Quarenta dias
O
Autora: Maria Valéria Rezende
OPublicação: 2014
O
Literatura contemporânea
O
Livro vencedor do Prêmio Jabuti (maior
premiação literária do brasil) em 2015
O
Temas: o idoso, o sem-teto, o imigrante, o
processo de perdão, o choque cultural
Estrutura
O O livro é narrado em 1ª pessoa pela professora
aposentada Alice, que, obrigada pela filha, sai de João Pessoa-PB para Porto Alegre-RS, com a missão de cuidar do neto que iria nascer. De forma inesperada, Alice se vê sozinha em uma cidade desconhecida e passa a perambular pelas ruas da capital gaúcha, numa jornada que dura quarenta dias.
Estrutura
O Depois da vivência, a narradora-protagonista faz da
escrita um “desabafo” em um caderno escolar com a personagem Barbie na capa. O livro que estamos lendo seria esse caderno “passado a limpo”, acrescido de citações de livros colhidas em sebos, panfletos e papéis colhidos na rua.
O Assim, o livro de 245 páginas se divide em 32
1. Epígrafes - citações feitas na abertura de cada capítulo.
São frases retiradas de livros que a protagonista folheava em sebos durante suas andanças por Porto Alegre. São referidos trechos de escritores como o obscuro Augusto dos Anjos, os modernistas Carlos Drummond, Mário de Andrade e Lêdo Ivo; a contemporânea Elvira Vigna (autora de Vitória Valentina); a portuguesa Lídia Jorge; a alemã Herta Müller; e o britânico Lewis Carroll, autor de Alice no País das Maravilhas. Naturalmente, as citações se encaixam em cada momento do relato.
2. Interlocuções com Barbie:
Na abertura e/ou no encerramento da maior parte dos capítulos (não em todos), a narradora se dirige à Barbie. A solidão da narradora, que, sem ter com quem partilhar suas agruras, passa a imaginar a boneca Barbie da capa de seu caderno como confidente.
A “conversa” de Alice com Barbie é pontuada pela ironia, evidenciando um ponto de vista crítico sobre a superficialidade da sociedade de consumo (observe as expressões em língua inglesa, como “my dear”) e sobre os papéis conferidos à mulher nessa sociedade: a passividade (característica que Alice descobre em si mesma e supera ao longo de sua jornada), a obsessão pela aparência estereotipada (Alice se desapega do visual quando mergulha no submundo das ruas; por outro lado, a filha fazia dietas e decorava ambientes de acordo com a “moda”.)
3. Ilustrações:
Ao longo do livro, entremeando alguns capítulos, temos 16 ilustrações que reproduzem pedaços de papel em que a narradora fez suas anotações durante os quarenta dias. São panfletos, folders, notas, comandas, que ficam como resíduo e comprovação da jornada de Alice.
4. A narração:
Alice despeja em seu caderno suas impressões sobre a vida; alguns flashbacks sobre a Paraíba e sobre a relação com a filha; e, principalmente, o relato da jornada de quarenta dias nas ruas de Porto Alegre. É importante atentar para a diferença entre o momento da narração (o ato de contar a história) e o momento do narrado (quando os fatos contados já são passado).
Intertextualidade
Além das epígrafes já mencionadas, o texto de Maria Valéria Rezende produz duas fortíssimas relações de intertextualidade:
Alice no país das maravilhas
Na famosa obra de Lewis Carroll, uma garota chamada Alice que cai em uma toca de coelho e é transportada para um mundo fantástico, repleto de criaturas extraordinárias, em uma atmosfera onírica (de sonho). A relação da obra de Maria Valéria Rezende com o clássico de Carroll chega a ser explicitada pela própria narradora, que se refere várias vezes à sua “xará” e nos conta sobre sua sensação de “encolhimento” (assim como ocorre com a menina das Maravilhas)
Alice no país das maravilhas
O “Quando Umberto embicou o carro num portão, diante de um prédio qualquer daquela cidade nenhuma, acionou um controle remoto e entrou, parando ao lado de uma guarita, encolhi-me ainda mais, Alice diminuindo, diminuindo…»
[...]
O “… acordei logo cedo, disposta a deixar pra lá o ressentimento, ser realista, encarar as coisas como eram agora, como gente grande, voltar ao meu tamanho normal…”
Alice no país das maravilhas
O nome da heroína se soma à ideia de um “mergulho” em outra realidade: o choque cultural entre a nordestina e o sul; e a imersão por quarenta dias no submundo da miséria, da exclusão social, da mendicância e da loucura. Assim, “Quarenta Dias” é como “Alice no País das Maravilhas” às avessas, e esse caráter de paródia se pode observar na expressão usada pela relatora: “País das maravilhas cruéis”.
Poliana
ePoliana moça
Livros de Eleanor H. Porter:Poliana era uma pobre órfã criada por uma tia rica e severa. Sua trajetória de superação se baseia no “jogo do contente”, aprendido com o falecido pai: a busca de um sentido positivo para tudo, mesmo nas situações mais adversas.
“Poliana Moça” é a continuação da história, quando, já crescida, a heroína vai para uma cidade grande (Boston) e fica hospedada na casa de uma senhora depressiva. Poliana descobre que a tristeza da mulher se devia ao fato de ela ter um sobrinho desaparecido. Bondosa, a mocinha tenta encontrar o garoto.
Poliana
ePoliana moça
Repare que Alice, ao longo do livro faz referências a si mesma como a “professora Póli”* (polivalente, “boazinha”, “certinha”).
Sua tentativa de agir com otimismo diante da filha é chamada pela narradora de “jogo do contente”. Além disso, ao longo da trama, Alice acaba se envolvendo na busca por Cícero, filho desaparecido de uma conhecida da Paraíba.
Poliana
ePoliana moça
*A denominação “Póli” também pode ser uma brincadeira, construindo uma oposição Polly (mais simples e ingênua) x Barbie (mais sedutora, consumista, brinquedo de menina rica). Poderíamos pensar na oposição entre Alice x Norinha, respectivamente.