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Questões de alteridade e identidade

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Academic year: 2021

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Resumo Fundamento-me nos estudos de Mikhail M. Bakhtin para discorrer sobre sua concepção de sujeito e da relação de alteri-dade, passando também por obras de autores mais contemporâ-neos que discorrem sobre questões de identidade e alteridade a partir da filosofia bakhtiniana. Segundo uma perspectiva bakhti-niana, e atualmente ponziana e geraldiana, é o meio social tenso das relações, portanto o outro, que define e organiza quem sou. Nas relações sociais, por meio da linguagem, somos constante-mente afetados pelos outros e, assim, estes tomam parte no pro-cesso de nossa formação humana. Para Bakhtin, as relações de alteridade participam dialogicamente de todas as instâncias da constituição do sujeito. A filosofia proposta por esse autor des-loca o centro organizador das enunciações/ações individuais do horizonte do eu para o horizonte do outro, desestabilizando a vi-são de mundo dominante em nossa cultura. As relações alteritá-rias que nos constituem são diversas, e diversos são os contextos em que se estabelecem. Esses encontros com o outro impedem a instituição de uma identidade concluída e estável do eu, que não pode deixar de ser também diversa e múltipla.

Palavras-Chave Linguagem; alteridade; identidade.

Abstract Based on the work of Mikhail M. Bakhtin, this paper

discusses his view of the individual person and the relation of otherness, also approaching the works of more contemporary authors who have discussed issues of identity and otherness ac-cording to the Bakhtinian philosophy. In a Bakhtinian perspec-tive, and also in the Ponzian and Geraldinian views, it is the tense social environment, thus the other, that organizes and defines who I am. It is at the level of social relations, through language, that we are constantly affected by others, and so they partici-pate in our human development process. According to Bakhtin, the relation of otherness dialogically affect all instances of the individual’s constitution. The philosophy proposed by this au-thor shifts the organizing center of utterances / actions from the self to the other, destabilizing the dominant worldview of our culture. We are constituted by several relations of otherness and they are established in several contexts. These encounters with others prevent the establishment of a complete and stable iden-tity of self, which is also diverse and multiple.

Keywords Language; otherness; identity.

Renata Pucci

Universidade Metodista

de Piracicaba (UniMeP)

renata_pucci@hotmail.com

Q

uestões

de

alteridade

e

identidade

(2)

Impulso, Piracicaba • 21(51), 43-49, jan.-jun. 2011 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

Introdução

A

s relações de alteridade e as relações dialógicas são fundamentais e perpas-sam, para Bakhtin, todas as instâncias da constituição do sujeito, de sua consciência, de seu pensamento, de sua individualidade e de sua responsabilidade. O autor construiu sua obra intelectual com foco na linguagem, de-dicando-se ao estudo desta na arte e na vida, tendo como sujeito de seu intento o indivíduo social e historicamente situado, marcado pela produção ideológica de sua realidade social.

O sujeito, segundo Bakhtin, vai se cons-tituindo discursivamente à medida que inte-rage com as vozes sociais que compõem sua comunidade semiótica, as quais, em interação dialógica, possibilitam ao sujeito um encontro entre consciências marcado por movimentos de sentidos que instituem a reprodução do discurso alheio e ainda possibilitam que ele se abra para novas construções discursivas.1

Para Bakhtin, o sujeito é completamente social, rejeita, portanto, a determinação que posiciona a consciência como individual e a ideologia como social. Conforme explicação do autor,

O indivíduo enquanto detentor dos conteúdos de sua consciência, enquanto autor dos seus pensa-mentos e, enquanto personalidade responsável por seus pensamentos e por seus desejos, apresenta-se como um fenômeno puramente sócio-ideológico.2

Procuro explicitar neste texto, funda-mentada na teoria bakhtiniana, que os discur-sos dos outros não apenas emergem em nos-sos próprios discurnos-sos, mas também é a eles que respondemos, com os quais discutimos, concordamos ou discordamos.

Uma visão de mundo, uma corren-te, um ponto de vista, uma opinião

1 RAMOS; SCHAPPER, 2010.

2 BAKHTIN, 2006b, p. 58.

sempre tem expressão verbalizada. Tudo isso é discurso do outro (em forma pessoal ou impessoal), e este não pode deixar de refletir-se no enunciado. O enunciado está vol-tado não só para seu objeto, mas também para os discursos dos ou-tros sobre ele.3

Relações dialógicas são, para o sujeito, fundantes de sua constituição, de sua atua-ção frente a vida, e esta constante tensão e luta com as palavras dos outros constituem a fluente e situada identidade de cada um.

Apresento uma reflexão sobre a alteri-dade, como o ponto de partida fomentador de toda atividade do eu, e que, por consequ-ência coloca a identidade do eu em um lugar de inacababilidade e instabilidade. Além das obras de Bakhtin, para esta discussão aporto--me em textos de autores que pensam ques-tões contemporâneas sob a ótica da filosofia bakhtiniana, os quais: Ponzio (2009, 2010, 2011), Geraldi (2010) e Miotello (2008, 2011).

Linguagem

Bakhtin parte do princípio da natureza social do psiquismo e da consciência, que sur-ge e se edifica por meio da encarnação mate-rial em signos e tem no processo da interação social (da interação entre uma e outra consci-ência) sua fonte, na qual se banha do conteú-do ideológico. Infere que, se não fosse pelos signos, a consciência não poderia existir; para ele, a imagem, a palavra, o gesto significante, etc. constituem o único abrigo da consciência. Esclarece que a atividade mental (“conteúdo a exprimir”) assim como sua expressão exte-rior (“a enunciação”) constitui um território social. De fato, para esse autor, a expressão realizada é que estrutura a vida interior, mo-dela e determina sua orientação.

O sujeito consciente é, portanto, com-preendido como socialmente constituído. Diz-nos Bakhtin:

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Tudo o que me diz respeito, a come-çar por meu nome, e que penetra em minha consciência, vem-me do mundo exterior, da boca dos outros (da mãe), etc., e me é dado com a entonação, com o tom emotivo dos valores deles. Tomo consciência de mim, originalmente, através dos ou-tros: deles recebo a palavra, a for-ma e o tom que servirão a forfor-mação original da representação que terei de mim mesmo. [....]. Assim como o corpo se forma originalmente den-tro do seio (do corpo) materno, a consciência do homem desperta envolta na consciência do outro.4

Destarte, a consciência de si se realiza e é percebida sobre o pano de fundo da cons-ciência que o outro tem desta. Nas relações sociais recebo a palavra do outro, palavra já habitada, jamais absolutamente neutra, mas já cheia de intenções, de valores, impregnada do conteúdo ideológico de um grupo social e de uma época. No conjunto teórico bakhtinia-no, nosso próprio pensamento toma forma na interação e luta com o pensamento dos outros. A constituição discursiva do sujeito se dá dialogicamente quando ele penetra na ca-deia da interação verbal, quando assimila vo-zes, fazendo suas as palavras proferidas por outrem. Em cada palavra ressoam duas vozes, a minha e a do outro.

É conhecida a expressão de Bakhtin que diz que ninguém é o Adão da palavra, o primei-ro a manifestá-la. A palavra viva não pertence a uma só consciência, por sua orientação dia-lógica, em todas as direções, o discurso se en-contra com os discursos de outrem e participa com estes de uma interação viva. Entre o dis-curso e o objeto, e entre o objeto e a persona-lidade do falante, nos diz Bakhtin, interpõe-se um meio flexível, de discursos alheios sobre o mesmo objeto, sobre o mesmo tema, “e é particularmente no processo da mútua-inte-ração existente com este meio específico que 4 Idem, 2006a, p. 378.

o discurso pode individualizar-se e elaborar-se estilisticamente”.5

Geraldi elucida essa concepção com as seguintes palavras:

Nos encontramos imersos nos uni-versos de discursos que nos prece-deram, internalizamos dos discur-sos que participamos expressões e compreensões pré-construídas, num processo contínuo de tornar intraindividual o que é interindivi-dual. Mas a cada nova expressão/ compreensão pré-construída faze-mos corresponder nossas contra-palavras, articulando dialogicamen-te o que agora se apreende com as mediações próprias do que antes já fora apreendido.6

Compreendemos nosso entorno social, o signo recebido, com “palavras próprias”, já antes apreendidas e com as quais já se trava-ram outras lutas, em outros contextos, pala-vras que submetemos às nossas próprias in-tenções, são nossas contrapalavras.

Segundo Miotello, um signo exterior, alheio, é compreendido com meu signo inte-rior, próprio. O autor enfatiza que nesse nível interior eu preciso ser “dono de palavras”, pois a compreensão só é possível se eu ata-car a palavra, o signo recebido, com minhas “palavras próprias”, que me constituem. No entanto, adverte o autor, ainda assim essas “palavras próprias” são sociais, isto é, mesmo nesse nível interior, as palavras permanecem em parte do outro, “alheio-próprias”7.

A própria linguagem, nem mesmo en-quanto língua (a língua portuguesa, por exemplo), não está pronta, disponível em uma forma acabada, fechada em si mesma, não se trata de uma ferramenta da qual nos apropriamos e utilizamos mecanicamente

5 Idem, 1990, p. 86.

6 GERALDI, 2010, p. 126.

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Impulso, Piracicaba • 21(51), 43-49, jan.-jun. 2011 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

para um fim, mas também se encontra em um processo ininterrupto de constituição. Bakhtin e Volochinov dizem que a palavra na vida não se centra em si mesma, surge em um contexto, e não mais pode ser entendida fora desse estreito vínculo: “a vida completa dire-tamente a palavra, que não pode ser separa-da separa-da visepara-da sem que se perca seu sentido”.8 As formas normativas da linguística não se aplicam ao uso vivo da língua, as palavras não são percebidas de forma inanimada, nem pas-sivamente, pelo contrário, se apresentam em um contexto ideológico determinado, vívido, dinâmico. Uma característica da palavra é seu valor apreciativo quando expressada (no discurso oral ou escrito) na fala viva. A ento-nação que exprime as apreciações dos falan-tes é determinada pela circunstância social imediata do emprego da palavra, e os valores agregados à palavra posicionam o locutor so-cial e historicamente em sua expressão. Ou seja, os falantes sempre dialogam com os va-lores sociais de uma época.

Não há, na enunciação viva, qualquer palavra que seja destituída de seu valor apre-ciativo. A construção de todo o enunciado compreende uma orientação apreciativa. A palavra em uso, em sua integridade, não reco-nhece o objeto como neutro, uma vez que a palavra proferida em direção a esse objeto já se mostra interessada, e não indiferente a ele. A palavra revela, por meio da entonação, “mi-nha atitude valorativa em relação ao objeto”.9 “Na realidade, não são palavras o que pronunciamos ou escutamos, mas verdades ou mentiras, coisas boas ou más, importantes ou triviais, agradáveis ou desagradáveis, etc.”10 Cada enunciado é único, irrepetível, singular e guarda com a realidade concreta, com deter-minada situação concreta da comunicação dis-cursiva viva, uma unidade indissolúvel.

Portanto, a emoção, o juízo de valor e a expressão são estranhos à palavra da língua e

8 BAKHTIN; VOLOCHINOV, 2011, p. 154.

9 BAKHTIN, 1993, p. 50.

10 Idem, 2006b, p. 96.

surgem unicamente no processo de seu empre-go vivo em um enunciado concreto. Em si mes-mo, o significado de uma palavra (sem referên-cia à realidade concreta) é extra-emocional.11

Assim sendo, nem o poder ou qualquer outro objeto/signo/valor, construídos nas re-lações humanas, vivem pulando pelo meio da rua, como observa Miotello, tendo vida própria e autônoma, são as relações entre o outro e eu o ponto de partida constituidor de qualquer realidade humana12.

Alteridade e Identidade

Visto que adentramos o processo de humanização por meio da linguagem num contexto social concreto, e é na relação da alteridade que nos constituímos ao longo da vida, então toda a presença e ação do eu se dá em correlação com a alteridade. Bakhtin assevera que vivemos em um mundo de pala-vras do outro, e que toda a nossa vida é uma orientação neste mundo, é reação às palavras dos outros (dentro das infinitas possibilidades de manifestação dessa reação), desde o pro-cesso de assimilação inicial do discurso até a assimilação das riquezas da cultura humana, a palavra do outro é uma condição de toda ação do eu13.

Ponzio enriquece esse pensamento ins-tituindo o diálogo como a condição da exis-tência do eu. O diálogo não é uma iniciativa ou concessão do eu, o diálogo faz parte da constituição do eu, é a condição sem a qual este não pode subsistir, o diálogo não é um presente do eu, pelo contrário, o eu individual de cada um é um presente do diálogo.

O falante não se manifesta no diálo-go, como se fosse já dado fora dele, como se tivesse um caráter definido antes, nem o diálogo é prelúdio para a sua realização fora dele. O falante se realiza no diálogo e apenas nele.14

11 Idem, 2006a.

12 MIOTELLO, 2011.

13 BAKHTIN, 2006a.

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O sujeito é, então, respondente, sendo que sua ação é sempre resposta a uma com-preensão da ação do outro, e assim o sujeito também é responsável, pois responde pelo sentido construído que desencadeou sua ação. Geraldi complementa que somos res-ponsáveis pela compreensão construída, a qual passa a ser o sentido do evento que an-tecedeu e provocou minha ação, ou melhor dizendo, duplamente responsáveis, pois as ações que essa minha ação desencadeará (de outros ou minhas próprias) resultarão de uma compreensão que remete ao meu ato e tam-bém ao ato do qual meu ato foi resposta15. É a relação da alteridade, portanto, que funda a responsabilidade. Bakhtin, no que se refere às relações alteritárias que nos são constitu-tivas, afirma que “O homem não pode juntar a si mesmo num todo exterior relativamente concluído”16 e, portanto, tem uma necessida-de estética absoluta do outro (necessida-de sua visão e de sua memória), pois ele é capaz de lhe pro-porcionar um acabamento externo. Os acaba-mentos que o outro nos dá, por conta do lugar único e exotópico que ocupa e sua visão exce-dente17 de nós, à qual não temos acesso, cons-titui a nossa individualidade: “Nossa individu-alidade não teria existência se o outro não a criasse”.18 O homem, vivendo no seio de seu grupo social, obrigatoriamente é constituído e constitui. Assim, segundo Bakhtin, “a uni-dade do todo condiciona os papéis únicos e absolutamente irrepetíveis de todos os participantes”.19

Nas diferentes interações sociais, do encontro entre o eu e o outro (das palavras dele e de minhas contrapalavras), há sentidos construídos num contexto específico, senti-dos que não preexistem aos contextos nos

15 GERALDI, 2010.

16 BAKHTIN, 2006a, p. 55.

17 Conceitos como excedente de visão, distância (exotopia)

e acabamento, são próprios da estética bakhtinana, este autor, no entanto, transpassa estes conceitos para o mundo ético em vários de seus textos. (cf. Bakhtin 1993, 2006a , Geraldi 2010, Ponzio 2009).

18 BAKHTIN, 2006a, p. 55.

19 Idem, 1993, p. 63.

quais emergiram. Bakhtin adverte que o sen-tido não está na alma do falante, assim como também não está na alma do interlocutor, mas sim no processo animado da compreensão ati-va e responsiati-va, fruto da interação entre eles. É como uma faísca elétrica que só se produz quando há contato entre dois polos opostos20. Dadas as diferentes relações com o outro nos diferentes contextos, os acabamentos que nos são dados são sempre novos e provisó-rios, no sentido de que “a relação nunca é com somente um e mesmo outro e a vida não se resume a um e sempre mesmo tempo”.21

Na vicissitude da corrente contínua da interlocução entre eu e o outro, em que há a constituição mútua por via da linguagem, nos-sas identidades sociais são construídas e são múltiplas, “são estabilidades instáveis”.22

Para Bakhtin, a alteridade se encontra dentro do sujeito. Ponzio lembra que sujeito é ele próprio diálogo, e a linguagem é sempre alheia, é dada do exterior social (dos lábios alheios, nos contextos alheios, a serviço das intenções alheias), e permanece sempre mais ou menos alheia, apesar do nosso esforço em torná-la própria. As palavras próprias são, na realidade, palavras alheias que perderam as aspas. O outro é, nesse esteio, inseparável do eu, porém não pode ser englobado na totali-dade do eu, “o outro permanece refratário a toda categoria que queira eliminar sua alteri-dade e subjugá-lo à identialteri-dade do eu”.23

A identidade do eu é, portanto, uma ar-madilha. O diálogo sempre vai ser um empe-cilho para o fechamento, o enrijecimento da identidade do eu. Ponzio assevera que o eu já está em seus papéis e já é múltiplo

porque o papel me toma: sou pro-fessor, marido, pai, italiano, branco, masculino e muito frequentemente estes papéis não estão contentes juntos, mas brigam entre si. Certos dias eu quero ser o pai e, sou obri-gado, ao invés, a ser o professor e

20 Idem, 2006b.

21 GERALDI, 2010, p. 143. 22 Ibid., p. 112.

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Impulso, Piracicaba • 21(51), 43-49, jan.-jun. 2011 • ISSN Impresso: 0103-7676 • ISSN Eletrônico: 2236-9767

me pergunto que coisa escolher. Assim sou uma série de divisões. O eu é constitutivamente dialógico no sentido de que é dividido, que a

al-teridade é incorporada.24

São diversos, os papéis que constituem a identidade. Geraldi também nessa perspectiva observa que nossas identidades resultam da criação do outro, que, ao nos dar acabamen-to, nos permite olhar a nós mesmos com seus olhos, “como muitos são os outros em cujos olhos habitamos para dar-nos um acabamen-to, nossas identidades são múltiplas [...]”.25

Complementando com palavras de Mio-tello, “o que defendemos ser a identidade, precisamos estabelecer um outro lugar para sua constituição, que é a alteridade. Apenas o Outro pode constituir o Eu. Essa é a Revolu-ção Bakhtiniana”.26

Concluindo

A teoria de Bakhtin como vista aqui, interpretada e atravessada por palavras de autores contemporâneos, bem como por mi-nhas contrapalavras, aponta para a questão da identidade que não pode ser considerada como uma organização individual, uma vez

que o que individua e singulariza o sujeito lhe é dado pelo meio social. Para Bakhtin, no meio social tenso de relações sou constitu-ído, portanto é o outro que me organiza. O apagamento, as aspas perdidas, das muitas vozes que nos constituem acaba por nos con-frontar com uma exaltação do eu e com a re-presentação de uma identidade autônoma e incorruptível. Porém, a relação de alteridade é presente desde o mais tenro momento em que tomamos consciência de nós mesmos e é condição sine qua non para a identidade do eu. Ponzio reitera que, em uma perspectiva bakhtiniana, nosso encontro com o outro não se realiza com base no respeito e na tolerân-cia, os quais são iniciativas do eu, mas o outro impõe a sua alteridade irredutível sobre o eu, independentemente das iniciativas deste27. O eu não consegue conter a palavra alheia, a en-tonação alheia, os pensamentos alheios den-tro dos limites de sua identidade, tudo o que a alteridade constitui escapa à identidade do eu. A partir dessa filosofia, podemos concluir que, de fato, a identidade é uma concessão da alteridade. A identidade relaciona-se com a ilusão do domínio e da propriedade da pala-vra, quando deveras toda palavra é do outro, e a minha palavra é sempre uma resposta.

24 Idem, 2012, p. 52, grifo meu. 25 GERALDI, 2010, p. 112.

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Referências

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RAMOS, Bruna S., SCHAPPER, Ilka. “(Des)atando os nós da pesquisa na abordagem histórico--cultural”. In: FREITAS, Maria T. A, RAMOS, Bruna S. (Org.). Fazer pesquisa na abordagem históri-co-cultural: metodologias em construção. Juiz de Fora: Editora UFJF, 2010, p. 25-36.

Dados da autora: Renata Pucci

Mestre em Educação pela Universidade Metodista de Piracicaba – UNIMEP.

Recebido:14-10-2011 Aprovado:03-02-2012

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