A PROPÓSITO DAS COMEMORAÇÕES DA RESTAURAÇÃO
NOTA BREVE SOBRE
A COMPANHIA DOS LEÕES DA BEIRA
Instituto Histórico da Beira Côa 2014
1. Brás Garcia figura fogosa e lendária; 2. a organização de um batalhão de voluntários; 3. o local da reunião das forças; 4. Pinhel centro operacional; 5. a escassez dos testemunhos; 6. uma oportuna instituição, naturalmente efémera.
1. Brás Garcia de Mascarenhas tornou-se uma figura lendária pela sua vida aventurosa, truculenta e agitada, pelos seus feitos militares, que se conjugou com os seus talentos poéticos, de que o seu Viriato Trágico é o principal testemunho.
Natural de Avô, aos tempos em que cursava direito em Coimbra, uma correspondência amorosa leva-o, por 1620, à prisão na Cadeia da Portagem, donde se consegue evadir, refugiando-se em Madrid.
No seu regresso o barco em que vinha é atacado por uma nau turca, ataque inconcluso porque outra nau afugenta os turcos, aprisionando os portugueses que são transportados até Itália. Aproveita então para viajar pela Itália, França e Espanha regressando a Portugal. Porém não se sentindo seguro no Porto, vai para o Brasil onde durante nove anos luta contra os holandeses.
Regressa a Lisboa onde se envolve numa contenda de consequências trágicas, situação da qual se salva mercê da Restauração.
IMAGEM EVOCATIVA DE BRÁS GARCIA DE MASCARENHAS
2. A Restauração, se, com efeito, não podia ser mais oportuna à sua situação, não deixa também de corresponder ao seu caracter fogoso. Sem demora, organiza um batalhão de voluntários que desempenhará activa acção nas fronteiras beirãs. Partindo da terra natal de Brás Garcia, Avô, e das terras circunvizinhas, são em número apreciável os que se dirigem à praça de Pinhel, tomando-o como capitão.
Logo em 1644 , João Salgado de Araujo, Abade de Pera, a quem Brás de Mascarenhas autoriza ao cognominá-lo, no seu Viriato, Tito Lívio desta idade, refere, a p.116, na sua obra
Sucessos militares das armas portuguesas em suas fronteiras depois da Real Acclamação contra Castela. Com a geografia das Províncias & nobreza dellas”, que Brás Garcia foi o primeiro capitão que se apresentou, já em Almeida, a D.Álvaro de Abranches, com uma companhia de 183 soldados, “os mais deles gente nobre, e todos luzzidios e alentados”.
O seu familiar, primeiro biógrafo e editor do seu Viriato Trágico em 1699, Bento Madeira de Castro, que teve como fontes alguns “poucos” sobreviventes (lembremos que tinham passado cerca de 58 anos sobre os factos) lança alguma luz sobre as circunstâncias da formação bem como a respectiva composição da companhia:
“juntou uma Companhia de Mancebos, & lusidos das terras circunvizinhas, que levadas da ambição da honra & gloria militar, que elles lhes persuadia espontaneamente se apresentarão em a Praça de Pinhel, & o tomarão por seu capitão como experto, &
pratico na guerra”.
Do Prefácio da edição de 1846 do Viriato Trágico, constaria a seguinte informação:
“Voltou á pátria, e, inspirando á mocidade luzida della e suas visinhanças ambição pela honra e gloria militar, a persuadiu a formar uma companhia de cavalaria, para que elle foi escolhido commandante, honra esta que lhe era affiançada pela sua reconhecida valentia e experiencia militar.
Esta companhia occupou a praça de Pinhel, e deu do seu grande valor tão claras provas que mereceu ser reconhecida pelo nome de companhia dos leões.”
BUSTO DE
BRÁS GARCIA DE MASCARENHAS NA SUA TERRA NATAL, AVÔ
3. Não são concordantes as fontes sobre o local de reunião das forças.
O Portugal refere que teriam partido de Avô, mas quase dois séculos antes Bento Madeira escrevia como vimos que se tinham apresentado em Pinhel. Talvez numa fórmula mista esteja a verdade dos factos. Por certo Pinhel terá sido ponto fucral do valeroso corpo, como o indicia o facto de os Leões da Beira já terem sido referidos como Leões de Pinhel. O Abade de
Pera, por seu lado, refere que Brás Garcia se teria apresentado com a sua companhia, já em Almeida, a D.Álvaro Abranches.
4. Pinhel era então o centro operacional onde, desde Fevereiro de 1641, mais tempo se deteve o General Álvaro de Abranches da Câmara, que daí despacha os seus capitães a fazerem
“levas” – recrutamentos – por todo o país. Sabemos que o General saíra de Lisboa nos fins de Janeiro e que no dia 5 de Fevereiro chega a Coimbra onde as notícias o apressam a seguir para a fronteira beirã tomando por itinerário Viseu, Trancoso e Pinhel. Não nos é fácil precisar as datas das imediatas passagens depois de Coimbra. Em que momento exacto se encontram os seguidores Brás Garcia com D.Álvaro de Abranches é também difícil de determinar. Como vimos, a acreditar o coevo Abade de Pêra, teria sido em Almeida, embora Bento Madeira de Castro venha bem mais tarde a indicar que se teriam primeiro apresentado em Pinhel.
5. São infelizmente escassos os dados sobre este valoroso corpo de cavalaria que, mercê dos seus méritos, célere mereceria a designação de Companhia dos Leões da Beira.
No prefácio da edição de 1846 do Viriato Trágico, da autoria de Albino Freire de Figueiredo, aponta-se o extravio de informações, que teriam permanecido no Convento de São Luis em Pinhel:
“Existiam no cartório do convento das freiras daquela cidade (onde então estava uma parente de Braz Garcia Mascarenhas) esclarecimentos relativos a esta companhia, que foram recolhidos, segundo me constou, pelo curioso antiquário, bispo que foi daquela cidade, D.José de Mendonça Arraes, parente do poeta, e de alguns dos que então militavam com elle.
Fiz por obter estes esclarecimentos, dirigindo-me ao meu antigo amigo o Sr.
Joaquim Pinto de Mendonça Arraes, sobrinho daquele illustre prelado, porém não appareceram, talvez por estarem nessa occasião em desordem os papeis pertencentes ao exm.º bispo.”
Não consta que os papéis do empreendedor bispo de Pinhel D.José, que viria a falecer como bispo da Guarda em 19 de Abril de 1822, tenham voltado a dar sinal de si.
Seguramente nos dariam alguma luz sobre os seus componentes. Um deles sabemos ter sido António de Brito da Costa (Oliveirinha, Oliveira do Conde, c. 1622 - Oliveira do Conde, 4 de Out.1687), primo de Brás de Mascarenhas e capitão-mor de Oliveira do Conde.
6. Provavelmente, os Leões da Beira, cuja iniciativa corresponde ao ímpeto inicial do levantamento autonomista, ter-se-ão sem grande demora integrado nas estruturas militares. É bem natural terem sido assim uma oportuna companhia, acidental e temporária.
O próprio Brás Garcia de Mascarenhas foi do comando desta companhia mandado para governador da praça de Alfaiates, que, como sabemos, logo fortificou. Terá sido então que a Companhia se começou a dissolver?
Certo é que quando se dissolveram, tinham feito jus a uma passagem do Canto X do Viriato Lusitano:
“Todo Luso Varão de posto & fama,
Se achou nesta batalha, & mostrou nella Todo o valor, & brio; que quem ama O bem da Pátria, acode a defendela.
Quem repousar se deyxa em branda cama, Em quanto, o que a defende, em campo vela, Sem à Fronteyra ir cedo, nem tarde,
Ou Castelhano hè, ou hè covarde”)
Junho de 2014 Fernando Larcher
