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A ATIVIDADE DE EDUCAR E A EXTRAÇÃO DE MAIS-VALIA: O ENSINO SUPERIOR CAPITALISTA

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A ATIVIDADE DE EDUCAR E A EXTRAÇÃO DE MAIS-VALIA:

O ENSINO SUPERIOR “CAPITALISTA”

Ellen Lucy Tristão Graduanda em Ciências Econômicas, FCLAr/UNESP

ellen_lucy@yahoo.com.br

Dentre as inúmeras mudanças que ocorreram no mundo do trabalho após a segunda metade do século XX, destacamos o crescimento significativo do setor de serviços. Já na década de 1950, o emprego neste setor ultrapassava os 50% nos EUA (Castells, 1999). No Brasil, guardadas as especificidades regionais, a mesma tendência se observa: em 1982 o percentual de pessoal ocupado em serviços era de 59,1% e em dezembro de 2002 já atingia 71,1% (IBGE/PME, 2005). Esse crescimento representou um grande deslocamento de trabalhadores das atividades industriais para as de serviços. Numa sociedade capitalista – a qual se funda na criação e valorização do valor através do trabalho – isso significa que mais trabalhadores passaram a vender sua força de trabalho para realizar atividades cujo valor de uso resultante “não é útil como coisa mas como atividade”. Essa é a designação de Marx (1985, p.118) para serviço: “(...) serviço não é em geral mais do que uma expressão para o valor de uso particular do trabalho, na medida em que este não é útil como coisa mas como atividade”.

A atividade de educar no Brasil tornou-se importante fonte de criação e valorização de valor. Essa informação se confirma quando nos deparamos com o enorme crescimento no número de Instituições de Ensino Superior (IES) Privadas existentes. Em 1980 existiam 682 Instituições de Ensino Superior Privadas em todo o país; em 2003 esse número foi de 1.652. Um aumento de 142%, enquanto o Ensino Superior Público cresceu apenas 4% no mesmo período (INEP/MEC). Dentre essas IES Privadas denominamos Instituições de Ensino Superior Capitalista aquelas que utilizam o valor de uso educação com o objetivo de valorizar valor. 1

Nossa pesquisa se concentra no entendimento dos serviços e de seus limites para a produção capitalista. A atividade de educar, ou seja, o trabalho do professor, auxilia-nos na busca por um entendimento sobre esse tema, o qual se apresenta como um debate atual e complexo.2

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Existem, no entanto, muitas IES de capital privado que não possuem a valorização do capital como objetivo; um bom exemplo são as PUCs, como também, várias Fundações.

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1. A atividade de serviços como atividade produtiva

Para a reprodução da vida humana o homem interage com a natureza, transformando-a em objetos úteis para sua vida. Essa atividade é o trabalho. Durante sua história a humanidade se desenvolveu na medida em que transformava a natureza, pois ao atuar sobre a natureza externa a ele, o homem modifica sua própria natureza. Essa afirmação é esclarecida por Marx (1983, p. 149):

Ele [homem] põe em movimento as forças naturais pertencentes à sua corporalidade, braços e pernas, cabeça e mão, a fim de apropriar-se da matéria natural numa forma útil para sua própria vida. Ao atuar, por meio desse movimento, sobre a Natureza externa a ele e ao modificá-la, ele modifica, ao mesmo tempo, sua própria natureza. Ele desenvolve as potências nela adormecidas e sujeita o jogo de suas forças ao seu próprio domínio.

O homem realiza na natureza o objetivo anteriormente idealizado e nesse movimento se desenvolve como ser humano e se relaciona com o resto da humanidade. Podemos afirmar que o trabalho é o centro da sociabilidade humana. Ele é atividade vital e permite ao homem se desenvolver como ser humano. Marx (1993) afirma que é o trabalho que torna o homem ser genérico e diferente dos animais:

O animal [se] faz imediatamente um com sua atividade vital. Não se diferencia dela. É ela. O homem torna a sua própria atividade vital objeto do seu querer e de sua consciência. Tem atividade vital consciente. Não é uma determinante com a qual ele se confunda imediatamente. A atividade vital consciente diferencia imediatamente o homem da atividade vital animal. Precisamente apenas por isso ele é um ser genérico. Ou ele só é um ser consciente [porque] a sua própria vida é para ele objeto, precisamente porque ele é um ser genérico. Só por isso a sua atividade é atividade livre. (p.67)

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trabalho aos outros, os capitalistas, em troca de um pagamento. Marx (1985, p. 42-3) esclarece:

A função verdadeira, função específica do capital enquanto capital é pois a produção de valor excedentário e esta (...) não é mais que a produção de sobretrabalho, apropriação – no decurso do processo de produção real – de trabalho não pago, que se apresenta à vista e se objetiva como mais-valia. Esse processo é possível pois ao comprar a força de trabalho do trabalhador o capitalista a compra pelo seu valor de troca, que corresponde aos meios de subsistência necessários para produzir essa mesma força de trabalho. Porém, o que o capitalista utilizará é o valor de uso dessa força de trabalho, que poderá ser utilizada em tempo de trabalho superior ao tempo de trabalho necessário para a produzir. Essa idéia está clara na seguinte citação de Marx (1983):

O valor de um dia de trabalho importava em 3 xelins, porque nela mesma está objetivada meia jornada de trabalho, isto é, porque os meios de subsistência necessários para produzir diariamente a força de trabalho custam meia jornada de trabalho. (...) O fato de que meia jornada seja necessária para mantê-lo vivo durante 24 horas não impede o trabalhador, de modo algum, de trabalhar uma jornada inteira. O valor da força de trabalho e sua valorização no processo de trabalho, são, portanto, duas grandezas distintas. (p.159)

Esse fato preciso e historicamente construído nos possibilita entender a produção de excedente. Somente o trabalho que produzir mais-valia pode ser considerado trabalho produtivo, não basta que o trabalhador produza bens com valor de uso. Como nos mostra Marx (1984):

A produção capitalista não é apenas produção de mercadorias, é essencialmente produção de mais-valia. O trabalhador produz não para si, mas para o capital. Não basta portanto, que produza em geral. Ele tem de produzir mais-valia. Apenas é produtivo o trabalhador que produz mais-valia para o capitalista ou serve à autovalorização do capital. (p. 105)

O objetivo do capital, segundo Marx, é a valorização do valor através do processo de produção capitalista (D-M-D’ – dinheiro – mercadoria – dinheiro + mais-valia). Diante dessa lógica capitalista várias atividades dos serviços são atividades produtivas, uma vez que o que define o trabalhador como produtivo ou improdutivo não é o processo de trabalho a que se submete, mas se ele participa ou não do processo de valorização do capital.

Existe uma diferença entre o trabalho no processo industrial capitalista e nas atividades de prestação de serviços. O primeiro utiliza a força de trabalho assalariada e produz mercadorias que existem separadamente do trabalhador, ou seja, cujo resultado é material, já o produto dos serviços pode existir de duas maneiras:

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por exemplo, livros, quadros, todos os produtos artísticos que existem separadamente da atividade artística do seu criador e executante (...). 2) O produto não é separável do ato de produção. (Marx, 1985, p.119-20)

Não é, no entanto, o resultado material ou imaterial o que determina a diferença entre o trabalho produtivo e improdutivo. A diferença fundamental consiste na finalidade de sua troca por dinheiro: se é por dinheiro apenas como dinheiro (rendimento), o que é vendido é o valor de uso do trabalho; se é por dinheiro como capital, o que o trabalhador vende é sua força de trabalho, que irá valorizar capital. “A diferença entre o trabalho produtivo e o improdutivo consiste apenas em que, em si, o trabalho é trocado por dinheiro como dinheiro e em dinheiro como capital” (MARX, 1985, p.119). Para ilustrar esse fato Marx (1985) nos dá alguns exemplos, como nos mostra a citação:

Uma cantora que canta como um pássaro é uma trabalhadora improdutiva. Na medida em que vende o seu canto é uma assalariada ou uma comerciante. Porém, a mesma cantora contratada por um empresário que a põe a cantar para ganhar dinheiro, é uma trabalhadora produtiva, pois produz diretamente capital.

Um mestre-escola que é contratado com outros para valorizar, mediante o seu trabalho, o dinheiro do empresário da instituição que trafica conhecimento é um trabalhador produtivo. (grifo nosso, p.115)

O mestre-escola – o professor de hoje – é trabalhador produtivo desde que empregado para produzir mais-valia. Numa IES Capitalista o papel social que cada um dos que a compõem frente à lógica de acumulação e valorização do capital é: aluno – consumidor que compra valor de uso educação, professor – trabalhador dos serviços que valoriza capital e diretor/proprietário – dirigente da empresa capitalista que tenta subsumir o trabalhador ao capital. Apesar dessa relação se assemelhar à relação capitalista – operário – consumidor ao se tratar da produção industrial, na atividade de serviços existe uma diferença. Essa diferença se relaciona ao que Marx considera como limites para a incorporação dos serviços à produção capitalista, como veremos no item seguinte.

2. O desajuste dos serviços

2.1. Elementos fundamentais do modo de produção especificamente capitalista Ao tratar de serviços Marx aponta uma intrigante questão, a qual se refere aos limites para a aplicação da produção capitalista aos serviços em suas duas formas, já citadas:

1) O seu resultado são mercadorias que existem separadamente do produtor (...).

A produção capitalista só se pode aplicar aqui de maneira muito limitada. (...)

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capitalista de produção só tem lugar de maneira limitada, e só pode tê-lo,

devido à natureza da coisa, em algumas esferas. (grifo nosso -1985, p.119-20) Após apontar a existência desses limites, Marx segue o texto sem explicitar que limites seriam esses. Na busca de uma explicação nos parece frutífero abordar a questão das formas de subsunção do trabalho ao capital, pois Marx aponta uma diferença entre o trabalho imediato na produção industrial e o trabalho nos serviços ao tratar das idéias de subsunção real e formal. Ao contrário do trabalho na fábrica, os serviços só seriam subsumidos formalmente pelo capital: “(...) a maior parte destes trabalhadores [produtivos nos serviços], do ponto de vista da forma, apenas se submetem formalmente ao capital (...)” (MARX, 1985, p.115)

A subsunção formal do trabalho ao capital existe a partir do momento em que se inicia a produção capitalista, ou seja, um capitalista, detentor dos meios de produção, coloca sob sua direção trabalhadores que a ele venderam sua força de trabalho, a qual o capitalista utilizará para valorizar o seu capital:

O essencial na subsunção formal é o seguinte: 1) A relação puramente monetária entre aquele que se apropria do sobretrabalho e o que o fornece (...). É apenas na sua condição de possuidor das condições de trabalho que, neste caso, o comprador faz com que o vendedor caia sob sua dependência econômica; não existe nenhuma relação política, fixada socialmente, de hegemonia e subordinação. 2) O que é inerente à primeira relação – caso contrário o operário não teria que vender a sua capacidade de trabalho – é que as suas condições objetivas de trabalho (meios de produção) e as suas condições subjetivas de trabalho (meios de subsistência), monopolizadas pelo aquisidor da sua capacidade de trabalho, se lhe opõem como capital. (...) O processo de trabalho, do ponto de vista tecnológico, efetua-se exatamente como antes, só que agora como processo de trabalho subordinado ao capital. (MARX, 1985, p.94-5)

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capitalista de produção, e este obstáculo é elucidado por Andrew Ure citado por Marx (1983, p.288):

“A fraqueza da natureza humana”, exclama o amigo Ure, “é tão grande que quanto mais hábil for o trabalhador, tanto mais ele se torna voluntarioso e mais difícil de ser tratado e, por conseguinte, causa grande dano ao mecanismo global, por meio de seus caprichos tolos”.

Enquanto não se modifica a natureza do processo de trabalho, o saber do operário permanece como uma barreira ao aumento de produtividade,3 logo, ao aumento da mais-valia. Como ilustra Moraes Neto (1987), na subsunção formal é como se o trabalhador permanecesse sob uma “redoma de vidro” impenetrável aos olhos do capitalista.

É apenas com o desenvolvimento do modo de produção especificamente capitalista que surge a subsunção real do trabalho ao capital. Apenas quando as formas de trabalho também enfrentarem o trabalhador como coisa e dele não mais dependerem, é que o capital subsumirá realmente o trabalhador. Nesse momento o capital tem todo o domínio sobre o processo de produção, retirando do trabalhador a “redoma de vidro”:

Na subordinação real ao capital (...) desenvolvem-se as forças produtivas sociais do trabalho e, graças ao trabalho em grande escala, chega-se à aplicação da ciência e da maquinaria à produção imediata. Por um lado, o modo capitalista de produção, que agora se estrutura como um modo de produção sui generis, origina uma forma modificada de produção material. Por outro lado, essa modificação da forma material constitui a base para o desenvolvimento da relação capitalista, cuja forma adequada corresponde, por conseqüência, a determinado grau de desenvolvimento alcançado pelas forças produtivas do trabalho. (Marx, 1985, p.105)

As “forças produtivas sociais do trabalho” são a forma de desenvolvimento do capital que se dá a partir do desenvolvimento das formas de trabalho social, tais quais: cooperação, manufatura e grande indústria. Em conseqüência do desenvolvimento das formas do trabalho social, a ciência e as forças naturais se tornam forças produtivas do trabalho. Na subsunção real as forças produtivas sociais do trabalho são estranhas ao trabalhador, ou seja, a relação de produção não mais depende dele e o enfrenta como coisa, mesmo sendo produto de seu trabalho capitalizado. Esse processo se torna mais acentuado sob duas condições: a) quando o processo de trabalho não pode mais ser efetuado de forma autônoma do processo capitalista de produção e o trabalhador individual não mais consegue produzir; e b) quando com a aplicação tecnológica da ciência se transformam forças naturais em maquinaria, a qual substitui o trabalhador e o

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subjuga, tornando-o supérfluo. Marx (1980) explicita essas condições:

A unidade na cooperação, a combinação na divisão do trabalho [na manufatura], o emprego, na maquinaria para fins produtivos, das forças naturais e da ciência junto com os produtos do trabalho, tudo isso se opõe aos próprios trabalhadores individuais como algo estranho e coisificado, (...) as formas sociais de seu próprio trabalho ou as formas de seu próprio trabalho social são relações constituídas de maneira que deles em nada depende; os trabalhadores, subsumidos ao capital, tornam-se elementos dessas formações sociais, mas essas formações sociais não lhe pertencem. Enfrentam-nos portanto como

estruturas do próprio capital (...) distintas da força de trabalho individual,

oriundas do capital e nele incorporadas. E isto assume feição tanto mais real quanto mais essas formas modificam a própria força de trabalho – tornando-a impotente para ação autônoma, isto é, fora do relacionamento capitalista, e destruindo-lhe a capacidade autônoma de produzir – e quanto mais as condições de trabalho, com o desenvolvimento da maquinaria, se patenteiam, no plano tecnológico, dominantes do trabalho e ao mesmo tempo o substituem, subjugam e o tornam supérfluo nas formas independentes. (p. 386)

Como vemos, o que Marx chama de “modo de produção especificamente capitalista” é aquele no qual o trabalhador é subsumido realmente, através de um desenvolvimento do próprio trabalho social em conjunto com a aplicação da ciência, tornando o trabalhador supérfluo, estranho à relação de produção, que agora independe dele quanto mais se autonomiza através do desenvolvimento da maquinaria.

Apesar das especificidades no desenvolvimento do processo produtivo no decorrer do século XX, que em muitos setores caminhou na contracorrente do que seria o “modo de produção especificamente capitalista”,4 temos nos dias de hoje essa tendência se generalizando na maioria dos setores produtivos, que, com a aplicação tecnológica da ciência, prescindem cada vez mais do trabalho vivo imediato.5

2.2. Especificidade do trabalho do professor

Agora voltemos ao trabalho do professor. Vimos que sua atividade pode ser desenvolvida como atividade produtiva, ou seja, que produz mais-valia. Essa condição o mantém subsumido formalmente ao capital, pois não detém os meios de produção necessários para exercer sua atividade. O produto de seu trabalho é a aula, um momento em que transmite conhecimento aos alunos através de uma interação professor/aluno. Para que isso seja possível é necessário que ele detenha esse conhecimento, um saber que lhe possibilite executar sua atividade.

Essas características da atividade do professor trazem alguns problemas para o

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Esse tema foi detalhadamente tratado por Moraes Neto (1991 e 2003). 5

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capital. Além desse saber o tornar “voluntarioso e mais difícil de ser tratado” – nas palavras de Ure –, sua atividade não se torna social, ou seja, é possível realizá-la individualmente e de maneira autônoma. Nada impede um professor de vender o produto de seu trabalho sem que produza mais-valia, dando aulas particulares, por exemplo. Quem adquirir essas aulas estará adquirindo o valor de uso educação e não a força de trabalho para valorizar valor. Aqui o professor com sua atividade em si está recebendo apenas um rendimento e não promovendo acumulação e valorização do capital, como é o caso quando vende sua força de trabalho em troca de dinheiro como capital. Outro problema para o capital é que a atividade do professor, pelo menos ao que se conhece, ainda não se tornou algo independente dele, sua forma de trabalho não o enfrenta como coisa, como capital. A aula não é algo que exista independentemente do professor, ou seja, “as condições de trabalho (...), [não] se patenteiam, no plano tecnológico, dominantes do trabalho e ao mesmo tempo [não] o substituem, [não] subjugam e [não] o tornam supérfluo nas formas independentes”. Como afirma Marx, não se subsume realmente ao capital.

Diante dessas conclusões temos margem para afirmar que um limite para a incorporação dessa atividade ao capital seja exatamente a impossibilidade de subsumir realmente o trabalhador dos serviços, no caso, o professor, ao capital. Porém, a complexidade do tema exige que consideremos essa possibilidade apenas como um ponto inicial de referência. Primeiramente por estarmos considerando apenas uma atividade específica dos serviços, e sem que, em nossa análise, tenhamos nos detido a esmiuçar todas as características que envolvem a atividade. Além disso, como veremos a seguir, vários autores tratam dos serviços e de sua importância para a reprodução do capital em nossos dias, apontando para as mais diversas conclusões. São estudiosos de filiação teórica marxista, que buscam análises que transcendam as aparências do capital.

3. O setor de serviços e o trabalho imaterial

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A análise apresentada por Antonio Negri, Michel Hardt e Maurizio Lazzarato – autores do “trabalho imaterial” – afirma que o capitalismo hoje vive na pós-modernidade. Esta fase se caracterizaria por ser pós-industrial e pela subjugação de todos os aspectos da sociedade, incluindo as atividades imanentemente humanas, tais como grande parte dos serviços, ao modo capitalista de produção: “[as] relações capitalistas foram ampliadas para subjugar todos os aspectos da produção e reprodução social, o domínio inteiro da vida (...)” (HARDT e NEGRI, 2001, p. 296). Não existiria, portanto, nenhum limite para a incorporação de qualquer atividade ao processo produtivo capitalista.

O capital teria alterado sua estrutura de dominação por terem existido, durante toda a segunda metade do século XX, grandes mobilizações sociais, a saber: movimentos proletários, movimentos estudantis, luta feminista, etc. Essas manifestações teriam criado uma consciência proletária que levaria à negação dos trabalhos desqualificados e escravizadores das fábricas. Os trabalhos aceitos pela classe operária seriam apenas aqueles carregados de conteúdo: trabalho humano criativo, comunicativo, de informação e cooperação social, atividades essas muito presentes no setor de serviços. A esses trabalhos os autores denominam trabalho imaterial. Esta análise afirma ainda que o capital teve de se adaptar às exigências do proletariado, o que fica claro nas seguintes citações:

As únicas configurações de capital capazes de prosperar no novo mundo são as que se adaptarem à nova composição de força do trabalho imaterial, cooperativa, comunicativa e afetiva. (HARDT e NEGRI, 2001, p.297)

A cooperação social do trabalho social, na atividade terciária [serviços], manifesta uma independência frente a qual a função empreendedora [do capitalista] se adapta (...). (LAZZARATO e NEGRI, 2001, p. 31)

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qualquer atividade, e, principalmente, as de comunicação, informação e outros serviços dominantes nessa fase pós-moderna, é subsumida realmente pelo capital.

O austríaco André Gorz (2005) é outro autor que – com diferenças das conclusões acima apresentadas – defende a tese de que nos encontramos na pós-modernidade. Em seu livro O imaterial, o autor descreve a acumulação capitalista hoje como que fundada sobre a produção dita imaterial, ou seja, não mais nos trabalhos dentro das fábricas, mas nas atividades que envolvem conhecimento, informação, comunicação, enfim, muitas atividades de serviços:

O capitalismo moderno, centrado sobre a valorização de grandes massas de capital fixo material, é cada vez mais rapidamente substituído por um capitalismo pós-moderno centrado na valorização de um capital dito imaterial, qualificado também de “capital humano”, “capital conhecimento” ou “capital inteligência”. Essa mutação se faz acompanhar de novas metamorfoses do trabalho. (...) O trabalho de produção material, mensurável em unidades de produtos por unidades de tempo, é substituído pelo trabalho dito imaterial, ao qual os padrões clássicos de medida não mais podem se aplicar. (p. 15)

Para Gorz o capital se alimenta da valorização do trabalho imaterial, não havendo nenhum limite para a incorporação de todas as atividades ao modo capitalista de produção. Porém existe um limite para a subsunção total da vida de cada indivíduo ao capital. Esse limite se encontra na própria natureza da atividade, a qual por ser humana e envolver conhecimento, ao ser exercida colabora para a produção do próprio homem como ser humano em constante aprimoramento individual. Não existindo uma separação entre a atividade exercida e a vida pessoal do trabalhador, este pode “recusar a imersão total no trabalho”. Esse limite se materializa na própria relação contratual entre capitalista e trabalhador:

Todas as grandes firmas sabem, (...), no quadro de uma relação salarial, que é impossível obter de seus colaboradores um envolvimento total, uma identificação sem reservas a todas as suas tarefas. Pelo fato de ser contratual, a relação salarial reconhece a diferença e até mesmo a separação das partes contratantes, e de seus interesses respectivos. Ela possui um caráter emancipador por limitar os direitos dos empregadores, e as obrigações dos assalariados, à fronteira que há entre a esfera do trabalho e a da vida pessoal, privada. (p. 22)

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desenvolvimento como indivíduo. A subjetividade humana se imporia frente ao capital. Sérgio Lessa (2005), crítico da idéia de pós-modernidade, afirma que, com o desenvolvimento da produção capitalista, o capital amplia a produção de mais-valia às atividades que não transformam diretamente a natureza, tais como os serviços:

Ao atingir o capitalismo maduro, (...) [há uma] capacidade cada vez maior de a sociedade liberar uma crescente quantidade de força de trabalho para outras atividades que não a transformação da natureza: o crescimento do setor de serviços e das atividades preparatórias dos atos de trabalho é a sua expressão mais direta. Por ocorrer sob a égide do capitalismo, esse crescimento das atividades que não são trabalho intercâmbio orgânico com a natureza vai sendo paulatinamente apropriado pelo processo de autovalorização do capital que, desse modo, converte uma quantidade cada vez maior de atividades humanas em fonte de mais-valia. (p. 58)

Apesar da incorporação crescente de atividades humanas ao modo capitalista de produção, o capital jamais incorporará todas as atividades humanas à sua reprodução:

Assim como o ser humano é muito mais que trabalho abstrato do qual é portador, as relações sociais são muito mais que o processo de autovalorização do capital. (...) depois de meados do século XIX, tornou-se cada vez mais evidente como as necessidades e possibilidades historicamente produzidas pelos homens estão em contradição antagônica com as necessidades e possibilidades produzidas pela autovalorização do capital. (...) Neste contexto o ponto de vista do capital pode ser muitas coisas, mas nunca pode ser o ponto de vista da humanidade como tal. (p.60-1)

Na compreensão da citação acima, Lessa (2005) esclarece que jamais haveria identidade entre humanidade e capital, como defendem os articuladores da “pós-modernidade”. Existem limites para a incorporação de todas as atividades da humanidade, tais como muitos serviços, pelo capital.

Outra abordagem sobre esta temática é feita por Eleutério Prado (2005). Ele faz importantes reflexões acerca do papel dos serviços em sua crítica às idéias do trabalho imaterial. Primeiramente expõe que, apesar da existência de uma mercadoria independer de sua forma material ou imaterial, há uma inadequação na forma imaterial desta para a reprodução do capital. Essa inadequação decorre de que para a natureza do capital a medida do tempo de trabalho é essencial, uma vez que se valoriza na medida em que se apropria do sobretrabalho do operário. Um serviço que não se materializa em um objeto não pode ser quantificado, e seu valor de troca passa a depender também de características qualitativas. Mas afirma, também, que “(...) isto não se constitui em boa razão nem para rejeitar o trabalho como categoria sociológica chave nem para modificar a teoria do valor de Marx, mesmo porque essa teoria prevê a própria vicissitude do valor numa fase avançada de desenvolvimento do capitalismo (...)” (p. 52).

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vê impossibilidade alguma no fato do capital incorporar todas as atividades, inclusive aquelas mais espirituais e imanentemente humanas. Se existiram limites, esses foram rompidos. Porém, para que isso se concretizasse, o capital teria desenvolvido um terceiro modo de subsunção que seria a subsunção formal/intelectual:

O tempo de trabalho é agora, entretanto, um tempo qualitativamente diferenciado que não pode ser controlado apenas pelo relógio. Em razão mesmo dessa mudança do modo de trabalhar, o capital tem que passar a comandar não apenas o tempo de trabalho, mas também o tempo de não-trabalho, que se torna menos livre. (...) Agora, ele tem de passar a controlar o trabalhador não apenas como trabalhador e consumidor, mas também como político, religioso, profissional, etc., de um modo que tende a ser total. (p. 63)

Para Prado, a subsunção real teria caracterizado o domínio do capital sobre o trabalhador durante a fase taylorista/fordista da produção, que caracterizou grande parte do século XX na indústria de montagem. Hoje a subsunção voltaria a ser formal, mas seria também intelectual, não existindo limites para o avanço do modo capitalista de produção em qualquer que seja a atividade humana.

Já para Moraes Neto (2005) – em sua crítica as concepções de Negri – assim como para Lessa, existem limites para a incorporação de todas as esferas humanas pelo capital. Moraes Neto afirma também que não estamos numa fase pós-industrial, dominada pela valorização do trabalho imaterial. Uma vez que muitos ramos da indústria do século XX não se caracterizam como a “Grande indústria” descrita por Marx no século XIX e sim assemelhando-se à manufatura. As mudanças tecnológicas, que ocorreram no final do século passado, conduziram a produção capitalista à sua configuração mais adequada, ou seja, ao modo de produção especificamente capitalista. O qual só ocorre quando o capital passa a controlar diretamente o processo produtivo, prescindindo do trabalho vivo imediato através da aplicação da ciência na produção. A “redoma de vidro” existente na subsunção formal não mais se interpõe entre trabalhador e capitalista, a partir desse momento o capital passa a confrontar o trabalhador na forma do próprio processo de trabalho.

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atividades são “trabalho imaterial”.

Para Moraes Neto a subsunção real é plenamente condizente com a fase da grande indústria, ou seja, da automação vista em grande escala no final do século XX, porém não explora essa forma de subsunção para os serviços.

Todos esses autores trazem diferentes questões, mas é importante destacar uma diferença fundamental entre eles,qual seja, se existe ou não uma fase pós-industrial no modo de produção capitalista: a) em Negri já há superação da própria produção capitalista; b) em Gorz há um novo regime de acumulação; c) em Lessa a permanência do capitalismo ampliando sua escala reprodutiva; d) em Prado e Fausto há pós-grande indústria; e e) para Neto não há pós-grande indústria.

Como vemos nessas diferenças, as considerações desses autores vão além de uma análise dos serviços, pois se preocupam em entender a atual fase do capitalismo e condições para sua superação. As diversas mediações utilizadas por cada um deles para chegar às conclusões mais gerais certamente influenciaram sua análise dos serviços. À luz das questões que levantamos através de nossa leitura dessas obras, procuramos novos caminhos que possam nos conduzir ao entendimento da utilização capitalista da atividade de educar. Apesar de sabermos que o capital não pode subsumir realmente o trabalho do professor ao processo produtivo capitalista, certamente existem maneiras de tornar essa atividade mais produtiva. Apresentaremos a seguir algumas considerações sobre as possíveis conseqüências disso, ainda que incipientes.

4. Algumas considerações

No processo de desenvolvimento das formas de trabalho sociais, da cooperação à grande indústria, o capital foi destruindo o saber do operário até torná-lo supérfluo. Porém – nesta mediação entre o homem e a natureza – não se retirou das mercadorias as características que as tornam necessárias ao homem, ou seja, não se alterou seu valor de uso.

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de sua atividade, como poderá se desenvolver a atividade de serviços de maneira que possa realizar eficientemente sua função de produzir mais-valia, sem que destitua o trabalhador de seu saber, destituindo, assim, a mercadoria de seu valor de uso?

Devido às diferenças nas características das atividades de serviços – como a atividade de educar, para a qual atributos imanentemente humanos são imprescindíveis – e das atividades produtivas industriais sabemos que não se deve esperar um desenvolvimento semelhante entre essas formas de trabalho para que satisfaçam as necessidades de reprodução do capital. Questões apontadas pelos autores aqui tratados – tais quais: a importância qualitativa da atividade de serviços para a determinação do valor, ou a não existência de identidade entre humanidade e capital – devem ser consideradas para essa análise.

Podemos afirmar, porém, que qualquer tentativa do capital de subsumir realmente o trabalho do professor, ou seja, controlar esse processo de forma independente do trabalhador, estará alterando qualitativamente o resultado dessa atividade, ou seja, alterando o valor de uso educação.

5. Referências bibliográficas

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