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O Programa Pró-Memória da Constituinte

de 1987-1988

ELIZABETH SÜSSEKIND

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Memória de participação no processo Constituinte

Ainda no segundo semestre de 1985 a Fundação Nacional Pró-Memória – FNPM – decidiu montar um projeto que contribuísse à expansão da participação popular na Assembleia Nacional Constituinte, que deveria ser instalada breve-mente, como sendo uma das mais fortes demandas da sociedade. A Fundação poderia, mesmo, ser a melhor indicada para o trabalho de coleta do material que estaria sendo produzido durante a Constituinte e de sua conservação para resga-te posresga-terior. Essas já eram algumas das funções do órgão público encarregado de preservar a memória do Brasil, mas ele teria que assumir a tarefa de montar um programa inteiramente novo, e exposto, dentro do universo do serviço público do país. Um programa de caráter político, abrigado nos critérios técnicos exigidos pelo órgão, e fortemente apoiado por seu presidente, Joaquim Falcão.

Tal como foi organizado e funcionou, o Programa Pró-Memória da Consti-tuinte não se limitou a coletar material oficial, produzido pelos integrantes do co-legiado, e arquivá-lo. Ele buscou todas as formas de manifestação popular sobre o que se passava nos meses que antecederam e naqueles em que funcionou a ANC. O Programa funcionou como um guarda-chuvas, implementado pelo Cen-tro Pró-Memória da Constituinte, que tive a oportunidade de montar e coorde-nar, com excelente equipe, e cujo acervo se encontra disponibilizado no Museu da República. Foi instalado no Rio de Janeiro, em lindo prédio histórico tombado, de 1908, no térreo da sede da Fundação Nacional Pró-Memória, região bem cen-tral da cidade, perto da área portuária.

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Salão de trabalho e do balcão de atendimento do CPMC.

Coleção Memória da Constituinte, Museu da República

Portanto, tratava-se da captação e disponibilização de toda a documentação oficial editada pela Assembleia Constituinte por meio de anteprojetos e projetos, em comissões e audiências públicas e demais atividades, e sua disponibilização imediata aos meios de comunicação, professores, organizações da sociedade, transeuntes e todos os demais interessados. E nos esforçávamos muito para lo-calizar e recolher registros das manifestações populares, músicas, eventos, livros, panfletos, peças de arte, campanhas, materiais das mídias, correspondência, en-tre outros. A formação desse acervo organizou conhecimento popular relevante para a história da democracia brasileira.

Como disse Versiani (2014, p. 160), referindo-se àquele objetivo:

O acervo é primoroso em documentar, não só os trabalhos Constituintes realizados no âmbito formal das esferas de poder e dos partidos políticos, mas também o en-gajamento da sociedade organizada na luta por direitos e os anseios, expectativas e projetos políticos da população em geral face à reconstitucionalização do país.

Empregando métodos diversos, foi possível que registrássemos o produto de movimentos sociais, que se apresentaram como participantes legítimos nas deci-sões sobre a nova Carta de princípios que estava sendo montada. Enviavam seus cartazes sobre os principais temas defendidos, denúncias, cartas públicas, textos em apostilas, livros, abriam-se após muitos anos de silêncio e censura. O Centro Pró-Memória da Constituinte tornou-se um local de estudo para professores e estudantes, disponibilizando à comunidade científica um conjunto significativo e organizado de informações sobre a cultura política do país e os diferentes gru-pos de interesses participantes. Seus ambientes, com mesas de estudo, estavam sempre cheios, e, como o espaço disponível era bem grande, tínhamos uma lista de pedidos para lançamento de livros e filmes, e as paredes sempre estavam cobertas por fotografias e cartazes dos movimentos pela reforma agrária, pelos direitos da mulher, das pessoas portadoras de deficiência, pela demarcação das terras indígenas e tantos outros.

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A Portaria nº 170/1985 estabeleceu o Programa de Memória da Constituinte e apontou seus objetivos: o “desenvolvimento dos meios necessários para o resga-te, recolhimento, registro e divulgação permanente dos materiais informativos produzidos no país, sobre os de-bate e movimentos significativos acerca do processo de discussão da atual Constituinte (...)”.

Para colaborar na estruturação e funcionamento do projeto, contratamos logo os documentalistas Paulo Sergio Moraes de Sá, do CPDOC/FGV, e Francisca Hele-na Barbosa Sobrinho, também historiadores, que traba-lhava no Arquivo Nacional, profissionais respeitados e de alta competência, que lideraram a nossa equipe técnica.

Na execução do trabalho tivemos que passar por algumas etapas:

O material devia ser preparado atendendo às normas documentais vigentes, ou seja, as normas referentes à guarda e consulta, para a recuperação futura em uma organização pública. E, missão fundamental, ao mesmo tempo em que procedia ao arquivamento, o Centro deveria organizar e disponibilizar todas as partes do material aos interessados. Ou seja, arquivar para o futuro e utilizar já no presente. ° Também deveríamos recolher e, oportunamente, reorganizar a produção documental relacionada aos trabalhos que estavam sendo realizados na Comissão de Estudos Constitucionais, presidida pelo jurista Affonso Arinos de Mello Franco, que seria doada ao CPMC, bem como de acervos de outras organi-zações oferecidas. ° Deveríamos organizar um Banco de Dados com os recursos técnicos disponíveis à época, de modo a possibilitar ao usuário a recuperação rá-pida e precisa das informações. ° Colocar à disposição da comunidade científica e cultural um conjunto significativo e organizado de informações que contribuísse para o avanço da produção de conhecimento sobre a cultura política do país. ° Providenciaríamos interface com outros projetos, como o curso “Constituinte e Constituição” da Universidade de Brasília, o núcleo de vídeo mantido pelo De-partamento de Difusão Cultural da Universidade Federal Fluminense e iniciativas previstas pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq). E com o Instituto de Medicina Social e de Criminologia (IMESC), o Insti-tuto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (IBASE) e o Centro Educacional Anísio Teixeira (CEAT), entidades com as quais permanentemente trocávamos in-formações e material. Portanto, estava estabelecido que, ademais das sugestões individuais aos constituintes, deveríamos captar as propostas da comunidade científica produzidas por universidades, entidades comerciais e de representação profissional, emissoras de rádio e televisão, prefeituras municipais, centros de pesquisa e organizações estudantis; e contribuições dos movimentos sociais.

Decididos a representar uma aproximação entre a sociedade e os integrantes que estavam construindo a Constituição, montamos um Banco de Dados para

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possibilitar a qualquer usuário a recuperação rápida e precisa de informações, inclusive em consultas via telefone comum, recebidas de outros estados. Viabi-lizava-se o diálogo entre os usuários e os parlamentares constituintes de todo o país através do encaminhamento de mensagens. No entanto, tivemos que nos contentar com os recursos técnicos disponíveis à época, o que não incluía a in-formatização, ou seja, o CPMC não dispôs das maravilhosas ferramentas da infor-mática hoje tão comuns, como a Internet. Através de negociações, conseguimos que o PRODASEN, o precioso Banco de Dados do Senado Federal que coletava as manifestações da ANC, mas, à época, não as disponibilizava livremente, pudesse ser consultado na sede do Centro Pró-Memória da Constituinte do Rio de Janeiro e nas demais cidades aonde o projeto veio a ser instalado.

Para tornar mais eficiente o repasse de informações ao público elaboramos listagens de referência do conjunto do material, que liberávamos ou sugeríamos ao usuário, facilitando sua busca. Diariamente as listas com os resultados das votações do dia anterior, e o nome e partido dos votantes, eram afixadas em um quadro à frente do CPMC, na rua. Recortes de jornais também eram expostos.

Essas entidades que vimos mencionando, e várias outras, recolheram por seus próprios métodos quantidade significativa de informações e, algumas de-las, em parceria, compartilharam conosco o material. Cooperávamos, trocávamos ideias, soluções de problemas, sobretudo na área da informática, que o IBASE já estava testando há algum tempo. Foram microfilmados documentos, traduzidas Constituições de vários países, rastreadas pesquisas, produzidos e filmados de-poimentos e entrevistas, recolhidos livros sobre desdobramentos dos assuntos em pauta, material que foi incluído no acervo.

O Ministério do Planejamento e o da Ciência e da Tecnologia apoiaram signi-ficativamente o projeto, por meio da Financiadora de Estudos e Projetos - FINEP e do Conselho Nacional de Pesquisas - CNPq. O mesmo ocorreu com o Banco Itaú, através da ITAUTEC, e com a Embratel, que, ademais de disponibilizar o uso do Programa Cirandão Mensagem, viabilizou o trabalho de seu competente enge-nheiro eletrônico Túlio Gontijo, que acompanhou nosso trabalho em numerosas atividades na área eletrônica, desconhecida de nossa equipe.

Após a implantação, a partir do seu terceiro mês de funcionamento, inicia-mos a extensão do projeto, em harmonia com o interesse de lideranças de seis unidades do país que desejavam montar os próprios Centro Pró-Memória da Constituinte. Foram montados por nossa equipe no Distrito Federal, na Biblioteca da Câmara dos Deputados, esta unidade prevista desde o início; em Porto Alegre, na Biblioteca Central da Universidade Federal do Rio Grande do Sul; em Recife, no Teatro Municipal Santa Izabel; em Belo Horizonte, no hall do Banco do Estado de Minas Gerais; em Ouro Preto, na Universidade Federal de Ouro Preto e em São Paulo, na Secretaria de Estado da Justiça. Esses Centros, de responsabilidade das entidades locais, foram parcialmente alimentados com informações a partir do Rio de Janeiro, mas mantiveram seus eventos e coletaram os próprios

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mate-riais à volta, os quais foram parcialmente enviados à sede do Programa após a promulgação da Constituinte, e constam do acervo hoje no Museu da República. Tendo iniciados os trabalhos em março de 1987, em dezembro daquele ano inau-guramos, em São Paulo, o último dos seis Centros que articulamos e montamos com os parceiros daquelas cidades. Portanto, trabalhamos com a sede, no Rio, e demos apoio às seis unidades até a finalização do programa, algumas semanas após a promulgação da Constituição, em outubro de 1988.

Embora não dispondo neste texto do espaço que seria necessário à apre-sentação completa do Programa, estou trazendo algumas imagens, para melhor mostrar em que consistiu esse trabalho realizado no Ministério da Cultura, entre março de 1987 e outubro de 1988. Naturalmente, os interessados podem visitar o acervo completo da Coleção Memória da Constituinte, no Museu da República, no Rio de Janeiro e conferir as séries de vídeos, cartas, programas de televisão, fotografias tomadas durante as sessões da Constituinte, entrevistas e outros.

Acima, o líder indígena Aílton Krenak pinta-se para guerra durante sua apresentação na tribuna da Comissão de Sistematização, ao defender a Emenda Popular das Populações Indígenas. Cole-ção Memória da Constituinte, Museu da República. Cooperativa Agil, foto de Zuleika de Souza

Desde o início dos trabalhos divulgamos que o CPMC estava recolhendo sugestões, pedidos, críticas ou o que a população desejasse encaminhar para a ANC ou a algum parlamentar em especial. Isso foi feito através dos meios de comunicação, e folhetos, programas de rádio e televisão de que participávamos frequentemente, e, também de um método que funcionou muito bem, a parceria com lojas de Loteria Esportiva, por exemplo. No verso do volante de marcação dos jogos semanais o responsável pela loja mandava imprimir uma mensagem

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nossa, pedindo a participação da pessoa, indicando a nossa Caixa Postal 1147, que o Correios havia cedido gratuitamente. Um exemplo, abaixo.

O verso de um volante de Loteria Esportiva, com o chamado para participação na ANC. Coleção Memória da Constituinte, Museu da República

Muitas cartas queriam informações ou a resolução de questões pessoais, pedidos junto à previdência social, casos trabalhistas perdidos no tempo, pavi-mentação de ruas, instalação de escolas ou Delegacias de Polícia, salários em dia, preços justos em aluguéis ou mensalidades, recomendavam penas mais duras para criminosos; tinham demandas simples ou complexas, incontáveis, que os martirizavam enquanto cidadãos comuns, muitos deles com poucos ou pouquís-simos recursos, dificuldades para lidar com a burocracia, sem ter como entender e resolver seus problemas e fazer valer direitos ou expectativas de direitos. Mui-tas carMui-tas haviam sido ditadas e escriMui-tas por terceiros.

A seguir, exemplos de cartas recebidas pela Caixa Postal, ou entregues pes-soalmente em uma unidade do Programa Pró-Memória da Constituinte, totali-zando 5.245 cartas:

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Mas parte muito significativa das mensagens foi encaminhada por sindicatos, grupos de moradores, pequenas paróquias, associação de mães e tantas outras formas de organizações que representavam outros tantos conjuntos maiores de pessoas que queriam ser ouvidas. Os movimentos sociais, engendrados por mães e religiosos da Igreja Católica, as Comunidades de Base, haviam feito um traba-lho importantíssimo durante as duas ou três últimas décadas, e grande parte da população carente e marginal às cidades sabia que era merecedora de direitos e agora, findos os governos militares, queria tomar posse do que lhe pertencia.

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Também tivemos mensagens de crianças e jovens, e não apenas de adultos e idosos, sempre de ambos os sexos.

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Adiante está este formulário que usávamos para receber informações de frequentadores dos nossos espaços que buscavam informações. Algumas delas precisavam ser pesquisadas e o interessado retornava no dia marcado para re-colher o material. Tratando-se de serviço público, os prints eram fornecidos gra-tuitamente. O mesmo com os volumes enviados pelo Congresso Nacional ou por parlamentares acionados por nós, que desejavam colaborar com interessados.

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Este, a seguir, é o resultado de um dos formulários que usávamos com tran-seuntes, quando os entrevistávamos, na semana ou na véspera de dias em que temas considerados polêmicos seriam votados na ANC. Essa atividade despertava muita atenção da mídia e, algumas vezes, chegamos a entrevistar mil pessoas durante as três horas em que nos dedicávamos à enquete, diante do Centro. A seguir tabulávamos os resultados e os enviávamos a ANC, a parceiros e os cedíamos à veículos da mídia. Lembro que o envio aos constituintes era feito por meio de Telex, já que não estávamos online. Fizemos várias dessas tomadas de opinião, mas limitamo-nos a mostrar apenas esta, cópia do original:

O Centro Pró-Memória desenvolveu uma série de atividades que não serão relatadas aqui, no momento, como a ida a penitenciárias e instituições de custó-dia para jovens, visita a projetos sociais em favelas, levando os terminais com tex-tos de propostas para a Constituição, comparação de leis e outros informativos. Montou em sua sede vários seminários com economistas, professores, jornalistas, feministas, para debate de questões que estavam sendo discutidas na ANC. Ce-deu seus espaços para lançamento de livros, exposições de fotos, de Constitui-ções antigas, sempre procurando mostrar as diferentes facetas da representação e das preocupações da população. E registrando-as, para que, a qualquer mo-mento, possam ser resgatadas e nos lembrem dos esforços empreendidos, das lutas necessárias a se chegar à democracia.

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Deixei para o final esta fotografia, que tem um significado ímpar. Para a noite da inauguração do Centro Pró-Memória da Constituinte, pedimos ao ator Amir Haddad que preparasse uma apresentação sobre a Constituinte com o seu grupo, o Tá na Rua. Muito gentilmente, ele foi e nos encantou com um esquete de uma enorme cobra de pano, que corria com os pés dos atores, e de dentro da qual, depois de muito espancamento, saiu a Constituição: era uma mulher, bem jovem e negra. Assistindo o espetáculo na rua, o Ministro Celso Furtado, beija a mão da Constituição recém-nascida e simboliza, assim, com simplicidade, as esperanças do Brasil para aquele período.

Celso Furtado, Ministro da Cultura, beija a mão de uma integrante da performance do grupo Tá Na Rua, dirigido por Amir Haddad, a seu lado.

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Referências bibliográficas

SÜSSEKIND, Elizabeth. A Constituinte de 1987-1988 contada pela história do

Cen-tro Pró-Memória da Constituinte. Site do Museu da República, file:///C:/Users/

Elizabeth%20Sussekind/Downloads/a-constituinte-de-1987-1988-contada-pela--historia-do-programa-pro-memoria-da-constituinte%20(2).pdf

VERSIANI, Maria Helena. Correio Político. Os brasileiros escrevem a democracia 1985-1988. Rio de Janeiro: Contracapa, 2014.

Referências

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