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A terminologia da cana-de-açúcar no Brasil em duas perspectivas: do engenho à usina

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Academic year: 2021

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A terminologia da cana-de-açúcar

no Brasil em duas perspectivas:

do engenho à usina

The Brazilian sugarcane terminology

in a double perspective: from the

mill to the plant

Luís Henrique Serra

1

Abstract: The sugarcane is one of the most important products of the Brazilian

economy. The sugarcane sector is one of the fastest growing sectors in the world and it is one of the most profitable to the country. Within the development of this sector, a great number of terms have appeared, thanks to the emergence of new concepts. On the other hand, there is also a large production of the sector in states where it is not so developed. These terms, on behalf of a successful communication, should be collected and cataloged. This study deals with the terms used by experts and by farmers of the Brazilian sugarcane sector. The aim is to show how the variation in these terms is proportional to specialization in the field.

Keywords: Sugarcane; terms; agricultural sector; Micro planter; small planter.

Resumo: A cana-de-açúcar é um dos principais produtos da balança comercial

brasileira. O setor canavieiro é um dos que mais tem crescido no mundo e que tem dado grandes lucros ao País. Com o desenvolvimento do setor, um volumoso número de termos tem surgido, graças aos novos conceitos que emergiram. Por outro lado, há também uma grande produção nos estados em que o setor não é tão desenvolvido. Tais termos, em nome de uma comunicação bem sucedida, devem ser recolhidos e catalogados. Este estudo averigua os termos utilizados pelo técnico e pelo pequeno agricultor do universo da cana-de-açúcar do Brasil. Objetiva-se, com isso, mostrar como neste setor a variação é proporcional à especialização da atividade.

Palavras-chave: Cana-de-açúcar; termos; Setor Agrícola; micro e Pequeno agricultor.

1 Discente do Programa de Pós-Graduação em Filologia e Língua Portuguesa da Faculdade de

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1. Introdução

A cana-de-açúcar foi e permanentemente será uma das principais plantas da história brasileira. No passado, à luz de sua cultura e seu beneficiamento, as cidades brasileiras cresciam e se formavam, delimitando o espaço populacional no Brasil. Qualquer leve debruçar sobre a história do Brasil logo remete à história da cana-de-açúcar e de sua importância para a formação social e cultural do País.

No mesmo sentido, como na formação do Brasil, a cana-de-açúcar continua tendo um papel importante. Atualmente, a cana eleva o patamar do Brasil e o coloca entre as grandes potências agrícolas do mundo. Essa posição, conseguida num contexto global em que o fim do petróleo se anuncia e em que os cientistas apontam para a importância dos combustíveis renováveis, faz com que o Brasil desponte como potência mundial do biocombustível. Desse modo é que, nos últimos anos, a indústria canavieira tem crescido espantosamente, fazendo surgirem parques industriais gigantescos de produção de açúcar, álcool e cachaça, entre outros produtos advindos da cana.

Por outro lado, a cana-de-açúcar, em alguns estados, ainda possui uma realidade tradicional, sem as grandes alterações vividas pelo setor nos estados de grande importância, como São Paulo e Minas Gerais. Em alguns desses estados, a produção ainda é primária, plantada no toco, que é a expressão utilizada pelos micro e pequenos agricultores para denominar a plantação que não é mecanizada. Nesses estados, grande parte da produção passa pelas mãos do micro e do pequeno agricultor, que a cultiva para produção de inúmeros produtos populares, como a cachaça e a rapadura, que têm grande aceitação no mercado nacional e internacional.

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perspectivas: na perspectiva do técnico e do empresariado do setor mecanizado da cana-de-açúcar – e desses puderam ser extraídos os termos utilizados desde a indústria até os termos utilizados pelo técnico-agrícola e pelos outros profissionais agrônomos; e em outra perspectiva, a do micro e do pequeno agricultor de cana-de-açúcar, que vai desde o plantador, passando pelo lambiqueiro, que é o profissional responsável pela produção da cachaça, e indo até o vendedor, para saber os nomes populares que a cachaça recebe1.

O corpus deste trabalho é constituído por um grande volume de textos publicados pelo setor canavieiro e por especialistas na plantação e colheita de cana-de-açúcar. Os textos foram escritos em língua portuguesa e publicados no Brasil, nos primeiros 12 anos do século XXI. Com relação aos plantadores de cana-de-açúcar, o corpus é constituído por um conjunto de dez entrevistas feitas com micro e pequenos agricultores de cana-de-açúcar do Maranhão, que estão disponíveis no banco de dados do projeto Atlas Linguístico do Maranhão (ALiMA)2, em sua vertente dos Produtos Extrativistas e Agroextrativistas Maranhenses – cana-de-açúcar.

Objetiva-se, com este estudo, mostrar como a terminologia de um só universo pode diferenciar-se, ou seja, variar de acordo com os níveis de mecanização (ou aperfeiçoamento) da atividade. A perspectiva teórica adotada aqui é a descritivista, tendo como apoio a Teoria Comunicativa da Terminologia (TCT), pensada por Cabré (2002), Auger (2001), entre outros estudiosos.

1 Mario Souto Maior catalogou inúmeras denominações curiosas dadas à cachaça no imaginário

popular. A catalogação resultou no Dicionário Folclórico da Cachaça(1980).

2 O ALiMA é um projeto do Departamento de Letras da Universidade Federal do Maranhão e

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2. A Teoria Comunicativa da Terminologia: O

Especialista em Foco

A Terminologia é hoje um grande campo de estudos, tendo se desenvolvido sobremaneira nos últimos vinte anos do século passado. Atualmente, ela cresce continuamente, ganhando cada vez mais espaço nas grandes cidades do mundo e nas localidades afastadas. Barros (2006: 26) lembra que: “A terminologia encontra-se, hoje, em plena expansão em nível nacional e internacional e seus estudos exigem (...) o estabelecimento de relações de colaboração com diferentes áreas científicas e técnicas”.

No Brasil, a Terminologia tem ganhado cada vez mais espaço. Os grandes centros universitários do país hoje possuem grupos de estudiosos especializados na área, pesquisas que se desenvolvem em quase todas as universidades do país, além de que, em alguns programas de pós-graduação, a disciplina já é ministrada há alguns anos. Proliferam trabalhos que tenham como perspectiva a descrição linguística e conceitual dos universos especializados.

As grandes empresas e os governos do mundo também têm observado o valor do profissional da Terminologia, graças a seu caráter interdisciplinar. Essa valorização tem origem na compreensão da importância da comunicação especializada para uma empresa, ou ainda, para um país.

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importantes para que sejam entendidos os mecanismos da mudança linguística.

Louis Guilbert afirma que a significação do termo “sucede à retórica, à gramática e à sociolinguística”. Isso fundamentou as bases de uma redefinição teórica da disciplina, fato que permitiu a Pierre Auger concluir que hoje “os desenvolvimentos recentes da Sociolinguística têm orientado de uma nova maneira a pesquisa em Terminologia para considerações até agora desconhecidas. (GAUDIN 1993: 68(tradução sugerida)3

Com relação ao aspecto especialização na Terminologia, é importante lembrar a colocação de Cabré (2002), referente aos princípios que norteiam a teoria comunicativa da terminologia (TCT), teoria que fundamenta grande parte dos trabalhos feitos na área. A autora lembra que a nova teoria tem que dar conta de uma lacuna deixada pela terminologia clássica que tem a ver com o aspecto humano-profissional dos universos especializados. Para ela, uma teoria da Terminologia:

Tem que explicar as concomitâncias e diferenças entre o conhecimento geral e o especializado sem desassociá-los da competência do falante especialista, mas conservando a idiossincrasia de cada um. Portanto, tem-se que assumir que existem campos diferentes de conhecimento especializados, mas este conhecimento não estará interiorizado de forma independente na mente do falante. (CABRÉ 2002: 53) (tradução sugerida) 4

Não se pode deixar de atentar para o fato de que a TCT é uma teoria que se pauta nos usos profissionais das palavras. Lerat (1997) lembra que as linguagens especializadas são “antes de tudo uma linguagem em situação de emprego profissional (...). é uma língua como um sistema autônomo, mas a

3 Tradução para: Déjà, Louis Guilbert affirmait que la signification du terme “relève et de la

rhetorique et de la grammaire et de la sociolinguistique ”. C´était poser les bases d´une redéfinition théorique de la discipline, entreprise qui permet à Pierre Auger de conclure aujourd´hui que “les developments recents de la sociolinguistique ont orienté de façon nouvelle la recherche en terminologie vers de nouvelles considerations inconnues jusqu´alors.

4 Ha de explicar las concomitancias y diferencias entre los conocimiento general y el

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serviço de uma função mais ampla: a transmissão do conhecimento” (LERAT 1997: 18)5, sendo o profissional terminológo de suma importância para essa transmissão do conhecimento, porque é ele quem vai construir as unidades de conhecimento especializado, é ele quem sugere as denominações dos conceitos específicos, que poderão ser de simples denominações terminologizadas (bandeira [parte superior da cana], torta [bolo vegetal utilizado na indústria canavieira]) até formas alfanuméricas e complexas (folha 8, LICOR 3100, BR872552).

Na esteira dessa discussão, a conclusão que chega Cabré (2002), ao formular as bases da TCT, é de suma importância: ela mostra que o perfil profissional do especialista de uma área é importante para a descrição das linguagens especializadas. Cabré (2002) lembra que:

(...) a terminologia pode fazer parte dos signos da linguagem natural e integrar-se ao conhecimento do falante, que é ao mesmo tempo falante e profissional de uma matéria. (...) A Terminologia, vista por uma teoria linguística não redutiva que inclua a competência e a atuação dos falantes contemplados em sua heterogeneidade cognitiva e comunicativa, deve propor uma teoria que ao mesmo tempo dê conta dos fenômenos da linguagem geral, descreva as especificidades cognitivas, linguísticas (gramaticais, pragmáticas, textuais e discursivas) e comunicativa das linguagens das unidades terminológicas e explique como o falante-especialista adquire estas especificidades e utiliza essas unidades. (CABRÉ 2002: 51-52)6 (grifos não originais) (tradução sugerida)

Gambier (1991), ao tratar dos usos das terminologias instituídas pelas grandes corporações, afirma que para a Socioterminologia:

5 La lengua especializada es ante todo una lengua en situación de empleo profesional(...). Es

la lengua misma como sistema autónomo, pero al servicio de una función más amplia: la transmisión de conocimientos.

6 (...) la terminología puede formar parte de los signos del lenguaje natural e integrarse en el

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O uso espontâneo é posto em oposição ao uso oficial (...). Mas contrário ao dispositivo institucional, a produção e a difusão da massa terminológica mantém-se “incontrolável”, isto é, regida pelos atos e pelos atores em contradição. A Socioterminologia constrói um caminho para um outro nível de análise, por tentar compreender os dados entre denominação (produção linguística) e as necessidades conceituais (práticas sociais), entre trabalho (força produtiva) e saber-fazer (dinâmica cognitiva). (GAMBIER 1991: 9) (grifos originais, tradução sugerida)7

Desse modo, Gambier chama a atenção para a terminologia criada também pela parte de baixo da pirâmide de produção, pela força produtiva das indústrias. E, como ele afirma, muitas vezes, o que se torna oficial, dado o uso intenso, é a forma dita “não oficial”, que não passou pela banca terminológica, mas pelo crivo dos usuários especialistas.

Visto desse ângulo, é possível conceber que, em Terminologia, o aspecto nível de especialização deve ser considerado, caso se queira ter uma visão ampla e real dos universos específicos. O aspecto nível de especialização norteia a denominação e a organização conceitual. É sabido que um conceito, dependendo do profissional, de seu nível de especialização, pode apresentar inúmeras denominações, instituindo-se assim a sinonímia terminológica.

No universo da cana-de-açúcar, a variação profissional é bastante evidente. Vê-se que um só universo abriga inúmeros profissionais com características particulares e com formações profissionais e técnicas bastante diferenciadas, sempre obedecendo às estruturas hierárquicas das organizações. Esse modo de organização das empresas não pode ser negligenciado pelos estudos em Terminologia, visto que este é um fator que determina a variação terminológica nos discursos específicos.

Este estudo leva em consideração esse fator, mostrando como a variação denominativa nesse universo tem por base a variação profissional ou nível de especialidade.

7 L’usage spontané est posé par opposition à celui officiel (...). mais contrairement au

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3. A Terminologia da Cana-de-Açúcar do Brasil:

Duas Perspectivas

3.1. Os dados

Os dados utilizados para este estudo têm dois registros, um oral e o outro impresso.

O universo da cana-de-açúcar é bastante vasto e muito complexo, com inúmeros especialistas que atuam desde o momento da plantação das sementes da cana até o momento dos estoques dos produtos beneficiados a partir da cana-de-açúcar, e, cada um destes profissionais possui uma terminologia própria e específica. Desse modo, para fins deste estudo, foi feito um recorte de modo que os campos conceituais dos dois profissionais pudessem ser contemplados. É válido ressaltar que o universo do técnico agrícola é mais vasto e mais complexo do que o do micro e do pequeno agricultor, desse modo, nem sempre os dois universos possuem interseções. Nesse sentido é que a área contemplada foi a da produção, ramificada para as áreas da plantação e do beneficiamento da cachaça (ou álcool, no caso da indústria).

Corpus impresso: fora recolhido um volumoso material publicado em

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O corpus impresso representou o discurso da indústria canavieira e do técnico agrícola, visto que esses são os principais signatários dos textos encontrados no corpus.

Material oral: o corpus em sua face oral é um conjunto de entrevistas feitas com micro e pequeno agricultores de cana-de-açúcar do Maranhão. O

corpus foi recolhido pelo Projeto Atlas Linguístico do Maranhão (ALiMA), da

Universidade Federal do Maranhão, para compor o banco de dados terminológico das culturas extrativistas e agroextrativistas maranhenses. Para sua composição, foram feitas entrevistas com lavradores e lambiqueiros de oito municípios maranhenses que, segundo dados do IBGE e da EMBRAPA, são grandes produtores de cana-de-açúcar no estado. Cada entrevista fora transcrita e está armazenada no banco de dados do ALiMA.

As entrevistas recolhidas representaram o discurso do micro e do pequeno agricultor de cana-de-açúcar.

De acordo com uma interessante pesquisa feita por Nunes (2008) em outros municípios do País e em outras localidades do globo (sobretudo as africanas e as portuguesas), percebeu-se que a variação na terminologia da cana-de-açúcar, em sua face não industrial, não apresenta um número elevado de variações, isso graças ao organizado sistema colonial da cana-de-açúcar montado no século XVIII e XIX, em que os mestres e os trabalhadores da cana tinham sempre a mesma origem, algum país africano para cuidar da lavoura e trabalhar nas caldeiras do engenho e alguém de um país europeu para administrar o engenho e a casa grande. Com esse fato, é possível mostrar a amplitude dos dados deste trabalho.

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3.2. A Terminologia da Cana-de-Açúcar: Do Engenho

à usina

Dado o avançado processo de industrialização da indústria canavieira, é lógico que os termos utilizados pela indústria e pelo técnico agrícola são mais amplos e mais complexos graças à atual preocupação que as grandes organizações têm tido, sobretudo depois da concepção das normas ISO, cuja obediência rende-lhes o tão perseguido selo ISO.

3.2.1. CAMPO CONCEITUAL PLANTAÇÃO

O campo conceitual plantação é um campo que abrange desde o momento da plantação até o corte da cana no canavial. Desse modo, foram observados termos utilizados pelos dois profissionais no momento do corte, que denominam máquinas, instrumentos e aparelhos utilizados pela indústria no canavial; termos do momento do transporte do canavial até o engenho ou à indústria, bem como o nome dos profissionais que trabalham neste setor.

O micro e o pequeno plantador de cana-de-açúcar, no momento da plantação, fazem uso da enxada para abrir os buracos, que eles denominam

cova ou sulco; em algumas localidades, o termo cova é polissêmico, por

determinar tanto o buraco onde é plantada a semente da cana (ou o canudo, olhadura, olho, olho da cana, entre outras denominações) como a organização aleatória do canavial (cf. SERRA 2012), que, geralmente, é plantada em fileira, o que acaba formando os termos linha e fileira para denominar essa organização da plantação. Nas fileiras ou nas covas, a família da cana (a cana mãe e as socas, os rebrotos) é denominada de soqueiras, essas soqueiras são cortadas primeiramente. No corte, geralmente, os plantadores utilizam o

facão para o corte da cana. Depois de cortada, a cana é organizada por

feixes, cada feixe o agricultor denomina moita (variando, em alguns momentos, para o sintagma moita de cana) que é transportada pelo carro de

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cana-de-açúcar) na sela de algum animal de carga. Em alguns momentos, esse transporte é feito por meio de esteiras (carrinho rústico de madeira, com rodas de ferro), quando o canavial está perto do engenho (ou casa do

engenho).

A indústria de cana-de-açúcar utiliza dois modos para o plantio da cana-de-açúcar: o semimecanizado (outros termos são sinônimos desse, como

plantação tradicional ou plantação manual) e o mecanizado. O mecanizado é

completamente feito por meio de máquinas que fazem muitas tarefas simultaneamente, só tendo como fator negativo o cuidado com o plantio e com as sementes, na hora da plantação; e o semimecanizado que, em algumas regiões do Maranhão, os micros e os pequenos agricultores utilizam algum aparelho mecânico como carro, trator ou caçamba, praticando, desse modo, uma plantação semimecanizada, onde são utilizados alguns aparelhos mecânicos no trabalho com o plantio.

Na indústria, a plantação é feita primeiramente com a abertura das valas; o sistema em cova ou não é praticado ou o é feito de maneira escassa, sempre sendo feitos sulcos onde são colocadas as sementes da cana com o

sulcador, que é uma máquina com a qual são abertas valas para que a cana

seja plantada em fileira. Na indústria, como fazem o micro e o pequeno agricultor de cana-de-açúcar, a cana rebrota e a cana mais velha são as primeiras a serem cortadas. É interessante observar que, para o plantio mecanizado, alguns aspectos antes são observados, como a química do solo e a condição atmosférica do canavial, entre outros fatores.

O plantio é feito com uma máquina que faz o plantio automático, chamada de plantadora. Após a máquina sulcadora, o plantio é feito pela

plantadora, que separa automaticamente as sementes picadas da cana

(chamadas também de rebolo). Outro tipo de “semente” de cana é chamado

cana inteira (na qual a cana é colocada inteiramente nos sulcos). A plantadora, enquanto coloca as mudas de cana nos sulcos, espalha o adubo e

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produção de álcool, com elevados teores de potássio, água e outros nutrientes) e palha como um adubo natural. O acerto do sulco (espaço entre as fileiras da cana-de-açúcar) deve ser considerado para que haja um bom

refilhamento da cana (rebroto da cana nas gemas inferiores).

Com os termos levantados nesse campo, pôde-se fazer uma tabela comparativa para que se possa observar qual a distribuição conceitual dos termos, bem como a diferença entre as duas maneiras de colheita da cana. A mecanização da cana, como pode ser observado, suprimiu inúmeros termos. O emprego da sementeira e da sulcadora aposentou os trabalhadores braçais, que eram os principais usuários dos termos mais antigos, como enxada,

esteira e feixe, facão, instrumentos não utilizados em uma plantação mais

mecanizada.

É interessante observar que alguns termos do micro e do pequeno agricultor foram incorporados pela indústria, como fileira e bagaço. Por outro lado, no campo conceitual plantação, a presença do técnico é bem mais expressiva, tendo o micro e o pequeno agricultor de cana-de-açúcar incorporado alguns termos, como sulcos, sementes e cobertura morta.

Nesta investigação, foi possível observar os termos mais gerais do campo, não tratando, desse modo, de termos mais específicos da indústria, como os termos sistema de pivô central, adubações de cobertura, escaldadura

– que são termos que denominam processos e técnicas mais específicas

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TERMOS DA CANA-DE-AÇÚCAR:

CAMPO

CONCEITUAL

PLANTAÇÃO

MICRO E PEQUENO AGRICULTOR

INDÚSTRIA CANAVIEIRA

cova, sulco, vala sulco

olho, olhadura, canudo, semente rebolo, semente de cana, muda

linha, fileira fileira

sementeira

enxada facão

carro-de-boi caminhão, caçamba

esteira feixe

torta de filtro

filhar, soca refilhamento da cana, rebroto acerto do sulco

bagaço bagaço

engenho, casa do engenho usina ou engenho

corte corte mecânico e corte manual

cobertura morta cobertura morta

broca, broca, broca de cana, broca gigante

touceira touceira

vinhaça

3.2.2. CAMPO CONCEITUAL: BENEFICIAMENTO DA

CACHAÇA

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agricultor beneficiam a cachaça, a rapadura e, em escala menor, o açúcar. Nos dados referentes ao micro e ao pequeno agricultor de cana-de-açúcar encontrou-se um número maior de termos referentes à produção artesanal de cachaça8. Neste estudo, compara-se os termos da indústria e do engenho que

destilam a cachaça.

O micro e o pequeno agricultor produzem cachaça por meios bastante tradicionais, se comparados à indústria. Tem-se, desse modo, muitos termos antigos e, em alguns momentos, encontra-se a interferência do técnico agrícola, com sua terminologia.

A produção de cachaça inicia-se com a moagem da cana. As canas são introduzidas no engenho após uma rápida lavagem. Os colmos são introduzidos separadamente, um por um. Os rolos do engenho moem a cana, que é introduzida repetidas vezes para a total extração do caldo de cana. Após ser extraído pela moenda, o caldo pode cair em um cocho que se encontra abaixo da moenda, ou pode passar por ligações de canos feitas entre a moenda e a

dorna (vasilha grande de plástico ou madeira própria para armazenamento de

líquidos). Em alguns engenhos, entre a calha (tubo por onde o caldo sai da moenda) e a dorna, há uma escumadeira (peneira em formato circular ou

quadricular, que serve para separar o caldo de impurezas e da espuma). Após a extração, o caldo é colocado no pé de cuba (dorna ou um tonel contendo farinha de puba) para vinhar ou para tirar a acidez do caldo de cana-de-açúcar. Em algumas vezes, o caldo é colocado junto com soda cáustica ou cal, para acelerar o processo de neutralização do caldo. Durante dois ou três dias, o caldo fica vinhando. Durante o processo, o caldo borbulhante é chamado de caldo vivo. No final, quando não borbulha mais, denomina-se caldo morto. Após vinhar, o caldo é colocado no alambique, geralmente feito de barro ou cobre, nos engenhos mais modernizados.

No alambique, o caldo é cozido durante quatro ou cinco horas, até destilar toda a cachaça: a fumaça do caldo sobe por uma encanação de ferro

8 Serra (2011) observa que a produção do micro e do pequeno agricultor de cana-de-açúcar do

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com formato espiral, denominada serpentina (ou serepentina), que está imersa no tanque com água fria. O choque térmico entre a fumaça (quente) e a água (fria), na serpentina, acaba por condensar a fumaça, transformando-a em cachaça. O primeiro litro de cachaça o lavrador denomina cabeça (ou

cachaça de cabeça); os litros restantes são denominados de coração; os

últimos e, portanto, com menor teor alcóolico, denominam-se rabo (ou

caxixi). O plantador mistura o rabo e a cabeça para produzir uma cachaça

com teor alcóolico mediano, que consome em sua diária no canavial.

A indústria, por sua vez, produz a cachaça desde a colheita (o corte), porque é feita observando o menor desgaste da planta, evitando a queima do canavial. Após o corte, a cana é levada para ser moída no engenho (moenda) repetidas vezes (moagem), até que os feixes fibrovasculares possam expelir todo o caldo existente neles. Algumas vezes, a moagem não é suficiente para a extração completa do caldo, sendo utilizada a embebição, que consiste em numerosas lavagens do bagaço da cana-de-açúcar. A embebição é o final da

moagem, sendo denominada a partir do número de vezes que ela é embebida,

podendo ser chamada de embebição dupla, tripla e assim sucessivamente. Após a moagem, o caldo é passado por peneiras, que podem ser

peneiras fixas, peneiras rotativas ou peneiras vibratórias para separar os

sólidos restantes do caldo, como o bagacilho (pequenos pedaços do bagaço), terra, pedras e etc. Após o peneiramento do caldo, ele é colocado para

decantar (o caldo é deixado sem movimentação para que haja separação

entre os resíduos da cana e o caldo) no decantador de caldo. Desse modo, o caldo que passou pelos processos de peneiração e decantação é denominado

mosto.

O mosto é colocado para fermentar com o pé-de-fermento (produto químico utilizado para a concentração, ou seja, diminuição da acidez do caldo.). Na indústria, a fermentação consiste em diversas modificações passadas pelo caldo, por meio de processos químicos (como estabilização do

pH do caldo, extração do oxigênio, mutações das características do caldo

causadas pelas leveduras, entre outros processos) que acontecem na dorna de

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caldo da cana.). A fermentação da cachaça passa por três momentos

específicos, como a fermentação preliminar, principal ou complementar. Tais momentos são as características que o caldo apresenta durante a sua fermentação, que vai desde o aquecimento do caldo, aborbulhamento e esfriamento do caldo, respectivamente.

Após a fermentação, o mosto é colocado no alambique para destilar (ferver e evaporar-se), para depois ser condensado na serpentina do

alambique.

Assim como o micro e o pequeno agricultor, a indústria nomeia a produção de cachaça de três formas que estão relacionadas ao teor de álcool da cachaça que sai do alambique. Desse modo, a cachaça de cabeça é como são denominados os primeiros litros de álcool que saem do alambique: esses possuem um nível alto de álcool, não sendo consumido geralmente; no segundo momento, os litros restantes são chamados de cachaça coração ou

coração da cachaça, que é a cachaça que apresenta níveis satisfatórios de

teor alcoólico, sendo o produto comercializado. A cachaça com maior teor de água e menor de álcool é que o técnico chama de rabo da cachaça, essa não é utilizada, assim como a cachaça cabeça. Após a destilação, a cachaça passa a ser denominada como aguardente.

Como aguardente, a cachaça passa pelo processo de envelhecimento que consiste no armazenamento durante um longo tempo da aguardente em recipientes de madeira, para que esta possa se misturar com alguns elementos que estão na madeira e melhorar o aroma e a cor da aguardente.

TERMOS DA CANA-DE-AÇÚCAR:

CAMPO

CONCEITUAL

BENEFICIAMENTO

MICRO E PEQUENO AGRICULTOR

INDÚSTRIA CANAVIEIRA

corte corte

moagem moagem

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- feixes fibrovasculares

lavagem embebição dupla, tripla...

escumadeira peneiras fixa, rotativa, vibratória

- bagacilho

cocho

-dorna decantador de caldo

calha

-pé-de-cuba pé-de-fermento

vinhar

-- mosto

caldo vivo fermentação principal

caldo morto fermentação complementar

destilar destilar

alambique alambique

serpentina (serepentina) serpentina

tanque

-cachaça da de cabeça cachaça de cabeça

coração coração

cachaça de rabo(caxixi) cachaça de rabo

- envelhecimento Com relação aos dados apresentados aqui é possível observar alguns

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4. Últimas Considerações

Os dados mostram que, no universo linguístico da cana-de-açúcar no Brasil, a variação se dá não só por motivos diatópicos, como já observado em outros momentos (SERRA 2012), ou por motivos intralinguísticos, mas também pelo nível de especialização dos indivíduos que falam e assinam os textos do universo. A comparação entre discursos de dois diferentes profissionais de um mesmo universo se mostrou bastante eficiente nesse sentido, pois a variação lexical ficou evidenciada com os dados expostos ao longo do estudo.

No estudo feito aqui, observou-se que a terminologia do micro e do pequeno agricultor de cana-de-açúcar sofre modificações a partir da assimilação de alguns termos dos técnicos (ou da indústria). Já é possível ver essa relação muito claramente na fala do micro e do pequeno agricultor, por meio dos termos empregados por eles. Contudo, um outro estudo diacrônico se faz necessário para observar até onde pode ser notada a preservação, no discurso da indústria, dos termos do micro e do pequeno agricultor. Termos como cobertura morta, semente e moagem, só para citar alguns, são amplamente utilizados pela indústria, configurando-se como termos técnicos.

Espera-se que este estudo motive outros, e que possam surgir estudos que façam essa comparação e vejam se esse tipo de variação, dada pelo nível de especialização de uma atividade, é sistemático, ou seja, se ela pode ser observada em outros universos profissionais.

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Referências

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