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* UFF, Doutora em Comunicação. 1. Tetê Mattos é o nome artístico de Maria Teresa Mattos de Moraes.

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Academic year: 2021

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TETÊ MATTOS *1

Resumo: Em março de 1982 entra no ar a Rádio Fluminense FM, conhecida como Maldita. A emissora niteroiense vai revolucionar a história da música brasileira ao romper com os padronizados mercados da indústria musical, e lançar inúmeras bandas da chamada Geração Rock 80. A rádio será tema de dois documentários de mesmo nome: A Maldita, com duração de 20 minutos, finalizado em 35mm no ano de 2007. E A Maldita, com duração de 80 minutos, finalizado em 2019 em formato digital. Esta comunicação pretende refletir sobre as estratégias narrativas adotadas no documentário para a construção do imaginário da rádio, que evoca a memória através do afeto e inscreve na atualidade dimensões do passado recente sobre a história da música brasileira.

Introdução

A história do movimento musical dos anos de 1980 denominado Rock Brasil não pode ser contada sem destacar o importante papel da emissora radiofônica Fluminense FM. Inaugurada no dia 1º de março de 1982, na cidade de Niterói, Rio de Janeiro, a emissora mais conhecida como Maldita, atuou como catalizadora de um importante movimento cultural, protagonizado pela juventude, abrindo espaços para a veiculação de novas bandas, até então alijadas dos padronizados mercados fonográficos vigentes. Bandas como Paralamas do Sucesso, Legião Urbana, Blitz, Biquini Cavadão entre tantas outras surgidas neste período relatam serem devedoras à Fluminense FM. Caracterizada pela ousadia, irreverência, criatividade e independência na sua programação, a Maldita também veiculava as novidades do rock e da música alternativa internacional num período em que o acesso à produção artística não hegemônica era extremamente limitado e a música estrangeira só era veiculada pelas grandes gravadoras multinacionais. O surgimento da Maldita também imprimiu uma renovação no formato do rádio no Brasil ao introduzir pela primeira vez um time exclusivamente de locutoras femininas.

Com uma infraestrutura técnica precária, consequência do baixo investimento econômico, a rádio surpreendeu o cenário musical brasileiro, chegando a figurar como uma das

* UFF, Doutora em Comunicação.

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2006:70). A fama da emissora ultrapassou os limites do Estado, que através da circulação de sua programação em formato de fita k7, possibilitou uma integração entre ouvintes amantes do

rock´n roll por todo o Brasil. Desde seu primeiro fechamento em setembro de 19943, a rádio permanece no imaginário dos ouvintes que até hoje se consideram “órfãos da Maldita”. Pelo menos duas manifestações de rua ocorreram na ocasião do seu fechamento: a primeira delas ocorreu na porta da emissora, no centro da cidade de Niterói segundo relatos de funcionários da rádio; a segunda manifestação levou uma legião de fãs para a praia de Copacabana, na cidade do Rio de Janeiro, munidos de faixas de protestos e adesivos da rádio4.

Em 2004 submetemos um projeto de roteiro de curta-metragem ao Edital da Secretaria do Audiovisual do então Ministério da Cultura que resultou no documentário de curta-metragem intitulado A Maldita [RJ, doc., 20min, 35mm, cor, 2007]. Focando no período de surgimento da rádio, a abordagem do filme priorizou o formato de entrevistas realizadas, com a equipe inicial da emissora, e as renomadas bandas de rock dos anos 1980. Estimulados com a repercussão do curta, em 2019 estreamos no Festival do Rio o longa-metragem de mesmo nome, [RJ, 80min, DCP, 2019], projeto contemplado no Edital Programa de Chamadas Públicas de Audiovisual da RioFilme/SEC-RJ 2010-2011.

No decorrer destes 12 anos entre a feitura do curta e a estreia do longa-metragem, realizamos uma ampla pesquisa que levantou um precioso acervo de imagens e sons de arquivo, que junto com as entrevistas realizadas em 2006 para o curta-metragem, e em 2013 para o longa-metragem, constituíram a matéria audiovisual e sonora do filme. Ao mesmo tempo a forma narrativa adotada no curta-metragem de 2007 foi por nós problematizada em sua dimensão que se aproximava de uma objetividade fílmica.

Esta comunicação pretende refletir sobre as estratégias narrativas adotadas no documentário de longa-metragem para a construção do imaginário da rádio. Ao nos distanciarmos do formato de entrevistas proposto pelo curta-metragem, adotamos uma estratégia discursiva que evoca a memória através do afeto de seus ouvintes. Assim o documentário inscreve na atualidade, dimensões do passado recente sobre a história da música brasileira.

2 Os dados apresentados por Maria Estrella apresentam o ranking da Fluminense nos anos 1980 baseado em informações do livro de MELLO (1999).

3 No início dos anos 2000 há uma retomada da rádio sob a coordenação do radialista José Robert Mahr. Sem a força do momento inaugural, ela novamente sai do ar.

4As imagens deste segundo protesto encontram-se disponíveis em vídeo no formato VHS como parte do Acervo

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Em busca de uma subjetividade discursiva

O campo do documentário atravessa toda a história do cinema, e ao longo de mais de um século de existência nos deparamos com diversos tensionamentos do gênero no que tange a sua relação com o real, com a verdade e com a ficção. Uma variedade de escolas5, uma variedade de intenções dos realizadores6, uma variedade de modos de representação7, de procedimentos narrativos8 tornaram o cinema do real um dos campos cinematográficos mais

instigantes e inventivos. De forma sintética o pesquisador Fernão Pessoa Ramos busca encontrar uma definição que dê conta do campo específico do cinema:

Em poucas palavras, documentário é uma narrativa com imagens-câmera que estabelece asserções sobre o mundo, na medida em que haja um espectador que receba essa narrativa como asserção sobre o mundo. A natureza das imagens-câmera e, principalmente, a dimensão da tomada através da qual as imagens são constituídas determinam a singularidade da narrativa documentária em meio a outros enunciados assertivos, escritos ou falados. (RAMOS, 2008: 22).

Partindo de um desejo de narrar a história da rádio Fluminense, o projeto de roteiro do curta-metragem apresentado em 2004 à Sav/MinC apresentava como proposta de estratégia narrativa a construção do filme a partir de entrevistas. Foram entrevistados os radialistas que integraram a equipe inicial da rádio9, produtores de programas específicos10, locutoras da primeira fase da rádio11, músicos e integrantes das bandas12 que ganharam visibilidade através da rádio, e alguns poucos ouvintes13. A entrevista como dispositivo surge no cinema documentário a partir dos anos 1950/60 com a invenção do gravador Nagra que possibilitava a captação do som sincronicamente com a imagem, assim como a invenção de equipamentos de

5 Há toda uma tradição no cinema documentário com escolas, cineastas, movimentos, teorias que se destacaram na história do cinema, tais como documentário inglês (John Grierson, Alberto Cavalcanti), a vanguarda soviética (Dziga Vertov), o free cinema inglês, o cinema direto norte-americano, o cinema verdade francês, o documentário político latino americano, são alguns dos exemplos.

6 Princípios da dramatização, da não-intervenção e da objetividade irão variar na abordagem da cada realizador. 7 Bill Nichols apresenta seis modos de representação do documentário: o modo poético, o modo expositivo, o modo observacional, o modo participativo, o modo reflexivo e o modo performático. (NICHOLS, 2005).

8 Podemos citar uma série de procedimentos narrativos e estilísticos que são pertencentes (mas não exclusivos) ao campo do cinema documentário, tais como a locução em voz over, a presença de entrevistas ou depoimentos, a utilização de material de arquivo, a câmera na mão, roteiros abertos, narrativas a partir de dispositivos, o filme ensaio, entre outros.

9 O idealizador da rádio Luiz Antonio Mello, os radialistas Amaury Santos e Sérgio Vasconcellos. 10 Os produtores Paulo Sisinno, Claudio Salles, Joubert Martins, Álvaro Fernandes e Kiko Fernandes. 11 Selma Boiron, Monika Venerabillle e Milena Ciribelly.

12 Serguei, Dado Villa-Lobos (Legião Urbana), Herbert Vianna, Bi Ribeiro e João Barone (Paralamas do Sucesso), Evandro Mesquista (Blitz), Lobão, Mario Neto (Bacarmarte).

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possibilitando movimentos como o cinema direto norte americano e o cinema verdade francês14. Na produção documentária brasileira dos anos 1960 a entrevista era exemplificada como presença de um tipo sociológico, onde o documentarista dava a voz a quem não tinha, isto é, ao “outro de classe”. Estamos os referindo a filmes como Viramundo, de Geraldo Sarno (1965) e A Opinião Pública, de Arnaldo Jabor (1966). Nos anos 1980, em Cabra Marcado para

morrer, de Eduardo Coutinho (1984) a entrevista se configura como um diálogo em permanente

negociação. Já em 2007, Coutinho em Jogo de cena nos provoca uma certa desconfiança em relação a entrevista. Porém, podemos afirmar que no cinema documentário contemporâneo há uma predominância da entrevista como método que privilegia informações verbalizáveis.

No curta-metragem A Maldita não foi diferente. Preparamos uma série de perguntas para os entrevistados, que respondiam motivados pelas nossas provocações. Os entrevistados eram solicitados a falar do passado, e de suas memórias relacionadas à rádio. Apesar do filme ter sido finalizado em película 35mm, a captação das imagens foi realizada em formato digital, o que permitiu a produção de grande quantidade de material informativo em formato verbal. Do ponto de vista da imagem, o documentário seguiu a gramática narrativa recorrente do dispositivo espacial, descrita com precisão por Jean-Claude Bernardet:

Existe um espaço da entrevista: o entrevistado fica no campo da câmera, geralmente de frente (...); seu olhar passa rente à objetiva, à direita ou à esquerda, em direção ao entrevistador, que costuma ser o próprio realizador e que faz a pergunta à qual o entrevistado responde (é o tal ¾ frente). (...) Tal dispositivo tem um centro imantado que é o lugar ao lado da câmera onde se encontra o diretor (ou atrás da câmera, se ele mesmo estiver operando). (BERNARDET, 2003: 286)

Observamos em A Maldita, curta construído quase que exclusivamente em formato de entrevistas, um exemplo literal da descrição feita por Bernardet. No Fotograma 1 vemos o plano da entrevista do músico Serguei realizada em sua casa em Saquarema. O enquadramento em plano médio, a direção do olhar para o diretor, e câmera fixa seguem a gramática do formato.

14 Tanto o cinema direto norte americano, quanto o cinema verdade francês são movimentos do documentário que surgem na década de 1960 como resultado da inovações tecnológicas (câmeras mais leves, invenção do Nagra). O cinema direto aspirava uma invisibilidade da câmera, acreditando assim captar imagens mais próximas da verdade, sem interferência do realizador. O cinema verdade por suas vez acredita numa intervenção ativa do realizador. Para eles, se a neutralidade da câmera é uma falácia, para que dissimulá-los. (DA-RIN, 2004).

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Fotograma 1

Quando Jean-Claude Bernardet analisa o formato da entrevista, ele está problematizando de forma crítica o uso do dispositivo. O autor afirma que a repetição exagerada do formato acabou gerando um espaço narcísico onde o cineasta se torna o centro do documentário, já que é para ele a quem a fala é dirigida. O crítico ainda aponta no dispositivo um estreitamento do campo de observação que se reduz às informações verbais, e limitam e estreitam os documentários para outros tipos de informações para além das fornecidas verbalmente pelos entrevistados. (BERNARDET, 2003:287). Quando optamos pela construção narrativa do curta através de entrevistas, acreditávamos que este formato possibilitaria um “dar a ver” aos profissionais do rádio, que geralmente são reconhecidos pelas suas vozes, e não pelas suas imagens. Como método estruturador da narrativa, primeiro transcrevemos todas as 12 horas de entrevistas, o que resultou num caderno de 80 páginas. Em seguida, classificamos os assuntos abordados procurando organizar os temas que seriam tratados em sequências do filme. Na montagem, selecionamos quais as histórias seriam contadas a partir das entrevistas, e praticamos o exercício de síntese, que foi transformar 12 horas de filmagem em 20 minutos de filme. As nossas escolhas resultaram numa narrativa objetiva – construída e manipulada a partir das falas dos entrevistados, onde praticamente não havia espaços para reflexões e tensionamentos dos espectadores. A nossa posição, neste momento, era a de detentora de um saber, de uma autoridade para construir uma memória / história da rádio.

Quando em 2011 apresentamos o projeto ao Edital para a produção de longa-metragem não tínhamos ainda a completa consciência de que o modelo adotado como dramaturgia no curta-metragem era um modelo problemático. Em 2013, iniciamos mais uma série de entrevistas15, utilizando como formato a gramática semelhante ao do curta, com o intuito de

15 Privilegiamos em 2013 entrevistas com artistas: Hamilton Vaz Pereira (Asdrubal Trouxe o Trombone), Perfeito Fortuna, Arrigo Barnabé, Laert Sarrumor (Língua de Trapo), Luiz Tatit, Ná Ozzetti, Gal Oppido e Geraldo Leite (Rumo), Ivo Ricardo (Água Brava), Humberto Effe (Picassos Falsos), Servio Tulio (Saara Saara), B Negão, André Chamon, Marcos Dantas e Bruno Schubnel (X-RATED), Francisco Kraus (Second Come); as locutoras Sonia Boiron e Lia Easter; os produtores Phillip Johnston e Nabby Cliffort, os jornalistas Jamari França e Tom Leão; o

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imaginávamos que com a maior duração da obra audiovisual, seria então necessário, oferecer uma maior quantidade de conteúdo para os espectadores. O período de filmagem das entrevistas para o longa-metragem em 2013 até a conclusão do filme, em dezembro de 2019 no Festival do Rio, teve a duração de sete anos, tempo este necessário para a maturação do projeto, para a busca de novos elementos que pudessem estruturar a narrativa para além do problemático formato da entrevista. E especialmente para o deslocamento de uma narrativa que inicialmente era composta de um viés objetivo, para uma narrativa que imprimisse um caráter mais subjetivo ao filme.

Na busca por uma narrativa mais subjetiva, optamos por uma dramaturgia que partisse e privilegiasse o imaginário dos ouvintes para contar através do afeto e das suas memórias a história da rádio. A Maldita longa-metragem é uma filme de memória. Partindo deste ponto de vista, deslocávamos a narrativa de uma história dada, factual, para uma narrativa em que colocava em xeque a crença na realidade representada, já que partia do imaginário (incerto) dos ouvintes.

Um outro ponto que nos interessava, era o deslocamento do uso excessivo de entrevistas, para a potencialização do uso de material de arquivo. Apesar da rádio ter sido criada pelo Grupo Fluminense, que existe até hoje, em seu arquivo localizado na sede do Jornal O Fluminense encontramos somente fotografias que registravam a presença de artistas nos estúdios da rádio, os shows promovidos, e fotos da equipe16. Neste acervo não encontramos nenhum registro de áudio, já que a estrutura da rádio era precária, e os tapes eram reutilizados na programação. Com o pesquisador e curador Alessandro ALR obtivemos algumas imagens audiovisuais de fragmentos dos shows da rádio. Este material filmado em VHS, apesar da precariedade das imagens, possui valor inestimável na memória da rádio. Durante este longo período de montagem, encontramos a gravação de alguns programas em fitas K-7 guardadas por alguns ouvintes, e produtores da rádio17. Dois únicos registros dos estúdios da rádio em imagens em movimento foram encontrados no Acervo do Circo Voador, datado de 1983; e no acervo pessoal

pesquisador Marildo Nercolini; e os ouvintes Itamar Tobias Casarin, Romulo Costa Mattos, Maria Estrella, Löis Lancaster, Henrique Ludgero, Claudio Borges, André Costa Góes e Alessandro Alr.

16 Importante destacar o papel de Alessandro ALR, que nos anos de 2012 e 2015 organizou duas exposições celebrando os 30 anos da rádio Fluminense, no Espaço Cultural Correios, respectivamente no Rio de Janeiro e em Niterói. O curador reuniu uma vasta documentação – fotos, vídeos, equipamentos de época matérias de jornais. O catálogo da exposição reúne as fotografias expostas no evento.

17 O ouvinte Marco Aurelio Brandt nos cedeu duas fitas K-7 com preciosos programas, vinhetas e entrevistas, assim como o produtor Paulo Sisinno ainda tinha em seu acervo pessoal gravação de alguns programas apresentados por ele. Na primeira edição do livro de Maria Estrella (2006) acompanhava um CD com inúmeras vinhetas da rádio, além da locução inicial do primeiro dia no ar, em 1982.

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do produtor José Roberto Mahr, datado de 1989. Para a narrativa também utilizamos imagens em movimento de clipes musicais dos anos 1980, com a função similar à música em um programa radiofônico. Utilizamos também registros da cidade de Niterói em imagens em movimento captadas de forma amadora, em diversos formatos, pelo meu pai. Estes filmes de família fazem parte de meu acervo pessoal18. No Fotograma 2 vemos uma imagem de crianças brincando no quintal de uma casa, sediada em Niterói, captada em 16mm, por volta de 1960. O nosso intuito com o uso do material fílmico dos filmes de família, era provocar um deslocamento das imagens produzidas num determinado contexto, dando as um novo sentido: da memória familiar dos registros flagrantes do cotidiano para um sentido de estranheza inserindo-as num contexto diverso.

Fotograma 2

Como no roteiro partimos do princípio que a narrativa do documentário seria conduzida pelo imaginário dos ouvintes, estruturamos19 como fio condutor da narrativa, sete cartas de ouvintes, que encontramos publicadas nos suplementos Folha Maldita, publicado em 1983 e Rock Press, publicado em 1989, ambos do Jornal O Fluminense. As cartas se materializam no filme através da voz over da atriz Ana Paula Lopes. O uso da dramatização no documentário a partir da leitura das cartas, buscou produzir o efeito de ativar a memória dos espectadores do filme. A escolha de uma voz feminina como representante dos ouvintes procurou fazer uma ponte entre a marcante locução feminina da rádio, e a voz da diretora. Desta forma, rompemos com a narrativa antes estruturada majoritariamente pelas entrevistas, e partimos para uma narrativa que apresentava um mosaico de imagens, de sons, articulando o material de arquivo com o material produzido especialmente para o filme.

18 Utilizamos de forma mais livre, imagens de filmes de família da cidade de Niterói, produzidas em 16mm, em Super-8 e em VHS pelo meu pai José João Duarte de Moraes.

19 O roteiro do filme é assinado por mim e Allan Ribeiro. Allan também assina a montagem ao lado de Luiz Gonzaga Guimarães de Castro.

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com a rádio através da rememoração de seus programas. O uso do material de arquivo, em especial aos diretamente relacionados com a rádio – documentos fílmicos, fotografias, matérias de jornal, áudios da rádio - , não pretendeu em seu uso expressar a verdade, ou representar o real, e sim colocar um questionamento na ilusão verista do documentário. Não tivemos a preocupação em A Maldita de utilizar os “documentos” como prova da autenticidade do material. Seria ingênuo de nossa parte compreender o material de arquivo como detentor de um sentido único. Uma imagem ou som de arquivo são passíveis de novas leituras, de novas articulações, de novas significações. Ao mesmo tempo não nos preocupamos em fornecer ao espectador informações factuais sobre a rádio, ou até mesmo imprimir uma narrativa em ordem cronológica dos acontecimentos.

O processo de montagem priorizou no primeiro momento a narrativa textual, articulando os diversos materiais sonoros do filme: as entrevistas, produzidas no tempo presente da realização do filme (em alguns momentos era utilizadas como off); os áudios da rádio com programas que compunham a grade da emissora; as criativas vinhetas (uma marca forte da rádio); anúncios20 veiculados pela Fluminense; áudios das festas promovidas pela rádio em seus aniversários; áudio das leituras das cartas dos ouvintes; e a trilha sonora composta por músicas21 das bandas que eram veiculadas pela rádio. Depois de estruturado o texto, nosso fio condutor, buscamos inserir as imagens, que em muitas das vezes não eram ilustrações dos sons, mas sim imagens autônomas onde o discurso deveria ser construído a partir da articulação dos planos. Buscávamos provocar nos espectadores uma entrada no universo da rádio a partir da emoção, do resgate do passado de forma sensorial.

Considerações finais

No início desta comunicação, a partir do conceito de Fernão Ramos, afirmamos que o documentário estabelece proposições sobre o mundo, sobre uma realidade histórica. São diversas as maneiras de narrar o mundo. No primeiro filme sobre a rádio Fluminense, a nossa postura como realizadora, era de provocar um enunciado sobre a Maldita a partir dos depoimentos dos entrevistados. Esta postura nos colocava como uma voz do saber, não

20 Por ser uma rádio rock, havia uma fidelidade dos poucos anunciantes que tiveram as suas marcas associadas ao imaginário da Maldita.

21 Optamos muitas vezes em utilizar as gravações independentes obtidas nos acervos dos ouvintes. Além de minimizarmos os custos referente aos direitos das gravadoras, também buscávamos uma maior aproximação com o universo sonoro da rádio.

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problematizando nem tensionando as informações que nos foram dadas. O processo de montagem selecionou de forma objetiva o discurso que propomos sobre a rádio.

A forte tensão existente entre o campo do documentário e a crença na representação do real e da verdade, e a ampla circulação e visibilidade do cinema22, aponta a imensa responsabilidade do realizador audiovisual na construção de narrativas, e na construção de imaginários, no caso aqui sobre a rádio Fluminense. Neste sentindo, quando realizamos o projeto de longa-metragem procuramos construir o nosso discurso a partir das subjetividades do documentário imprimindo na montagem do material imagético um deslocamento de uma representação objetiva do real. Buscamos uma operação que se não tensionava, pelo menos não apresentava a realidade de forma dada e objetiva. Estes deslocamentos dos documentos de seus contextos originais, e as articulações e inserções no outro mundo histórico imaginário promovido pelo cinema, nos faz refletir sobre o papel do documentarista na contemporaneidade, em especial no que tange a construção das nossas memórias.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

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COMOLLI, Jean-Louis. Ver e Poder – A inocência perdida: cinema, televisão, ficcção,

documentário. Belo Horizonte: Editora UFMG, 2008.

DA-RIN, Silvio. Espelho Partido: tradição e transformação do documentário. Rio de Janeiro: Azougue Editorial, 2004.

DIDI-HUBERMAN, Georges. Imagens apesar de tudo. Lisboa: KKYM, 2012.

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HUYSSEN, Andreas. Culturas do passado-presente: modernismos, artes visuais, políticas da memória. Rio de Janeiro: Contraponto; Museu de Arte do Rio, 2014.

22 Mesmo sendo um curta-metragem A Maldita circulou em diversos festivais brasileiros, ganhou o Troféu Redentor, de melhor filme pelo voto de público no Festival do Rio de 2007, e foi visto por mais de 5 mil espectadores contabilizando o público dos festivais nos quais estivemos presente acompanhando o filme. O filme também circulou por todo o Brasil através do projeto Curta Petrobras às 6 no ano de 2009.

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apropriação de imagens de arquivo no documentário ensaístico contemporâneo. Revista Galáxia, São Paulo, n.21, p.54-67, jun. 2011.

MELLO, Luiz Antonio. A onda Maldita: como nasceu e quem assassinou a Fluminense FM. Niterói, RJ: Xamã, 1999.

MOURÃO, Maria Dora e LABAKI, Amir (orgs). O cinema do real. São Paulo: Cosac Naify, 2005.

NICHOLS, Bill. Introdução ao documentário. São Paulo: Papirus, 2005.

RAMOS, Fernão Pessoa. Mas afinal...O que é mesmo documentário? São Paulo: Editora SENAC, 2008.

REZENDE, Luiz Augusto. Microfísica do documentário – Ensaio sobre a criação e ontologia

do documentário. Rio de Janeiro: Azougue Editorial / FAPERJ, 2014.

TEIXEIRA, Francisco Elinaldo. Cinemas “não narrativos” – Experimental e documentário –

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