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A REPRESENTAÇÃO DE PERSONAGENS FEMININAS NOS CONTOS DE SALMA FERRAZ

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Academic year: 2021

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A REPRESENTAÇÃO DE PERSONAGENS FEMININAS NOS CONTOS DE

SALMA FERRAZ

Karen Cristina de Medeiros1 Resumo: A ascensão da literatura de autoria feminina está diretamente ligada aos movimentos feministas, pois foi através deles que a mulher conquistou seu espaço na sociedade. Para entender como se constrói essa literatura, no entanto, é necessário perpassar – mesmo que brevemente – pelos caminhos históricos das lutas feministas. Feito isso, pretende-se mostrar neste estudo como são construídas as personagens femininas nas obras da autora paranaense Salma Ferraz, sendo estas: Em nome do homem (1999), A ceia dos mortos (2012) e Nem sempre amar é tudo (2012). Procura-se descobrir, através da análiProcura-se da repreProcura-sentação das personagens femininas, em que universo ideológico elas estão inseridas, se elas representam a ideologia patriarcalista ou subvertem tal pensamento tradicional.

Palavras-chave: Literatura de autoria feminina. Personagens femininas. Salma Ferraz.

O presente trabalho está inscrito nos estudos de gênero e crítica feminista, pois teve como objetivo fazer um levantamento da produção literária da autora Salma Ferraz, estudando a representação das personagens femininas nas obras dessa autora, sendo estas Em nome do homem (1999), A ceia dos mortos (2012) e Nem sempre amar é tudo (2012). O trabalho está, ainda, inscrito na linha de pesquisa “Representação”, proposta pelo GT da ANPOLL – A mulher na literatura. Tal delimitação se dá devido ao intuito de estudar os modos de representação das mulheres nos textos literários produzidos por mulheres a partir de uma visão crítica feminista.

Os estudos de gênero estão associados aos estudos sociais e filosóficos da pós-modernidade, pois juntos formam campos teóricos que “desvendam a experiência humana” (CARDOSO & GOMES, 2007, p.11) e abrem novos paradigmas sociais. Ambas as vertentes desconstroem as verdades consideradas hegemônicas, como as ideologias tradicionais, ou seja, elas desconstroem conceitos tradicionais e apontam novas formas de análise para os objetos sociais, como faz a literatura de autoria feminina.

Esta pesquisa, por ter como corpus obras ficcionais femininas, pretende revelar como a escritora concebe a visão da mulher ao representar as personagens femininas, pois o “seu olhar feminista filtra novas percepções sobre as mulheres e os excluídos socialmente” (DALCASTAGNÈ, 2005, p.11). Por esta razão, considera-se que essas narrativas de autoria

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feminina apresentam – ou deveriam apresentar – o olhar da mulher que é diferenciado e subversivo em relação à cultura falocêntrica.

Como bem aponta Zolin (2011, p. 63), a literatura feminina brasileira foi uma realidade tardia em relação a certos países estrangeiros. Ao estender essa realidade para o estado do Paraná, um estado tradicional, a dificuldade em consolidar uma literatura feminina foi ainda maior. Se escritores paranaenses como Paulo Leminski, Dalton Trevisan e Ermiliano Perneta alcançam o público nacional, autoras como Helena Kolody, Júlia da Costa e Luci Collin não obtém o mesmo sucesso.

De uma forma abrangente, Regina Dalcastagnè (2005), acredita que as minorias estão representadas nas obras literárias de forma excludente devido à invisibilidade desses grupos na sociedade. Seu estudo da personagem no romance brasileiro intitulado A personagem do romance brasileiro contemporâneo: 1990 – 2004 buscou, inicialmente, mapear um grupo que não estava presente na grande maioria dos textos literários: os pobres e os negros. Com sua pesquisa, constatou-se que outros grupos também estavam nessas minorias, como os homossexuais, os deficientes, os velhos e as mulheres. Dalcastagnè (2005) observou que nas narrativas os lugares de fala são monopolizados pelos homens, heterossexuais, brancos, de classe média a alta, moradores da área urbana e que legitimam, dessa forma, a cultura tradicional. Observou-se, deste modo, que até o século XIX, a Literatura estava marcada essencialmente pelo universo masculino.

Sendo a literatura de autoria feminina um novo nicho literário, surgem estudos para descobrir o que é essa literatura e não para dizer se ela é melhor ou pior que aquela feita por homens (Cf. COELHO, 1993, p. 12). Pretendeu-se, portanto, neste estudo, entender como a literatura feminina é construída através das escolhas que estão presentes em tal universo literário.

Este trabalho pretendeu, ainda, dar espaço a essa literatura considerada pelo discurso oficial como uma subliteratura e retirar, desta forma, o estigma europeu que perpassa as manifestações escritas destoantes dos modelos do cânone ocidental. Primeiramente, entretanto, é necessário fazer uma abordagem histórica de como a literatura feminina se constituiu e, para isso, é imprescindível buscar as raízes históricas do movimento feminista no Brasil.

Relação entre o Movimento Feminista e a Literatura de autoria feminina brasileira

A ascensão da literatura de autoria feminina do século passado explica um fenômeno cultural inegável: o interesse pelo diferente. Entende-se pelo diferente aquilo que foge aos padrões

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da cultura dominante, neste caso, o homem branco, heterossexual, disseminador da cultura patriarcalista.

Ao longo da história, é possível constatar que a mulher nem sempre teve sua voz ouvida, seja por meio da literatura, da política, da mídia, etc. As sociedades greco-romanas, por sua vez, disseminaram fortemente os valores de desigualdade entre os sexos ao considerar que a mulher possuía “como função primordial a reprodução humana” (ALVES & PITANGUI, 1985, p.11), enquanto o homem cuidava do que estava fora de casa. Percebe-se, desta forma, que a tradição que ditava que o homem deveria trazer o sustento para a família enquanto a mulher deveria cuidar da casa e dos afazeres domésticos e filhos, possui uma raiz histórica. Foi com as grandes Guerras Mundiais que esse papel começou a sofrer modificações, pois como seus maridos passavam longos períodos longe de casa, as mulheres precisaram assumir os negócios da família ou tiveram que sair em busca de emprego. Este foi o primeiro avanço feminino na sociedade.

O segundo grande avanço da mulher foi o direito ao voto após muitas lutas empreendidas pelo movimento feminista desde meados do século XIX. Em 1932 Getúlio Vargas promulgou por decreto-lei o direito de voto às mulheres, enquanto este, entretanto, já estava sendo exercido em vários estados do país.

Com o fim da guerra, no entanto, e com volta dos homens ao mercado de trabalho passou-se a valorizar mais fortemente a diferenciação dos sexos na sociedade, atribuindo à mulher o espaço doméstico para que esta cedesse a mão de obra para os homens. A mídia enfatizava “a imagem da ‘rainha do lar’, exacerbando-se a mistificação do papel da dona de casa, esposa e mãe” (ALVES & PITANGUI, 1985, p. 50).

A luta da mulher pela igualdade de direitos entre os sexos, a partir dos anos 1960 cresce com os movimentos organizados das feministas. Aconteceu nesse período uma grande produção da literatura científica e de ficção sobre e feita por mulheres. Surge, assim, uma literatura que dá voz a essas “minorias” que foram sufocadas pelos valores dominantes durante séculos. No entanto, o cerne da mudança desses valores ocorre na sociedade, fazendo com que eles se reflitam na literatura. Como se pode perceber, as lutas pelos direitos das mulheres datam bem antes do século XIX no Brasil, porém, elas se intensificam nos anos 1960. Assim como, na sociedade, a mulher estava ganhando maior espaço, no campo literário não foi diferente.

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Este trabalho teve como objetivo descobrir como são construídas as personagens femininas que integram as obras da autora Salma Ferraz, sendo estas Em nome do homem (1999), A ceia dos mortos (2012) e Nem sempre amar é tudo (2012). Para dar conta desse objetivo, para cada personagem considerada importante para o desenvolvimento da trama, preencheu-se uma ficha, contendo os seguintes dados: posição da personagem na narrativa (protagonista, narrador e/ou coadjuvante), sexo, ocupação, idade, orientação sexual, cor, estrato social, relações sociais, época em que se passa a narrativa e tipo de morte da personagem, quando houvesse. Além disso, a ficha continha informações sobre a autora do livro e sobre sua obra como: nome da obra, nome da autora, profissão, cidade da autora, biografia, filiação, fortuna crítica, ano de publicação, edição do volume, idade da autora ao publicar, nome da editora, cidade da editora, caráter da editora, número de páginas e se a obra havia sido adquirida. Após o preenchimento de todas as fichas, essas informações foram lançadas no software Sphinx, um programa que permite o tratamento dos dados para poder ser feita a interpretação. Ao concluir a leitura de todos os livros e implantar as informações no software Sphinx, chegou-se a um panorama bastante amplo dos perfis das personagens.

Há uma dificuldade em traçar o perfil exato em relação às personagens femininas. De 48 personagens consideradas importantes para a construção do enredo, 27 são mulheres, ou seja, mais da metade. TABELA 1 PERSONAGENS MASCULINOS (%) PERSONAGENS FEMININOS (%) PERSONAGENS SEM ESPECIFICAÇÃO DO SEXO (%) TOTAL (%) 43,75% 56,25% 0% 100 %

Dalcastagnè observa que as escritoras criam muito mais personagens femininas do que os seus colegas de profissão. Uma das possíveis causas seria o grande avanço do feminismo que deslegitima os homens “para construir a perspectiva feminina” (DALCASTAGNÈ, 2005, p. 37).

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Assim, a explicação para o maior foco na figura feminina nos livros analisados é a preocupação da escritora moderna em mergulhar no oceano profundo da alma feminina.

TABELA 2

Posição das personagens femininas

Protagonista Protagonista e narradora

Narradora Coadjuvante Narradora e coajuvante

14 7 1 4 1

Nesta segunda tabela percebe-se que a posição ocupada pelas personagens femininas nos contos analisados é em grande parte como protagonista e em segundo lugar como protagonista e narradora. Isso sugere que a mulher contemporânea está deixando de ser mera coadjuvante das histórias de outros – geralmente homens – para se tornar a principal voz narradora de sua própria história, de suas próprias ações.

Ainda que a mulher seja muito mais representada nos contos de Salma Ferraz é preciso olhar de que forma ela é representada: será que essa representação não reforça os estereótipos machistas de nossa sociedade? O resultado obtido é, de certa forma, contraditório. Percebe-se que há duas facetas na representação feminina: o espírito libertário da mulher que venceu a força opressora vigente, assim como o da mulher ainda vista como a dona do lar e reprodutora da espécie humana. Em vários contos elas ocupam as posições de dona de casa, empregada doméstica ou suas ocupações não estão nem especificadas. Em contrapartida os ofícios das personagens do sexo masculino possuem maior prestígio social, como o de político, empresário, etc.

Percebe-se, portanto, um desequilíbrio entre os dois sexos. Tal resultado poderia ir contra o pressuposto de que nas obras de autoria feminina as personagens do sexo feminino não seriam discriminadas, uma vez que as autoras desafiam o cânone literário. O que se pode entender, no

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entanto, é que quando a autora lança mão dessas personagens que representam os valores tradicionais, ela coloca em cheque, justamente, esses valores. Não há uma reafirmação da ideologia patriarcalista, ao contrário, existe uma crítica latente imersa na composição de alguns personagens e de alguns enredos.

Considerações finais

A figura feminina veio de um passado marcado pela sujeição ao homem e tem conquistado seu espaço através das lutas feministas. Através deste trabalho, observou-se que tais conquistas estão também presentes na Literatura, espaço antes reservado apenas ao domínio masculino. Essa Literatura de autoria feminina, em parte, desestabiliza e rompe com a tradição e com o cânone literário, marcados pela figura do homem branco, de classe alta e detentor do poder social e político. Percebeu-se, ainda, que quando a autora traz para sua obra figuras femininas que possuem os valores da ideologia patriarcalista, ela não está reafirmando e sim, colocando em cheque esses valores.

Referências

ALVES, Branca Moreira; PITANGUY, Jacqueline. O que é feminismo. São Paulo: Brasiliense, 1985.

DALCASTAGNÈ, Regina. A personagem do romance brasileiro contemporâneo: 1990-2004.

Estudos de Literatura Brasileira Contemporânea, n.º 26. Brasília, julho-dezembro de 2005, pp.

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CARDOSO, Ana Leal; GOMES, Carlos Magno. (Org) Do Imaginário às Representações na Literatura. Aracaju: Editora UFS, 2007.

COELHO, Nelly Novaes. A literatura feminina no Brasil Contemporâneo. São Paulo: Siciliano, 1993.

FERRAZ, Salma. Em nome do homem. Rio de Janeiro: Sette Letras, 1999. _____________. A ceia dos mortos. 2ª ed. Blumenau: Edifurb, 2012. _____________. Nem sempre amar é tudo. Blumenau: Edifurb, 2012.

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ZOLIN, Lúcia Osana. Escritoras paranaenses: questões de estética e de ideologia. In: ZOLIN, Lúcia Osana; GOMES, Carlos Magno (org). Deslocamentos da escritora moderna. Maringá: Eduem, 2011.

The representation of feminine personages in the Salma Ferraz’s stories

Astract: The rise of feminine authorship in literature is directly linked to feminist movements as it was throught them that the woman won her place in society. However, to understand how this literature is built, it is necessary to pervade – even briefly – the historical paths of feminist struggles. That done, this study intends to show how the feminine personages in Salma Ferraz’s books – a writer from Paraná – are constructed, these being: Em nome do homem (1999), A ceia dos mortos (2012) and Nem sempre amar é tudo (2012).The ideia is to discover, by examining the representation of feminine personages, in which ideological universe they are located, whether they represent the patriarchal ideology or subvert this traditional thinking.

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