lntrodu�ao
Testemunhos da ocupa\ao romana no sitio Malhada dos Carvalhos 1
(Alfundao, Ferreira do Alentejo)
Cesar Augusto Neves 1 Catarina Grilo 2 iris Otte 3
0 sitio arqueol6gico Malhada dos Carvalhos 1 foi identificado durante a execu9ao do acompanhamento arqueol6gico realizado no ambito do projecto "Minimiza9ao de lmpactes sabre o Patrim6nio Cultural decorrentes da execu9ao do Bloco de Rega de Alfundao'; desenvolvido pela EDIA S.A.
Aquando a abertura da vala da
Rede de Rega/Adutor CP-B foram identificadas, centradas no eixo dafutura conduta, um conjunto significativo de manchas de sedimento, em negative no substrata geol6gico.
1 Arque61ogo -Socio da Associai,iio dos Arque61ogos Portugueses -c.augustoneves@gmail.com 'Arque61oga -ramosgrilo.carolina@gmail.com
> Antrop61oga responsavel pela analise dos restos osteol6gicos identificados na interveni,iio arqueol6gica.
Testemunhos da ocupa9iio romana no sitio Malhada dos Carvalhos 1 (Alfundiio, Ferreira do Alentejol
I
131Fig. 1 Localizai;:ao da Malhada dos Car
valhos 1 na Peninsula lberica e CMP 1 :25 000, n° 509. Servii;:os Cartografi
cos do Exercito.
Esta situar;:ao de contextos arqueol6gicos identi
ficados no decorrer do acompanhamento arqueol6- gico ja estava prevista no Relat6rio de Conformida
de Ambiental deste Projecto (RECAPE):
"Caso sejam identificados outros vestigios ar
queol6gicos na fase de acompanhamento da obra, na area a intervir, estes implicam a definir;:ao de um piano de trabalhos complementares, corres
pondendo a medidas de sondagem, escavar;:ao e registo, que deverao compreender um cronograma especifico, definido de forma a permitir o estudo e tratamento apropriado dos vestigios e, simultanea
mente, minimizar custos e contratempos ao desen
volvimento do Projecto" (Matos, Fonseca & Asso
ciados, 2008, p.29).
De igual modo, os responsaveis pelo RECAPE, conscientes que este tipo de realidade arqueol6gi
ca nao e, facilmente, detectavel a superficie, e que tern vindo a ser, corn frequencia, identificadas em espar;:os adjacentes, alertaram as futuras equipas de arqueologia, que iriam fazer o acompanhamento arqueol6gico, para este tipo de contextos:
"Salienta-se que o acompanhamento arqueol6- gico de obra associado a outros projectos do EFMA, tern permitido identificar arqueossitios constituidos por estrutura negativas (realidades escavadas no substrata rochoso), que nao sao reconheciveis atra
ves de indicadores de superficie. Tai teve lugar no iimbito da empreitada do Bloco de Rega do Pisao que se desenvolve a nascente dos Blocos de Rega de Alfundao e respectiva Adur;:ao.
132
I
Arqueolog,a & H1storiaTrata-se de uma tipologia de vestigios para a qual a equipa de acompanhamento arqueol6gico de obra devera estar particularmente sensibilizada e a observar;:ao das mobilizar;:6es de solos deve ser particularmente minuciosa:• (Matos, Fonseca & As
sociados, 2008, p.29).
Afim de se registar e caracterizar eventuais ni
veis arqueol6gicos conservados, o IGESPAR deter
minou a realizar;:ao de quinze sondagens, cada uma correspondente a uma possivel estrutura arqueol6- gica, num total de 39,25m2, localizadas ao longo de cerca de 140m lineares, centradas no eixo da con
duta a implementar ou junto a um dos taludes.
A execur;:ao destas medidas de minimizar;:ao fi
cou a cargo da empresa CRIVARQUE, Lda., tendo um dos signatarios, do presente texto (C.A.N.), sido o responsavel cientifico pela mesma.
Os resultados obtidos na escavar;:ao permitiram observar dois contextos ocupacionais distintos, quer a nivel funcional, quer a nivel cronol6gico.
A julgar pelo escasso esp6Iio arqueol6gico reco
lhido, tera ocorrido um primeiro momenta ocupa
cional caracterizado por um conjunto de 14 estrutu
ras negativas escavadas no substrata geol6gico. As caracteristicas tipol6gicas destas realidades estru
turais, bem como os elementos artefactuais reco
lhidos no seu interior, aliados aos dados recolhidos em contextos semelhantes em outros sitios inter
vencionados no distrito de Evora e Beja, parecem enquadrar esta ocupar;:ao na ldade do Bronze.
Num espar;:o a Noroeste, a cerca de 70m de dis-
tancia do nucleo de fossas, surgiu uma outra reali
dade estrutural (Sondagem 1 ), caracterizada como uma sepultura, que nao apresenta qualquer relar;ao crono-cultural corn a referida ocupar;ao proto-his
t6rica.
Sera, exclusivamente, sobre a Sondagem 1 e respectiva estrutura arqueol6gica (Sepultura) que incidira a analise que aqui se apresenta.
A escavar;ao arqueol6gica da Sondagem 1 reali
zou-se em Novembro de 2009.
Enquadramento
Localiza�ao Administrativa e Geografica
0 sitio arqueol6gico Malhada dos Carvalhos localiza-se, administrativamente, em Portugal, na freguesia de Alfundao, concelho de Ferreira do Alentejo e distrito de Beja. A area intervencionada localiza-se na Carta Militar de Portugal, na folha n
°509 a escala de 1 :25000 (Fig.1 ).
As coordenadas correspondentes, no Datum Lis-
boa, sao:
M = 208 854,915 P = 126 787, 646 A= 134, 71m
Geologia e Geomorfologia
A area estudada, localizada na bacia hidrografica do Rio Sado, fica situada no sul de Portugal conti
nental, na regiao do Baixo Alentejo. 0 relevo tern as caracteristicas gerais da peneplanicie alentejana, aplanadas ou ligeiramente ondulado, esporadica
mente interrompido por zonas um pouco mais aci
dentadas constituindo relevos de dureza residuais (Feio, 1951 ).
Geomorfologicamente, o sitio Malhada dos Car
valhos 1 implanta-se em plena peneplanicie alen
tejana, unidade fundamental do relevo, encontran
do-se, nesta zona, levemente dissecada pela rede hidrografica.
Do ponto de vista geol6gico enquadramo-lo no denominado Macir;o de Beja, na unidade do Com
plexo Plutono -Vulcanico de Odivelas, que e cons
tituida pelo Complexo Basico de Odivelas e dos pe
los Gabros de Beja. 0 sitio em estudo encontra-se numa zona de contacto entre estas duas unidades, desenvolvendo-se mais intensamente no Complexo
Fig. 2 Sondagem 1. Limpeza da area de escava<,ao. Area a intervencionar enquadrada corn a vala do futuro sistema de rega.
Basico de Odivelas. 0 Complexo Basico de Odivelas e constituido, nesta zona, por basaltos e diabases, estando a sua distribuir;ao e localizar;ao correcta um pouco indefinida. Na realidade, para esta zona do macir;o de Beja apenas as grandes unidades estao estabelecidas, sendo os seus Ii mites no terreno va
riaveis e a caracterizar;ao especifica dificil de reali
zar, isto devido a ausencia de cartografia detalhada (disponivel, apenas, a escala 1: 200 000).
A Malhada dos Carvalhos 1 localiza-se numa vas
ta area plana, sem acidentes geograficos de grande expressao, nem condicionantes visuais. Ligeira
mente a Norte, localiza-se a linha de agua relevante mais pr6xima, ou seja, a Ribeira do Alfundao. Alem desta linha de agua, existem outras de caracter sazonal que se encontram nas imediar;6es, quer a Norte quer a Sul.
Condi�oes do sitio antes do inicio dos trabalhos
No inicio dos trabalhos encontrava-se, somente, a vala aberta, sem a definitiva tubagem colocada no interior. Desta forma, em virtude dos trabalhos
Testemunhos da ocupai;ao romana no sitio Malhada dos Carvalhos 1 (Alfundao, Ferreira do Alentejo) ) 133
arqueol6gicos aqui descritos, os trabalhos de obra ficaram, nesta zona, suspensos.
A area a intervencionar estava devidamente si
nalizada e balizada, niio permitindo acc;:6es destru
tivas (Fig.2). Era visivel o grau de destruic;:iio de al
gumas estruturas arqueol6gicas, ocorrido durante a abertura da vala. Esta leitura decorre da existencia de algumas estruturas no carte da vala, o que levou
a sua intervenc;:iio, para alem dos limites da afecta
c;:iio.
Relativamente ao espac;:o onde foi identificada a sepultura, eram visiveis fragmentos de
tegulaeque tinham sido removidos pela maquina aquando a identificac;:iio da estrutura arqueol6gica pela equipa do Acompanhamento Arqueol6gico.
Na area envolvente observam-se terrenos in
tensamente cultivados, corn recurso a adubos qui
micos provocando uma grande alterac;:iio do solo.
Assim, apesar de niio existiram construc;:6es antr6- picas directamente sobre o sitio, este encontrava-se afectado por actividade agricola.
Descri1rao dos trabalhos: metodologia e caracte
riza1rao estratigrafica
Os principais objectives da intervern;:iio foram os seguintes:
• Escavac;:iio manual e integral das estruturas ne
gativas;
• Determinar a existencia e grau de conserva
c;:iio de contextos estratigraficos, sequencias de ocupac;:iio humana e estruturas, conservados in
Situ;• Registo dos niveis e/ou estruturas arqueol6gi
cas identificadas e devida caracterizac;:iio;
• lntegrar crono-culturalmente os vestfgios, no
meadamente, atraves do estudo dos materiais arqueol6gicos exumados no decorrer da inter
venc;:iio;
• Determinar as medidas mais apropriadas para protecc;:iio/minimizac;:iio de impactes negatives subsequentes.
A escavac;:iio do sitio arqueol6gico Malhada dos Carvalhos 1 foi realizada segundo o principio da estratigrafia de
Harris,ou seja, por unidades estra
tigraficas (escavac;:iio de camadas, interfaces arque
ol6gicos e estruturas, seguindo uma 16gica inversa
134 I Arqueologia & Hist6ria
ao seu processo de formac;:iio, ou seja, a ultima ca
mada arqueol6gica a formar-se foi a primeira a ser decapada) (Harris, 1991; Harris,
et al.,1993).
A atribuic;:iio de U.Es foi desenvolvida por ordem sequencial crescente, nunca se repetindo um nu
mero e segue preferencialmente a ordem da esca
vac;:iio.
0 numeral que denomina cada U.E. corresponde ao seguinte c6digo:
• Centenas - numero de sondagem;
• Dezenas e unidade - numero atribuido a reali
dade arqueol6gica identificada no interior da sondagem.
Estas unidades estratigraficas podem adquirir a forma de dep6sito, interface ou estrutura arqueo- 16gica. Todas as unidades estratigraficas foram re
gistadas atraves do preenchimento de uma ficha adequada ao metodo proposto e fotografadas em formato digital.
As unidades estratigraficas foram igualmente re
gistadas graficamente, realizando-se os desenhos de todos os pianos de dep6sitos, estruturas, alc;:a
dos e perfis estratigraficos, a escala 1 :20, sempre corn a indicac;:iio das cotas altimetricas. A implanta
c;:iio das areas de escavac;:iio, assim coma todos os pontos altimetricos e registos topograficos efectua
dos, foram realizados corn o apoio de uma equipa de topografia.
A escavac;:iio arqueol6gica foi realizada integral
mente de forma manual e decorreu em profundida
de ate atingir o substrata geol6gico. Os materiais arqueol6gicos recolhidos foram individualizados em sacos e identificados por areas de escavac;:iio, sondagens, unidades estratigraficas, tipo (exemplo:
bordo, asa, bojo decorado.). data e observac;:6es.
Estas informac;:6es estiio contidas numa etiqueta que acompanha os materiais. Os materiais arque
ol6gicos foram objecto de lavagem, realizando-se o seu inventario e correcto acondicionamento na sede da CRIVARQUE, Lda.
Descri1rao estratigrafica: Sondagem 1
Escavac;:iio manual e integral de uma estrutura
negativa escavada no substrate geol6gico, sendo
que o topo desta se encontrava a cerca de 50cm de
profundidade da superficie actual. Trata-se de uma
Fig. 3 Sondagem 1. Topo da sepultura.
Fig. 4 Sepultura corn os vestigios osteol6- gicos e esp61io votivo associado.
Fig. 5 Pormenor do vaso e criinio regista
dos no interior da sepultura.
Testemunhos da ocupa9iio romana no sitio Malhada dos Carvalhos 1 (Alfundiio, Ferreira do Alentejo) I 135
sepultura estruturada corn tegulae e blocos petre
os de pequena dimensao, tendo estes elementos a fun9ao de cobertura (Fig.3).
Aquando o inicio da nossa interven9ao, a estru
tura, localizada no eixo da vala, encontrava-se algo danificada, devido a passagem da maquina. Apesar de, prontamente, ter sido identificada pelo Acom
panhamento Arqueol6gico, ainda assim, os danos eram visiveis, embora sem perturbar o interior da estrutura.
Ap6s a limpeza, implanta9ao da sondagem (2x1,5m) e registo do que restava da cobertura da sepultura, iniciou-se a escava9ao do seu interior.
A escava9ao colocaria a vista duas realidades dis
tintas, esp6Iio arqueol6gico e esp6Iio osteol6gico (Fig.4). Envolvida numa camada unica de sedimen
to (101], encontravam-se
in situum pote de peque
nas dimens6es, associado a varios fragmentos de cranio. Escavado corn o maximo rigor, constatou
-se que o cranio se encontrava muito fragmentado e mal conservado, apresentando-se como o unico elemento do corpo humano, preservado, existente no interior da sepultura (Fig.5).
A escava9ao revelou, desta forma, a existencia de uma sepultura contendo, no seu interior, um en
terramento humano associado a um pequeno pote em ceramica comum. A escava9ao e a defini9ao da sepultura ate aos seus limites inferiores e laterais nao revelaram mais nenhum dado de natureza ar
queol6gica ou osteol6gica (Fig.6).
Quando se observou que a calote craniana nao
136 I Arqueologia & Hist6ria
Fig. 6 Piano final da escavac;:ao da sepultura.
tinha mais partes anat6micas do corpo associado, prontamente se contactou o IGESPAR corn o intuito de se questionar a necessidade de se enquadrar um tecnico especializado (Antrop6Iogo) para dar continuidade a interven9ao. A resposta foi negativa, responsabilizando a equipa em campo que teria que, somente, levantar os ossos, envolvendo
-os em papel de prata e proceder a recolha de amostras de sedimento, que seriam posteriormente observados em laborat6rio, na busca de mais dados osteol6gicos, impossiveis de observar no campo.
Estas ac96es foram todas realizadas, sendo que a analise e escava9ao das amostras de sedimentos permitiu, em laborat6rio, registar cerca de 32 fragmentos relacionados corn a denti9ao. Os restos osteol6gicos recolhidos foram, posteriormente, analisados, estando a sua descri9ao no ponto 5.
No geral, a sequencia estratigrafica observada e registada durante a escava9ao da Sondagem 1 foi a seguinte:
UE [100)
- Estrutura negativa escavada no subs
trato geol6gico por ac9ao antr6pica. Trata-se de uma Sepultura individual estruturada no seu topo corn tegulae e pequenos blocos petreos. Esta orien
tada no sentido Sul-Norte. Apresentava cerca de 40cm de profundidade, 66cm de sua largura maxi
ma e de comprimento tin ha cerca de 1,36m. Em pia
no trata-se de uma estrutura oval de fundo piano.
As paredes e fundo nao se encontravam revestidas
nem estruturadas corn nenhum elemento de cariz
artefactual. Coberta pela [105] (Fig.7).
0cm
-Tegula
100cm
V
A0cm
100cm
'A
/�I
;' // // / ✓ B
UE [101] - Dep6sito. Camada de matriz arenosa,
solta, de cor castanho/alaranjada, corn uma po
tencia sedimentar de 35cm de profundidade. Nao continha nenhum elemento petreo e apresentava um unico elemento artefactual correspondente ao esp6Iio funerario. Nao foi observada qualquer afec
ta9ao ao nivel da bioturba9ao animal e vegetal. Esta U.E. preenche a U.E. (100].
UE [102]
- Enterramento humano. Encontra-se representado por um fragmento de calote craniana e alguns restos de denti9ao, nao aparecendo conec
tado a mais ossos humanos. Encontra-se associado a um pote de ceramica de pequena dimensao. Tera sido depositado na (100] e envolvido pela (101], jun
tamente corn o resto do corpo.
UE [103] - Substrato geol6gico onde foi realizada
a constru9ao da estrutura negativa (100].
UE [104] - Vala da obra da EDIA, S.A. Realidade
que corta parcialmente as UE (100], (103] e (105]. A sua abertura possibilitou a identifica9ao da realida
de arqueol6gica aqui descrita.
UE [105]
- Camada sedimentar de topo/vegetal
Fig. 7 Sondag em 1; Sepultura / [100] - Pianos de topo e final. Perfil transversal (A) e longitudinal (B).
que cobria a (202] e que foi removida, na totalidade, mecanicamente, durante a abertura da vala. Cama
da de matriz argilosa, pouco compacta de cor casta
nho. S6 se observou em corte.
Esp61io Arqueo16gico
0 conjunto registado apresenta-se muito limita
tivo para uma melhor caracteriza9ao crono-cultural da ocupa9ao. Se, por um lado, ocorre a presen9a de um elemento artefactual que converge para um determinado espa90 temporal e cultural, par outro lado, a ausencia de materiais arqueol6gicos de ou
tra natureza tipol6gica e tecnol6gica podera dificul
tar a caracteriza9ao cronol6gica desta estrutura e respectivo sitio arqueol6gico.
Com efeito, o unico exemplar que compunha
o esp61io funerario, a data da interven9ao, estava localizado no ter90 superior da sepultura, junta do cranio de um individuo de primeira infancia e corresponde a um exemplar completo de um poti
nho de bordo voltado para o exterior e labio curvo, colo alto e curto, perfil bitroncoc6nico ligeiramente
Testemunhos da ocupa9ao romana no sitio Malhada dos Carvalhos 1 (Alfundao, Ferreira do Alentejo) I 137
ondulado e fundo piano. A sua altura e de 6,7cm e o diametro interno da abertura/bordo e de 8,8cm (Fig.8).
Trata-se de uma produc;ao local/regional, tornea
da, de pasta de textura fina, corn minerais brancos e negros, enquadravel nas caracteristicas petrogra
ficas do grupo 1, fabrico 1-B da ceramica co mum de S. Cucufate, na denominada "ceramica vermelha alentejana" (Pinto, 2003, p.97 ), cuja origem devera buscar-se na regiao dos gabros de Beja (Idem, 2003, p.93). Apresenta cozedura oxidante em modo A, corn vestigios de polimento irregular que destacam um efeito em bandas horizontais na superficie ex
terna e no interior, junta do bordo, sem quaisquer vestigios de decora,;ao.
Este tipo de potinhos de pequeno diametro estao frequentemente associados aos esp61ios funerarios e encontram-se bem atestados nas necr6poles da regiao do Alto Alentejo, onde esta forma correspon
de ao grupo 1 dos pates, corn vagos paralelos corn as n
°s 437 e 438 oriundos da necr6pole de Torre das Areas corn cronologias dos finais do sec. I d.C. a inicios do sec. II (Nolen, 1985, p. 17 7, est. XLII). 0 exemplar da Malhada dos Carvalhos 1 possui bordo esvasado e colo curto e alto, diferindo no perfil, bi
troncoc6nico de carena baixa, que lhe configura um contorno "achatado'; por oposic;ao aos exemplares alto-alentejanos, que deverao corresponder a uma variante mais alta. Encontram-se ainda semelhan
c;as em termos do perfil do bordo e secr;ao na ce
ramica comum de Conimbriga (Alarcao, 1975, p.
138 Arqueologia & Historia
Fig. 8 Espolio votive registado na sepultura (escala de 4cm na foto).
81-85, est. XIX, n
°374) e na, geograficamente mais pr6xima, necr6pole de Valdoca, corn as exemplares n
°s 1 da sepultura 61 e n
°1 da sepultura 465 (Alar
cao e Alarcao, 1966, p.26-27, est. V, p.95, est. XXXIII), oriundos de contextos do seculo I a inicios da cen
turia seguinte (Idem, 1974; Nolen, 1985, p. 117 ), cro
nologia que se propoe para o exemplar em questao.
No seu trabalho sabre a ceramica comum das
villaede S. Cucufate, Ines Vaz Pinto descreve um conjunto de pec;as corn semelhanc;as corn a da Ma
lhada de Carvalhos 1, ernbora corn uma asa. Cor
respondem ao grupo X-A-7. dos potinhos de bordo simples, levemente esvasados, na continuidade da panc;a levemente ondulada (Pinto, 2003, p.408, fig.
422, p.539), datados, na sua rnaioria, do horizonte de ocupac;ao da
villaI, igualrnente balizado entre a segunda metade do seculo I e o primeiro terc;o do seculo II.
Analise Bio-Antropol6gica
Os restos humanos identificados consistem em varios fragmentos, de reduzida dirnensao, de ossos do cranio e a 32 coroas e/ou dentes, 13 dos quais pertencentes a dentic;ao decidua e os restantes 19 a
dentic;ao permanente.
0 sedimento foi crivado corn recurso a uma ma
Iha de 1,5mm, acc;ao que se apresentou como fun
damental na recuperac;ao/registo dos elementos da dentic;ao.
A percentagem de recolha para o material oste
ol6gico demonstrou ser bastante baixa. Pelo con-
trario, um numero elevado de dentes sobreviveu.
A preserva9ao geral dos materiais osteol6gicos tera de ser considerada pobre, corn as superficies dos ossos/esmalte a apresentarem-se altamente danificadas e o seu estado muito fragmentado. Em oposi9ao, foi recuperado um grande numero de ele
mentos dentarios intactos, tornando possivel a sua determina9ao.
0 calculo da idade baseou-se na erup9ao da den
ti9ao decidua e na mineraliza9ao da denti9ao per
manente (Ubelaker, 1989), tendo resultado na atri
bui9ao de uma idade de
4anos
± 12meses.
Relativamente a denti9ao decidua, foram identi
ficados 13 dentes:
- Da maxila: 2 incisivos centrais, 1 incisivo lateral esquerdo, 1 canino esquerdo, 2 primeiros e 2 se
gundos molares (total == 8).
- Da mandibula: 1 incisivo lateral esquerdo, 1 ca
nino esquerdo,
1primeiro e
1segundo molar es
querdo, bem como
1segundo molar direito (total
== 5).
Relativamente a denti9ao permanente, os ele
mentos representados correspondem a coroas de dentes nao irrompidos:
- 0 arco superior estava quase preservado na sua totalidade (excluindo os terceiros molares, que nao estao mineralizados nesta idade), faltando, apenas, os segundos pre-molares. Desta forma, identifica
ram-se: as coroas de 2 incisivos centrais, 2 incisivos laterais, 2 caninos, 2 primeiros pre-molares, 2 pri
meiros e
2segundos molares (total==
12).- Provenientes da mandibula, registaram-se: 2 incisivos centrais, os 2 primeiros pre-molares, o primeiro e segundo molar esquerdo, tal como o se
gundo molar direito (total == 7).
Nao se tentou determinar o sexo/genero, devido ao facto de se estar a lidar corn restos osteol6gicos de uma crian9a pequena, ainda mais quando aliada a uma baixa percentagem de vestigios recupera
dos.
Malhada dos Carvalhos 1: primeiras leituras e perspectivas futuras
A escava9ao arqueol6gica realizada na Malhada dos Carvalhos
1permitiu observar eventuais reali
dades relacionadas corn uma ocupa9ao mais antiga
deste espa90, numa area onde tern vindo a ser re
velados diversos vestigios de estruturas arqueol6- gicas escavadas no substrato geol6gico.
No que concerne a ocupa9ao romana, a sonda
gem 1 revelou a existencia de uma inuma9ao pri
maria de um unico individuo, pertencente a uma crian9a corn cerca de quatro anos de idade, corn esp61io funerario associado.
Tipologicamente, a sepultura da Malhada dos Carvalhos corresponde a uma inuma9ao em fos
sa simples, colmatada por pedras e materiais de constru9ao (
tegulae)que pertenciam a cobertura da estrutura tumular, preenchida corn um estrato sedi
mentar que cobria a inuma9ao.
Devido a afecta9ao da estrutura em fase previa aos trabalhos arqueol6gicos, nao foi possivel deter
minar corn exactidao como se processava a estrutu
ra de cobertura da sepultura, aparentando contudo uma disposi9ao horizontal que corresponderia a
selagem do dep6sito sedimentar que cobria a inu
ma9ao. A fossa de contornos semi-rectangulares alongada e de cantos arredondados, sem vestigios de revestimento ou estrutura9ao interna, encontra
va-se escavada no cali90 brando local, corn dimen
s6es relativamente reduzidas, configuradas a idade
precoce do individuo inumado.
A simplicidade deste tipo de estruturas encontra paralelos em algumas necr6poles da regiao, onde coexistem, diferentes modelos de estrutura9ao de sepulturas, desde a variante mais simples, identica
a sepultura da Malhada dos Carvalhos, a sepultu
ras corn op96es construtivas mais complexas. Do ponto de vista cronol6gico, abrangem uma diacro
nia que alcan9a todo o periodo Romano e a Anti
guidade Tardia, como se pode atestar pela presen9a deste tipo de sepulturas em contextos coevos Alto
-lmperiais, na necr6pole da Torre Velha 3 (Baptista et. al., 2012, p. 754), mas tambem na sepultura e necr6pole tardo-romanas do Monte do Bolor 3, S.
Brissos, Beja (Borges et. al., 2012).
0 mau estado de conserva9ao do esp61io osteo- 16gico devera estar relacionado corn multiplos fac
tores. A precocidade do individuo, corn ossos muito debeis em termos de calcifica9ao, o tipo de subs
trato geol6gico, a acidez dos sedimentos e o facto de esta zona ter sido sujeita a intensos trabalhos
Testemunhos da ocupa9ao romana no sitio Malhada dos Carvalhos 1 (Alfundao, Ferreira do Alentejo)
I
139agricolas corn recurso a meios mecanicos e uso de pesticidas, podem ser as causas para a parca infor
mac;:ao recolhida no decorrer da intervenc;:ao, relati
vamente a deposic;:ao humana em analise.
A exiguidade da area escavada inibiu a identifi
cac;:ao de mais sepulturas, ficando em aberto a clari
ficac;:ao da situac;:ao de isolamento desta sepultura, ou a sua eventual inserc;:ao num espac;:o funerario colectivo.
Da mesma forma, a alterac;:ao das condic;:6es originais de jazida da estrutura e do seu entorno impossibilitaram que se aferisse a presenc;:a de vestigios de lajes ou materiais de demarcac;:ao ou identificac;:ao da sepultura, bem coma de qualquer registo epigrafico.
0 parco esp6Iio exumado situa cronologicamen
te esta sepultura no periodo Alto imperial, entre o sec. I e os inicios do sec. II, contemporaneo de mo
mentos de utilizac;:ao das necr6poles de Valdoca e Monte do Farrobo, localizadas na zona mineira de Aljustrel, a sul do territ6rio onde se localiza o sitio da Malhada de Carvalhos 1, e onde a presenc;:a ro
mana se encontra fortemente documentada.
Ja nas proximidades da Malhada de Carvalhos 1 a ocupac;:ao romana e uma realidade igualmente in
tensa e atestada. Sitios coma Cassapa 2, Areias 1, 2, 3, 4, 5 e 6, Alto do Pilar (1 e 2), Malhada da Barrada e Monte da Cassapa 2 (www.igespar.pt/ - Endove
lico; Pinto, 2012), so para citar alguns bem pr6xi
mos da Malhada de Carvalhos 1, representam um born exemplo da diversidade temporal e espacial da presenc;:a romana neste territ6rio. No entanto, estes sitios correspondem a intervenc;:6es pontuais (minimizac;:ao de impactes), algumas ainda sem os Relat6rios Fina is disponiveis para consulta, estando o acesso aos resultados, ainda, inacessivel.
Possivelmente integrada num nucleo maior de necr6pole, esta sepultura surgira isolada devido as limitac;:6es que este tipo de trabalho representa.
Num trabalho de minimizac;:ao em que afectac;:ao atinja uma area maior (ou envolvido num projec
to de investigac;:ao corn objectivos especificos e cronologicamente direccionados), sera de crer que novas realidades enquadradas corn esta sepultura venham a ser colocadas a vista.
Num espac;:o mais abrangente, importara ob-
140 I Arqueologia & Hist6,ia
servar os resultados provenientes de diversas ne
cr6poles intervencionadas em diversos Blocos de Rega da EDIA, S.A. Monte da Vinha 2 (Sao Mancos), Monte do Outeiro (Cuba), entre outras, que deverao canter mais informac;:ao que podera ajudar a com
preensao e caracterizac;:ao da sepultura "isolada" da Malhada de Carvalhos 1.
No futuro, sera importante cruzar a informac;:ao daqui proveniente corn a que resulta das multiplas intervenc;:6es desenvolvidas no ambito da execuc;:ao dos Blocos de Rega, tanto na area de Ferreira do Alentejo, coma nos espac;:os adjacentes. E not6rio que, neste momenta, escrever e afirmar realidades concretas e extrapolar leituras e dados muito limita
dos e condicionados. A informac;:ao proveniente da Malhada de Carvalhos, embora util, e insuficiente.
E esta e a leitura realizada ap6s a intervenc;:ao em muitos dos sftios escavados na area.
Acresce-se a esta evidencia, o facto da arque
ologia funeraria romana se tratar de uma realida
de ainda muito mal caracterizada. Ao contrario da regiao do Nordeste Alentejano, o territ6rio Baixo
-Alentejano, nao conheceu grandes trabalhos de in
vestigac;:ao de espac;:os funerarios em ambito rural.
Com excepc;:ao das ja mencionadas necr6poles da regiao mineira de Aljustrel, escavadas e publicadas na segunda metade do seculo passado, (Ferreira e Andrade, 1966; Alarcao e Alarcao, 1966; Alarcao, 1974b) o conhecimento sabre as areas funerarias e enterramentos de epoca romana cingiu-se a no
ticias de achados isolados ou sepulturas pontuais, descobertas de modo ocasional em trabalhos agri
colas, ou identificadas em trabalhos de prospecc;:ao (Lopes, Carvalho e Gomes, 1997).
Neste contexto, o desenvolvimento da actividade arqueol6gica nas ultimas decadas do seculo passa
do, ainda em curso, e em particular, dos trabalhos de minimizac;:ao de impactes do empreendimento de Alqueva e da designada arqueologia de emer
gencia, permitiu mudar radicalmente este cenario, revelando um panorama bastante mais complexo e dinamico sabre o mundo da morte nas sociedades rurais romanas.
A compilac;:ao dos multiplos dados gerados por essas intervenc;:6es, a sua discussao e estudo, pode
rao comec;:ar a ajudar a formular um discurso cientf-
fico, que se aproxime, cada vez mais, da veracidade hist6rica, protagonizada nos diversos momentos de ocupar;:ao realizada nesta area geografica e, nou
tra escala, no resto do territ6rio actualmente portu
gues.
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