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O ATIVISMO POLÍTICO DOS SURDOS NO BRASIL: ORIGENS HISTÓRICAS

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Academic year: 2021

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O ATIVISMO POLÍTICO DOS SURDOS NO BRASIL: ORIGENS HISTÓRICAS

Fábio Bezerra de Brito Escola de Aplicação da Faculdade de Educação da Universidade de São Paulo Eixo Temático: Aspectos sociais das deficiências

Palavras-chave: Movimento social das pessoas com deficiência. Movimento social surdo. Lutas políticas das pessoas com deficiência.

1. Introdução

Para quem, nas últimas décadas, acompanhou a evolução das lutas das pessoas com deficiência por direitos no Brasil, é incontestável a visibilidade do ativismo político dos surdos, sobretudo na defesa de causas relacionadas à língua brasileiras de sinais (libras). Poucos grupos com deficiência têm conseguido mobilizar militantes e apoiadores para proteger seus interesses e expressar suas demandas de forma tão articulada e intensa perante a sociedade civil e o Estado, de modo a se afirmar como um ator social com participação incontornável e efetiva no desenho de políticas públicas que lhe dizem respeito. As manifestações do “Setembro Azul” em prol das escolas bilíngues para surdos comprovaram mais uma vez, no primeiro decênio deste século, o dinamismo e a força da militância surda (BRITO; NEVES; XAVIER, 2013).

Este texto, derivado de uma pesquisa de doutorado (BRITO, 2013), descreve aspectos do surgimento e formação de uma primeira geração de ativistas políticos surdos no Brasil, mostrando como sua inserção no contexto mais amplo do movimento social das pessoas com deficiência nos anos 1980 propiciou os recursos de mobilização e a base ideológica para a produção de suas ações coletivas, preparando o caminho para seu empoderamento e atuação autônoma em busca de direitos.

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O texto apresenta dados de uma investigação histórica desenvolvida em uma pesquisa de doutorado, os quais embasaram, em conjunto com a análise da literatura e de fontes orais sobre o assunto, um estudo descritivo visando explicar como se processou a participação de ativistas surdos nas atividades e eventos promovidos pelo movimento social das pessoas com deficiência nos primeiros anos da década de 1980, discutindo o significado desse engajamento na trajetória de militância política desses sujeitos, bem como sua influência na constituição de um movimento social surdo em separado dos outros grupos com deficiência.

3. Métodos

Foi realizada uma investigação histórica que, por sua natureza qualitativa, abarcou diferentes procedimentos de coleta de dados, sobressaindo-se a pesquisa documental em arquivos públicos e particulares, bem como a realização de entrevistas semiestruturadas com ativistas surdos. Foram compulsados ainda acervos de depoimentos orais de lideranças e membros do movimento das pessoas com deficiência no Brasil. Os dados obtidos foram confrontados e examinados à luz da bibliografia sobre os temas estudados.

4. Resultados

A revisão da literatura e a pesquisa histórica que conduzimos convergem ao situar historicamente o surgimento do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil no contexto de abertura política e redemocratização, na passagem dos anos 1970 para os 1980, comprovando que foi fortemente influenciado pela iniciativa da Organização das Nações Unidas (ONU) de declarar 1981 como Ano Internacional das Pessoas Deficientes (AIPD).

Os materiais de preparação e divulgação do AIPD, que apregoavam novas concepções sobre a deficiência e os direitos das pessoas com deficiência sob a divisa “participação plena em igualdade de condições”, tiveram enorme repercussão no país. O ambiente de conscientização e mobilização estimulou a formação de um movimento social que articulava grupos e organizações de pessoas com deficiência, além de familiares de pessoas com deficiência, profissionais de reabilitação e de educação. Dentre outras demandas, este

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movimento reivindicava a aprovação de leis, a implantação de políticas públicas e a transformação nas relações existentes nas diversas instituições da vida social, visando assegurar igualdade de condições entre as pessoas com e sem deficiência (NASCIMENTO, 2001; CRESPO, 2009).

Não por acaso, o AIPD é relembrado pelos membros desse movimento como sendo uma experiência ao mesmo tempo cultural, social e política, que teria transformado mentalidades, inclusive a dos próprios ativistas, que passaram a atribuir outro significado à palavra

“deficiente”, desvinculando-a das conotações hegemônicas de pena e doença. Nesse pensar e agir coletivos, os ativistas com deficiência passaram a se ver e a atuar enquanto sujeitos de direitos e protagonistas das escolhas relacionadas às situações de suas próprias vidas (CRESPO, 2009; LANNA JÚNIOR, 2010; SÃO PAULO, 2011).

Os encontros políticos, locais e nacionais, no começo da década de 1980, foram os principais espaços para a produção e circulação das novas ideias e atitudes entre os membros do movimento. O primeiro encontro nacional, ocorrido em 1980, reuniu cerca de mil ativistas, provenientes de várias localidades do país, sendo que a participação de militantes surdos foi bem reduzida, pois havia apenas uma organização de surdos, dentre as 39 entidades credenciadas. De acordo com as lideranças surdas entrevistadas, essa baixa representatividade decorria da barreira da comunicação, causada pela ausência ou pouco disponibilização de intérpretes, sendo que os próprios ativistas surdos tiveram que encontrar meios para contornar essa dificuldade, como improvisar os seus próprios intérpretes (BRITO, 2013).

Já no segundo encontro nacional, em 1981, o líder surdo Antônio Campos de Abreu relata que, apesar da presença de apenas um intérprete oficial, “[...] surdos foram lá, muitos surdos foram chamados. Isso aumentou, teve muito movimento. [...] havia surdos do Paraná, de Brasília, de Recife, do Rio, da Bahia e do Ceará. Foi positivo” (apud LANNA JÚNIOR, 2010, p. 173). Em meio a essa efervescência militante, encontrava-se ainda a ativista surda Ana Regina e Souza Campello, que se recorda da sua participação, ainda em 1981, no Congresso Brasileiro de Pessoas Deficientes, como um momento de inflexão no seu conhecimento e percepção sobre a surdez e os direitos das pessoas surdas (CAMPELLO, 2008).

Nesse sentido, Crespo (2009, p. 128) constatou que “[...] os encontros nacionais tiveram um papel fundamental para a conscientização [...] e amadurecimento das lideranças [do movimento social das pessoas com deficiência]”, o que, de acordo com nossa pesquisa, pode

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ser estendido aos ativistas surdos, para os quais, a participação nas ações coletivas desse movimento social foi um verdadeiro aprendizado. Afinal, enquanto se engajavam nos debates, manifestações, produção de materiais, audiências públicas e entrevistas para a mídia, os ativistas surdos, de um lado, eram recompensados pelo fortalecimento interno deles próprios – ganhando consciência política, autoestima, orgulho e senso de coletividade –, do outro, testemunhavam os avanços obtidos no campo político-institucional, com aprovação de leis, criação de políticas públicas e liberação de recursos estatais.

5. Discussão

Nos princípios dos anos 1980, a participação de ativistas surdos no movimento das pessoas com deficiência resumia-se a poucos membros, cuja experiência prévia de agir coletivo se dera em associações de surdos de alcance local. Apesar de as associações de surdos serem normalmente descritas pela literatura como “[...] apolíticas [...]” (FERREIRA BRITO, 2003, p.

9), as entrevistas que realizamos mostram que essas associações serviram de base à atuação política posterior de uma primeira geração de ativistas surdos. Tais associações, portanto, serviram de porta de entrada para as informações e os materiais dos eventos ligados ao AIPD e ao movimento das pessoas com deficiência, como também era nelas que se deu o desenvolvimento das redes de relacionamento que originaram o movimento social surdo.

6. Conclusões

O texto demonstra a importância da participação de ativistas surdos no movimento social das pessoas com deficiência. Essa inserção, ainda que minoritária na comparação com ativistas de outros grupos de deficiências, permitiu que eles vivenciassem uma experiência de militância, ao interagir com representantes das outras deficiências, de uma forma geral mais bem articulados politicamente, em um ambiente dinâmico, no qual novas ideias e atitudes acerca da deficiência e dos direitos das pessoas com deficiência eram discutidas, produzidas e partilhadas entre os membros do movimento, conferindo significado às suas ações coletivas.

Essa experiência contribuiu para dar forma e sentido ao movimento social surdo, quando se deu a segmentação do movimento social das pessoas com deficiência, em meados dos anos

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1980, influenciando a sua ideologia e a sua práxis. Para os ativistas surdos dessa época, a luta por direitos sociais ligados à integração social, à acessibilidade e à comunicação visavam assegurar à pessoa surda a igualdade de oportunidade com relação às pessoas sem deficiência, uma condição que eles viam como indispensável ao exercício pleno da cidadania pelos surdos.

Referências

BRITO, F. B. O movimento social surdo e a campanha pela oficialização da língua brasileira de sinais (Tese de Doutorado). Faculdade de Educação, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2013.

BRITO, F. B.; NEVES, S. L. G.; XAVIER, A. N. O movimento surdo e sua luta pelo reconhecimento da LIBRAS e pela construção de uma política linguística no Brasil. In: ALBRES, N. A.; GRESPAN, S. L. (Org.). LIBRAS em estudo: política lingüística. São Paulo: Editora FENEIS, 2013, p. 67-103.

CAMPELLO, A. R. S. Pedagogia visual na educação dos surdos-mudos (Tese de Doutorado). Faculdade de Educação, Universidade Federal de Santa Catarina, Florianópolis, 2008.

CRESPO, A. M. M. Da invisibilidade à construção da própria cidadania: os obstáculos, as estratégias e as conquistas do movimento social das pessoas com deficiência no Brasil, através das histórias de vida de seus líderes. (Tese de Doutorado). Faculdade de Filosofia, Letras e Ciências Sociais, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2009.

FERREIRA BRITO, L. F. Legislação e a língua brasileira de sinais. São Paulo: Ferreira e Bergoncci Consultoria e Publicações, 2003.

LANNA JÚNIOR, M. C. M. (Comp.). História do movimento político das pessoas com deficiência no Brasil. Brasília: Secretaria Nacional de Promoção dos Direitos das Pessoas com Deficiência, 2010.

NASCIMENTO, R. B. A visão parcial da deficiência na imprensa: revista Veja (1981-1999) (Dissertação de Mestrado). Escola de Comunicações e Artes, Universidade de São Paulo, São Paulo, 2001.

SÃO PAULO (Estado). Secretaria dos Direitos da Pessoa com Deficiência. Memorial da Inclusão. 30 anos do AIPD: Ano Internacional das Pessoas Deficientes 1981-2011. São Paulo: Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 2011.

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