosser defendia a ideia de que o mundo precisa de indústrias, refinarias de petróleo e máquinas barulhentas, mesmo que isto obrigasse alguém a suportar algum desconforto em nome do bem comum.

O que Prosser chamou de “inconvenientes” ou “desconfortos” são, em linguagem econômica, as externalidades negativas. Externalidades são, em resumo, efeitos que ações e decisões particulares causam a terceiros que não estão diretamente envolvidos com estas. São consequências observadas por sujeitos alheios ao ato praticado por alguém quando, neste ato, o praticante não necessariamente pretendeu atingi-los. A economia chama de efeitos laterais.

Quando esses efeitos são positivos como aqueles percebidos por moradores de uma área quando, por exemplo, ali se instala um shopping que melhora a infraestrutura da localidade no intuito de facilitar a chegada de clientes – as externalidades são consideradas positivas. Neste caso, vizinhos que, talvez, nunca desejem ingressar no shopping se beneficiam gratuitamente das melhorias promovidas. O mesmo se poderia notar quando da instalação de uma vasta floricultura num bairro residencial, que espalhe um agradável perfume às casas próximas. Em ambas as situações, sujeitos sem qualquer relação jurídica com o sujeito-ator observam vantagens decorrentes da ação praticada por este.

(25)

Quando os efeitos são negativos ou danosos, fala-se de externalidades negativas. Neste caso, terceiros não participantes da ação suportam algum prejuízo em razão de sua prática. Como exemplo de externalidades positivas, tem-se a fumaça emitida pela atividade industrial, que interfere na pureza do ar das localidades vizinhas, o uso de fertilizantes por centros de produção de alimentos, que eventualmente impacte na vida aquática de rios utilizados para pesca em comunidades vizinhas, ou, em situações menos extremas, a construção de um alto prédio que prejudique a vista para o mar que um prédio vizinho teria antes daquela obra. São, em todos os casos, efeito negativos de decisões e ações observados por sujeitos aleatórios numa dada comunidade. E é nesses casos que a Justiça costuma ser acionada para forçar o equilíbrio da situação.

A identificação de externalidades não é, no entanto, ponto exclusivo da Escola de Direito e Economia. Outros estudiosos se debruçaram sobre o tema, chegando a conclusões diversas.

Analisando a temática, verifica-se três formas mais comuns de lidar com a questão das externalidades negativas: a tributação, a regulação e a teoria dos direitos de propriedade, esta última, pela intenção deste capítulo, a ser abordada essencialmente sob a perspectiva da escola de Direito e Economia.

A solução de tributação foi inicialmente desenvolvida pelo economista Arthur C. Pigou13 para lidar com situação de danos ambientais decorrentes de ações particulares,

razão pela qual a teoria foi batizada de solução pigouviana. Segundo essa teoria, a externalidade consistiria numa divergência entre o preço da oferta – que é o valor monetário que o consumidor despende na operação mercantil - e seu preço marginal - que é o valor total do custo da operação. Nesse sentido, se valor monetário despendido pelo consumidor for menor que o custo real, ter-se-ia a hipótese de externalidade negativa; se o valor monetário despendido pelo consumidor for maior que o custo real, ter-se-ia configurada a externalidade positiva.

p. 398-399, 412.

(26)

Nesse sentido, Pigou defende que seja imposta uma taxa (taxa pigouviana) capaz de equiparar o preço de oferta e o preço marginal. No Direito Ambiental, a questão é tratada como princípio do poluidor-pagador. A partir do pagamento dessa taxa, ter-se-ia desencorajada a poluição e, pois, reduzidas as possibilidades de ocorrência das externalidades negativas suportadas pelos terceiros não envolvidos diretamente na ação/decisão poluidora.

Em demonstração gráfica14, a questão poderia ser assim posta, considerando-se

o mercado automobilístico e seu potencial de poluição. Para construção do gráfico, utilizou-se (P¹) como preço da oferta, (P²) como preço marginal, (Q¹) como quantidade de automóveis vendidos no cenário com taxa pigouviana, (Q²) como quantidade de automóveis vendidos sem taxa pigouviana, (e’) como ponto de equilíbrio com taxa, (e) como ponto de equilíbrio sem taxa, (S’) como oferta de veículos com taxa, (S) como oferta de veículos sem taxa:

Figura 1 - Quadro pigouviano (Mercado de Automóveis).

14 Fonte: HARRIS, Jonathan M. Environmental and Natural Resource Economics: A Contemporary

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Muito embora seja possível observar algum impacto na produção de externalidades negativas diante aplicação da taxa pigouviana, deve-se notar que os mecanismos compensatórios da medida não são tão claros. Isto porque a solução pigouviana não leva em consideração os prejuízos e ganhos eventuais existentes entre os sujeitos diretamente afetados pela ação/decisão poluidora. É dizer: à medida em que a tributação é aplicada como forma de redução de externalidades negativas, não há qualquer compensação direta ao terceiro que, mesmo após o pagamento da taxa pelo poluidor, continua a sofrer danos decorrentes da poluição gerada.

A taxa é tão somente um mecanismo de incentivo negativo, que não é revertido em benefícios para o terceiro prejudicado. Neste caso, imaginando-se o exemplo em que uma empresa produtora de alimentos drene um pântano para melhorar o ambiente de cultivo e que, diante desse ato, um vizinho comece a notar alagamentos em suas terras, vez que as chuvas não mais são retidas pelo terreno pantanoso. Seria justo que, porque a empresa possui recursos capazes de pagar a taxa pigouviana, o vizinho seja obrigado a suportar todos os prejuízos decorrentes da ação empresarial sem qualquer compensação? Pela análise hoppeana de Direitos de Propriedade, é certo que não.

A segunda solução para as externalidades é a solução regulatória. Trata-se de interferência direta dos governos nas práticas dos sujeitos visando proibir ou desencorajar determinada ação/decisão capaz de gerar externalidades negativas. O princípio é similar ao da aplicação da taxa pigouviana, distinguindo-se pelo fato de que, em vez de elevar artificialmente os custos internos de uma atividade mediante o

arbitramento de um fator de equiparação com o “custo social” da ação, a regulação

aplica o mecanismo de força estatal, simplesmente proibindo determinada atividade ou pondo condições legais limitadoras.

A diferença prática é clara: neste caso, ou o sujeito se adequa à regulação ou não pode seguir praticando sua ação. Neste caso, não se pode simplesmente

despender uma quantia maior de dinheiro para alcançar o “custo social” da sua ação. O

governo pode exigir que se instalem filtros nas chaminés, que se plante árvores, que

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não se instale fábricas em determinados locais. Aqui, não importa a quantidade de recursos que o sujeito ator possua; ele não terá a opção de pagar mais pela possibilidade de ação, ao menos não diretamente como o seria no caso da aplicação da taxa pigouviana. Como se vê, na solução regulatória os terceiros prejudicados também não estão diretamente envolvidos na transação, não podendo negociar diretamente com o agente causador da externalidade.

A terceira solução seria a de definição de Direitos de Propriedade, sob a perspectiva de Ronald Coase. Segundo Coase, a melhor forma de lidar com as externalidades é a forma mercadológica de atribuição de valores. Diz-se que, quando a propriedade é bem definida, divisível e defensável, tem-se custos de transação baixos e, por isso, com a atribuição correta de direitos de propriedade, poder-se-ia superar os problemas causados pelas externalidades.

Em seu artigo “O problema do Custo Social”, Coase coloca que as

externalidades devem ser encaradas como um problema de natureza recíproca, de forma que se saia da tradicional visão de que a única solução para as externalidades é lançar mão de medidas eminentemente proibitivas em face do agente que as gera15.

Segundo o autor, a abordagem tradicional de repressão só confunde a natureza da escolha que deve ser feita. Isto porque a forma mais eficiente de lidar com as externalidades negativas é observando a questão pela ótica retributiva. É dizer: mais que procurar formas de reprimir juridicamente o sujeito que gera externalidades, o que se deve fazer é, além de verificar a legalidade do ato, quantificar o prejuízo que este causa a terceiros.

Nesta perspectiva, Coase sugere que as questões de Direitos de Propriedade e, especialmente, as que toquem o problema das externalidades negativas, devem ser resolvidas pelos magistrados de modo a aproximar os resultados de suas decisões aos

resultados “de mercado”, cujos valores/custos das operações se pressupõem conhecíveis por operações aritméticas naturalmente objetivas.

15 COASE, Ronald H. O problema do Custo Social. A Firma, o Mercado e o Direito. Rio de Janeiro:

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Com o risco do equívoco que se assume sempre que se fazem simplificações, ousaríamos dizer que a Escola de Direito e Economia sugere que os direitos de propriedade sejam tratados de maneira consequencialista, à medida em que enxerga possível estabelecer, externamente, valores “de mercado” para determinadas

operações.

Para usar um exemplo dado pelo próprio Ronald Coase, imaginemos o caso em que a discussão sobre direitos de propriedade se dá entre um dono de cabeças de gado e um agricultor vizinhos. Na hipótese, não havendo cerca que separe os terrenos, os gados do criador costumam invadir a propriedade do agricultor, destruindo as plantações e, portanto, causando-lhe prejuízos. Para resolver a questão, Coase sugere que sejam atribuídos valores de ganho para cada atividade (pecuária e agricultura), contabilizando-se o lucro que o criador tem com seu rebanho em relação ao custo que o agricultor tem quando cada gado invade sua propriedade. Para tal, vê-se o preço “de mercado” do gado em contraste com o preço “de mercado” dos produtos agrícolas.

O problema dessa perspectiva é que os preços são objetivamente atribuíveis mediante uma observação externa de valores. A análise, apesar de entender possível a

negociação entre as partes pela “teoria da barganha”16, sugere que a questão seja

definida pelos magistrados sob um mecanismo de compensação de preços determinados. É dizer: parte-se do pressuposto de que o preço de mercado de determinados direitos de propriedade (ou de seus frutos) pode ser posto como compensação pelos magistrados e, por isso, serem considerados aceitáveis do ponto de vista racional se uma ou mais pessoas, ao final da decisão, terminarem retendo em valor, pelo menos, a mesma quantidade que retinha antes de iniciada a lide. A situação ótima seria, então, que a maioria se visse “numa situação melhor” que a situação

anterior. Neste caso, ter-se-ia como justa uma resolução sobre direitos de propriedade,

vez que foi a solução mais eficiente e, portanto, a que mais “criou valor” para a

sociedade, reduzindo o “custo social”.

(30)

No entanto, é sabido que a formação de preços parte de relações essencialmente subjetivas, de forma que é impossível que agentes externos estabeleçam com certeza o valor de bens e operações no lugar do agente proprietário, mesmo considerando o preço de mercado do bem negociado. Este ponto é facilmente demonstrável: é plenamente possível que, muito embora o valor de mercado de uma faixa de terra rural seja X, o proprietário não esteja disposto a vende-la por este valor nem por qualquer outro, seja porque tem uma ligação sentimental com a terra, seja porque prefere a vida campestre à vida urbana, não sendo válido mudar-se dali após receber o valor da compra da terra. Além do mais, é plenamente possível que, amanhã, o proprietário esteja disposto a vende-la pelo valor Y em decorrência de algum acontecimento qualquer na sua vida que lhe mudou a percepção. De igual modo se procede com vários outros bens e com várias outras operações. Em todos os casos, é impossível saber com certeza o valor que cada coisa tem para seu proprietário, sendo, portanto, impossível outorgar externamente uma faixa de valor cujo dispêndio tornaria válida a interferência nos direitos de propriedade alheios.

Sob uma perspectiva hoppeana, o problema desta abordagem se torna ainda mais visível quando se analisa uma situação macro, vez que, nesses casos, em vez de os utilitaristas sugerirem que magistrados determinem preços a serem pagos pelas duas partes de uma transação comercial padrão, sugerem que, diante da impossibilidade de se determinar e individualizar todos os direitos e todos os preços envolvidos na questão, busque-se agradar ao máximo de sujeitos possível.

Ora, é verdade que não parece haver um fator objetivo que indique ser sempre eticamente desejável, em termos de direitos de propriedade, agradar a um máximo de sujeitos possíveis numa transação. Isto porque, agradando um máximo de sujeitos, é possível que alguns ainda sejam agredidos nas suas propriedades, não havendo razão para que se entendam justas aquelas agressões apenas porque não é a maioria que as sofrem.

(31)

“princípio da maioria”, que, em todo caso, não apresenta indícios de justiça ou

validade17. De fato, não se entenderia justo que, porque uma determinada maioria

decidiu expropriar à força as terras de um camponês, essa agressão à propriedade privada fosse considerada válida.18

Portanto, vê-se que a análise dos Direitos de Propriedade pela ótica eminentemente utilitarista apresenta pontos de fragilidade quanto à sua justificação ética e sua validade como norma (seja concreta ou abstrata) a compor um sistema jurídico sólido, razão pela qual cabe ao estudioso se debruçar sobre o instituto da propriedade a fim de identificar-lhe as bases teóricas.

17 Ver ponto 4.2 e 4.6 do capítulo seguinte.

18 Com isso, não se está dizendo que a Escola de Direito e Economia propõe que sejam realizadas

(32)

4 A PERSPECTIVA HOPPEANA DOS DIREITOS DE PROPRIEDADE

Para que se faça uma correta abordagem da perspectiva de Direitos de Propriedade tal como adotada por Hans-Hermann Hoppe, faz-se mister que se esclareçam os princípios com base nos quais o autor desenvolve seus trabalhos, bem como que se ordene a análise dos Direitos de Propriedade com base em seis pilares postos na ordem que, em nosso entendimento, melhor conduz o estudioso aos resultados do trabalho do autor.

Portanto, para uma abordagem efetiva dos Direitos de Propriedade em Hoppe, o estudioso deve se debruçar sobre seis pontos: a definição e aplicabilidade do princípio ético da não agressão na teoria da propriedade (4.1); a análise sobre o entendimento de que o estudioso precisaria considerar a existência da propriedade privada como elemento natural (4.2); a abordagem da conceituação do corpo humano como propriedade (4.3); o estudo sobre as formas de aquisição de propriedade privada conforme as bases teóricas do princípio da não agressão, da autopropriedade e de suas consequências lógicas (4.4); a relação entre Direitos de Propriedade e Direitos Humanos no entendimento do autor, demarcando-se a posição que aqueles direitos teriam em face dos demais (4.5); e, por fim, a análise da exposição especialmente lógico-argumentativa de que os Direitos de Propriedade não poderiam ser negados ou relativizados por via de uma argumentação racional sem que o argumentador, caindo numa contradição performática19, inviabilizasse seu próprio enunciado.

4.1 O Princípio Ético da Não Agressão.

Antes de iniciar qualquer análise conceitual de propriedade, é importante demarcar o axioma a partir do qual o estudo da propriedade se desenvolve na análise de Hans-Hermann Hoppe.

19 HOPPE, Hans-Hermann. Uma Teoria Sobre Socialismo e Capitalismo. São Paulo: Instituto Ludwig von

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Como base ética, utiliza-se, para o estudo da propriedade, o axioma central da não agressão, que consiste no entendimento de que é injustificada e, portanto, condenável qualquer agressão contra pessoas pacíficas ou suas propriedades.

Este axioma pode ser encontrado nos estudos filosóficos de vários autores, especialmente os jusnaturalistas, embora estes não se utilizassem exatamente desta terminologia.

John Locke, no seu escrito “Segundo Tratado Sobre o Governo Civil”20, já trazia

à tona a ideia da incompatibilidade da agressão deliberada para a Lei Natural racional. Segundo o autor, seria possível afirmar que o homem se encontra em um estado de natureza que, quando guiado pela razão (lei natural), via-se necessariamente impossibilitado de prejudicar outros homens em suas vidas, em sua saúde, liberdade ou posses.

Convém, sobretudo, observar que Locke pontua que essa lei natural se aplica a todos os homens justamente porque estes, enquanto igualmente definidos como homens, partilham da mesma faculdade racional, de forma que, quando recorrem a ela, não conseguiriam concluir pela validade de um enunciado normativo que conduzisse a agressão a seus pares, seja para lhes tomar os bens, tirar-lhes a vida, ou lhes reduzir a liberdade.

Escapando aos teóricos liberais e partindo ao berço da cultura ocidental, vê-se, em Cícero, entendimento semelhante quando este declara que “o primeiro dever imposto à justiça é não fazer mal a ninguém, a menos que se tenha de rebater um

insulto.” 21

Segundo o autor, os homens não poderiam tratar como seus os bens alheios ou prejudicar outrem em sua saúde ou liberdade, a menos que diante de uma agressão que justificasse a adoção de uma postura comissiva. Neste caso específico (de contra-ataque), os homens poderiam usar da força que, em outros casos, não usariam legitimamente. É precisamente esta faculdade de se defender do injusto que torna o princípio da não agressão diferente de uma ideia eminentemente pacifista e omissiva

(34)

de relacionamento que, por assim ser, teria de indicar aos homens a adoção da conduta passiva em relação aos demais.

Assim, Cícero também identifica o princípio da não agressão como decorrência básica da natureza das coisas, muito embora não tenha se reportado especificamente a uma lei natural racional como base deste entendimento.

Benjamin Constant, ao definir a liberdade para os modernos no seu discurso “A

liberdade dos antigos comparada à dos modernos”22, também deixava entrever nesse

conceito a concepção clara do axioma da não-agressão, porquanto identificava que o homem não deveria se submeter às vontades arbitrárias de outros:

“[a liberdade] é para cada um o direito de não se submeter senão às leis, de não poder ser preso, nem detido, nem condenado, nem maltratado de nenhuma maneira, pelo efeito da vontade arbitrária de um ou de vários indivíduos. É para cada um o direito de dizer sua opinião, de escolher seu trabalho e de exercê-lo; de dispor de sua propriedade, até de abusar dela; de ir e vir, sem necessitar de permissão e sem ter que prestar conta de seus motivos ou de seus passos. É para cada um o direito de reunir-se a outros indivíduos, seja para discutir sobre seus interesses, seja para professar o culto que ele e seus associados preferirem, seja simplesmente para preencher seus dias e suas horas de

maneira mais condizente com suas inclinações, com suas fantasias.” (grifo

nosso).

Portanto, já numa análise bibliográfica modesta, vê-se que a ideia geral da não-agressão como direcional ético esteve presente no passar dos séculos, sendo assumida como elemento natural em diversos momentos da produção política e filosófica da humanidade.

Restaria saber, entretanto, em que momento essa ideia geral da não agressão começou a ser encarada verdadeiramente como o axioma que é.

Simpáticos a esse entendimento existem basicamente três perspectivas filosóficas: a emotivista, a utilitarista e a que se convencionou chamar de direitos

21 CÍCERO, Marco Túlio. Dos Deveres. São Paulo: Editora Martim Claret, 2006, p. 37.

22 CONSTANT, Benjamin. A liberdade dos antigos comparada à dos modernos. Discurso pronunciado no

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naturais racionalistas - que é precisamente a perspectiva sob a qual o Prof. Hans-Hermann Hoppe desenvolve seu trabalho.

Pela perspectiva emotivista, o axioma da não agressão é considerado essencialmente de forma subjetiva, como uma noção particular de justiça que deve ser respeitada simplesmente porque respeitá-la agrada ao seu possuidor. Assim, inexiste preocupação em desenvolver alguma argumentação racionalmente elaborada sobre os motivos que levaram seus seguidores a adotarem o axioma da não agressão como correto.

Em outros termos, a perspectiva emotivista, em vez de justificar racionalmente a ideia de não agressão como válida, e, pois, como norte moral a ser seguido, coloca a

questão em termos sentimentais: se o argumentador entende que é “bom” não agredir

outros homens, então agredi-los seria “mau”, razão pela qual aquele argumentador – e não outros - “deve” agir de acordo com o que entende ser bom (não agredir), indo na

direção oposta do que considera mau (agredir).

Como, para o emotivismo, bom/mau e certo/errado são expressões de sentimentos/emoções de determinado agente, o princípio da não agressão termina por ser uma preferência subjetiva que só se mantém aceita porque, empiricamente, percebeu-se repetida na sociedade. Ou seja: verificou-se que a maioria das pessoas, ao menos em nossa sociedade, acredita que agredir outras pessoas é “mau”. Apenas

por isso o axioma da não agressão como diretriz moral restou preservado. Modificando-se a sociedade e Modificando-seus gostos/Modificando-sentimentos, o axioma da não agressão deixaria de Modificando-ser valido ou desejável com a mesma facilidade com que passara a ser.

A segunda corrente, a utilitarista, apesar de academicamente desenvolvida e respeitável, não acarreta o entendimento absoluto que, na abordagem de Hoppe, uma ética da propriedade e da liberdade exigiria.

(36)

Alguns de seus estudos, como o desenvolvido pelo professor Ronald Coase em

O problema do custo social”23, demonstram racional e empiricamente que uma comunidade cujos direitos de propriedade são respeitados podem despender menos recursos para contratação de segurança e, a partir disso, investir mais em produtividade. Seria essencialmente a oposição entre a cultura da geração de valor e a cultura da destruição de valor.

O grande jurista da Análise Econômica do Direito, Prosser, em The Law of Torts24, observou que um sujeito poderia fazer uso de suas propriedades e praticar ações que viessem a causar algum prejuízo a terceiros. Dizia o autor que não se poderia retirar do sujeito o direito de administrar uma fábrica cujos barulho e fumaça causam algum desconforto a outras pessoas, desde que tal se fizesse dentro de limites considerados razoáveis pelo legislador ou pelo magistrado.

Eis que, apenas quando a ação se mostrasse não-razoável dentro da análise de custo entre o benefício gerado e o prejuízo causado é que se poderia falar em dano, e, pois, em necessidade de reparação.

Segundo o autor, o mundo deveria ter fábricas, siderúrgicas, refinarias de petróleo, maquinário pesado e barulhento, ainda que à custa de alguma inconveniência à vizinhança, de forma que se poderia considerar justo que alguns sujeitos suportassem algum desconforto ou prejuízo quando estes se fizessem em prol do “bem comum”.

O problema dessa corrente, coloca Hoppe, embora seja de fantástica contribuição argumentativa para as decisões do Poder Judiciário está na aceitação de eventuais injustiças éticas quando estas não se demonstrarem numericamente relevantes para o quadro geral da comunidade ou, nas palavras de Prosser, para o

“bem comum”.

Com base na análise de custo-benefício sugerida pelos utilitaristas, poder-se-ia praticar as maiores injustiças dentro da perspectiva ética.

23 COASE, Ronald H. O problema do Custo Social. A Firma, o Mercado e o Direito. Rio de Janeiro:

Forense Universitária, 2016 p. 96.

24 PROSSER, William L. Handbook of the Law of Torts. 2. Ed. Sr. Paul, Minn.: West Publishing Co., 1995.

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Tomemos o seguinte exemplo: em uma comunidade X, existe uma cultura que aceite e incentive o massacre a todos as pessoas que nasçam com olhos azuis. Nesta situação hipotética, a cada pessoa de olhos azuis massacrada, a comunidade costuma festejar durante um mês inteiro, aquecendo o comércio e aumentando enormemente o grau geral de felicidade daquele povo. Suponha-se, também, que a comunidade seja muito numerosa e, por sua vez, a quantidade de bebês nascidos com olhos azuis não passa de dois ou três por ano. Diante disso, a visão estritamente utilitária poderia concluir, de maneira eticamente questionável, que o custo de perder duas ou três pessoas por ano fosse aceitável perante o aumento vertiginoso do grau de felicidade geral da comunidade.

Ora, na perspectiva de Hoppe, uma abordagem normativa que se queira realmente ética e, portanto, justa, deve fazer-se presente em todas as circunstâncias, por mais aparentemente irrelevantes que sejam para o quadro geral, pois a ética é, antes de tudo, uma ciência para o indivíduo desenvolvida de modo a orientar o que deve ser feito “aqui e agora”. Não se pode propor uma ética a posteriori, que dependa de confirmações numéricas para efetivar seus comandos.

Por fim, temos a ética dos direitos naturais (ou ética absoluta) que considera a justiça de um ponto de vista imutável e eterno, alcançável pelo pleno exercício da razão: traço definitivo do homem.

Inicialmente, deve-se notar que a ética dos direitos naturais que embasam a validade da propriedade e, portanto, a injustiça da agressão, não retira suas conclusões do Divino, mas da razão humana.

Entende-se que o homem possui uma natureza que pode ser descoberta não pela consulta aos deuses ou por qualquer outra forma de misticismo, mas que pode ser descoberta pelo exercício da razão e da lógica prática do homem (praxeologia). Sobre a natureza humana, Murray N. Rothbard coloca25 que, enquanto o comportamento das

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a natureza humana, diferentemente, indica que cada indivíduo deve, ao agir, eleger racionalmente seus fins e utilizar-se de seus próprios meios para atingi-los. É dizer, como a natureza humana não se resume a simples instintos automáticos, cada sujeito deve aprender sobre si mesmo e sobre o mundo, utilizando-se de suas faculdades mentais e racionais para eleger valores, formar entendimentos coerentes sobre causa e consequência de fenômenos, e, sobretudo, agir de uma maneira intencional para conduzir-se.

Neste sentido, dado que os homens têm a natural capacidade de pensamento, avaliação e ação a ser desenvolvida particularmente, de maneira não automática e, portanto, individual, far-se-ia necessário que para que o homem sobreviva conforme sua natureza, tenha ele a liberdade de aprender, escolher e desenvolver suas faculdades, agindo a partir de seu conhecimento e seus valores racionalmente eleitos.

Ora, se a natureza humana requer a liberdade de desenvolvimento de faculdades para que, conforme a racionalidade própria do homem, proceda-se a ação, aplicar violência contra os processos de escolha dos indivíduos contrariaria a própria natureza humana, de forma que a interferência não consensual no aprendizado e nas escolhas de um homem terminaria por violar o que se tem por uma lei natural racionalmente compreendida.

Hoppe, então, aprimora a discussão, destacando que qualquer ideia de não agressão precisa necessariamente pressupor a existência de um direito natural, básico: o Direito de Propriedade. E a justificativa sobre a existência de um Direito de Propriedade natural (e da sua justiça/validade conceitual e, pois, da necessidade de preservação), nos escritos de Hoppe, conforme se irá adiante colocar, têm justificativa essencialmente argumentativa. Veja-se:

“O simples fato de dizer e argumentar deve pressupor o direito de propriedade

de uma pessoa sobre seu próprio corpo. Então, a ética o-primeiroque-chega-é-o-primeiro-que-possui do capitalismo pode ser defendida efetivamente como está implicado na argumentação, e assim nenhuma outra ética poderia ser justificada, já que justificar algo no curso de uma argumentação implica ter de

25 ROTHBARD, Murray N. Por uma nova liberdade: O Manifesto Libertário. São Pulo: Instituto Ludwig von

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pressupor precisamente a validade desta ética da teoria natural da propriedade.”26

Na perspectiva de Hoppe, então, a não agressão é um axioma inafastável, inclusive porque é impossível afastá-lo sem que se caia numa contradição performática, conforme se verá no item 4.6. Isto porque o ato de argumentação é um perfeito ato de relacionamento pacífico entre sujeitos distintos. Afinal, quando se argumenta sobre a validade ou a invalidade de algo, o que se está a fazer é tentando transmitir ao interlocutor uma informação que, obviamente, só será por este incorporada e considerada caso ele queira.

Em outros termos: quando se argumenta, assume-se que o interlocutor não tem qualquer dever de ceder às suas intenções por via de agressão.

Hoppe ilustra a questão de forma precisa quando coloca que, sempre que uma pessoa reivindicar que algum enunciado pode ser justificado, ela ao menos implicitamente assume válido um enunciado base de que “ninguém tem o direito de

constranger sem consentimento o corpo de qualquer outra pessoa e então delimitar ou

restringir o controle sobre seu próprio corpo”. E assim o seria porque este tipo de enunciado resta implícito no próprio sentido de justificação argumentativa. Segundo ele,

“justificar significa justificar sem ter de apoiar-se em coerção.” 27

Nesse sentido, a simples propositura de alguma norma, qualquer que seja, para que seja logicamente válida e, portanto, para que possa ser racionalmente defendida,

precisa tomar como axioma a já dita “não-agressão”. A necessidade lógica da assunção

da ideia de não agressão como princípio pode ser resumida por Hoppe no seguinte trecho:

“Qualquer norma necessita ser logicamente compatível com o princípio de não

agressão para se justificar por si mesma e, mutatis mutantis, toda norma que

26 HOPPE, Hans-Hermann. Uma Teoria Sobre Socialismo e Capitalismo. São Paulo: Instituto Ludwig von

Mises Brasil. 1ª Ed, 2010, p. 144.

27HOPPE, Hans-Hermann. Uma Teoria Sobre Socialismo e Capitalismo. São Paulo: Instituto Ludwig von

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Figura 1 - Quadro pigouviano (Mercado de Automóveis).

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