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Sobre Heidegger e a desestetização da arte

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Academic year: 2021

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Viso · Cadernos de estética aplicada

Revista eletrônica de estética

ISSN 1981-4062

Nº 15, 2014

http://www.revistaviso.com.br/

Sobre Heidegger e a desestetização da arte

Luiz Camillo Osório

Pontifícia Universidade Católica do Rio de Janeiro (PUC-Rio) Rio de Janeiro, Brasil

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RESUMO

Sobre Heidegger e a desestetização da arte

Esse artigo é uma réplica ao texto de Virgínia Figueiredo intitulado "O paradoxo sublime ou a alforria da arte".

Palavras-chave: Lacoue-Labarthe – Heidegger – Kant – sublime

ABSTRACT

On Heidegger and the Disaesthetization of Art

This paper is a critical response to Virgínia Figueiredo's "The Sublime Paradox or the Enfranchisement of Art"

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OSÓRIO, L. C. “Sobre Heidegger e a desestetização

da arte”. In: Viso: Cadernos de estética aplicada, v. VIII,

n. 15 (jan-dez/2014), pp. 162-169.

Aprovado: 14.10.2014. Publicado: 31.01.2015.

© 2014 Luiz Camillo Osório. Esse documento é distribuído nos termos da licença

Creative Commons Atribuição-NãoComercial 4.0 Internacional (CC-BY-NC), que

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Accepted: 14.10.2014. Published: 31.01.2015.

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Construir é reunir elementos homogêneos; fundar é unir elementos heterogêneos

George Braque

É um prazer continuar esta longa conversa com a Virgínia Figueiredo. Nossa troca de ideias começou em torno da crise da modernidade e desdobrou-se em reverberações mais locais, indo tratar do que denominei de altermodernidade brasileira. Seus comentários ao meu texto ajudaram-me a rever muitos pontos, aprofundá-los e dar-lhes mais densidade. Fica aqui outra vez o meu agradecimento por esta troca e, à Revista

Viso, pela contribuição significativa aos estudos de estética, crítica e filosofia da arte no

Brasil.

De certo modo, é ainda em torno da crise da modernidade e das questões trazidas à luz pela época moderna que nossa discussão prosseguirá aqui, pondo em foco seu apelo à desestetização da arte e sua aposta, profundamente heideggeriana, em uma reivindicação ontológica do acontecimento artístico. Esta vinculação entre a arte e o acontecimento da verdade, o pôr em obra da verdade, implica separá-la da sua dimensão estética, vista aqui enquanto mero apelo à vivência subjetiva de um sentimento. Em suma, para a arte ser um acontecimento da verdade ela precisaria se desestetizar – este é o ponto do Heidegger que Virginia segue mesmo tomando um caminho original. O diagnóstico comum é que a arte havia se fechado em uma experiência esteticista, autorreferenciada, subjetiva, abandonando sua potência de criação de mundo, sua força política capaz de instaurar historicidade.

Antecipando o ponto ao qual gostaria de chegar nesta discussão e que até certo acompanha a tese da Virginia, eu diria: como repensar a noção de verdade para torná-la um acontecimento instaurável pela arte? Todavia, e aqui tomo outra direção, será que para isso precisamos retirá-la do âmbito da estética? Ao fazer a pergunta sobre qual noção de verdade cabe reescrever depois da metafísica, caberia também se perguntar: qual estética podemos constituir que não se reduza ao jogo entre subjetivismo e objetivismo, que não persista nos termos redutores da oposição entre experiência/vivência subjetiva de um lado e critérios poéticos objetivos de outro? Como pensar uma noção de verdade que possa ser posta em obra e que não recuse o aparecer em sua dimensão estética?

Vamos primeiro seguir os passos da desestetização proposta no texto da Virginia para, em seguida, avançarmos com alguma interrogação. Desestetizar a arte seria o prolongamento da destruição da metafísica, uma vez que a estética é filha da metafísica. Dois autores são convocados pela autora nesta trilha: Benedito Nunes e Lacoue-Labarthe.

A arte enquanto vinculada à estética estaria restrita ao âmbito da subjetividade. Para superar este aprisionamento, ela retoma os passos de “A origem da obra de arte”, tendo

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em vista, como já dito, a necessidade de retomada da equação entre a obra de arte e o acontecimento da verdade. A verdade deixaria de “ser proposicional (verdadeiro x falso, erro) – adequação da proposição com o ente –, para se tornar desvelamento (alétheia) ou verdade do ser”. Seguindo o argumento do filósofo paraense, o que diferenciaria Heidegger tanto da tradição clássica racionalista como da romântica irracionalista seria a aposta no acontecer e, sendo assim, ele seria primeiramente um acontecimento histórico e temporal; além disso, ele faria parte da própria História do Ser – deslocando, como já dito, a concepção tradicional da verdade pensada como adequação e não como desvelamento.

Há no deslocamento desta noção de verdade, em que ela, a verdade, sempre se manifestaria junto a algo que fica velado, em que ela não se revela completamente, um movimento paralelo que a desloca de um âmbito teórico para outro prático, em que a “liberdade é a própria essência da verdade”. O aparecer da verdade deve se dar em um campo pré-teórico, prático, junto ao mundo e às coisas mesmas, como foi tratado por Heidegger na primeira parte de Ser e tempo.

Segundo Virginia, e este é um ponto muito significativo de seu texto, esta noção de verdade seria “tão não representacional como participativa”. Esta noção de participação com a verdade e pela verdade é o que permitiria instalar um mundo, dando à obra que a atualiza e a desvela “uma potência que é inegavelmente política, histórica. A arte irrompe como instaladora ou fundadora de um mundo”.

Depois de citar a passagem em que Heidegger descreve o templo grego e sua capacidade de instalar o conflito produtivo entre Mundo e Terra, o texto de Virginia vai destacar dois aspectos determinantes para se pensar o caráter acontecimental da obra: 1 – o fato de ela, a obra, congregar em torno de si a unidade das vias e relações, ou seja, fundar, inaugurar as relações possíveis por ela postas em obra; 2 – que essas relações são sempre mundanas, ou seja, históricas.

Em seguida, em uma guinada extremamente ousada, cita uma passagem do artista brasileiro Hélio Oiticica sobre o processo criativo que iria ao encontro do caráter acontecimental de Heidegger, atualizando-o no contexto artístico contemporâneo. Escreve o artista:

eu acho que o trabalho criador não é nem sintoma nem reflexo da sociedade. Pode ter alguns sintomas e alguns reflexos, mas não é uma coisa nem outra. Eu acho que o trabalho criador propõe uma nova sociedade. É exatamente aí que eu acho que todo esforço criador tem um lado marginal, um lado marginalizado, é uma coisa que nunca está condicionada ao que existe, ao que é, ao status quo.

A meu ver, o não condicionamento da arte ao que já se sabe, ao que já existe, é o que

compromete o espectador1, no interior do próprio regime estético da arte, e o faz

responsável pela criação, comprometendo-se com ela, tornando-se parte implicada no

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seu devir histórico. Não seria esta condição à margem da obra – ou da Grande Arte – algo que se constitui a partir da passagem moderna para o regime estético da arte? Neste regime não há nada que garanta, no pôr em obra, uma verdade, um sentido, que seja anterior à experiência dela, que seria constituída desde uma cosmologia totalizante que definiria as formas de mediação entre “aquele que produz a obra e aquele que dela usufrui”. Esta mediação entre uma poética e uma estética é o próprio da mímesis. O regime estético inaugura um endereçamento aberto, visando qualquer um – não necessariamente todos – que se ponha no interior da experiência constituída pelo acontecimento indeterminado do belo ou da arte. O que se funda a partir da obra não se evidencia para todos, não se deixa apreender objetivamente, ficando como uma insinuação que se impõe para aquele que dela participa e, a partir dela, se reinventa junto ao mundo. O pôr em obra da verdade é um acontecimento que mobiliza e se inscreve virtualmente para qualquer um que dela possa participar. As condições desta participação são um problema à parte que não cabe aqui discutir.

Para Virginia, tanto Heidegger como Oiticica estariam tirando a arte do domínio da estética para situá-lo na ordem do Ser, da ontologia: como um acontecimento histórico e POLÍTICO. A introdução desta dimensão política seria a leitura contra Heidegger proposta por Lacoue-Labarthe que é o ponto original da leitura desestetizante, ontológica, da arte. A virada interpretativa original dar-se-ia pela proposta de outro modo de considerar o aparecer não mais enquanto “apreensão eidética do ente”, mas como “apreensão fântica da presença”. Esta última apreensão seria um momento do aparecer anterior à submissão eidética. Seria este aparecer fântico anterior ou apenas diferente do aparecer como submissão eidética do ente? O aparecer fântico, e aí ele se diferencia da apreensão eidética, bastar-se-ia enquanto aparecimento de algo que se dá aqui e agora, em que algo se dá sempre momentânea e simultaneamente, que nos faz demorar junto à singularidade de uma presença. É a fascinação por e a concentração no que aparece, na sua indeterminabilidade e necessidade.

O ponto principal da interpretação da Virgínia e que me parece problemático é justamente esta identificação inexorável entre o eidético e o estético, levando-a a considerar esta apreensão fântica como necessariamente desestetizada, ontológica. Por que razão “desplatonizar” a estética significa sair da estética? Por que estaria toda estética necessariamente dominada pelo platonismo que submete o aparecer à ideia do que aparece? Em vez de desestetizar o aparecer originário, gostaria de resgatar sua potência estética não eidética como fundadora de novos horizontes históricos, sempre abertos e não totalizantes, para o mundo. Ou seja, o aparecer originário ainda se daria no âmbito da estética. Como propõe o filósofo Martin Seel em livro muito inspirador,

intitulado Estética do aparecer, caberia diferenciar o aparecer da aparição.2 Nos termos

aqui propostos, eu acrescentaria: diferenciar o aparecer estético da aparição eidética. O primeiro lida com o fenômeno e se manteria nele, no livre jogo potente e vivificante do seu aparecer enigmático; já a aparição reconhece na coisa vista algo além dela, que já reduziu/reconheceu a coisa vista enquanto algo, subsumindo-a a um eidos, a um

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conceito. O aparecer estético não se deixa deslocar de um momento particular e sempre situado da presença para submetê-la e subsumi-la a algo já conhecido, que enquanto forma genérica não se mostra como presença sensível, mas como conceito. Neste processo eidético (aparição) o sujeito não se compromete com a coisa vista, não se deixa fascinar pelo visível, pois este já se adequou no (re)conhecimento; já no aparecer, a percepção estética é um jogo que jogamos e que se joga conosco. O livre jogo da imaginação e do entendimento, que vivifica a alma, não se deixa consumir com o tempo da experiência. Pelo contrário, potencializa-se e se recria na retomada reflexiva, faz com que o belo, longe de ser vivência interior passageira, nos ponha sempre fora de nós, dispõe-nos junto ao mundo que brilha no aparecer. Assim sendo, proporia, em vez da divisão apontada pela Virginia (na trilha de Lacoue-Labarthe) entre um aparecer estético, sempre eidético, e outro, mais arcaico, ontológico, uma divisão diferente, alternativa a esta – ou estética ou ontologia – que seria um desdobramento da distinção proposta por Martin Seel, a saber: aparição eidética e aparecer estético.

Isto me parece importante também para “salvarmos” o belo. Em outro passo coerente com seu argumento desestetizante, Virgínia, seguindo ainda Lacoue-Labarthe, vai pensar este acontecimento fântico como mais próximo do sublime que do belo. Caracterizando o aparecimento como esplendor (ekphanéstaton), Lacoue-Labarthe “insere o sublime (que aqui generalizaremos para toda e qualquer Grande Arte), como uma possibilidade de apreensão desse acontecimento que é o aparecer do ente, de um modo totalmente diferente, liberado da apreensão eidética”, sugerindo então que este aparecer do sublime dar-se-ia como “apreensão fântica da presença” que Virginia traduz, com originalidade filosófica e coerência argumentativa, como apreensão alethéica da obra de arte. Como sublinhei acima, não vejo necessidade desta preferência; preferiria pensá-lo na chave deste aparecer estético anterior ou paralelo à determinação eidética. A imaginação aí, para usarmos os termos kantianos, não se deixa determinar pela ordem representativa da adequação, mas se liberta na produção conjunta e indeterminada de ideias estéticas.

Para Lacoue-Labarthe, tratar-se-ia de retomar Kant como momento isolado da história da estética em que seria possível falar de uma apreensão não eidética do aparecer que nos deixaria afirmar a dimensão ontológica – não estética – do acontecimento da arte. Mas por que não pensar uma dimensão não eidética da estética, ainda no âmbito do belo, em que o aparecer mantém-se como lugar de combate e de instauração de possibilidades não medidas segundo o que já se sabe, mas como via inaugural de novas relações de sentido – território do risco, da experimentação, da contingência?

É aí, seguindo a relação entre a política e o estar à margem de Oiticica, que percebo uma política da estética. Na trilha de Jacques Rancière, esta seria o lugar onde se criam relações inauditas que modificam o regime do visível, do dizível e do pensável. A dimensão política, contra Heidegger, deveria desmontar a aproximação que este faz entre a Grande Arte e a necessidade absoluta, contida no mesmo capítulo discutido por

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Lacoue-Labarthe do livro sobre Nietzsche. Cito-o: “A grande arte não é grande apenas por meio da elevada qualidade do que é criado, mas por meio do fato de que ela é um carecimento absoluto (ou necessidade absoluta)”. Este aparecer fântico, na modernidade, estaria fadado a fundar uma ontologia do não absoluto, da contingência, da heterogeneidade, em que o que se põe em obra rasura, desloca, desfaz os modos de ver estabelecidos, produzindo outro aparecer – heterogêneo, múltiplo, que, ao mesmo tempo, constitui sujeitos não-identitários e plurais.

Manter-se no âmbito da estética – e do belo - é manter-se neste território do conflito, do não absoluto, em que a política se faz ontologia deslocando-se do âmbito do ser para o do devir. Isto, a meu ver, faz justiça ao juízo estético kantiano que vê na beleza o lugar em que um sentimento subjetivo – eu sinto – deslizaria, como se fosse universal, para o compartilhamento dissensual do comum. Um comum problemático e conflituoso. Lugar constituído por qualquer um que se deixe atravessar pelo aparecer singular da arte e, através dele, se ponha, junto aos outros, na verdade contingente que ali se mostra e se transforma. Esta disputa é a constituição política do belo kantiano, desdobrado por Schiller, que nos faz falar, nos expõe aos outros na indeterminação do mundo – não se trata do silêncio admirado e avassalador do sublime. Enfim, concluindo meu comentário, o que proponho é a retomada do belo na sua estranheza e indeterminação (le beau est

toujours bizarre3) para assim requalificar o aparecer estético depois da metafísica e das

vanguardas.

______________________________

* Luiz Camillo Osório é professor do Departamento de Filosofia da PUC-RIO e curador do MAM-Rio desde 2009.

1 Mantenho aqui o termo espectador, que não agradava a Oiticica, mas o faço tendo em vista

requalificar este lugar, retirando dele toda e qualquer passividade. Faço isso, seguindo indiretamente a Kant, Hannah Arendt e Jacques Rancière.

2 “A reivindicação contra a subjetivação da estética (em Heidegger) não corresponde, em absoluto,

a uma objeção contra a preeminência do aparecer estético. Pelo contrário, o que se almeja é um conceito adequado deste aparecer”. SEEL, M. Estética del Aparecer. Buenos Aires: Katz editores, 2010, p. 28.

3 BAUDELAIRE, C. “Exposition Universelle, 1855”. In: Écrits sur l’art. Paris: Librairie Générale

Française, 1992, p. 168.

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