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Guerra Do Velho - John Scalzi

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Academic year: 2021

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Sobre a obra:

A presente obra é disponibilizada pela equipe Le Livros e seus diversos parceiros, com o obj etivo de oferecer conteúdo para uso parcial em pesquisas e estudos acadêm icos, bem com o o sim ples teste da qualidade da obra, com o fim exclusivo de com pra futura.

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"Quando o mundo estiver unido na busca do conhecimento, e não mais lutando por dinheiro e poder, então nossa sociedade poderá enfim evoluir a um novo

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No m eu aniversário de 75 anos fiz duas coisas: visitei o túm ulo da m inha esposa, depois entrei para o exército.

Visitar o túm ulo de Kathy foi a m enos dram ática das duas.

Ela está enterrada no Cem itério de Harris Creek, a pouco m enos de um a m ilha da rua onde m oro e onde criam os nossa fam ília. Levá-la ao cem itério talvez tenha sido m ais difícil do que deveria ser. Nenhum de nós esperava precisar tão logo de um funeral, por isso não havíam os providenciado nada. É um pouco m ortificante, para usar a palavra m ais precisa, ter de discutir com um adm inistrador de cem itério sobre sua esposa não ter feito um a reserva para ser enterrada. No fim das contas, m eu filho, Charlie, que por acaso era prefeito, m exeu alguns pauzinhos e conseguiu o j azigo. Ser pai do prefeito tem suas vantagens.

Mas então, sobre o túm ulo. Sim ples e discreto, com um a daquelas laj es pequenas em vez de um a grande lápide. Com o contraste, Kathy j az ao lado de Sandra Cain, cuj a lápide um tanto grande dem ais é de granito preto polido, com a foto de colegial de Sandy e um a frase sentim ental de Keats sobre a m orte da j uventude e da beleza inscrita em j ato de areia na parte da frente. É m uito a cara de Sandy. Kathy teria achado graça se soubesse que Sandy estava estacionada ao lado dela com um a lápide grande e dram ática. Durante toda a vida, Sandy alim entou um a concorrência passivo-agressiva divertida com ela. Se Kathy chegasse à venda beneficente de assados com um a torta, Sandy traria três e ficaria indignada, sem nem disfarçar, se a torta de Kathy fosse vendida antes. Kathy às vezes tentava se precaver do problem a com prando um a das tortas de Sandy. Do ponto de vista de Sandy, é difícil dizer se isso m elhorava ou piorava as coisas.

Suponho que a lápide de Sandy poderia ser considerada a últim a palavra na disputa, um a exibição final que não poderia ser refutada, pois, no fim das contas, Kathy j á estava m orta. Por outro lado, não m e lem bro de ninguém visitando Sandy. Três m eses depois de Sandy ter falecido, Steve Cain vendeu a

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casa e m udou-se para o Arizona com um sorriso m ais largo que a Rodovia Interestadual 10 grudado no rosto. Ele m e enviou um cartão-postal um tem po depois: estava se j untando com um a m ulher que fora estrela pornô cinquenta anos antes. Me senti suj o por um a sem ana depois de receber essa inform ação. Os filhos e netos de Sandy m oram na cidade vizinha, m as poderiam m uito bem estar no Arizona, pela quantidade de vezes que visitam a cidade. A frase de Keats na lápide de Sandy provavelm ente nunca m ais foi lida desde o funeral, exceto por m im , de passagem , quando vou visitar m inha m ulher a alguns pés de distância.

A lápide de Kathy tem seu nom e (Katherine Rebecca Perry ), data de nascim ento e m orte, e as palavras: “ESPOSA E MÃE AMADA”. Leio essas palavras repetidam ente todas as vezes que a visito. Não consigo evitar. São quatro palavras que resum em um a vida de form a tão canhestra, m as tão perfeita. A frase não diz nada sobre ela, sobre com o ela era dia após dia ou com o trabalhava, quais eram seus interesses ou para onde gostava de viaj ar. Não era possível saber qual era sua cor favorita ou com o ela gostava de usar o cabelo, em quem votava ou com o era seu senso de hum or. Não dava para saber nada dela, exceto que era am ada. E era. Ela m esm a considerava isso o suficiente.

Eu odeio este lugar. Odeio que a m ulher que viveu com igo durante 42 anos estej a m orta, que em um m inuto, num a m anhã de sábado, ela estivesse na cozinha m isturando m assa de waffle em um a tigela e m e contando sobre a briga na reunião do conselho da biblioteca na noite anterior e, no m inuto seguinte, estivesse no chão, contorcendo-se enquanto o derram e partia seu cérebro ao m eio. Odeio o fato de suas últim as palavras terem sido: “Onde eu botei a porcaria da baunilha?”.

Odeio ter m e transform ado num daqueles velhos que visitam o cem itério para ficar com a falecida esposa. Quando eu era (m uito) m ais j ovem , costum ava perguntar a Kathy de que isso adiantava. Um a pilha de carne e ossos apodrecendo. A pessoa havia partido – para o céu, para o inferno, para qualquer lugar ou lugar nenhum . A gente podia tam bém visitar um a peça de acém . Quando envelhecem os, percebem os que esse sentim ento não m uda. Só não dam os im portância. É o que tem os.

Por m ais que eu odeie o cem itério, ao m esm o tem po fico grato por sua existência. Sinto saudades da m inha m ulher. É m ais fácil sentir falta dela num

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cem itério, onde ela nunca esteve a não ser depois de m orta, do que sentir falta dela em todos os lugares nos quais esteve viva.

Não fiquei por m uito tem po, nunca fico. Apenas o suficiente para sentir a pontada que ainda estava bem viva depois de oito anos, aquela que serve para m e lem brar de que tenho outras coisas a fazer além de peram bular em um cem itério com o um velho tolo e m iserável. Depois de sentir a pontada, virei-m e e saí, sem nem m esm o olhar ao redor. Seria a últim a vez que visitaria o cem itério ou o túm ulo da m inha m ulher, m as não quis gastar m uita energia pensando nisso. Com o disse, aquele era o lugar onde ela nunca esteve antes de m orrer. Não vale m uito a pena lem brar.

Se bem que, ao pensar nisso, m e alistar no exército não era tão dram ático assim .

Minha cidade era pequena dem ais para ter um a j unta de alistam ento. Precisei ir até Greenville, a sede do condado, para m e alistar. A j unta de alistam ento ocupava um a loj a em um a galeria com um . Havia um a loj a de bebidas autorizada de um lado e um estúdio de tatuagem do outro. Dependendo da ordem na qual esses lugares fossem visitados, poderia se acordar na m anhã seguinte com problem as sérios.

O interior da j unta era ainda m enos atraente, se é que é possível. Consistia em um a m esa com um com putador e um a im pressora, um ser hum ano atrás dessa m esa, duas cadeiras à sua frente e m ais seis alinhadas em um a das paredes. Um a m esinha na frente dessas cadeiras continha inform ações sobre recrutam ento e algum as edições antigas da Time e da Newsweek. Kathy e eu estivem os lá um a década antes, claro. Desconfio que nada havia sido rem ovido, m uito m enos alterado, inclusive as revistas. O ser hum ano parecia ser novo. Ao m enos não m e lem bro de o recrutador anterior ter tanto cabelo. Ou seios.

A recrutadora estava ocupada digitando algo no com putador e não fez m enção de erguer os olhos quando entrei.

– Já atendo o senhor – ela m urm urou, m ais ou m enos com o um a reação pavloviana à abertura da porta.

– Não tem pressa – eu disse. – Sei que tem m uita gente. – Essa tentativa de hum or quase sarcástico foi ignorada e m al recebida, o que era típico j á há alguns anos. Era bom ver que eu não havia perdido a form a. Sentei-m e diante da

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m esa e esperei a recrutadora term inar fosse lá o que estivesse fazendo. – Está indo ou vindo? – ela perguntou, ainda sem erguer os olhos de verdade.

– Desculpe?

– Indo ou vindo – ela repetiu. – Vindo apresentar seu alistam ento voluntário ou indo com eçar o serviço?

– Ah, indo, por favor.

Finalm ente ela m e olhou, estreitando os olhos através de um par de óculos bem sérios.

– O senhor é John Perry – ela disse. – É, sou eu. Com o adivinhou? Ela olhou de volta para o com putador.

– A m aioria das pessoas que quer se alistar vem no dia do aniversário, m esm o que tenha até trinta dias para form alizar o alistam ento. Tem os apenas três aniversários hoj e. Mary Valory j á ligou para dizer que não vai. E o senhor não parece ser Cy nthia Sm ith.

– Fico feliz em ouvir isso – com ento.

– E com o o senhor não está vindo para um alistam ento inicial – ela continuou, ainda ignorando outra cutucada de hum or –, é bem provável que sej a John Perry.

– Eu poderia ser apenas um velho solitário peram bulando por aí em busca de alguém para conversar.

– Esses não vêm m uito aqui – ela retrucou. – Em geral são afugentados pelos garotos da loj a ao lado com as tatuagens de dem ônio. – Finalm ente, afastou o teclado e m e deu total atenção. – Então, pode m e m ostrar a identidade, por favor.

– Mas a senhorita j á sabe quem sou – falei para lem brá-la.

– Só para garantir – ela disse. Não havia o m enor vestígio de sorriso ao falar. Lidar com velhos fedidos e faladores todos os dias aparentem ente j á tivera seu efeito.

Entreguei m inha carteira de m otorista, certidão de nascim ento e carteira de identidade. Ela as recolheu, estendeu a m ão sobre a m esa para pegar um digitalizador portátil, conectou-o ao com putador e em purrou-o na m inha direção. Estendi a m ão com a palm a para baixo e esperei a digitalização term inar. Ela

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puxou o aparelho e deslizou m inha identidade nele para em parelhar a im pressão digital. Por fim , ela disse:

– O senhor é m esm o John Perry. – E agora voltam os ao início – eu falei. Ela m e ignorou de novo.

– Dez anos atrás, durante sua sessão de orientação de alistam ento, o senhor recebeu inform ações relativas às Forças Coloniais de Defesa e às obrigações e aos deveres que assum iria ao ingressar nas FCD – disse no tom de voz que indicava que ela repetia aquilo ao m enos um a vez ao dia, todos os dias, em grande parte de sua vida profissional. – Além disso, nesse intervalo, o senhor recebeu m ateriais para lem brá-lo das obrigações e deveres que estaria assum indo. Neste m om ento, o senhor precisará de inform ações adicionais ou um a apresentação de reciclagem , ou declara que entende totalm ente as obrigações e deveres que está prestes a assum ir? Saiba que não há custo em solicitar m ateriais de reciclagem ou optar por não ingressar nas FCD neste m om ento.

Relem brei a sessão de orientação. A prim eira parte consistiu em um bando de cidadãos idosos sentados em cadeiras dobráveis no Centro Com unitário de Greenville, com endo rosquinhas, bebendo café e ouvindo um apparatchik chatíssim o das FCD tagarelando sobre a história das colônias hum anas. Em seguida, ele entregou panfletos sobre a vida a serviço das FCD, que parecia m uito com a vida m ilitar em qualquer lugar. Durante a sessão de perguntas e respostas, descobrim os que ele não estava de fato nas FCD; havia acabado de ser contratado para fazer apresentações na área do vale de Miam i.

A segunda parte da sessão de orientação foi um exam e m édico breve – um m édico entrou e coletou sangue, passou um cotonete no lado de dentro da m inha bochecha para retirar algum as células e fez um escaneam ento cerebral. Aparentem ente fui aprovado. A partir daí, o panfleto que recebi na orientação foi enviado para m im um a vez ao ano pelo correio. Com ecei a j ogá-los fora depois do segundo ano. Desde então, não havia m ais lido.

– Entendo – eu falei.

Ela assentiu, estendeu a m ão para puxar um a folha de papel e um a caneta e entregou os dois para m im . O papel continha vários parágrafos, cada um com espaço para assinatura logo abaixo. Reconheci o papel, pois havia

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assinado outro m uito sem elhante dez anos antes, para indicar que havia entendido onde m e enfiaria um a década depois.

– Vou ler para o senhor cada um dos seguintes parágrafos – ela disse. – Ao fim de cada parágrafo, se o senhor entender e aceitar o que li, por favor, assine e ponha data na linha im ediatam ente seguinte ao parágrafo. Se tiver perguntas, faça ao fim de cada leitura de parágrafo. Se não entender ou não aceitar o que eu tiver lido e explicado ao senhor, não assine. Entendido?

– Entendido.

– Muito bem – falou ela. – Parágrafo um : Eu, abaixo-assinado, reconheço e com preendo que estou m e voluntariando de livre e espontânea vontade e sem coerção para ingressar nas Forças Coloniais de Defesa por um prazo m ínim o de dois anos. Com preendo tam bém que o prazo pode ser prorrogado unilateralm ente pelas Forças Coloniais de Defesa por até oito anos adicionais em tem pos de guerra e dificuldades.

Essa cláusula de prorrogação de “dez anos no total” não era novidade para m im , eu li as inform ações que recebi um a ou duas vezes, em bora im agine quantas pessoas passaram por cim a dela e, daquelas que não o fazem , quantas de fato pensaram em ficar presas a um serviço m ilitar por dez anos. Tinha a sensação de que as FCD não pediriam dez anos se não sentissem que precisariam deles. Por conta das Leis de Quarentena, não ouvim os m uito sobre as guerras coloniais. Mas o que ouvim os é o bastante para saber que não há tem pos de paz lá fora no universo.

Assinei.

– Parágrafo dois: Entendo que, ao m e voluntariar para ingressar nas Forças Coloniais de Defesa, concordo em portar arm as e usá-las contra os inim igos da União Colonial, que podem incluir outras forças hum anas. Durante m eu prazo de serviço, não posso m e recusar a portar e usar arm as conform e ordenado ou levantar obj eções religiosas ou m orais contra essas ações para evitar o com bate.

Quantas pessoas se voluntariam para um exército e, depois, levantam obj eções conscienciosas? Assinei.

– Parágrafo três: Entendo e concordo que executarei de m odo fiel e com toda a agilidade as ordens e instruções dadas a m im pelos oficiais superiores, conform e previsto no Código Geral de Conduta das Forças Coloniais de Defesa.

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Assinei.

– Parágrafo quatro: Entendo que, ao m e voluntariar para as Forças Coloniais de Defesa, consinto com quaisquer regim es e procedim entos m édicos, cirúrgicos ou terapêuticos que sej am considerados necessários pelas Forças Coloniais de Defesa para aum entar a prontidão de com bate.

Ali estava o m otivo pelo qual eu e inúm eros outros idosos de 75 anos se alistavam todos os anos.

Certa vez, disse ao m eu avô que, quando eu tivesse a idade dele, j á teríam os descoberto um a m aneira de estender drasticam ente a expectativa de vida hum ana. Ele riu da m inha cara e m e contou que tam bém achava isso e, m esm o assim , lá estava ele, um velho de qualquer form a. E aqui tam bém estou. O problem a de envelhecer não é acontecer um a desgraça após a outra – é toda a desgraça acontecer de um a vez e o tem po todo.

É im possível parar de envelhecer. Terapias com genes, substituição de órgãos e cirurgia plástica dão um bom trabalho para o envelhecim ento. Mas ele acaba pegando a gente de qualquer j eito. Consiga um pulm ão novo e um a válvula cardíaca estoura. Consiga um coração novo e seu fígado incha até ficar do tam anho de um a piscina inflável infantil. Mude de fígado, você tem um derram e. Este é o trunfo do envelhecim ento: ainda não dá para substituir o cérebro.

A expectativa de vida subiu quase até a m arca de 90 anos um tem po atrás e parou por aí desde então. Com dificuldade adicionam os quase m ais um a vintena aos “setentinha”, e então Deus parece ter batido o pé. As pessoas podem viver m ais, e de fato o fazem , m as ainda vivem esses anos a m ais com o velhos. Nada m udou m uito nesse sentido.

Preste atenção: quando se tem 25, 35, 45 ou até m esm o 55, ainda é possível sentir-se bem com as chances de enfrentar o m undo. Quando se tem 65 e o corpo está diante da ruína física im inente, esses “regim es e procedim entos m édicos, cirúrgicos ou terapêuticos” com eçam a parecer interessantes. Então chegam os aos 75, os am igos m orrem , e j á trocam os ao m enos um órgão principal, precisam os m ij ar quatro vezes durante a noite e não conseguim os subir um lance de escadas sem ficar um pouco zonzos – e dizem que estam os em m uito boa form a para a idade.

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com eça a parecer um negócio e tanto. Especialm ente porque, se você não for, em um a década terá 85, e aí a única diferença entre você e um a uva-passa será que, em bora am bos estej am enrugados e não tenham próstata, a uva-passa nunca teve um a próstata, para com eço de conversa.

E com o as FCD conseguem reverter o fluxo do envelhecim ento? Ninguém no planeta sabe. Cientistas na Terra não conseguem explicar com o fazem isso, tam pouco replicar seus êxitos, em bora não sej a por falta de tentativa. As FCD não operam no planeta, então é im possível perguntar a um veterano. No entanto, eles recrutam apenas no planeta, então os colonos tam bém não sabem , m esm o se fosse possível perguntar, o que não é. Quaisquer terapias que as FCD realizem são feitas fora da Terra, nas zonas próprias de controle deles, longe do alcance dos governos global e nacional. Então, não há aj uda do Tio Sam ou de nenhum outro governo.

De vez em quando, um a assem bleia legislativa, presidente ou ditador decide banir o recrutam ento das Forças Coloniais até elas revelarem seus segredos. As FCD nunca discutem : levantam acam pam ento e partem . Então, todas as pessoas com 75 anos naquele país fazem longas viagens internacionais das quais nunca retornam . As Forças não dão explicações, nem j ustificativas, tam pouco pistas. Quem quiser descobrir com o elas rej uvenescem as pessoas precisa se alistar.

Assinei.

– Parágrafo cinco: Entendo que, ao m e voluntariar para as Forças Coloniais de Defesa, estou abdicando da m inha cidadania em m inha entidade política nacional, neste caso os Estados Unidos da Am érica, e tam bém do privilégio residencial que m e perm ite m orar no planeta Terra. Entendo que m inha cidadania será doravante transferida em caráter geral à União Colonial e em caráter específico às Forças Coloniais de Defesa. Reconheço e com preendo ainda que, ao abdicar da m inha cidadania local e do m eu privilégio residencial planetário, ficarei im pedido de retornar posteriorm ente à Terra e, após a conclusão do m eu período de serviço dentro das Forças Coloniais de Defesa, serei aloj ado na União Colonial e/ou nas Forças Coloniais de Defesa.

Sim plificando: não dá para voltar para casa. É parte integrante das Leis de Quarentena, que foram im postas pela União Colonial e pelas FCD, ao m enos oficialm ente, para proteger a Terra de outros desastres xenobiológicos com o a

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Ondulação. O pessoal na Terra foi todo a favor na época. Engraçado o quanto um planeta se torna insular quando um terço de sua população m asculina perde perm anentem ente a fertilidade no intervalo de um ano. As pessoas ficaram m enos entusiastas dessas leis desde então – ficaram cansadas da Terra, querem ver o restante do universo e esqueceram tudo sobre o Tio-Avô Walt, que não teve filhos. Mas a UC e as FCD são as únicas com espaçonaves equipadas com salto espacial, que possibilita viagens interestelares. Então, é isso.

(O que torna a concordância em colonizar onde a UC nos diz para colonizar um pouco irrelevante. Com o eles são os únicos com as naves, vam os aonde ela nos levar de qualquer form a. Eles não deixariam um de nós pilotar a espaçonave.)

Um efeito colateral das Leis de Quarentena e do m onopólio do salto espacial é tornar a com unicação entre a Terra e as colônias (e entre um a colônia e outra) quase im possível. A única m aneira de conseguir um a resposta oportuna de um a colônia é botar um a m ensagem num a nave com salto espacial. As FCD podem levar m ensagens e dados a contragosto para governos planetários dessa m aneira, m as qualquer outra pessoa não terá a m esm a sorte. É possível adaptar um a antena satélite e esperar captar sinais de com unicação das colônias, m as Alpha, a colônia m ais próxim a da Terra, está a 83 anos-luz de distância, o que dificulta fofocas anim adas entre planetas.

Nunca perguntei, m as im aginava que exatam ente esse parágrafo fazia a m aioria das pessoas desistir. Um a coisa é pensar que você desej a ser j ovem de novo, outra com pletam ente diferente é virar as costas para tudo o que j á viu, todos aqueles que conheceu e am ou e toda a experiência que teve por um período de m ais de sete décadas e m eia. É um inferno dizer adeus a um a vida inteira.

Assinei.

– Parágrafo seis. Últim o parágrafo – a recrutadora declarou. – Reconheço e entendo que, a partir do m eu transporte para fora da Terra pelas Forças Coloniais de Defesa ou de 72 horas da assinatura deste docum ento, o que ocorrer prim eiro, serei considerado falecido para fins legais em todas as entidades políticas pertinentes, neste caso, no Estado de Ohio e nos Estados Unidos da Am érica. Todos e quaisquer bens rem anescentes serão alocados segundo a lei. Todas as obrigações ou responsabilidades j urídicas que por lei se

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extinguem com o falecim ento serão assim extintas. Todos os registros j urídicos, sej am eles benem éritos ou prej udiciais, serão cancelados e todas as dívidas quitadas segundo a lei. Reconheço e entendo que, caso eu não tenha feito as disposições para a distribuição de m eus bens e m ediante m inha solicitação, as Forças Coloniais de Defesa m e oferecerão aconselham ento j urídico e financeiro para fazê-lo dentro de 72 horas.

Assinei. A partir dali, tinha 72 horas para viver, por assim dizer. – O que acontece se eu não deixar o planeta dentro de 72 horas? – eu perguntei quando devolvi o papel para a recrutadora.

– Nada – ela disse, pegando o form ulário. – Exceto que, com o você estará j uridicam ente falecido, todos os seus pertences serão divididos de acordo com seu testam ento, seu plano de saúde e seguro de vida serão cancelados ou pagos aos seus herdeiros e, estando j uridicam ente m orto, não terá qualquer direito a proteção segundo a lei, desde calúnia até assassinato.

– Então alguém poderia sim plesm ente chegar e m e m atar e não haveria repercussões j urídicas?

– Bem , não – ela respondeu. – Se alguém m atá-lo enquanto estiver j uridicam ente m orto, acredito que aqui em Ohio essa pessoa poderia ser j ulgada por “vilipêndio a cadáver”.

– Fascinante.

– No entanto – ela continuou em seu tom ainda m ais penosam ente direto –, em geral não chega a esse ponto. A qualquer m om ento entre agora e o fim das 72 horas, o senhor pode sim plesm ente m udar de ideia sobre se alistar. Basta m e ligar. Se eu não estiver aqui, um a secretária eletrônica pegará seu nom e. Assim que verificarm os que foi realm ente o senhor que solicitou o cancelam ento do alistam ento, será liberado de qualquer obrigação. Tenha em m ente que esse cancelam ento im pede perm anentem ente um futuro alistam ento. É definitivo.

– Entendido – disse eu. – Precisa que eu preste j uram ento?

– Não – ela respondeu. – Preciso apenas registrar este form ulário e lhe dar sua passagem . – Ela voltou ao com putador, digitou por alguns m inutos e, então, apertou a tecla ENTER. – O com putador está gerando sua passagem agora – ela avisou. – Um m inuto.

– Tudo bem – falei. – Se im porta se eu fizer um a pergunta? – Sou casada – ela respondeu.

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– Não era isso que eu ia perguntar. As pessoas realm ente cantam você? – O tem po todo. É bastante incôm odo.

– Im agino – com entei. Ela assentiu. – O que eu ia perguntar era se a senhora j á conheceu alguém das FCD.

– O senhor diz além dos alistados? Eu assenti.

– Não. As FCD têm um a em presa aqui em baixo que cuida do recrutam ento, m as nenhum de nós é efetivam ente um m em bro. Acho que nem m esm o o diretor-presidente. Recebem os todas as inform ações e os m ateriais da equipe da em baixada da União Colonial e não das FCD diretam ente. Acho que eles sequer vêm para a Terra.

– Não se incom oda em trabalhar para um a organização que nunca conheceu?

– Não – disse ela. – O trabalho é bom e ganho surpreendentem ente bem , considerando o baixo orçam ento que liberam para a decoração aqui. De qualquer form a, o senhor vai entrar em um a organização que nunca conheceu. Não incom oda o senhor?

– Não – adm iti. – Estou velho, m inha m ulher está m orta e não há m uitos m otivos para ficar aqui. A senhora vai se alistar quando chegar a hora?

Ela deu de om bros.

– Não m e im porto em envelhecer.

– Eu tam bém não ligava de envelhecer quando era j ovem – respondi. – Foi ser velho que passou a incom odar.

A im pressora fez um zum bido baixo e um obj eto parecido com um cartão de visitas saiu. Ela pegou e m e entregou.

– Sua passagem – ela m e disse. – Identifica o senhor com o John Perry, recruta das FCD. Não perca. Seu transporte sairá desta j unta em três dias para levá-lo ao Aeroporto de Day ton. Parte às 8h30. Sugerim os que chegue aqui cedo. Poderá levar apenas um a bagagem de m ão. Por favor, escolha cuidadosam ente as coisas que desej a levar. De Day ton, o senhor pegará o voo das 11h para Chicago e, em seguida, às 14h, um voo de avião-delta para Nairóbi. Nairóbi está nove horas à nossa frente, então o senhor chegará lá por volta da m eia-noite, horário local. Encontrará um representante das FCD e terá a opção de pegar o de-feij ão das 2h até a Estação Colonial ou descansar um pouco e pegar o

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Pé-de-feij ão das 9h. A partir daí, o senhor estará nas m ãos das FCD. Peguei a passagem .

– O que faço se qualquer um desses voos atrasar?

– Nenhum deles j am ais atrasou nos cinco anos em que trabalho aqui – ela disse.

– Uau – falei. – Aposto que os trens das FCD chegam no horário tam bém .

Ela m e olhou sem expressão.

– Olha – continuei –, tentei fazer piadas com a senhora o tem po inteiro que estive aqui.

– Eu sei – ela retrucou. – Desculpe. Meu senso de hum or foi retirado cirurgicam ente quando eu era criança.

– Ah – eu disse.

– Foi um a piada – disse ela e se levantou, estendendo a m ão. – Olha só! – Eu m e levantei e apertei sua m ão.

– Parabéns, recruta – ela disse. – Boa sorte lá fora, nas estrelas. É o que desej o de coração – ela acrescentou.

– Obrigado. Obrigado m esm o.

Ela assentiu com a cabeça, sentou-se novam ente e voltou os olhos para o com putador. Eu estava dispensado.

No cam inho de saída, vi um a m ulher m ais velha atravessando o estacionam ento na direção da j unta de recrutam ento. Fui até ela.

– Cy nthia Sm ith? – perguntei.

– Sou eu – ela respondeu. – Com o o senhor sabe?

– Queria apenas desej ar feliz aniversário – eu disse e, em seguida, apontei para o céu. – E dizer que talvez nos encontrem os novam ente lá em cim a. Ela sorriu quando entendeu tudo. Por fim , consegui sorrir naquele dia. As coisas estavam m elhorando.

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Nairóbi despregou-se debaixo de nossos pés e dim inuía aos poucos. Cam inham os para a lateral com o se estivéssem os em um elevador rápido (exatam ente o que é o Pé-de-feij ão, claro) e observam os a Terra com eçar a deslizar.

– Parecem form igas aqui de cim a! – Leon Deak deu um a risadinha quando parou ao m eu lado. – Form igas pretas!

Tive um a vontade im ensa de abrir um a fresta da j anela e lançar Leon para fora. Infelizm ente, não havia j anelas que pudesse abrir. A “j anela” do Pé-de-feij ão era feita dos m esm os com postos de diam ante do restante da plataform a, que era transparente para que os viaj antes pudessem enxergar lá em baixo. A plataform a era herm eticam ente fechada, o que seria útil em poucos m inutos, quando estivéssem os alto o bastante e aquela abridinha de j anela levaria a descom pressão explosiva, hipoxia e m orte.

Por isso, Leon não faria um retorno repentino e totalm ente inesperado ao abraço da Terra. Que pena. Leon havia grudado em m im em Chicago com o um parasita gordo recheado de salsicha e cervej a. Fiquei surpreso que alguém cuj o sangue era obviam ente m etade com posto por gordura de porco tenha chegado aos 75 anos. Passei parte do voo até Nairóbi ouvindo-o peidar e explicar som briam ente sua teoria de com posição racial das colônias. Os peidos eram a parte m ais agradável daquele m onólogo. Nunca fiquei tão ansioso para com prar fones de ouvido e aproveitar os canais de entretenim ento oferecidos no voo.

Esperava m e livrar dele optando por tom ar o prim eiro Pé-de-feij ão saindo de Nairóbi. Ele parecia o tipo de cara que precisava de um descanso após se ocupar tanto expelindo gases o dia todo. Não tive essa sorte. A ideia de passar m ais seis horas com Leon e seus peidos era m ais do que eu poderia aguentar. Se a plataform a do elevador tivesse j anelas e eu não pudesse lançar Leon para fora, talvez eu m esm o tivesse pulado de um a delas. Em vez disso, pedi licença a Leon, dizendo a única coisa que pareceu m antê-lo sob controle: que eu precisava ir ao banheiro. Leon grunhiu sua perm issão. Eu cam inhei no sentido anti-horário, m ais ou m enos na direção dos toaletes, m as m ais especificam ente procurando um

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lugar onde Leon não pudesse m e encontrar.

Não foi algo fácil de se fazer. A plataform a do Pé-de-feij ão tinha o form ato de um a rosquinha, com um diâm etro aproxim ado de cem pés. O “buraco” da rosquinha, por onde a plataform a deslizava para cim a, tinha cerca de vinte pés de largura. O diâm etro do cabo era obviam ente pouco m enor que isso, talvez uns dezoito pés, que, se pensarm os bem , m al parecia grosso o bastante para um cabo estendido por m ilhares de m ilhas. O restante do espaço era equipado com cabines e sofás confortáveis onde as pessoas podiam se sentar e conversar, e pequenas áreas onde os viaj antes podiam assistir a program as de entretenim ento, j ogar ou com er. E, claro, havia m uitas áreas com j anelas para se olhar para fora, lá em baixo, para a Terra, para outros cabos e plataform as de Pés-de-feij ão ou para cim a, na direção da Estação Colonial.

No geral, a plataform a dava a im pressão de ser o agradável saguão de um hotel econôm ico lançado repentinam ente na direção da órbita geoestacionária. O único problem a era que ficava difícil se esconder com aquela disposição espaçosa. A viagem não estava m uito lotada, não havia tantos passageiros a ponto de ser possível ser encoberto por eles. Por fim , decidi pegar algum a coisa para beber em um quiosque próxim o ao centro da plataform a, quase diante de onde Leon estava em pé. Considerando os eixos de visão, aquele era o lugar onde teria a m elhor chance de evitá-lo por m ais tem po.

Deixar a Terra fisicam ente foi um a coisa irritante, graças ao entoj o de Leon, m as a facilidade em deixá-la em ocionalm ente m e causou surpresa. Havia decidido um ano antes da m inha partida que, sim , eu m e alistaria nas FCD. A partir de então, foi um a sim ples questão de arrum ar as coisas e dizer adeus. Quando Kathy e eu havíam os decidido nos alistar, um a década antes, colocam os a casa no nom e de nosso filho, Charlie, j unto aos nossos, de form a que ele pudesse tom ar posse dela sem ter de fazer inventário. Kathy e eu, ao contrário, não possuíam os nada de valor real, apenas algum as bugigangas que acum ulam os durante a vida. A m aior parte das coisas realm ente bacanas foi distribuída entre am igos e fam ília durante o últim o ano. Charlie lidaria com o restante m ais tarde.

Deixar as pessoas não foi tão m ais difícil. Elas reagem às notícias com diversos níveis de surpresa e tristeza, pois todo m undo sabe que, assim que se entra nas Forças Coloniais de Defesa, não se retorna. Mas não é com o se m orrêssem os de verdade. Eles sabem que, em algum lugar lá no espaço, você

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continua vivo. Ora essa, talvez, depois de um tem po, eles até podiam vir se j untar a nós. É um pouco o que im agino que as pessoas sentiam centenas de anos atrás, quando algum conhecido atrelava cavalos a um a carroça e partia para o Oeste. Elas choravam , sentiam saudade e voltavam aos seus afazeres.

Bem , um ano antes de partir eu contei às pessoas o que estava fazendo. É tem po suficiente para se dizer o necessário, resolver questões e fazer as pazes. Durante esse ano, tive algum as conversas com velhos am igos e fam iliares e dei a últim a cutucada em velhas feridas e cinzas. Em quase todos os casos, tudo term inou bem . Algum as vezes pedi perdão por coisas pelas quais particularm ente não sentia culpa e, em um caso, m e vi na cam a com alguém que, de outra form a, eu não m e deitaria. Mas a gente faz o que precisa para encerrar um assunto com as pessoas, pois isso as faz se sentirem m elhor e não custa m uito. Eu preferi m e desculpar por algo com que realm ente não m e im portava e deixar alguém na Terra m e desej ando o bem a ser teim oso e ter alguém esperando que algum alienígena chupasse m eu cérebro de canudinho. Um a espécie de seguro contra carm a.

Charlie foi m inha m aior preocupação. Com o m uitos pais e filhos, tivem os nossas diferenças. Eu não era o pai m ais atencioso e ele não era o filho m ais independente, ainda vagando pela vida com trinta e poucos anos. Quando descobriu que Kathy e eu queríam os nos alistar, ele explodiu conosco. Nos lem brou de que protestam os contra a Guerra Subcontinental. Que sem pre lhe ensinam os que violência não era o cam inho. Que o deixam os de castigo por um m ês quando ele saiu para praticar tiro ao alvo com Bill Young – algo que pensam os ser um pouco estranho para um hom em de 35 anos trazer à tona.

A m orte de Kathy encerrou a m aioria de nossas discussões, pois ele e eu percebem os que a m aioria das coisas pelas quais brigávam os sim plesm ente não im portava. Eu estava viúvo, ele era um solteirão, e por um tem po ele e eu seríam os tudo o que havia restado. Não m uito tem po depois, ele conheceu Lisa e se casou com ela, e m ais ou m enos um ano depois disso teve um filho e foi reeleito prefeito, tudo num a noite m uito agitada. Charlie foi um fruto que am adureceu tardiam ente, m as um belo fruto. Ele e eu tivem os nossa conversa, quando pedi desculpas por algum as coisas (com sinceridade) e tam bém lhe disse (de form a igualm ente sincera) o quanto m e orgulhava do hom em que ele havia se tornado. Em seguida, nos sentam os no alpendre com nossas cervej as,

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assistindo ao m eu neto Adam rebatendo um a bola de beisebol pendurada num poste no j ardim , e conversam os sobre am enidades por um bom tem po. Quando nos despedim os, foi de form a gentil e carinhosa, que é o que se espera entre pais e filhos.

Estava lá, ao lado do quiosque, m e dem orando com m inha Coca-Cola e pensando sobre Charlie e sua fam ília, quando ouvi a voz de Leon grunhindo, seguida por outra voz, baixa, aguda e fem inina, dizendo algo em resposta. Mesm o sem querer, olhei para além do quiosque. Leon aparentem ente havia conseguido encurralar um a pobre m ulher e sem dúvida estava com partilhando um a teoria ridícula qualquer que seu tronco cerebral im becil estava propagando no m om ento. Meu senso de cavalheirism o superou m eu desej o de m e esconder, e fui intervir.

– Tudo o que estou dizendo é que não é exatam ente j usto que você, eu e todos os am ericanos tenham os que esperar até ficarm os m ais velhos que o diabo para ter a chance de ir, enquanto todos aqueles indianos são carregados para m undos novinhos em folha tão rápido quanto procriam . O que fazem m uito, m uito rápido. Sim plesm ente não é j usto. Parece justo para você?

– Não, não m e parece especialm ente j usto – a m ulher retrucou. – Mas suponho que eles tam bém não achem m uito j usto o fato de term os varrido Nova Déli e Mum bai da face da Terra.

– Essa é exatam ente a questão! – Leon exclam ou. – Nós j ogam os bom bas nucleares sobre os encardidos! Nós vencemos aquela guerra! Ganhar deveria valer algum a coisa. E agora, olha o que acontece. Eles perderam , m as estão indo colonizar o universo, e a única m aneira de conseguirm os ir é nos alistando para protegê-los! Desculpe dizer isso, m as a Bíblia não afirm a que “os m ansos herdarão a Terra”? Eu diria que perder um a m aldita guerra deixa qualquer um m anso à beça.

– Não acho que essa frase quer dizer o que você pensa que ela quer dizer, Leon – eu disse, aproxim ando-m e dos dois.

– John! Vej a, este é um hom em que sabe do que estou falando – Leon com entou, abrindo um m eio sorriso para m im .

A m ulher virou-se para m e encarar.

– O senhor conhece este cavalheiro? – ela m e perguntou com um tom na voz insinuando que se eu o conhecesse, obviam ente havia algo de errado com igo.

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– A gente se conheceu na viagem para Nairóbi – eu respondi, erguendo levem ente a sobrancelha para indicar que ele não era um a com panhia que eu escolhera. – Sou John Perry.

– Jesse Gonzales – ela se apresentou.

– Encantado – respondi e, em seguida, virei para Leon. – Leon, você citou errado. O trecho na verdade é do Serm ão da Montanha e diz “Bem -aventurados os m ansos, porque eles herdarão a Terra”. Herdar a Terra significa um prêm io, não um a punição.

Leon piscou, depois bufou.

– Mesm o assim , nós acabamos com eles. Arrancam os aquelas cabecinhas m arrons. Nós deveríam os estar colonizando o universo, não eles.

Abri a boca para retrucar, m as Jesse se apressou em dizer:

– Bem -aventurados os que são perseguidos por causa da j ustiça, porque deles é o reino dos céus – ela disse, falando para Leon, m as olhando de soslaio para m im .

Leon olhou para nós por um m inuto, boquiaberto.

– Vocês não podem estar falando sério – ele disse depois desse m om ento. – Não há nada na Bíblia que diz que nós deveríam os ficar presos à Terra, enquanto aquela cam bada de encardidos, que nem m esm o acreditam em Jesus, aliás, enchem a galáxia. E, certam ente, isso não significa que devem os proteger esses desgraçados durante essa povoação. Meu Deus, m eu filho foi para essa guerra. Algum encardido atirou nas bolas dele! Nas bolas! Eles m ereceram o que receberam , filhos da puta. Não m e peçam para ficar feliz por que tenho de salvar a pele m iserável daqueles caras nas colônias.

Jesse piscou para m im .

– O senhor gostaria de responder desta vez? – Se não se im portar – eu respondi. – Ah, de form a algum a – disse ela.

– “Eu, porém , vos digo: am ai os vossos inim igos” – eu citei –, “e orai pelos que vos perseguem para que vos torneis filhos do vosso Pai que está nos céus; porque ele faz nascer o seu sol sobre m aus e bons, e faz chover sobre j ustos e inj ustos”.

Leon ficou verm elho com o um pim então.

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duro, o m ais rápido que sua gordura perm itiu.

– Graças a Deus – disse eu. – E, dessa vez, literalm ente.

– O senhor é m uito bom em citações bíblicas – Jesse observou. – Foi pastor na vida passada?

– Não. Mas m orei num a cidadezinha de 2 m il pessoas e 15 igrej as. Aj udava saber essas coisas para se com unicar. E não precisa ser religioso para gostar do Serm ão da Montanha. E qual a sua j ustificativa?

– Aula de religião em escola católica – disse ela. – Ganhei um a m edalha de m em orização no prim eiro ano do ensino m édio. É incrível que o cérebro consiga arm azenar essas coisas por sessenta anos, m esm o que nos últim os eu não conseguisse lem brar onde estacionava o carro quando ia às com pras.

– Bem , de qualquer form a, deixe-m e pedir desculpas por Leon – com entei. – Eu m al o conheço, m as j á falei com ele o bastante para saber que é um idiota.

– “Não j ulgueis para que não sej as j ulgado” – Jesse falou e deu de om bros. – Ele só estava falando o que m uita gente acredita. Acho estúpido e errado, m as não quer dizer que eu não entenda. Queria que houvesse outra m aneira de ver as colônias que não esperar um a vida inteira e precisar se alistar no exército para isso. Se eu pudesse ser um a colonizadora quando m ais j ovem , teria sido.

– Então, a senhora não está se alistando para um a vida de aventuras m ilitares – concluí.

– Claro que não – disse Jesse, em tom de leve zom baria. – Por acaso você veio por ter um grande desej o de lutar em um a guerra?

– Não – respondi. Ela assentiu com a cabeça.

– Nem eu. Nem a m aioria de nós. Seu am igo Leon certam ente não se alistou para servir aos m ilitares, ele não suporta as pessoas que protegerem os. As pessoas se alistam porque não estão prontas para m orrer e não querem envelhecer. Alistam -se porque a vida na Terra não é interessante depois de um a certa idade. Ou se alistam para ver um lugar novo antes de m orrer. É por isso que m e alistei, sabe? Não estou ingressando para lutar ou ser j ovem de novo. Apenas quero ver com o é estar em outro lugar.

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– Olha, sei que é engraçado m e ouvir falar isso. Sabe que, até ontem , eu nunca havia saído do Texas?

– Não se sinta m al com isso – disse eu. – O Texas é um estado bem grande.

Ela sorriu.

– Obrigada. Não m e sinto m al, de verdade. Só é engraçado. Quando eu era criança, costum ava ler todos os rom ances do “Jovem Colono” e assistir aos program as, e sonhava em criar gado arcturiano e com bater verm es da areia m alignos da colônia Gam m a Prim e. Então cresci e percebi que os colonos vinham da Índia, do Cazaquistão e da Noruega, países que não conseguem com portar a população que têm , e o fato de eu ter nascido nos Estados Unidos significava que eu não conseguiria ir. E que não havia, de fato, gado arcturiano ou verm es da areia! Fiquei m uito decepcionada ao saber disso aos 12 anos.

Ela deu de om bros antes de prosseguir.

– Cresci em San Antonio, “parti” para estudar na Universidade do Texas e voltei a San Antonio por causa de um em prego. No fim , acabei m e casando e tirávam os férias na Costa do Golfo. No nosso trigésim o aniversário de casam ento, m eu m arido e eu planej ávam os ir para a Itália, m as nunca fom os.

– Que aconteceu? Ela riu.

– A secretária dele aconteceu. Eles acabaram indo para Itália em lua de m el. Eu fiquei em casa. Por outro lado, os dois acabaram com intoxicação por frutos do m ar em Veneza, então foi bom eu nunca ter ido. Mas não m e preocupei em viaj ar depois disso. Sabia que ia m e alistar assim que pudesse, m e alistei e aqui estou. Em bora agora eu quisesse ter viaj ado m ais. Peguei o voo de avião-delta de Dallas para Nairóbi. Foi divertido. Queria ter feito isso m ais de um a vez na vida. Sem m encionar isso aqui – ela apontou para a j anela, na direção dos cabos do Pé-de-feij ão –, nunca pensei que viaj aria num desses na vida. Digo, o que segura este cabo lá em cim a?

– A fé – eu disse. – Você acredita que não vai cair e ele não cai. Tente não pensar m uito nisso ou estarem os encrencados.

– Sabe no que acredito? – Jesse pergunta e em seguida responde: – Que quero pegar algo para com er. Vem com igo?

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– Fé – Harry Wilson disse e riu. – Bem , talvez a fé estej a segurando o cabo. Porque certam ente não tem nada a ver com fundam entos da física.

Harry Wilson j untou-se a Jesse e a m im na cabine onde estávam os com endo.

– Vocês dois parecem se conhecer, isso é um a vantagem sobre todo m undo aqui – ele nos disse quando se aproxim ou. Convidam os Harry a se j untar a nós e ele aceitou, agradecido. Segundo ele, deu aula de física por vinte anos em um a escola de ensino m édio em Bloom ington, Indiana, e o Pé-de-feij ão o intrigou durante todo o tem po em que estávam os viaj ando nele.

– O que o senhor quer dizer com “a física não está sustentando os cabos”? – Jesse questionou. – Acredite, não é o tipo de coisa que eu gostaria de ouvir neste m om ento.

Harry sorriu.

– Desculpe, deixe-m e reform ular. A física tem a ver com o funcionam ento dos cabos, claro. Mas a física envolvida não é do tipo com um . Muitas coisas aqui aparentem ente não têm sentido.

– Prevej o um a aula de física a cam inho – com entei.

– Dei aula de física para adolescentes por anos – disse Harry e puxou um pequeno bloco de notas e um a caneta. – Não vai doer, acreditem . Tudo bem , prestem atenção. – E Harry com eçou a desenhar um círculo na parte de baixo da página. – Aqui está a Terra. E aqui – ele desenhou um círculo m enor na m etade da página – está a Estação Colonial. Ela está na órbita geossincrônica, ou sej a, ela acom panha a rotação da Terra. Sem pre na altura de Nairóbi. Estão acom panhando?

Assentim os.

– Tudo bem . Agora, a ideia por trás do sistem a é que conectam os a Estação Colonial com a Terra por m eio de um “pé-de-feij ão”, um a porção de cabos com o aqueles lá fora e um m onte de plataform as de elevação, com o esta na qual estam os agora, que podem viaj ar para cim a e para baixo. – Harry desenhou um a linha que representava o cabo, e um pequeno quadrado para a plataform a. – A ideia aqui é que os elevadores nesses cabos não precisam alcançar a velocidade de escape para chegar à órbita da Terra, com o a carga útil de um foguete faria. Isso é bom , pois não precisam os ir até a Estação Colonial sentindo com o se um elefante estivesse com a pata sobre nosso peito. Sim ples

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assim . A questão é que esse Pé-de-feij ão não age conform e as exigências físicas básicas de um clássico Pé-de-feij ão Terra-espaço. Pra com eçar – Harry desenhou um a linha adicional que passava pela Estação Colonial até o fim da página –, a Estação Colonial não deveria ficar na extrem idade do Pé-de-feij ão. Por m otivos que têm a ver com balanço de m assa e dinâm ica orbital, deveria haver um cabo adicional estendendo-se para dezenas de m ilhares de m ilhas além da Estação Colonial. Sem esse contrapeso, qualquer Pé-de-feij ão seria inerentem ente instável e perigoso.

– E o senhor está dizendo que este aqui não é – concluí.

– Não apenas não é instável, m as provavelm ente é a m aneira m ais segura de viaj ar que j á foi inventada – Harry confirm ou. – O Pé-de-feij ão está em operação contínua há m ais de um século. É o único ponto de partida para colonos. Não houve nenhum acidente atribuído à instabilidade ou à falha de m aterial que estivesse relacionado à instabilidade. Houve a fam osa explosão do Pé-de-feij ão quarenta anos atrás, m as foi sabotagem , sem relação com a estrutura física do próprio elevador. O Pé-de-feij ão em si é adm iravelm ente estável e tem sido assim desde que foi construído. Mas, de acordo com a física básica, não deveria ser.

– Então o que o m antém ? – Jesse voltou a questionar. Harry sorriu de novo.

– Bem , essa é a questão, não é?

– Quer dizer que o senhor não sabe? – Jesse perguntou.

– Eu não sei – Harry adm itiu. – Mas isso não deve ser m otivo para preocupação, pois sou, ou era, um sim ples professor de física de um a escola. No entanto, pelo que eu saiba, ninguém tem qualquer pista de com o ele funciona. Na Terra, digo. Obviam ente a União Colonial sabe.

– Bem , com o pode ser assim ? – perguntei. – Faz um século que opera, pelo am or de Deus. Ninguém foi atrás de descobrir com o funciona de verdade?

– Não foi isso que eu disse – Harry respondeu. – Claro que tentaram . E não perm aneceu em segredo durante todos esses anos. Quando o Pé-de-feij ão estava sendo construído, houve exigências dos governos e da im prensa para saber com o funcionava. A UC disse, basicam ente, para eles “descobrirem ”, e foi assim . Em círculos da física, as pessoas vêm tentando resolver essa questão desde então. É cham ado de “O Problem a do Pé-de-feij ão”.

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– Título nada original – com entei.

– Bem , os físicos guardam a im aginação para outras coisas. – Harry deu um a risadinha. – O problem a é que a questão não foi resolvida principalm ente por dois m otivos. Prim eiro, é incrivelm ente com plicado… eu salientei questões de m assa, m as existem outras questões com o força do cabo, oscilações do Pé-de-feij ão ocasionadas por tem pestades e outros fenôm enos atm osféricos e m esm o um a questão sobre com o os cabos devem se afunilar. Qualquer um a dessas perguntas é extrem am ente difícil de resolver no m undo real. Tentar resolver todas de um a vez é im possível.

– Qual é o segundo m otivo? – Jesse questionou.

– O segundo é que não há m otivo. Mesm o se descobríssem os com o construir um a dessas coisas, não conseguiríam os construí-la. – Harry se recostou. – Antes de eu m e tornar professor, trabalhei no departam ento de engenharia civil da General Electric. Estávam os trabalhando na linha ferroviária Subatlântica na época, e um a das m inhas funções era vasculhar antigos proj etos e elaborar propostas para ver se algum a tecnologia ou prática tinha aplicação ao proj eto da Subatlântica. Um a espécie de últim a tacada para ver se podíam os fazer algum a coisa para reduzir custos.

– A General Electric faliu por isso, não foi? – perguntei.

– Agora vocês sabem por que queriam reduzir custos – Harry respondeu. – E por isso m e tornei professor. Logo depois disso, a General Electric não podia m e pagar, m uito m enos outras pessoas. De qualquer form a, eu repassava propostas e relatórios antigos e tive acesso a alguns docum entos secretos, e um dos relatórios era sobre um Pé-de-feij ão. A General Electric havia sido contratada pelo governo norte-am ericano para um estudo de viabilidade de terceiros sobre a construção de um Pé-de-feij ão no hem isfério ocidental. Queriam abrir um buraco na Am azônia do tam anho de Delaware e grudá-lo bem na linha do Equador. A General Electric disse para que esquecessem . A proposta dizia que, m esm o considerando alguns grandes avanços tecnológicos, sendo que a m aioria dos quais ainda não aconteceu e que nenhum deles abordava a tecnologia que devia envolver este Pé-de-feij ão, o orçam ento para o proj eto seria três vezes o produto interno bruto anual dos Estados Unidos. Isso supondo que o proj eto não ultrapassasse o orçam ento, o que obviam ente aconteceria. Agora, isso foi há vinte anos, e o relatório que vi j á tinha m ais de

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um a década naquele m om ento. Mas não acho que os custos caíram m uito desde então. Então, nada de novos Pés-de-feij ão… Há m aneiras m ais baratas de levar pessoas e m ateriais à órbita. Muito m ais baratas.

Harry inclinou-se para a frente de novo.

– O que leva a duas questões óbvias: com o a União Colonial conseguiu criar esta m onstruosidade tecnológica e por que eles se deram a esse trabalho?

– Bem , obviam ente a União Colonial é m ais avançada tecnologicam ente do que nós aqui na Terra – Jesse respondeu.

– Obviam ente – Harry falou. – Mas por quê? No fim das contas, os colonos são seres hum anos. Não só isso, m as com o as colônias recrutam especificam ente de países pobres com problem as populacionais, os colonos tendem a ter educação precária. Assim que conseguem lares novos, é de se supor que passem m ais tem po lutando para sobreviver do que pensando em m aneiras criativas de construir Pés-de-feij ão. E a tecnologia principal que perm itiu a colonização interestelar foi o salto espacial, desenvolvido bem aqui, na Terra, e que perm anece substancialm ente o m esm o há m ais de um século. Então, considerando este cenário, não há m otivo para os colonos serem tecnologicam ente m ais avançados que nós.

De repente, tive um estalo. – A m enos que trapaceiem – eu disse. Harry abriu um sorrisinho am arelo. – Exato. É o que penso tam bém .

Jesse olhou para m im e, em seguida, para Harry. – Não estou acom panhando vocês dois – ela confessou.

– Eles trapaceiam – falei. – Vej a, na Terra, estam os ilhados. Aprendem os apenas sobre nós m esm os, fazem os descobertas e refinam os tecnologia o tem po todo, m as é um processo lento, pois fazem os todo o trabalho sozinhos. Mas lá em cim a…

– Lá em cim a os seres hum anos encontram outras espécies inteligentes – Harry continuou. – Algum as que certam ente têm tecnologia m ais avançada que a nossa. Ou com pram os ou fazem os engenharia reversa e descobrim os com o funciona. É m uito m ais fácil descobrir com o algo funciona quando se parte de outra coisa do que criá-la do zero.

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está colando de alguém .

– Bem , por que a União Colonial não com partilha conosco o que descobriu? – Jesse questionou. – Qual a razão de m anter as descobertas para ela? – Talvez acreditem que o que não sabem os não pode nos ferir – respondi. – Ou outra coisa com pletam ente diferente – Harry aventou, apontando para a j anela, onde os cabos do feij ão deslizavam . – Sabe, esse Pé-de-feij ão não está aqui porque é a m aneira m ais fácil de levar pessoas até a Estação Colonial. Está aqui porque é um a das m ais difíceis… de fato, é a m aneira mais cara, mais tecnologicam ente com plexa e mais politicam ente intim idadora de se fazer isso. Sua sim ples presença é um lem brete de que a UC está literalm ente anos-luz à frente do que qualquer ser hum ano possa fazer aqui.

– Nunca achei intim idador – Jesse adm itiu. – Na verdade, nunca pensei m uito sobre ele.

– A senhora não é a destinatária dessa m ensagem – Harry afirm ou. – Se fosse a presidente dos Estados Unidos, no entanto, pensaria diferente. Afinal de contas, a UC m antém todos nós na Terra. Não há viagem espacial, exceto aquelas que a UC perm ite por m eio de colonização e alistam ento. Líderes políticos sem pre estão sob pressão para deixar a UC de lado e m andar seu povo para as estrelas. Mas o Pé-de-feij ão é um lem brete constante. Ele diz: “Até que vocês possam fazer um desses, nem pensem em nos desafiar”. E o Pé-de-feij ão é a única tecnologia que a UC decidiu nos m ostrar. Pense no que eles não deixaram que soubéssem os. Posso garantir aos senhores que o presidente dos Estados Unidos j á pensou. E isso m antém tanto ele com o todos os outros líderes do planeta na linha.

– Nada disso está m e fazendo ficar feliz com a União Colonial – Jesse argum entou.

– Não precisa ser sinistro – Harry disse. – Pode ser que a UC estej a tentando proteger a Terra. O universo é um lugar grande. Talvez não estej am os na m elhor das vizinhanças.

– Harry, você sem pre foi assim , paranoico – perguntei –, ou foi algo que se apossou de você quando ficou m ais velho?

– Com o você acha que cheguei aos 75? – Harry perguntou com um a risadinha. – De qualquer form a, não tenho nenhum problem a com a UC ser m uito m ais avançada tecnologicam ente. Trata-se de trabalhar em benefício

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próprio. – Ele ergueu um braço. – Olhe para essa coisa. É flácido, velho e não está em m uito bom estado. De algum a form a, as Forças Coloniais de Defesa vão pegar este braço… e o restante de m im … e m isturar até ficar em form a de com bate. E sabem com o?

– Não – eu disse. Jesse negou com a cabeça.

– Nem eu – Harry continuou, e deixou o braço cair m ole sobre a m esa. – Não tenho ideia de com o farão o trabalho. Sabem o que m ais? É provável que eu sequer possa im aginar com o fazem isso… se considerarm os que som os m antidos em um estado de infância tecnológica pela UC, tentar explicar para m im , agora, seria com o tentar explicar esta plataform a de Pé-de-feij ão a alguém que nunca viu um m eio de transporte m ais com plexo que um a carroça puxada por cavalos. Mas obviam ente o fizeram funcionar. De outra form a, por que recrutariam idosos de 75 anos? O universo não será conquistado por legiões de pacientes geriátricos. Me perdoem – ele acrescentou rapidam ente.

– Sem problem as – Jesse disse e sorriu.

– Senhora e senhor – Harry falou, olhando para os dois –, podem os pensar que tem os algum a ideia sobre em que estam os nos m etendo, m as não acho que tenham os a m ínim a noção. Este Pé-de-feij ão existe para nos revelar. É m aior e m ais estranho do que podem os im aginar… e é apenas a prim eira parte da j ornada. O que virá em seguida será ainda m aior e m ais estranho. Preparem -se da m elhor form a que puderem .

– Que dram ático – Jesse com entou, seca. – Não sei com o m e preparar depois de um a declaração dessas.

– Pois eu sei – disse e saltei para sair da cabine. – Vou fazer xixi. Se o universo é m aior e m ais estranho do que eu posso im aginar, é m elhor descobrir com a bexiga vazia.

– Falou com o um legítim o escoteiro – Harry disse.

– Um escoteiro não precisaria m ij ar tanto quanto eu preciso – retruquei. – Claro que precisaria – Harry respondeu. – É só lhe dar sessenta anos a m ais.

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– Não sei vocês – Jesse disse para m im e Harry –, m as até agora isso aqui não tem nada a ver com o que eu esperava do exército.

– Não é tão ruim – com entei. – Aqui, pegue outra rosquinha. – Não preciso de outra – ela disse, m as ainda assim pegando a rosquinha. – Preciso é dorm ir um pouco.

Eu entendi o que ela queria dizer. Já fazia m ais de dezoito horas desde que eu saíra de casa, quase todas elas consum idas com a viagem . Estava pronto para um a soneca. Em vez disso, estava sentado no im enso refeitório de um cruzador interestelar, tom ando café com rosquinhas em m eio a m ais uns m il outros recrutas, esperando alguém vir e nos dizer o que faríam os em seguida. Essa parte, ao m enos, era m uito parecida com o exército que eu esperava.

A correria seguida de espera com eçou na chegada. Assim que saím os da plataform a do Pé-de-feij ão, fom os recebidos por dois apparatchiks da União Colonial. Inform aram -nos que éram os os últim os recrutas aguardados para um a nave que partiria em breve, então deveríam os segui-los rapidam ente para que tudo pudesse ser feito dentro do cronogram a. Em seguida, um tom ou a frente, outro foi para o fundo e, efetiva e ofensivam ente, arrebanharam várias dúzias de idosos por um a estação inteira até nossa nave, a NFCD (Nave das Forças Coloniais de Defesa) Henry Hudson.

Com o eu, Jesse e Harry ficaram visivelm ente desapontados com a correria. A Estação Colonial era im ensa – m ais de um a m ilha de diâm etro (1 800 m etros, na verdade, e desconfiei que, após 75 anos de vida, finalm ente teria de com eçar a m e acostum ar com o sistem a m étrico) – e era o único porto de transporte para recrutas e colonos. Atravessá-la arrebanhado sem poder parar e adm irá-la era com o ter 5 anos e ser em purrado loj a de brinquedos afora por pais apressados na época do Natal. Quis m e j ogar no chão e ter um ataque de birra até conseguir o que queria. Infelizm ente, eu era velho dem ais (ou m elhor, não era velho o suficiente) para sair ileso com esse tipo de com portam ento.

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O que vi em nossa cam inhada apressada foi um a am ostra tentadora. Enquanto nossos apparatchiks nos cutucavam e em purravam pelo cam inho, passam os por um im enso espaço de contenção cheio até o lim ite com o que im aginei serem paquistaneses ou indianos m uçulm anos. A m aioria deles esperava com paciência para ter acesso às naves circulares que os levariam até um a im ensa nave de transporte colonial, um a que estava visível a distância, flutuando diante da j anela. Outros podiam ser vistos discutindo com oficiais da UC sobre um a coisa ou outra num inglês carregado de sotaque, consolando crianças que estavam obviam ente entediadas ou fuçando os pertences em busca de algo para com er. Em um canto, um grupo de hom ens estava aj oelhado num a área acarpetada do espaço e orava. Tentei im aginar por um instante com o eles haviam determ inado onde estava Meca aqui em cim a, a 33 m il m ilhas de distância, e então fom os em purrados e os perdem os de vista.

Jesse m e puxou pela m anga da cam isa e apontou à nossa direita. Em pequenos refeitórios, tive o vislum bre de algo azul com tentáculos segurando um m artíni. Alertei Harry. Ele ficou tão intrigado que voltou para olhar, para grande consternação do apparatchik cuidador. Ele enxotou Harry de volta para a m anada com um olhar ferino no rosto. Harry, por outro lado, estava sorrindo com o um tolo.

– Um Gehaar – ele disse. – Estava com endo asinhas de frango tem peradas quando olhei lá dentro. Nojento. – Então, deu um a risadinha. Os Gehaar foram os prim eiros alienígenas inteligentes que os seres hum anos encontraram , na época anterior ao estabelecim ento do m onopólio sobre viagens espaciais pela União Colonial. Um povo até am igável, m as que com ia inj etando ácido na com ida a partir de dúzias de pequenos tentáculos na cabeça e depois chupavam ruidosam ente a gosm a resultante por um orifício. Um a m eleca.

Harry não se im portava, pois tinha visto seu prim eiro alienígena ao vivo. Nosso peram bular chegou ao fim quando nos aproxim am os de um a área de contenção com as palavras “Henry Hudson/Recrutas FCD” brilhando em um display flutuante. Nosso grupo tom ou seus lugares com alívio, enquanto os apparatchiks foram falar com outros coloniais que esperavam na com porta de em barque da nave. Harry, que m ostrava um a tendência óbvia à curiosidade, foi até a j anela da área de contenção para olhar nossa nave. Jesse e eu nos levantam os, exaustos, e o seguim os. Um pequeno m onitor inform ativo na j anela

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nos aj udou a encontrá-la entre outras naves.

A Henry Hudson não estava atracada no portão, claro. É difícil fazer um a espaçonave interestelar com centenas de m ilhares de toneladas m over-se tranquilam ente acoplada a um a estação espacial giratória. Com o acontecia com os transportes de colonos, ela m antinha um a distância razoável durante o transporte de ida e vinda de suprim entos, passageiros e tripulação com naves circulares e barcaças m ais m anobráveis. A Hudson em si estava parada a poucas m ilhas acim a da estação e não tinha o desenho grandalhão, funcional e nada estético de um a roda com raios típico dos transportes coloniais, m as era m ais esguia, m ais achatada e, o m ais im portante, tinha um form ato nem um pouco cilíndrico ou circular. Mencionei isso a Harry, que assentiu e disse:

– Gravidade artificial em tem po integral. E estável em um cam po grande. Muito im pressionante.

– Pensei que estivéssem os usando gravidade artificial enquanto subíam os – Jesse falou.

– E estávam os – Harry confirm ou. – Quanto m ais alto estávam os, m ais os geradores de gravidade da plataform a do Pé-de-feij ão aum entavam sua força.

– Então qual é a diferença do uso da gravidade artificial em um a espaçonave?

– Só é extrem am ente difícil – disse Harry. – Precisa de um a quantidade enorm e de energia para criar um cam po gravitacional, e o tanto de energia que é necessário aplicar aum enta exponencialm ente com o raio do cam po. Provavelm ente eles fizeram algum m acete criando vários cam pos m enores em vez de um único cam po m aior. Mas, m esm o assim , criar os cam pos em nossa plataform a de Pé-de-feij ão provavelm ente despendeu m ais energia do que precisaria para ilum inar sua cidade natal durante um m ês.

– Não sei, não – Jesse falou. – Venho de San Antonio.

– Certo. A cidade natal dele, então – insistiu Harry, apontando para m im com o dedão estendido. – O fato é que tem os um desperdício incrível de energia e, na m aioria das situações nas quais se requer gravidade artificial, é m ais sim ples e m uito m ais barato sim plesm ente criar um a roda, girá-la e deixar que ela prenda pessoas e coisas na borda interior. Durante o giro, é necessário apenas um m ínim o de energia adicional no sistem a para com pensar o atrito. Ao

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contrário da criação de um cam po de gravidade artificial, que precisa de um a em issão constante e significativa de energia.

Ele apontou para a Henry Hudson.

– Vej a, há um a nave circular perto da Hudson. Usando-a com o escala, acredito que a Hudson tenha uns 800 pés de com prim ento, 200 de largura e cerca de 150 de altura. Criar um único cam po de gravidade artificial ao redor dessa coisinha certam ente deixaria as luzes de San Antonio bem fracas. Mesm o cam pos m últiplos drenariam um a quantidade incrível de força. Então, ou eles têm um a fonte de energia que pode m anter tanto a gravidade com o o funcionam ento de todos os outros sistem as da nave, de propulsão a recursos de m anutenção de vida, ou eles encontraram um a m aneira nova e m ais energeticam ente econôm ica de criar gravidade.

– É provável que não sej a barato – disse eu, apontando para a nave de transporte colonial à direita da Henry Hudson. – Vej a aquela nave colonial. É um a roda. E a Estação Colonial tam bém está girando.

– As colônias guardam sua m elhor tecnologia para uso m ilitar – Jesse com entou. – E esta nave está sendo usada apenas para buscar novos recrutas. Acho que você tem razão, Harry. Não tem os ideia de onde estam os nos m etendo. Harry deu um a risadinha e virou-se para olhar a Henry Hudson, que circulava lentam ente enquanto a Estação Colonial girava.

– Am o quando as pessoas se rendem à m inha m aneira de pensar.

Naquele m om ento, nossos apparatchiks nos arrebanharam novam ente e form aram um a fila para em barcarm os na nave circular. Apresentam os nossos cartões de identificação ao oficial da UC no portão de em barque, que nos registrou em um a lista, enquanto seu parceiro nos presenteava com um tablet, um assistente pessoal digital.

– Obrigado por sua estadia na Terra, receba um adorável presente de despedida – eu lhe disse. Ele pareceu não entender.

As naves circulares não vinham equipadas com gravidade artificial. Nossos apparatchiks nos prenderam e alertaram que, em circunstância nenhum a, deveríam os tentar nos desprender. Para garantir que os m ais claustrofóbicos entre nós não o fizessem , as travas nos cintos não estariam sob nosso controle

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