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Devir-lebiste: Superando as subjetividades do medo em tempos de pandemia

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Devir-lebiste: Superando as subjetividades do medo em tempos de pandemia

Caio Maximino Doutor em Neurociências e Biologia Celular Instituto de Estudos em Saúde e Biológicas Líder do Grupo de Pesquisas em Neurofarmacologia e Psicopatologia Experimental

Considerações iniciais – o medo e a pandemia

Se há algo que define, de um ponto de vista das subjetividades, o estado de pandemia atual, esse algo é o medo.

Todos estamos paralisados por um medo de morrer. De contaminar o outro. De perder entes queridos. De perder o emprego. De não conseguir pagar as contas, de não conseguir o suprimento de emergência.

O que vem aí, ninguém sabe. Adivinha-se, teme-se que seja devastador. Em número de mortes, em sofrimento, em destruição. Mas, como não temos uma ideia clara do que poderá ser uma tal catástrofe, a ignorância e a confusão amplificam o nosso medo. Será um desastre planetário e regional, colectivo e individual, já presente e ainda futuro, conhecido e familiar, mas sempre longínquo e estrangeiro, destinado aos outros mas cada vez mais perto. Não é o simples medo da morte, é a angústia da morte absurda, imprevista, brutal e sem razão, violenta e injusta. Rebenta com o sentido e quebra o nexo do mundo (GIL, 2020).

O medo é um potente motivador de comportamentos antissociais. Assim como no caso da maior parte das espécies de animais não-humanos, nossas respostas típicas de medo são ativas quando possível (fuga e esquiva), e passivas (congelamento) quando a fuga é impossível, ou quando a ameaça não é imediata (MCNAUGHTON; CORR, 2004). O medo é um afeto triste, nos impede a ação, nos joga contra o que não queremos, nos afasta daquilo que acreditávamos fazer parte de nossa potência (SAFATLE, 2015). O medo é o afeto biopolítico mais fundamental para que o poder mantenha a coesão da vida social, uma máquina de criar corpos dóceis: “É dócil um corpo que pode ser submetido, que pode ser utilizado, que pode ser transformado e aperfeiçoado” (FOUCAULT, 1977, p. 126).

Os medos e ansiedades produzidas pela pandemia atual não se ligam somente ao medo da doença em si, mas também aos efeitos do isolamento social em que nos encontramos. A solidão produz efeitos transitórios ou crônicos (MASI et al., 2011; SHA’KED; ROKACH, 2017). Os efeitos de curto prazo envolvem sentimentos

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2 negativos, mas que costumam motivar os indivíduos a buscar conexões sociais (WEISS, 1973). Os efeitos crônicos, entretanto, estão associados a depressão e suicídio, maiores taxas de alcoolismo, e baixa qualidade de sono, todos importantes fatores de risco para o transtorno mental (CACIOPPO; HAWKLEY, 2003; HAWKLEY; CACIOPPO, 2003). A solidão produz ainda diversos efeitos psicofisiológicos, cardiovasculares, imunes, e endócrinos, incluindo níveis mais altos de atividade autonômica (p. ex., pressão sanguínea em repouso mais alta), piores indicadores de imunovigilância (p. ex., níveis mais baixos de lise de células natural killer), e níveis mais altos de hormônios do eixo neurovegetativo (p. ex., níveis mais altos de catecolaminas urinárias) (UCHINO; CACIOPPO; KIECOLT-GLASER, 1996).

Em uma pesquisa qualitativa com indivíduos com experiência vivida com transtornos mentais, HOLMES et al. (2020) sugeriram que o aumento do isolamento social e da solidão serão consequências importantes da pandemia da COVID-19 (http://www.acmedsci.ac.uk/COVIDmentalhealthsurveys). Algumas sugestões desse impacto já existem; utilizando o questionário PSCI-16, que avalia a percepção do grau de ligação com grupos de familiares, vizinhos, amigos, colegas e trabalho, e pessoas mais distantes (WANG et al., 2014), XIAO et al. (2020) demonstraram que indivíduos que se auto-isolaram devido ao surto de COVID-19 na China apresentavam dificuldades de sono, ansiedade, e sinais de estresse agudo, e que esses efeitos foram mediados pelo “capital social”. Esse construto é inversamente associado ao grau de solidão percebida (BIAN; LEUNG, 2015), sugerindo que a percepção de solidão pode mediar os efeitos do isolamento social em situação de pandemia na saúde mental.

Como espécie profundamente social, sofremos uma espécie de acedia moderna. A acedia, um dos oito pecados mortais instituídos por Evrágio Pôntico, é uma espécie de angústia depressiva, descrita como um estado de torpor e ausência de cuidado interior e exterior, estranhamento em relação a si mesmo e ao mundo que o rodeia (GLAS, 2003). Importante para o que nos interessa, a acedia foi notada na Antiguidade tardia e Idade Média em relação as monges e outros ascetas que mantinham uma vida de isolamento em monastérios no deserto (GLAS, 2003). O filólogo francês Roland Barthes, no curso “Como viver junto – Simulações romanescas de alguns espaços cotidianos” (BARTHES, 2013), nos dá a pista: "Acídia (moderna): quando já não se pode investir nos outros, no Viver-com-alguns- outros, sem poder, entretanto, investir na solidão → O dejeto de tudo, sem nem ao menos um lugar para esse dejeto: o dejeto sem lata de lixo".

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Crise, governamentalidade, e medo

Têm sido quase um truísmo que a crise da COVID-19 escancara relações biopolíticas e necropolíticas (VAN DEN BERGE, 2020). O conceito de biopolítica foi fundado pelo filósofo francês Michel Foucault (FOUCAULT, 2008a, 2008b) para descrever “os problemas postos à prática governamental pelos fenômenos próprios de um conjunto de viventes constituídos em população: saúde, higiene, natalidade, longevidade, raças…” (FOUCAULT, 2008b, p. 431). Apesar do termo nos guiar, hoje, para a ideia de uma política mediada pela biotecnologia, originalmente o termo se referia àquelas políticas que incidem sobre os corpos através de seus efeitos nas populações, e vice-versa. A biopolítica é uma governamentalidade que se segue ao poder disciplinar: é precisamente o conjunto de mecanismos e procedimentos técnicos que tem como objetivo fundamental ampliar o controle, mantendo uma relação de dominação da população: “ Na comunidade pandêmica, a vida social, a vida laboral, a vida escolar e a vida política, todas se contraem na vida doméstica antes de explodirem na vida em rede” (REYES, 2020).

É preciso, claro, abrir um parêntese para clarificar que a biopolítica precisa ser vista em lentes críticas, principalmente no contexto da pandemia da COVID-19. Se, por um lado, dispor do movimento e das vidas dos indivíduos e das populações é um movimento clássico do biopoder, não é por isso que se deve buscar um “gesto radical” de recusa. Fiquem em casa, protejam a si e aos outros. Mas é preciso também fazer a crítica do discurso do biopoder que gera medo:

Não se deve deixar que o biopoder decida arbitrariamente sobre a vida, prestando especial atenção aos índices de mortalidade, quando passam a se nutrir pelos falecidos entre os setores dominantes, mas não quando os que morrem são, em proporção majoritária, dos setores subalternos, minoritários, empobrecidos ou marginalizados da população. O biopoder não pode se subtrair das demandas por igualdade. Isso também deve ser conquistado para o presente e o futuro na crise dos coronavírus (TAPIAS, 2020)

Ora, o medo é, como apontei, um afeto biopolítico que diminui a potência. O resultado desse medo é o aprofundamento da passividade em relação aos movimentos do biopoder. Como aponta Acácio Augusto (2020), o discurso fundamental que se instalou em todos os níveis do governo é o da guerra:

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4 Isso é, também, um atendado contra a vida. Não contra a vida em geral, a Ideia de Vida, mas contra a vida real de cada um, a vida livre […] Por meio do discurso da guerra se empreende uma operação de guerra de fato, e esta atinge não ao vírus, mas os cidadãos [… Desta maneira, os controles sanitário-securitários são justificados como medidas duras, mas necessárias, medidas de exceção para uma situação sem precedentes, novamente, uma guerra. (AUGUSTO, 2020).

Esse movimento torna-se claro a partir do momento em que as ações tomadas não são aquelas voltadas para o combate efetivo da pandemia do ponto de vista de saúde pública (aquisição e distribuição de máscaras, testagem em massa, investimentos maciços na pesquisa de vacinas e medicamentos), mas na rápida ativação de dispositivos de controle:

Será que é muito difícil um esforço excepcional (ah!, a economia, essa deusa moderna que senta ao lado do deus Mercado!) para a produção de máscaras e testes em massa? Por que são tão rápidos em expandir os controles eletrônicos, os monitoramentos mútuos, as declarações de estado de sítio, a imposição do home office, mas tão lentos para a produção ou compra de testes ou máscaras? (AUGUSTO, 2020). Aos dispositivos brutais de controle que vemos ser estabelecidos em países como a China, por exemplo, soma-se, no Brasil, o que ingenuamente se atribui a uma “incompetência” do governo federal, que faz declarações estapafúrdias e se recusa a colaborar com as agências de saúde (do próprio governo!) para realizar rapidamente as ações de saúde. Digo “ingenuamente”, porque me parece que esse também é um projeto. O que controla a posição bolsonarista em relação à COVID-19 é, por um lado, as demandas da economia, da manutenção do lucro, do patronato; por outro, um profundo desdém pela vida dos indivíduos, especialmente aquelas e aqueles que pertencem às classes perigosas e às “minorias”. Não é à toa que, se a COVID-19 infectou primeiro os mais ricos (sendo “importada” para o Brasil por jet-setters e pessoas em turismo na Europa), quem está morrendo (e quem morrerá em massa com o colapso vindouro do sistema de saúde) são os mais pobres. São eles que, em nome da economia e do Mercado, se arriscam diariamente ao contágio, pela necessidade construída pela gig economy. Ao priorizar a economia e tripudiar da morte das minorias, o bolsonarismo coloca na boca dos intelectuais o que já parece um novo clichê: a política de saúde do governo federal é uma necropolítica, o que termo que Achille Mbembe usou para descrever o uso do poder social e político para ditar como algumas pessoas podem viver e como algumas devem morrer (MBEMBE, 2016):

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5 Saber que não estamos a sós nesta provação, ou que talvez sejamos muitos a escapar, não oferece senão um vão consolo. Na realidade, nunca aprendemos a viver com os vivos, a nos importar verdadeiramente com os danos causados pelo homem nos pulmões da Terra e em seu organismo. Portanto, jamais aprendemos a morrer. Com o advento do Novo Mundo e, alguns séculos depois, o surgimento das “raças industrializadas”, optamos, essencialmente, por uma espécie de vicariato ontológico: delegar nossa morte a outros e fazer da própria existência um grande banquete sacrificial (MBEMBE, 2020).

Mbembe, entretanto, aponta que essa “Morte Vermelha” não permanecerá fora dos palácios, no Outro:

Em breve, contudo, não será mais possível delegar a própria morte a outras pessoas. Elas não morrerão mais em nosso lugar. Seremos simplesmente condenados a assumir, sem mediação, nosso próprio falecimento. Haverá cada vez menos oportunidades de dizer adeus. A hora da autofagia está se aproximando e, com ela, o fim da comunidade – porque dificilmente haverá comunidade digna desse nome quando dizer adeus, isto é, recordar os vivos, não for mais possível (MBEMBE, 2020).

Soma-se a essa dimensão necropolítica outro domínio do medo, a informação. Uma importante recomendação da Organização Mundial da Saúde para proteger a saúde mental nos tempos de pandemia é a de se diminuir a quantidade de informações que consumimos sobre a COVID-19 e seus efeitos ( https://www.who.int/docs/default-source/coronaviruse/mental-health-considerations.pdf). O que parece uma “confusão” de informações contraditórias (os canais de TV e as campanhas do Ministério da Saúde afirmam uma coisa, as redes sociais – inclusive as redes de “fake news” – afirmar outra) é projeto:

a confusão midiática é uma das estratégias mais eficientes do bioterrorismo, política de estado que orbita o vírus. as notícias ruins chegam na velocidade do espirro por todos os canais: contaminam tudo. o pânico tem transmissão mais rápida que o vírus, repara… no fundo no fundo o vírus nos lembra que a morte há de chegar, sempre, y isso causa terror ao desejo colonial de imortalidade (NASCIMENTO, 2020).

O que se contrapõe, como potência, ao pânico, à sociedade do risco, à pandemia midiática, aos sistemas de controle sanitário-securitários, à “comunidade pandêmica”? A resposta parece vir precisamente de uma comunidade outra: “Para além da morte, da depressão e do desespero, que tão intensamente atravessam o coração da comunidade pandêmica, as pessoas clamam umas às outras por aquilo que não se encontra nas suas redes em casa, por uma vida que não se limita a viver, mas que vale a pena viver” (REYES, 2020).

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Apoio mútuo

Ironicamente, essa comunidade outra vêm sendo proposta, dentro dos movimentos progressistas, pelo menos desde o século XIX, sob o nome “apoio mútuo”. O geógrafo anarquista Pyotr Kropotkin publicou, em 1902, seu livro “Apoio mútuo: um fator de evolução”, em que descreve observações feitas em diversas “sociedades contra o Estado” nas quais a vida social harmoniosa, a identificação da vida individual com a da própria comunidade, e o conjunto de moralidade desenvolvido nessas sociedades (amizade, gratidão, compaixão, lealdade, generosidade, e por aí vai)(KROPOTKIN, 2012). Se existe tão grande variedade de formas-de-vida que se baseiam no mutualismo, no apoio mútuo, na solidariedade, qual seria a origem do individualismo irrefreável senão a organização social e econômica moderna?

Como anarquista, Kropotkin está interessado, claro, em entender como se pode construir as bases teórico-práticas para o apoio mútuo entre os de baixo. Por apoio mútuo, entende o intercâmbio voluntário e recíproco de recursos e ações para o benefício mútuo (KROPOTKIN, 2012). O apoio mútuo é mais facilmente produzido no nível comunitário (BOOKCHIN; BOINO; ENCKEL, 2003), e representa uma síntese entre o individualismo autônomo e o coletivismo corporatista. Essa síntese só é possível quando os indivíduos adquirem um insight sobre a vida do outro, uma abertura radical a todas as situações possíveis, e uma alta consciência do si-mesmo (KROPOTKIN, 2012). Inúmeras ações de apoio mútuo têm surgido durante a pandemia da COVID-19. Nos jornais, chama-se a atenção para um potente “movimento das varandas”, em que indivíduos atomizados buscam reconectar-se com suas comunidades. Esses movimentos, claro, têm visibilidade porque representam o apoio mútuo dos “assegurados”, daqueles que podem se isolar em suas casas e home offices. Mas há também um potente movimento de apoio mútuo vindo dos de baixo (mais informações em https://apoiomutuo.com.br/). Se, em grande parte a situação atual se deve à negligência dos governos e à incapacidade do capitalismo de atender nossas necessidades mais básicas, é também importante perceber que somos nós que melhor podemos dizer quais são essas urgências e qual é a melhor forma de supri-las, nos guiando por nossas particularidades individuais e das comunidades nas quais convivemos e construímos. O apoio mútuo não é somente uma saída para resolver uma

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7 emergência de saúde, mas também para, acima de tudo, fazer uma emergência de comunidade, fazer emergir novamente a comunidade.

Para isso, é preciso superar o medo.

Devir-lebiste

Uma das observações mais interessantes feita por Kropotkin é a de que não somente as formas-de-vida organizadas fora do “risco duplo” do Estado e do capitalismo baseiam-se extensamente no apoio mútuo, mas também o apoio mútuo estende-se para uma gama de espécies de animais não-humanos:

As espécies animais nas que a luta entre os indivíduos foi levada aos limites mais restringidos, e nas que a prática da ajuda mútua atingiu o máximo desenvolvimento, invariavelmente são as espécies mais numerosas, as mais florecientes e mais aptas para o máximo progresso. A proteção mútua, conseguida em tais casos e devido a isto a possibilidade de atingir a velhice e acumular experiência, o alto desenvolvimento intelectual e o máximo crescimento dos hábitos sociais, asseguram a conservação da espécie e também sua difusão sobre uma superfície mais ampla, e a máxima evolução progressiva. Pelo contrário, as espécies insaciáveis, na enorme maioria dos casos, estão condenadas à degeneração (KROPOTKIN, 2012, p. 131).

Serão necessários cem anos para que esse insight seja reincorporado à biologia evolutiva (DUGATKIN, 1997, 2011). O aparente paradoxo da evolução do altruísmo e do apoio mútuo foi resolvido teoricamente (AXELROD; HAMILTON, 1981; TRIVERS, 1971) e depois experimentalmente, com a demonstração de que muitas espécies de animais são capazes de cooperar com seus co-específicos (DUGATKIN, 1997).

Uma dessas espécies é o lebiste (Poecilia reticulata), um pequeno peixe teleósteo neotropical encontrado na América Central (principalmente Trinidad) e Amazônia. Essa espécie apresenta um curioso comportamento de inspeção de predadores: quando confrontado com um predador em potencial, um dos indivíduos deixa o cardume, e se aproxima do predador para conseguir mais informações sobre o risco real (DUGATKIN, 2013). Esse curioso comportamento é um paradoxo, do ponto de vista evolutivo, já que o animal que inspeciona aumenta o risco de morrer para beneficiar os outros animais do cardume. Parece um claro exemplo de apoio mútuo!

Demonstramos que o animal que inspeciona não é simplesmente mais “corajoso”: de fato, quando confrontado com um predador, o lebiste apresenta claros

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8 sinais comportamentais de medo (PIMENTEL et al., 2019). Entretanto, o lebiste “supera” seu medo e se aproxima do predador, produzindo vantagens para o cardume. O lebiste superar seu medo em favor do outro.

Precisamos de um “devir-lebiste”. “Devir” é um conceito filosófico discutido por diversos filósofos “da diferença” (de Heráclito a Nietzche), mas apontado especialmente pelos franceses Gilles Deleuze e Felix Guattari: “Que o devir funcione sempre a dois, que aquilo que se devém devenha tanto quanto aquele que devém, é isso que faz um bloco, essencialmente móvel, jamais em equilíbrio” (DELEUZE; GUATTARI, 1997, p. 112). Como lógica da mudança e da diferença, os devires se definem em campos de desdobramento das diferenças, de multiplicidades de forças que constituem os corpos em contato, em uma “zona de vizinhança”. O devir-lebiste é a superação do medo e do isolamento da pandemia em direção a uma nova posição, a dois, de apoio mútuo:

É preciso, primeiro, combater o medo da morte. Para tanto, dois requisitos essenciais, a recusa da passividade e o conhecimento do “inimigo”. Quanto mais activos, mais aptos, mais fortes para afastar o medo. Se bem que o medo acorde a lucidez, e neste sentido possa ser benéfico, sabemos que ele encolhe o espaço, suspende o tempo, paralisa o corpo, limitando o universo a uma bolha minúscula que nos aprisiona e nos confunde. Comunicar com os outros e com a comunidade é furar a bolha, alargar os limites do espaço e do tempo, tomar consciência de que o nosso mundo se estende muito para além dos quartos a que estamos confinados (GIL, 2020).

É esse “devir-lebiste” que nos retirará do medo e da ansiedade cotidianas e nos impedirá de produzir uma nova sociedade securitária, usando os dispositivos que já se estabeleceram. Criar novas conexões a partir do apoio mútuo pode ser, portanto, uma saída para a saúde mental na pandemia.

Referências

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