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Palavras-chave: Cânticos dos Cânticos

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Academic year: 2020

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A VONTADE DE PRAZER EM RUBEM ALVES: UMA RELEITURA DE CÂNTICOS DOS CÂNTICOS E AS VARIAÇÕES

SOBRE O PRAZER*

WANDERLEY LIMA MOREIRA**

Resumo: o presente artigo pretende colocá-lo em diálogo com a obra Variações sobre o Prazer, de Rubem Alves numa releitura de Cânticos dos Cânticos e suas insinuações poéticas. Com isso, visa produzir questionamentos e levantar suposições acerca da vontade de prazer no ser humano e suas tentativas de desfrute e através dos sentidos.

Palavras-chave: Cânticos dos Cânticos. Rubem Alves. Prazer. Erótico.

E ste artigo é uma tentativa de colocar Rubem Alves diante de pequenos fragmentos do texto de Cântico dos Cânticos a fim de analisar a importância do prazer para cada ser humano. Desta forma, as variações sobre o prazer será o enfoque princi- pal encontrado nos escritos de Alves, proporcionando um entendimento do autor brasileiro acerca do prazer.

É comum à igreja cristã, ainda hoje, apresentar uma interpretação alegórica acerca das poesias do livro como forma de substituir a característica sexual e prazerosa encontrada em cada verso. Assim, aqui é preciso fugir do método de interpretação alegórica ou tipológica e considerando-o a partir do método natural ou literal que onde o livro é interpretado como

“poesias de instrução” (CARR, 2006, p. 211). Desta forma, a interpretação de Cantares é extraída a partir do entendimento de que o livro é composto de vários poemas didáticos em formato extremamente erótico, fornecendo o acesso a uma verdade espiritual mais profunda – em sentido horizontal.

Por muito tempo o texto de Cânticos dos Cânticos é apresentado com uma conota- ção de que o sexo e suas características são coisas “demonicas” ou partir de leituras de caráter

* Recebido em: 08.09.2015 Aprovado em: 29.09.2015.

** Mestrando em Teologia pela Faculdade Teológica Batista do Paraná. Professor de Antigo Testamento no Seminário Teológico Batista do Espírito Santo. E-mail: wanderleylima@bol.com.br.

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escatológico. Porém, a ênfase aqui é no erotismo do texto e o apoio literário dado por Rubem Alves sobre o prazer, de forma que o texto seguirá sem entrar em considerações técnicas a respeito de sua autoria e procedência do texto. A idéia é apresentar o poema de amor fora do molde moralista da igreja, em que o sexo aparece como impuro.

Cânticos dos Cânticos apresenta a celebração do sexo – macho e fêmea, para que haja apoio e gozo mútuos. Ambos tornam-se um, em seus desejos e anseios, porque estes (desejo e anseio) são dádivas divinas.

A Tríade amorosa encontrada no texto de Cântico dos Cânticos derruba argumento de que o casamento está presente no texto de Cantares. O texto não apresenta pessoas casadas, haja vista que, não há no texto qualquer intenção de apresentar a fidelidade conjugal. O texto parece apresentar uma mulher e dois homens distintos, o pastor de ovelhas e um rei. Logo, Eduardo Calvani sugere que, a situação seja oposta: no texto de 7,12-13, ambos procuram desesperadamente um lugar escondido onde possam entregar-se um ao outro sem serem im- portunados (CALVANI, 2002, p.3)

O prazer sexual está presente na vontade de duas pessoas, como apresentado nos Capítulos 1 a 7, com a personagem de uma moça obcecada pelo amado é vivido recipro- camente e está ameaçado pela insistência sedutora de uma terceira pessoa, o rei que deseja comprar-lhe as delícias do prazer com jóias e perfumes caros, porém ela o prazer do corpo de seu amado camponês.

A AUTORIDADE DA VONTADE DE PRAZER

Em Cânticos dos Cânticos, algumas expressões nos chamam a atenção. São apre- sentados comportamentos de três pessoas que estão inebriados pelo amor sexual. A poética já da primeira estrofe mostra o tom sexual que o poeta pretende mostrar durante todo o de- senvolvimento. Por exemplo, em “teu nome é como um óleo” emerge do texto o hebraísmo antigo em rimar shem,1 nome com shemen, óleo. Repare que a segunda expressão é a mesma para a palavra latina sêmem, que é cremoso e esbranquiçado, quando a glândula de Cowper2 o extrai faz com a fêmea tenha um desejo enorme de se entregar ao seu macho. Esse óleo de Cântico dos Cânticos é de grande utilidade para o prazer feminino, talvez por isto a NVI traduziu como “perfume derramado”.

O corpo humano tem a função de dar prazer. É no sexo que está a mutualidade própria do ser, no ato sexual o prazer está escancarado. A utilidade do prazer é neste caso uma variável sem precedentes. Para Rubem Alves, o corpo oferece ferramentas como uma feira de utilidades:

Na Feira de Utilidades, como o nome está indicando, encontram-se coisas ‘úteis’: utensí- lios, ferramentas, objetos necessários para alcançar ou produzir aquilo que se deseja [...] o corpo humano é também uma entidade da Feira de Utilidades. O corpo é uma ferramenta entre ferramentas. É útil. Com ele muitas coisas podem ser feitas (ALVES, 2011, p. 94).

Há no texto de Cântico dos Cânticos analogias e metáforas em abundância, com- parando o corpo das personagens e seus atos de amor ao meio-ambiente, como Alves oferece em sua linguagem poética, numa interpretação social e igualitária da vontade de ter prazer.

Assim, como numa feira é possível encontrar perfume, a fêmea se aproxima do corpo-balcão para se apropriar do frasco do óleo do amor.

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Em Cânticos dos Cânticos, ter prazer é fazer poesia no sentido de que poetizar é gozar. Assim, observa Rubem Alves (2001, p. 3):

A poesia nos convida a andar pelos caminhos da nossa própria verdade, os caminhos em que mora o essencial. Se as pessoas soubessem ler poesia é certo que os terapeutas teriam menos trabalho e talvez suas terapias se transformassem em concertos de poesia.

Mas as pessoas levam a vida muito a sério, de forma que, ter vontade de prazer sem- pre foi considerado pecado, mas esta lógica protestante sempre falhou, basta ler os noticiários acerca dos escândalos nas lideranças de qualquer época. Isto se dá pela autoridade que o prazer possui. Para Rubem Alves, “a razão é serva do prazer”, e, pensando assim é fácil entender cen- tenas de anos em que um texto poético tão erótico ficou tolhido a interpretações e discursos moralistas que sempre negaram o prazer a seus fiéis, como explica Alves (2001, p. 83):

A espiritualidade ocidental foi construída sobre a negação do prazer. As feridas e lace- rações que a espiritualidade católica elegeu como objetos de adoração [...] e o ascetismo e disciplina de trabalho, virtudes supremas do protestantismo, são a sua manifestação racional e moral.

Neste início do livro de Cânticos é possível perceber a busca por uma felicidade no prazer, e também o prazer da felicidade. No poema a frase “onde apascentas [...] onde descansas o rebanho ao meio-dia, para que eu não vague perdida” é um anseio da amada em encontrar seu amor. É a busca pelo prazer, “o problema [...,] é o espaço que existe entre o desejo e a sua realização” (ALVES, 2011, p. 95).

Calvani (2002, p. 3) destaca o fato de que existe no mistério da ausência, ou seja, na busca pelo prazer a “excitação que os amantes sentem quando estão juntos (Ct 3.4, 7.6- 12)” e por isto eles precisam a necessidade de marcar encontros em lugares reservados, sempre desertos ou escondidos para de encontrarem.

Em termos não muito discretos, o texto apresenta o amante colocando a mão na vagina dela em Ct 5,4, com uma naturalidade poética que é perceptível no texto hebraico, isto por que, mulher sempre foi mulher; sua estrutura corporal é mesma em todas as épocas e para que ela tenha prazer o seu corpo precisa “receber uma fricção estimulante nas zonas eró- genas, com foco especial no clitóris” (ROSENAU, 2013, p. 285). Seguem algumas expressões eróticas para o corpo dos amantes:

Expressão Texto Utilidade corporal

“meu amado repousando entre os meus seios” Ct 1.13 prazer sexual feminino nas preliminares do ato.

“com seu doce fruto na boca” Ct 2.31 prazer sexual conquistado no sexo oral.

“Teus lábios são favo escorrendo, ó noiva

minha, tens leite e mel sob a língua” Ct 4.11 prazer do beijo na boca

“Meu amado põe a mão pela fenda da porta”

Ct 5.42

prazer feminino no toque da genitália.

“as entranhas me estremecem” a excitação da mulher ao ser tocada.

continua...

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Em Cântico dos Cânticos o corpo é elogiado acima de todas as coisas, pois o prazer parece não abrir espaço para o tempo. Nos poemas fica evidente o desejo de fazer repetidas vezes aquilo que agrada ao corpo. Como na música, as variações são repetidas, de forma que como no sexo as posições sexuais, os toques e carinhos são variados e se repetem como num arranjo musical. Os amantes não podem perder tempo, precisam fazer amor e repetir cada ato deste amor que é baseado na cumplicidade do prazer sexual. Gottwald (2011, p. 506-7) afirma que, “este poema de amor [...] possui imagens retóricas [...] utilizadas flexivelmente com refe- rência a aspectos variáveis dos amantes e das suas interações” e apresenta algumas repetições eróticas do texto, resumido abaixo:

Capítulos de Cânticos dos Cânticos

1 2 3 4 5 6 7 8

Desejos de abraços 2.6 8.3

Posse mútua 2.16 6.3 7.10

A mulher traz o homem para sua casa 3.4 8.2

Fonte: Gráfico 7 (GOTTWALD, 2011, p. 508)

São dois apaixonados querendo brincar, se deixar utilizar, ter prazer. Desta, forma percebe-se, a preocupação do escritor em apresentar as variações do prazer em termos de vida sexual. O desejo que tem sua origem no outro é suficiente para fazer emergir o desejo de retorno à fonte de prazer, como explica Alves (2011, p. 89-90):

As variações agradam tanto por que são espelho da alma. Quando a alma gosta de uma coisa, ela quer que ela seja repetida, indefinidamente [...] A alma deseja retornar. Ela está sempre em busca do tempo perdido [...] volta a lugares já visitados, toca-os de uma nova forma, os mesmos lugares já visitados, a cada novo toque eles são outros, deleita-se em repetir, o prazer ama a repetição.

Não é preciso muita ginástica exegética para perceber nos poemas de Cânticos dos Cânticos a utilização de termos hebraicos que geram prazer no ser humano. Rubem Alves chama os órgãos sexuais de entidades da Feira de Utilidade, para ele “os órgãos sexuais são também entidades da Feira das Utilidades”. A pergunta é que utilidade? A utilidade de levar cada um dos parceiros ao prazer. Logo, é fácil notar, por exemplo, a utilidade da vagina e do pênis para o prazer sexual da mulher em Cântico dos Cânticos:

“O meu amado pôs a mão por uma abertura da tranca; meu coração começou a palpitar por causa dele”. Aqui, usando a Nova Versão Internacional, a palavra para “coração” e

Expressão Texto Utilidade corporal

“mirra escorrendo na maçaneta da fechadura” Ct 5.5 excitação vaginal

“Teu umbigo... essa taça redonda” Ct 7.3 elogio à vagina

“Sua mão esquerda está sob minha cabeça, e

com a direita me abraça” Ct. 2.6; 8.3 posição corporal para o ato sexual

conclusão

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“entranhas” no original hebraico é “intestino gemendo”. Mas gemendo de que? De prazer.

A questão é que a palavra yad, traduzida por “mão” no texto, também pode ser traduzida por “pênis”. Neste caso o autor pode apresentar na poesia um sentido duplo para o texto através de hebraicos e recursos próprios da poética hebraica.

A expressão הַחֹ֔ר pode ser traduzida por “o buraco” ou “a abertura”. A pergunta que emerge desta abstração é: que buraco seria este? Por outro lado a frase וּמֵעַ֖י – “e minha entranhas minhas”, traduzido geralmente por “meus sentimentos” ou “meu coração” – tem uma melhor tradução do texto hebraico quando o substantivo é traduzido por “ventre” ou

“intestinos”. Esta afirmação tem base nas traduções feitas, uma vez que o termo sempre se refere às partes internas como vísceras, estômago, ventre e intestino. No hebraico moderno o substantivo yfm é traduzido por útero. Sempre ligando a expressão ao centro do corpo, lugar onde saem os descendentes (Gn 15,4; 2Sm 7,12; Is 48,19; Jn 2,1; 2Cr 21,15-18).

Mesmo que a poesia passou por muitas interpretações alegóricas, é preciso esca- par do espiritualismo e caminhar em direção a uma epistemologia do corpo. O escritor de Cânticos dos Cânticos, brinca com as palavras como Rubem Alves o faz, e é por isto que o amado coloca a mão no buraco da amada, por prazer, a ponto de sua entranha, ou ventre, ou vulva “se mover”. Não seria aqui uma caracterização do orgasmo, uma vez que no versículo seguinte apresenta uma mulher “gotejando” e “pingando” de prazer. Expressões como “porta”

e “fechadura” não aparecem em Ct 5,4, porém, os termos “mão”, “buraco” e “ventre” não só aparecem como sugerem a liberdade do sexo prazeroso e mútuo.

O interior do corpo é o centro do mundo, como pode ser verificado em Gn 15,4, onde a expressão yfem; “significa, em primeiro lugar, o ventre e as entranhas, e também os órgãos sexuais internos” (WOLFF, 2007, p. 115). Mas dizer isto, tornou-se vulgar e demoní- aco para as igrejas cristãs.

A excitação ou prazer apresentado na formula entranha-coração que estremece pode ter sido adotada pelo medo cristão pelo prazer, como explica Alves (2011, p. 96):

A tradição cristã tem medo do prazer. Prazer é artifício do Diabo. Tanto assim que, para agradar a Deus, os fiéis se apressam em oferecer-lhe sofrimentos e renúncias, certos de que é o sofrimento dos homens que lhe causa prazer. Não tenho conhecimento de alguém que, a fim de agradar a Deus, lhe tenha feito promessas de ouvir Mozart ou fazer amor.

É possível associar que o lugar para onde o óleo perfumado escorre esteja no mesmo campo semântico de “buraco”, “fenda”, “porta”. Logo, a frase parece ter sofrido um recorte do termo na produção da Héxapla,5 onde Orígenes, tendenciosamente, pode ter recortado a palavra tl,D, para afirmar no livro sua interpretação alegórica da esposa-igreja, esposo-Cristo, tranformando-o num manual eclesiástico. É possível perceber isto em sua obra O Comen- tario al cantar de los Cantares, onde cada versículo é interpretado começando pela sentença

“Igreja-esposa”6 (ORÍGENES apud WRIGHT et al., 2008, p. 24).

Comentando o livro de Cântico dos Cânticos, Gerhard von Rad exalta o aspecto do contexto histórico no Antigo Testamento caracterizada pela palidez de uma possível abstração teológica (VON RAD, 2006, p. 432), neste aspecto o ponto forte está na amplitude univer- sal, conclamando toda humanidade à responsabilidade – aos três sensos – pessoal diante do sexo. Assim, a poesia do livro é extrema importância quando o assunto é prazer. Segundo

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Von Rad, narrativas que dão poder ao Eros apresentam a iniciativa do Criador em embutir no ser humano o desejo sexual, e desse modo a o ato sexual entre homem e mulher é dado como um elevado milagre da criação (VON RAD, 2006, p. 148). Neste aspecto, verifica-se que a dimensão positiva da sexualidade humana é que o ser humano foi criado com inclina- ções sexuais para o prazer. Desta forma, Cântico dos Cânticos recupera a dimensão da vida, da terra, das cores, das formas, do cheiro, do lugar de encontro, dos abraços. Assim, Rubem Alves sugere a metáfora como meio usado pelo autor de Cântico dos Cânticos para apresentar o prazer:

Para os pomares, lugar onde se encontravam os amantes de Cânticos dos Cânticos, que se acariciavam com palavras, chamando-se um ao outro pelo nome das frutas. Todo fruto pede para ser comido. E, assim, por caminhos estranhos, descobrimos que há corredores subterrâneos que ligam os espaços dos teólogos aos espaços dos pomares, onde as frutas se oferecem ao desejo como objetos de prazer (ALVES, 2011, p. 98).

Em tempos de repressão, onde o amor sexual é desvalorizado na medida em que o outro se torna apenas objeto de para o próprio prazer, o texto de Cânticos dos Cânticos apresenta a vontade de dominação do Rei para conseguir comprar o prazer através da amada.

A possibilidade de sedução da parte do Rei aparece de forma negativa, onde o amor entre os dois amantes fica ameaçado.

O PRAZER ALCANÇADO NO CORPO ALHEIO

O prazer em Rubem Alves e Cânticos dos Cânticos é também um prazer filosófico.

Ter prazer é algo a ser considerado pela ratio de forma que o melhor prazer não é apenas vivi- do para experienciado antes do ato que proporcionará prazer. O prazer explicado por Rubem Alves, além de filosófico, é pedagógico, o de Cânticos dos Cânticos também o é, basta uma leitura atenta nos poemas. Estes mostram o prazer sexual que ensina uma vida de felicidade no corpo alheio. Para Alves (2011, p.84-5), a razão, em termos de aprendizagem é serva do prazer:

Minha filosofia da educação decorre desse ato de fé, podendo assim ser resumida: o ob- jetivo da educação é aumentar as possibilidades de prazer e alegria. O destino da razão é ser servo do prazer e da alegria [...] O corpo não caminha sobre certezas.

Dentre os obstáculos ao prazer está o senso de vergonha sexual. Vergonha de ter prazer. De forma que, tudo que tenha conotação sexual seja considerado sujo. Isto está ligado ao fato de que para a maioria das pessoas, principalmente cristãs, o prazer e o sexo são vistos como “perigoso lugar de tentação e perdição” (ALVES, 2011, p. 96), porém, é no prazer se- xual que o livro mostra a busca dos amantes.

A sensualidade do corpo no antes e depois do prazer não pode ser pejorativa, pelo contrário, como disse Kierkegaard, “o sexual não é a pecaminosidade [...] sensualidade não é pecaminosidade” (KIERKEGAARD, 2011, p. 88). A experiência do prazer é desvendada no corpo do outro. Só é possível chegar ao nível desejado pelos caminhos do corpo, por isto, é um prazer insaciável. Os toques, os cheiros, os sabores do corpo produzem uma vontade de ter prazer novamente, assim o poema “saio atrás dele: eu o procuro, mas não o encontro [...]

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se encontrarem meu amado, o que dirão a ele? Digam que estou doente de amor”. Ela estava dormindo mas o deseja ardentemente. É o vazio da ausência. Mas ausência de que, do corpo alheio, isto, por que a

experiência do prazer, tão boa, sempre nos coloca diante de um vazio. A teologia de Santo Agostinho se constrói sobre este vazio que se segue ao prazer. Depois de esgotado o prazer, existe na alma, a nostalgia por algo indefinível (ALVES, 2011, p. 90).

A exegese do livro de Cânticos dos Cânticos mostra que o prazer possui uma auto- ridade vulcânica capaz de “fazer o corpo dizer para o ego: sinta prazer aqui” (NIETZSCHE apud ALVES, 2011, p. 84). Esta autoridade expressa nos corpos dos amantes foi tolhida, principalmente no que se diz prazer sexual feminino, próximo do que Reimer (2013, p. 33) chama de “estruturas de poder patriquiriarcal”.

Em primeiro lugar, a palavra hebraica rwo “sorr” em Cânticos dos Cânticos 7,3 traduzido por umbigo é mais bem entendido como “centro do corpo” – local onde a huma- nidade se reproduz. Assim, a melhor tradução da palavra deveria ser “vulva” (CARR apud CALVANI, 2002, p. 4). Desta forma o umbigo, essa taça redonda onde nunca falta vinho é o ensinamento sobre a lubrificação e aromatização da vagina sendo preparada para o prazer sexual. Um milagre! A Bíblia de Jerusalém deixa na frase uma reticência, deixando a entender que o escritor queria dizer algo mais sobre esta parte do corpo: “Teu umbigo... essa taça re- donda”. É a sabedoria antiga, expressando nas linhas poéticas a beleza do corpo, beleza esta, que supera as certezas, pois “o corpo tece tapetes de palavras e lhes dá o nome de beleza”, declara Rubem Alves.

Em segundo lugar o termo hebraico beten7 que aparece em Cantares 5,4 e 14 foi traduzido em várias versões portuguesas por ventre ou entranhas. A melhor tradução para esse termo seria “abaixo do umbigo”, uma vez que pode significar também, como em Jz 3,2-4,

“o baixo ventre do homem”, pois “fazem parte dele os órgãos de reprodução e o estômago”

(WOLFF, 2007, p. 116). O texto fica prejudicado, haja vista que, numa leitura preconceitu- osa o elemento central do texto é reprimido pelos tradutores de bíblia, deixando fora a inter- pretação original do texto que coloca o buraco mais embaixo do umbigo: a vagina, centro do prazer feminino, local onde mora fonte de prazer, por isso, os jogos e as brincadeiras amorosas são importantes e aparecem nos poemas. Assim, temos nos poemas o olhar lançado no corpo do outro, pois o prazer vai sendo alcançado por etapas destes jogos, começa com um olhar.

De acordo com Rubem Alves isto acontece porque “o amor precisa de entidades sensórias, imagens”. O objetivo que parece ser orgasmo, Alves discorda, para ele, é “com o orgasmo os jogos amorosos chegam ao fim” (ALVES, 2011, p. 28). A igreja castrou o erotismo do texto em 90 d.C, “por causa da poesia erótica explícita” (GOTWALD, 2011, p. 120).

Alves descreve sua vontade de prazer expressa no ato de chupar jabuticabas ao mesmo tempo em que desabafa uma possível recuperação do prazer que protestantismo lhe roubou:

[...] esse objeto é divino, sem passado e sem futuro, presente puro destinado à eternidade.

Não posso imaginar que alguma evolução lhe possa ser acrescentada. O que eu quero é não evoluir. O que eu quero é viver de novo o passado que vivi, com muito mais inten- sidade, sem sentimentos de culpa com que minha religião aprisionou o meu corpo, as

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minhas idéias e os meus sentimentos [...] Assim, quando já são poucas as jabuticabas na minha tigela, rezo o meu Pai-Nosso herético – ou erótico: ‘o prazer nosso de cada dia dá-nos hoje’ (ALVES, 2012, p. 122).

Reler o texto de Cântico dos Cânticos despido da culpa dogmatizada é primordial para entender um homem, que, como nas metáforas do texto bíblico, dizia que “o espirro muito se assemelha ao orgasmo” (ALVES, 2012, p. 59), assim é possível também compreen- der a vontade de prazer em Rubem Alves.

CONCLUSÃO

A naturalidade do prazer é sua própria autoridade proposta na brincadeira sensual que busca os deleites momentâneos do sexo. Até mesmo o terceiro personagem – o rei – apre- senta em sua vontade de prazer a necessidade de ter a amada a todo o custo. Tenta comprar o prazer com joias e perfumes para o ato sexual, reforçando a conquista como algo de suma importância para a libido.

Os corpos dos amantes emergem dos poemas como bens, objetos de prazer. São nestes que se torna possível ser feliz: “O prazer só acontece se o corpo tiver a posse do seu objeto” (ALVES, 2011, p. 86). Por isso, a necessidade de privacidade e preparação do ambiente sexual que aflora a libido; a necessidade de elogiar o corpo do parceiro, pois

“tanto homem como mulher possuem corpos dignos de serem considerados” (ARAUJO FILHO, 1994, p. 89-90). Os poemas apresentam um importante elemento social, como disse Humberto Maiztégui (apud GONÇALVES, 2002, p. 25): Os Cânticos dos Cânti- cos reúnem também a experiência de mulheres que sofreram o tributo e a discriminação, especialmente durante a reforma político-teológica proposta pelo sistema de sacerdotal no pós-exílio.

A conclusão que se chega é que a sexualidade e o prazer devem ser revisitados nestes poemas com uma construção contemporânea que considere o valor e a utilidade do prazer.

Todas estas poesias de sexualidade e erotismo, “que exprimem o desejo e a paixão numa ótica não moralista e não legalista” (GONÇALVES, 2002, p. 23); são formadas por “poe- sias originariamente femininas e coletivas, que, mesmo sofrendo na sua fase final acréscimos masculinizantes, conseguem superar o individualismo autoral e se opõem às definições an- drocêntricas” (GONÇALVES, 2002, p.24) que indicam também um poder feminino, em diferentes épocas, como expressão de uma sexualidade integrada a todos os aspectos da vida pessoal, familiar e social; e poesias que ensinam que há no ser humano o desejo sexual in- trínseco – a vontade de prazer – conquistada nas suas variações. O corpo com suas funções sexuais possibilitam atos que cantam a magia do amor, o intenso desejo mútuo (FOHRER, 2006, p. 298-9).

THE WILL OF PLEASURE IN RUBEM ALVES: ONE OF THE SONGS OF REREADING SONGS AND CHANGES ON THE PLEASURE

Abstract: this article intends to put it in dialogue with the work Variations on the pleasure, Rubem Alves a reading of Song of Songs and his poetic innuendo, to produce and raise questions assump- tions about the pleasure of will on humans and their attempts and enjoy through the senses.

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Keywords: Songs of songs. Rubem Alves. Pleasure. Erotic.

Notas

1 Mw é um termo hebraica utilizada no construto e no absoluto para nome ou título. Da mesma Nmw termo utilizado para azeite, gordura, banha, enxúdia, ungüento, óleo, perfume forma Cf.

Dicionário Bíblico Hebraico-português, 1997, p. 677.

2 Também conhecida como glândula bulbouretral, trata-se de uma glândula situada debaixo da próstata. Responsável pela secreção do fluido pré-ejaculatório.

3 O substantivo yriP, (fruto) em sentido próprio, por metáfora lexicalizada têm sentido de resultado, conseqüência, germinação. Em suas 110 ocorrências na BHS, pode aparece com o verbo lkx que significa comer, outras vezes colocar na boca, no hifil, a expressão pode ter o sentido de fazer germinar, ou soltar germe (embrião). Cf. Schökel (1997, p. 547).

4 A fenda é uma caracterização da vagina e seus pontos de excitação. Schökel apresenta a tradução de חֹר da seguinte forma: Substantivo masculino construto. Buraco, orifício, ranhura, greta, cavidade, lura, cova, toca, fenda (SCHÖKEL,1997, p. 242).

5 Correção da Septuaginta a partir da língua hebraica, trabalho concluído em 250 d.C.

6 Cf. Origenes (1994, p. 22). Veja também em Wright e Oden (2008).

7 NF,B,, - O termo hebraico para entranhas aqui está numa disposição poética para mostrar externamente o centro do corpo humano feminino, de onde saem os outros humanos. Designa a parte inferior do tronco, exterior ou interior; o interior relacionado com a alimentação ou com a gestação materna. O uso do termo no sentido próprio, ventre exterior aparece em Jz 3.21; Sl 44.26; Jó 40.16 e Ct 7.3. Cf. Schökel (1997, p. 98).

Referências

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Eclesiastes e Cantares: introdução e comentário. Tradução de Osvaldo Ramos. São Paulo: Vida Nova, 2006. p. 211.

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